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terça-feira, 29 de julho de 2025

Guiné 51/74 - P27065: Humor de caserna (207): A fome aguça o engenho: roubar vacas, não prenhas, aos balantas de Nhacra, com recurso aos serviços de um "ginecologista"; e "pescar" galinhas com anzol... (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAV 4540, 1972/74)




Guiné > Bissau > Nhacra> c. 1973/74 > Na piscina do quartel... O Eduardo Campos aparece em primeiro plano, a bricnar com um cãozinho. 

Foto (e legenda): © Eduardo Campos (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné




Crachá da CCAV 4540/72 (1972/74), "Somos um Caso Sério": a penúltima companhia a guarnecer Nhacra.Em 10 de abril de 1974, tinha um pelootão destacado na Ponte de Ensalmá.  Em 16 de agosto, foi rendida no subsector de Nhacra pela CCaç 4945/73 e
seguiu para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso à metrópole.


1. O  Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74) foi um dos nossos camaradas que melhor conheceu Nhacra  onde permaneceu quase um ano, até ao fim da guerra... Tem  cerca de 6 dezenas de referências no blogue. Mora na Mora e faz parte da Tabanca Grande desde 21/5/2008. É autor da série "Histórias do Eduardo Campos".  Algumas delas têm interesse documental para se conhecer melhor como  era o quotidiano da NT nos últimos anos da guerra da Guiné. E estão, em geral,  devidamente recheadas com o "piripiri" do humor de caserna (*).  

Por norma, e se acordo com as nossas regras editoriais, não fazemos juízos de valor (de natureza ética,  disciplinar, deontológica,  política, operacional, etc.) sobre  os episódios aqui relatados (neste caso, sobre levantamentos de rancho, ladrões de vacas,  pilha-galinhas...).  Essa função cabe ao leitor, não ao editor.

A CCAÇ 4540/72, vinda do sul, de Cadique, Cantanhez, região de Tombali, esteve destacada em Nhacra cerca de um ano, desde setembro de 1973 a agosto de 1974.

Como o Eduardo já aqui escreveu, Cadique foi o inferno e Nhacra o paraíso. Ele voltaria ao "local do crime", mais de 3 décadas e meia  depois,   em abril de 2010, com um grupo de companheiros. E não escondeu a sua emoção: 

Quem por lá andou na construção da estrada que liga a Cadique, sabe o quanto nos custou, em sofrimento e morte, essa obra. A partir de Iemberem comecei a sentir e a pensar algo que jamais conseguirei decifrar, mas que posso tentar definir como um misto de emoções, desilusões, euforia, tristeza… por ali fora ia dizendo: “Aqui estive emboscado!”, “Ali morreu o A, o Bê, o Cê..”, “Foi aqui que o capitão paraquedista Terras Marques levantou 4 minas.”, etc, etc. (***)


 A fome aguça o engenho: roubar vacas, não prenhas, aos balantas de Nhacra, com recurso ao serviço de um "ginecologista"; e "pescar" galinhas com anzol... 

por Eduardo Campos


Como nada de importante acontecia  em Nhacra, os dias eram passados de uma forma totalmente diferente das matas do Cantanhez, e, acreditem que por vezes, surgiam-nos as saudades. A vida era tornava-se demasiado sedentária.

As alternativas encontradas, para fugir à rotina, eram as idas a Bissau, e, já que a alimentação nunca foi algo digno desse nome em Nhacra, aproveitava estas saídas para ir ao Pelicano, à Churrascaria de Santa Luzia, ao Bento, etc. Assim, evitava que a “dieta” que me tinha sido imposta, fosse levada muito a sério.

Por falar de alimentação, enquanto no Cantanhez suportávamos tudo, por vezes até com um sorriso, em Nhacra as coisas eram diferentes. O pessoal ficou mais rebelde e negou-se a comer duas vezes. Houve dois levantamentos de rancho.  Um dos quais teve como resultado, que passadas duas horas do início do levantamento, estávamos a comer um bacalhau cozido com batatas, que parecia ter sido confecionado no Hotel Hilton.

Embora não estivesse de oficial de dia nessa data, foi o nosso camarada e amigo tabanqueiro Vasco Ferreira (ex-alferes mil da CAÇ 4540), que resolveu o problema.

A dificuldade em adquirir gado bovino (como já disse em poste anterior , o povo,  por motivos religiosos e tradicionais,  não o vendia) (**), dava origem a que, um grupo de camaradas acompanhado de um especialista em ”ginecologia”, fossem às tabancas, de madrugada, â procura de gado. Então o nosso “especialista” apalpava… apalpava e, não estando prenha a vaca, toca a roubá-la.

Logicamente, o dono da rês vinha atrás deles a gritar e a chorar, mas não havia nada a fazer. Chegados ao aquartelamento, acabavam por fazer negócio e diziam que lhe pagavam um preço justo.

A minha eterna dúvida, nestes negócios forçados, é: “Mas que raio de preço justo era esse, se o homem não queria vender o animal!?”

A minha curiosidade sobre o desenvolvimento destas operações levou-me a que, um belo dia, os acompanhasse para ver como decorria a captura da vaca selecionada.

Nesse dia, logo por azar, o “ginecologista” improvisado enganou-se e trouxe mesmo uma vaca prenha. Foi remédio santo para mim, nunca mais comi carne bovina até ao fim da comissão.

A partir de determinada altura, mesmo cabritos, galinhas e porcos os nativos resistiam em vender. 

Aqui chegados, um camarada das transmissões inventou uma fórmula original, na época, para roubar galinhas, que constava do seguinte: um fio de pesca com vários anzóis, onde colocava uns grãos de milho. Depois pela tabanca fora ia espalhando mais alguns grãos de milho pelo chão. As galinhas vinham por ali adiante a comer os grãos e acabavam, quase sempre, por engolir um dos anzóis. Quando o tal camarada via que a bicha tinha caído na esparrela, saía rapidamente da tabanca com a “vítima” atrás dele.

(Seleção, revisão / fixação de texto, título, negritos: LG)

_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27060: Humor de caserna (206): Dois conselhos que aprendi na tropa mas que depois esqueci na guerra: 'Nunca dar nas vistas, nem nunca armar em herói, já que os cemitérios estão cheios deles'..... Felizmente fui para Nhacra e acabou-se a guerra (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Bigene, Cadique e Nhacra, 1972/74)


(***) Vd. poste de 6 de junho de 2010 > Guiné 63/74 – P6546: Histórias do Eduardo Campos (14): Cantanhez: Do inferno ao Paraíso

Guiné 61/74 - P27064: As nossas geografias emocionais (536): a Nhacra que eu conheciu no final da guerra (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74)



Guiné > Bissau > Nhacra > Janeiro de 1972 > Foto 249 > Fonte do Vale,  desvio para a estrada para Cumeré

Foto nº 249 do álbum do  João de Jesus Moreira, ex-fur mil at cav , MA, CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)




Guiné > Bissau > Nhacra > Agosto de 1971 >  O João Moreira em cima do espaldão do morteiro 81

Foto nº 212  do álbum do  João de Jesus Moreira, ex-fur mil at cav, MA, CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)


Guiné > Bissau > Nhacra > Janeiro de 1972 >Posto retransmissor da Emissora Oficial da Guiné, com anti-aéreas

Foto nº 227  do álbum do  João de Jesus Moreira, ex-fur mil at cav, MA, CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72)

Fotos (e legendas): © João Moreira  (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]
 


Guiné > Bissau > Nhacra> c. 1973/74 > Aspeto da entrada e porta-de-armas do quartel


Foto (e legenda): © Eduardo Campos   (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Cacine > Cadique > Junho de 2007 > Pedras que falam da CCAÇ 4540, "Somos um Caso Sério":  esteve aqui, em Cadique, em pleno coração do Cantanhez, na margem esquerda do Rio Cumbijã, de 12 de dezembro de 1972 a 17 de agosto de 1973.

 Foto: Pepito / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007)./ Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné 



1. Condensação de 2 textos do  Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540 (Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74), um dos nossos camaradas que melhor conheceu Nhacra  onde permaneceu quase um ano. Tem  cerca de 6 dezenas de referências no blogue. Faz parte da Tabanca Grande desde 21/5/2008.

É autor da série "Histórias do Eduardo Campos". Vamos lembrar algumas das suas memórias de  Nhacra, que ficava as escassas duas dezenas e meia de quilómetros, a norte de Bissau.


A Nhacra que eu conheci no final da guerra

por Eduardo Campos 




1. Em 08/09/73, saímos do Depósito de Adidos, com destino a Nhacra, onde iríamos substituir a CCaç 3477, “Os Gringos de Guileje”


A partir de 19/09/73, a Companhia passou a ter á sua responsabilidade o subsector de Nhacra, sob as ordens do COP 8, instalado no local.

A área do subsector de Nhacra, tinha por limite:

  • a Norte o Rio Mansoa, 
  • a sul o Rio Geba, 
  • a Oeste o Canal do Impernal 
  • e, a leste, confinava com o Dugal.

Era atravessada, nos seus limites, por uma estrada asfaltada (com grande movimento de pessoas e viaturas), que ligava Bissau a Mansoa. Havia também a ligação entre Nhacra e Cumeré, em estrada asfaltada.

As tabancas mais populosas tinham ligações com as estradas principais, através de picadas largas.

Sobre o Canal de Impernal e no itinerário Bissau – Mansoa, encontrava-se a Ponte de Ensalmá, onde se mantinha em permanência um destacamento da Companhia, dada a sua importância estratégica e pelo facto capital de ser a única ponte que permitia a ligação por terra, entre Bissau e o resto do território da Guiné.

O terreno apresentava uma uniformidade e configuração incaraterísticas, em que os relevos praticamente não existiam. Er apenas entrecortado pelas bolanhas que abundavam nessa região, visto formarem-se a cotas inferiores às do terreno.

Hidrograficamente a região era rica, com os importantes rios Mansoa e Geba, bastante caudalosos na praia-mar, que chegavam a atingir cerca de três metros de amplitude e invadiam uma série de canais, do qual se destacava o Canal do Impernal, que estabelecia a ligação entre eles, dando origem à ilha de Bissau… 

Sim, disse ilha, porque Bissau era uma ilha e, curiosamente, muitos dos nossos camaradas desconheciam o facto.

A mata era muita reduzida nessa região, exceptuando-se pequenas manchas existentes no extremo norte do Rio Geba e nas proximidades do Canal do Impernal.

Na zona interior a savana arbustiva, era salpicada aqui e além, por árvores de grande porte (poilões), mangueiros e cajueiros.

Nas zonas marginais dos rios e dos canais, zonas extremamente pantanosos, abundavam as plantas hidrófilas que se ramificavam em múltiplas raízes, formando o que se designava por “tarrafo”.

A fauna, sem ser abundante, poderia considerar-se rica em diversas espécies. Além dos animais considerados domésticos (bovinos, caprinos, suínos e galináceos), destacavam-se as gazelas, os porcos-espinhos, os macacos, as hienas e as cabras do mato.

Nas aves destacavam-se os pelicanos, as garças os periquitos, além das perdizes, rolas, codornizes, galinha-do-mato, patos, sem esquecer  os jagudis. (...)



2. Em Nhacra, fomos encontrar os camaradas do Pelotão de Morteiros 4581/72 e os do 3º Pelotão AA da Btr AA 7040, além de dois pelotões de Milícias: o 329, aquartelado em Oco Grande,  e o 230 aquartelado em Bupe, ambos pertencendo à Companhia de Milícias de Nhacra e que ficaram adidos à CCAÇ 4540.


O IN não possuía dentro da nossa ZA, pessoal suficiente em quadros e grupos que lhe permitisse desenvolver uma atividade dinâmica e poderosa, quer para flagelar e atacar o aquartelamento e o Centro Emissor de Nhacra, quer para emboscar as NT fora do aquartelamento.

No entanto, fomos informados que Nhacra e o Centro Emissor foram flagelados pelo IN duas vezes: a primeira ao tempo da CCAÇ 3326, em maio de 1972, por um grupo equipado com armas automáticas e RPG-2 e 7; e a segunda em agosto de 1972, utilizando também um canhão s/r. Em ambos os casos sem qualquer consequência material ou pessoal para as NT.

Sabíamos que o IN andava por ali perto e que atravessava, frequentemente, algumas linhas principais de infiltração, para o interior da nossa ZA a saber: de Choquemone, Infaide, Biambe, pela península de Unche para Iuncume, quando se dirigiam para Nhacra.

As principais prioridades da nossa Companhia eram:

  •  a garantia da segurança do Centro Emissor de Nhacra,
  •  o itinerário Bissau–Mansoa;
  •  e, através de intensa actividade (patrulhamentos e reconhecimentos), evitar que o IN se aproximasse de forma a evitar que pudesse atacar a cidade/capital de Bissau, o Aeroporto de Bissalanca, os complexos miltares de Brá e da Sacor, bem como as instalações militares e civis do Cumeré.

Em onze meses de permanência em Nhacra, nunca tivemos contacto com IN, nem as instalações sofreram qualquer ataque.

Os aglomerados populacionais da ZA da nossa Companhia distribuíam-se por dois regulados: 
  • o Regulado de Nhacra com as tabancas de Nhacra, Teda, Sal, Bupe, Sucuto, Incume, Sumo, Nhoma e Cholufe; 
  •  e o Regulado do Cumeré com as tabancas do Cumeré, Com, Cuntanga, Quide, Birla, Caiana, Som Caramacó, Cola, Nague, Ocozinho, Rucuto e Oco Grande (reordenamento zincado).

A estrutura agrícola existente baseava-se numa economia básica de subsistência, cujos produtos, que ocupavam lugares especiais de relevo, eram o amendoim, o arroz, o milho, a mandioca, o feijão, a cana sacarina e pouco mais. 

Na pecuária existiam boas condições para a criação de gado, com a condicionante, porém,  do ancestral costume tribal que considerava o gado como um sinal exterior de respeito e riqueza e não com um factor económico.

Era evidente e manifesto o desagrado em abater, ou mesmo vender, qualquer cabeça de gado, fosse para alimentação ou para outros fins industriais. 

Em toda aquela zona predominava a etnia Balanta, coexistindo com algumas minorias étnicas que se estabeleceram em chão Balanta, vindas de outras regiões, escorraçadas pela insegurança que a guerra originava, principalmente Fulas, Mandingas e alguns Manjacos.

Os Balantas eram dotados de uma impressionante constituição física, trabalhadores, valentes, enérgicos e com grande força de vontade pela vida, ao que acrescentaria que eram bons agricultores, arrancando da terra os meios de subsistência de que necessitavam, alimentando-se à base de arroz, azeite de palma, milho e mandioca. Além disso, eram polígamos e condenavam o celibato. Extremamente supersticiosos, acreditavam na transfiguração da alma, atribuindo à feitiçaria as suas desgraças.

Praticavam o roubo, em especial de gado, com a consciência de um ato não criminoso, mas sim um admirável e enaltecedor sinal que revelava a perícia pessoal, bem com de toda a sua própria tribo. 

O gado bovino que possuíam destinavam-no às cerimónias de sacrifício, nomeadamente nos seus rituais de acompanhamentos fúnebres ("choros").

Os Fulas de um modo geral eram hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado. Apesar da influência que o Islamismo tinha entre eles, praticavam ainda o feiticismo e criavam gado, considerado este facto como um sinal de respeito e nobreza.

A acção psicológica desenvolvida pela NT na zona era bastante intensiva, apesar de se constatar,  em alguns núcleos, certa reserva em relação à mesma, quando não nula, com maior evidência nas tabancas de Sal e Bupe.

As populações tinham:
  • apoio médico/sanitário, 
  • transporte em viaturas militares, 
  • assistência educativa prestada por missões religiosas em várias escolas, um professor militar e vários elementos africanos que estavam adidos à Companhia,
  •  sendo também de salientar a assistência religiosa prestada por padres missionários aos domingos.

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, título: LG)


______________

Nota do editor LG: