Guiné > Bissau > Nhacra> c. 1973/74 > Na piscina do quartel... O Eduardo Campos aparece em primeiro plano, a bricnar com um cãozinho.
1. O Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74) foi um dos nossos camaradas que melhor conheceu Nhacra onde permaneceu quase um ano, até ao fim da guerra... Tem cerca de 6 dezenas de referências no blogue. Mora na Mora e faz parte da Tabanca Grande desde 21/5/2008. É autor da série "Histórias do Eduardo Campos". Algumas delas têm interesse documental para se conhecer melhor como era o quotidiano da NT nos últimos anos da guerra da Guiné. E estão, em geral, devidamente recheadas com o "piripiri" do humor de caserna (*).
A fome aguça o engenho: roubar vacas, não prenhas, aos balantas de Nhacra, com recurso ao serviço de um "ginecologista"; e "pescar" galinhas com anzol...
por Eduardo Campos
Como nada de importante acontecia em Nhacra, os dias eram passados de uma forma totalmente diferente das matas do Cantanhez, e, acreditem que por vezes, surgiam-nos as saudades. A vida era tornava-se demasiado sedentária.
As alternativas encontradas, para fugir à rotina, eram as idas a Bissau, e, já que a alimentação nunca foi algo digno desse nome em Nhacra, aproveitava estas saídas para ir ao Pelicano, à Churrascaria de Santa Luzia, ao Bento, etc. Assim, evitava que a “dieta” que me tinha sido imposta, fosse levada muito a sério.
Por falar de alimentação, enquanto no Cantanhez suportávamos tudo, por vezes até com um sorriso, em Nhacra as coisas eram diferentes. O pessoal ficou mais rebelde e negou-se a comer duas vezes. Houve dois levantamentos de rancho. Um dos quais teve como resultado, que passadas duas horas do início do levantamento, estávamos a comer um bacalhau cozido com batatas, que parecia ter sido confecionado no Hotel Hilton.
Embora não estivesse de oficial de dia nessa data, foi o nosso camarada e amigo tabanqueiro Vasco Ferreira (ex-alferes mil da CAÇ 4540), que resolveu o problema.
A dificuldade em adquirir gado bovino (como já disse em poste anterior , o povo, por motivos religiosos e tradicionais, não o vendia) (**), dava origem a que, um grupo de camaradas acompanhado de um especialista em ”ginecologia”, fossem às tabancas, de madrugada, â procura de gado. Então o nosso “especialista” apalpava… apalpava e, não estando prenha a vaca, toca a roubá-la.
Logicamente, o dono da rês vinha atrás deles a gritar e a chorar, mas não havia nada a fazer. Chegados ao aquartelamento, acabavam por fazer negócio e diziam que lhe pagavam um preço justo.
A minha eterna dúvida, nestes negócios forçados, é: “Mas que raio de preço justo era esse, se o homem não queria vender o animal!?”
A minha curiosidade sobre o desenvolvimento destas operações levou-me a que, um belo dia, os acompanhasse para ver como decorria a captura da vaca selecionada.
Nesse dia, logo por azar, o “ginecologista” improvisado enganou-se e trouxe mesmo uma vaca prenha. Foi remédio santo para mim, nunca mais comi carne bovina até ao fim da comissão.
A partir de determinada altura, mesmo cabritos, galinhas e porcos os nativos resistiam em vender.
Aqui chegados, um camarada das transmissões inventou uma fórmula original, na época, para roubar galinhas, que constava do seguinte: um fio de pesca com vários anzóis, onde colocava uns grãos de milho. Depois pela tabanca fora ia espalhando mais alguns grãos de milho pelo chão. As galinhas vinham por ali adiante a comer os grãos e acabavam, quase sempre, por engolir um dos anzóis. Quando o tal camarada via que a bicha tinha caído na esparrela, saía rapidamente da tabanca com a “vítima” atrás dele.
(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos: LG)
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 28 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27060: Humor de caserna (206): Dois conselhos que aprendi na tropa mas que depois esqueci na guerra: 'Nunca dar nas vistas, nem nunca armar em herói, já que os cemitérios estão cheios deles'..... Felizmente fui para Nhacra e acabou-se a guerra (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74)(***) Vd. poste de 6 de junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6546: Histórias do Eduardo Campos (14): Cantanhez: Do inferno ao Paraíso