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segunda-feira, 14 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26686: Notas de leitura (1789): "Quebo, Nos confins da Guiné", de Rui Alexandrino Ferreira; Palimage, 2014 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Há algo de emocionante nos depoimentos de um punhado de convocados para falar de Rui Alexandrino Ferreira, da vida no Quebo, daquelas emboscadas duríssimas no chamado corredor de Guileje e suas variantes, nos patrulhamentos ininterruptos junto da fronteira; trata-se de gente de dois batalhões, de companhias de intervenção que conviveram com a CCAÇ 18, que jamais esqueceram que para além dos riscos de toda aquela operacionalidade chamada contrapenetração havia a vida na tabanca militar, alugaram-se junto da população civil habitações onde houve introduzir algum conforto, desviou-se cimento, tirou-se uma baixada de eletricidade, ninguém esqueceu o quarto do então capitão Rui Alexandrino que tinha um ambiente de casa de diversão noturna, não faltavam fotografias da Playboy, três ventoinhas, um gira-discos, uma pequena geleira, encontrou-se algum mobiliário de quarto, fez-se uma zona de balneário, instalou-se uma sanita, todos recordam aquele quarto como ponto turístico da Aldeia Formosa, uma vulgar e mísera palhota tornou-se um lugar de refúgio para muitos, ninguém esqueceu este ousado capitão que, como escreveu Pezarat Correia, aliava ao seu entusiasmo contagiante uma notável dose de bom-senso.

Um abraço do
Mário



Memórias do Quebo, da CCAÇ 18, o testemunho de amigos (2)

Mário Beja Santos

"Quebo, Nos confins da Guiné", Palimage (palimage@palimage.pt), 2014, é o segundo livro de Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022) que fez duas comissões na Guiné. 

A primeira deu origem a uma obra de consulta obrigatória para quem estuda a literatura da guerra colonial, "Rumo a Fulacunda", Palimage, 2000; a segunda é "Quebo" que nos leva à sua segunda comissão, é já capitão e comanda uma companhia de tropa guineense, a CCAÇ 18. Começa por justificar as razões que o levaram, já na disponibilidade, em dezembro de 1967, e tendo regressado a Sá da Bandeira, onde pensa que iria encontrar readaptação, veio a descobrir que não era numa repartição de fazenda pública que sonhava viver, e decidiu então regressar à vida militar. 

Na primeira comissão recebera a condecoração da Cruz de Guerra de 1.ª Classe, descobrira o sentido da liderança e a vocação para comandar homens.

Arribou à Guiné, andou no Pelundo, recebeu ordem de ir formar uma companhia de caçadores africanos, a 18. E partiu para Aldeia Formosa, conviveu com dois batalhões, resolveu passar ao papel as recordações da segunda comissão, o relato tem singularidade de convocar amigos e camaradas desta segunda comissão, é o caso do capitão Horácio Malheiro, comandante da CCAÇ 3399, estacionada no Quebo entre agosto de 1971 e agosto de 1973, por curiosidade já tinham ambos feito comissão em 1967 e casualmente percorreram as mesmas estradas e trilhos. Lembra que os oficiais não tinham residência dentro do aquartelamento, alugavam na tabanca casas dos indígenas, punham algum conforto como telhados de chapa de zinco, portas e janelas, a luz vinha do gerador do quartel, fizeram-se latrinas e balneário. 

Não esqueceu os acontecimentos da noite de 24 de dezembro de 1971, houve tiroteio entre tropa metropolitana e guineense, tudo nasceu de um desacato, os guineenses puxaram pelas armas, houve um morto e feridos, Spínola apareceu prontamente, arengou, quis conhecer os autores do desacato, houve expressões azedas entre Spínola e Rui Alexandrino, Spínola deu umas bofetadas e mandou conduzir sob prisão para o avião um conjunto de militares, aplicando uma pesada pena ao comandante do batalhão, foi automaticamente removido do cargo.

Recorda as atividades da CCAÇ 18 e os seus sucessos nas emboscadas; dá especial ênfase à Operação Muralha Quimérica, previa-se a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de zonas libertadas, a CCAÇ 3399 e a CCAÇ 18, bem como os paraquedistas, os comandos africanos e o grupo especial do Marcelino da Mata percorreram a região do Cantanhez, foi uma operação que durou 12 dias, não houve encontro com as forças do PAIGC e os visitantes. 

Refere Horácio Malheiro que comandou a companhia operacional que esteve mais tempo em intervenção em toda a guerra da Guiné, com missões no corredor de Guileje, em múltiplos patrulhamentos na fronteira, oito meses de proteção à abertura de uma estrada alcatroada dirigida a uma das principais bases do PAIGC no Sul, Unal-Salancaur e colunas de reabastecimento entre Aldeia Formosa e Buba. A guerra tinha evoluído, abrira-se uma nova frente de atividades com a construção de uma nova estrada, Mampatá-Colibuia-Cumbijã-Nhacobá, e de três novos quartéis em Colibuia, Cumbijã e Nhacobá, foi um período de atividade muito intensa e desgastante. Diz-se que o quartel de Nhacobá foi ocupado em 21 de maio de 1973 e abandonado a 25 de maio, por não oferecer condições de segurança mínimas e ter ataques contínuos com duração de horas.

O autor recorda a morte de Virgolino Ribeiro Spencer na já referida noite de 24 de dezembro de 1971 e dá a palavra a um conjunto de intervenções de amigos e camaradas, como Alexandre Valente, Aristóteles Tomé Pires Nunes, Carlos Naia, Carlos Santos, Eduardo Roseiro, Hélder Vaz Pereira, João Manuel Marcelino e Joaquim dos Reis Martins, há neste acervo observações muito curiosas, dão para perceber como ia evoluindo a guerra, Aldeia Formosa passou a ser flagelada, conta-se a história do sargento Hélder Vaz Pereira que foi graduado em alferes dada as suas qualidades de combatente e chefe, traz-nos um belo depoimento, dizendo a dada altura: 

“Com a partida do capitão Rui, em setembro de 1972, a tabanca da 18 perdeu todo o encanto que tinha e foi desativada.” 

E despede-se com agradecimentos: 

“Aos que comigo se alegraram nos bons momentos e aos que me ajudaram a suportar e superar as dores dos maus momentos, as angústias, os temores, as incertezas, os medos, os pesadelos e as desilusões que muito me ensinaram, a todos manifesto o meu mais profundo reconhecimento, do capitão Rui Ferreira ao último dos soldados, a todos, fico devedor para toda a vida.”

Rui Alexandrino despede-se rememorando histórias rocambolescas da guerra que escaparam ao seu primeiro livro "Rumo a Fulacunda", recorda a sua participação na Operação Muralha Quimérica, guarda muitas perguntas sem resposta, tais como: 

  • Estaria a Guiné em condições de se tornar independente? 
  • Quem mandou matar Amílcar Cabral? 
  • Foi apurada a responsabilidade de alguém sobre a tragédia do Corubal onde morreram 47 militares portugueses? 
  • Por que não se realizou, relativamente ao abandono de Guileje, o julgamento de Coutinho e Lima? 
  • Por que não prosseguiu o julgamento todo o caminho que lhe faltava?

 Pedro Pezarat Correia tece um grande elogio ao autor no seu depoimento:

“Há uma característica da liderança que considero o tempero decisivo capaz de se conferir virtude a determinados atributos de comando que, sem ela, podem tornar-se excessivos e transformar-se em defeitos perversos. Refiro-me ao bom-senso, o equilíbrio moderador que impede que a coragem resvale para temeridade gratuita empurrando os seus homens para riscos desnecessários, que evita o culto da disciplina pelo lugar ao autoritarismo desumano, que a tolerância resvale para o laxismo, que o gosto pela decisão rápida caia na precipitação, que o excesso de ponderação conduza à hesitação. O bom-senso confere sangue-frio a situações de pressão emocional, presença de espírito quando à volta se instala a ansiedade. É uma virtude que, normalmente, se adquire com a idade, com a experiência, com a dimensão da responsabilidade. Apesar da sua juventude, o capitão Rui Alexandrino Ferreira aliava ao seu entusiasmo contagiante uma notável dose de bom-senso, o que lhe permitiu aplicar a usa coragem, o seu sentido de disciplina, o seu gosto pela decisão, na medida e no sentido convenientes.”

Que fique a boa memória do coronel Rui Alexandrino Ferreira.

Aldeia Formosa, 1973, fotografia de José Mota Veiga já publicada no nosso blogue
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Nota do editor

Último post da série de 11 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26678: Notas de leitura (1788): "Quebo, Nos confins da Guiné", de Rui Alexandrino Ferreira; Palimage, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 11 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26678: Notas de leitura (1788): "Quebo, Nos confins da Guiné", de Rui Alexandrino Ferreira; Palimage, 2014 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Escapara-me a leitura do segundo livro de Rui Alexandrino Ferreira, referente precisamente à sua segunda comissão na Guiné, passou-a maioritariamente em Aldeia Formosa, emboscou com bastante sucesso os corredores de abastecimento do PAIGC na região, caso do chamado corredor de Missirã; é o relato de memórias para a qual o falecido coronel convocou amigos, como o major-general Pedro Pezarat Correia, a deporem sobre a vida e a atividade operacional na região e os laços de camaradagem, há depoimentos tocantes. Constata-se que o malogrado coronel guarda a amargura de não ter sido condecorado com a Torre e Espada, atendendo ao acervo de condecorações e louvores, considero uma anomalia o despacho do Conselho Superior de Justiça e Disciplina ter decidido que não era oportuno por extemporânea, e reflete amargamente o corporativismo nas Forças Armadas, era o que faltava um miliciano com a mais alta condecoração das Forças Armadas.

Um abraço do
Mário



Memórias do Quebo, da CCAÇ 18, o testemunho de amigos (1)

Mário Beja Santos

"Quebo, Nos confins da Guiné", Palimage (palimage@palimage.pt), 2014, é o segundo livro de Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022) que fez duas comissões na Guiné. A primeira deu origem a uma obra de consulta obrigatória para quem estuda a literatura da guerra colonial, "Rumo a Fulacunda", Palimage, 2000; a segunda é Quebo que nos leva à sua segunda comissão, é já capitão e comanda uma companhia de tropa guineense, a CCAÇ 18. 

Começa por justificar as razões que o levaram, já na disponibilidade, em dezembro de 1967, e tendo regressado a Sá da Bandeira, onde pensa que iria encontrar readaptação, veio a descobrir que não era numa Repartição de Fazenda Pública que sonhava viver, e decidiu então regressar à vida militar. Na primeira comissão recebera a condecoração da Cruz de Guerra de 1.ª Classe, descobrira o sentido da liderança e a vocação para comandar homens.

O autor pediu ao Major-general Pedro Pezarat Correia que abordasse o contexto da sua comissão passada sobretudo em Aldeia Formosa. Antes, porém, conta-nos que chegou ao CIM em Bolama para a formação da CCAÇ 18, e cabe a Pezarat Correia falar-nos do BCAÇ 2892 e o Setor S-2, no Sul da Guiné. 

Este batalhão estacionava em Aldeia Formosa, em Nhala e em Buba, reforçado com mais três companhias operacionais que já se encontravam no Setor sob o comando do COP 4; o batalhão passou também a contar com o apoio de várias subunidades. Tinha sob controle operacional o Destacamento dos Fuzileiros Especiais 3, sediado em Buba, duas companhias de milícias em Empada e Mampatá, e um grupo de caçadores nativos.

O batalhão assumiu a responsabilidade operacional em novembro de 1969, assumia quatro tarefas prioritárias:

  •  proteção aos trabalhos de construção na pista de aterragem em Aldeia Formosa (concluída em março de 1970);
  •  contrapenetração nos eixos usados pelo PAIGC para reabastecer e rodar efetivos das suas bases no interior em Injassane (norte do Rio Grande de Buba) e em Xitole; 
  • controlo da região de Contabane, fronteiriça com a República da Guiné; condução da Ação Psicossocial.

 Na prática, e de acordo com a Ideia de Manobra, havia que proceder a ações de contrapenetração em corredores que constituíam os principais eixos de abastecimento do PAIGC para o interior sul, proceder a uma constante nomadização e emboscadas nas imediações das zonas mais favoráveis aos grupos do PAIGC para instalação de base de fogos para flagelações. F

Foi neste ambiente geográfico, humano e operacional que, em janeiro de 1971, se integrou a CCAÇ 18, acabada de formar, e comandada pelo capitão Rui Alexandrino, veio render a CART 2521.

A CCAÇ 18 era constituída por Fulas, parte deles oriundos da região do Quebo, tinham experiência operacional, haviam pertencido a pelotões de milícias e caçadores nativos. Mal chegados a Quebo, e no período de sobreposição, atuaram no corredor de Missirá, foi uma estreia com emboscada, desbarataram a coluna do PAIGC, Rui Alexandrino reorganizou as suas tropas e transferiu a emboscada para outro local, uma hora mais tarde novo contacto, causou baixas e capturou armamento.

 Depois o BCAÇ 2892 foi rendido pelo BCAÇ 3852, a CCAÇ 18 continuou a reforçar o novo batalhão, com bons resultados em novos contactos no corredor de Missirá.

 Ao terminar a sua comissão, em finais de 1972, Rui Alexandrino foi condecorado com uma Cruz de Guerra de 2.ª Classe.

Voltemos à narrativa pessoal do autor, como ele foi encontrar a Guiné após dois anos de ausência. Ele descreve a personalidade de Spínola e o que procurou fazer não só no campo militar como no desenvolvimento socioeconómico da região. 

Antes de ir para Bolama, Rui Alexandrino esteve no Pelundo, conta as suas memórias, conta-nos como viveu a formação da CCAÇ 18 em Bolama e depois a sua adaptação ao Quebo, a originalidade de ele e os seus oficiais e sargentos viverem em instalações na tabanca, lá foram arranjando comodidades, a ponto do seu quarto se ter transformado em ponto turístico da Aldeia Formosa.

 Faz um esquiço dos cuidados que a contrapenetração impunha, a dureza da atividade operacional de estar para ali horas camuflados, não fazer barulho, não tossir, não mexer, não espreguiçar e sobretudo não perder a concentração, além de ser imperativo não fazer modificações no ambiente que pudessem indiciar a existência de emboscada, e o autor aproveita para contar algumas peripécias e juntar alguns depoimentos de ex-camaradas.

Depõe como observador sobre os usos e costumes dos Fulas, a impressão que lhe provocava a maneira indigna como as mulheres eram tratadas, tece as suas lembranças sobre os militares metropolitanos e, inevitavelmente, vem exprimir a sua gratidão pelo seu guarda-costas, Ieró Embaló, feito prisioneiro depois da independência, passou onze anos nas masmorras, depois de muitas peripécias veio até Portugal, foi uma verdadeira odisseia vir a ser aceite os seus direitos de ser português, faleceu súbita e inesperadamente, e conta sumariamente a sua história:

“Raptado ainda muito novo, foi levado à força para a Guiné-Conacri, onde se viu obrigado a integrar as forças do PAIGC. Tendo sido colocado numa base operacional do partido, mesmo junto à nossa fronteira, daí tinha fugido na primeira oportunidade e feito a sua apresentação às forças portuguesas. 

Tinha um conhecimento profundo quer das formas de atuar do inimigo quer da tropa portuguesa. Era de um espantoso espírito de observação e de uma imensa capacidade de adaptação. Uma inteligência superior à média, tal como muitos Fulas, falava fluentemente o português, o fula e o crioulo, e igualmente o francês. Islâmico, profundamente religioso, seguia e norteava a sua vida pelas normas e preceitos do seu Deus.”

Rui Alexandrino recorda os atos de bravura do seu guarda-costas.

Entram agora na conversa dois coronéis, Gertrudes da Silva e Vasco Lourenço, falar-se-á do coronel Agostinho Ferreira, comandante em Aldeia Formosa, o autor deixa a sua lembrança sobre o fim da comissão do BCAÇ 2892, a chegada do BCAÇ 3852, veio de férias, regressou à guerra, temos de seguida o depoimento de outro capitão de Aldeia Formosa, Horácio Malheiro, e uma noite de horrores de conflito entre tropa metropolitana e gente da CCAÇ 18, haverá vítimas inocentes, como se contará a seguir.

Estamos perante o caderno de memórias, o autor aproveita a oportunidade para se ressarcir de imprecisões existentes no seu primeiro livro, revela poesia dedicada às filhas e convoca um bom punhado de antigos camaradas para relembrar acontecimentos vividos nesta segunda comissão.


Aldeia Formosa, 1973. Fotografia de José Mota Veiga já publicada no nosso blogue

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 7 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26661: Notas de leitura (1787): Libelo acusatório sobre o colonialismo, como não se escreveu outro, no livro "Discurso Sobre o Colonialismo", por Aimé Césaire, editado em 1955 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26094: Estórias do Zé Teixeira (65): Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará - O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (2) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Em mensagem de 28 de Outubro de 2028, o nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) enviou-nos o relato da aventura do seu amigo Sáculo que ambicionava a qualquer custo vir fazer a sua vida em Portugal. Hoje publicamos a segunda e última parte


Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará
O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (2)



– Pois é! Talvez não soubesses que quando se caminha sem orientação, sobretudo no deserto, temos tendência a andar em círculo  
–  disse-lhe eu.

– Andar em círculo porquê? Nós seguimos em frente, sempre em frente 
– esclareceu o Sáculo.

– Só consegues andar em linha reta, quando te orientas pelo sol, ou pela lua. As pessoas, normalmente, têm uma perna mais comprida que a outra e por consequência o tamanho do seu passo, não é igual, ou seja, a perna mais comprida dá um passa mais largo, o que leva a pessoa a fazer um desvio sistemático nessa direção. Este andar em círculo, que pode ser maior ou menor, em função da diferença na altura da perna. Eu, por exemplo, tenho uma diferença de cerca de meio centímetro. Talvez o meu círculo seja grande, e também temos de considerar a possibilidade de termos uma perna mais forte que a outra, o que também pode afetar a direção, quando não temos referências, porquanto a perna mais forte tem tendência a ser mais rápida.

– Desconhecia esses fenómenos. O certo, é que, sem querer, estávamos de regresso ao Senegal. Talvez tenha sido a nossa salvação. A polícia de fronteira prendeu-nos de imediato. Ali ficámos dois dias, mas como não tínhamos nem dinheiro nem comida, éramos um problema para a polícia. Quando passou o primeiro camião, o comandante mandou-nos subir e ordenou ao motorista que nos levasse para Linguère e nós lá fomos.

E prosseguindo:

–  Só que o camião não ia para esta cidade e o motorista deixou-nos num cruzamento, a meio do caminho. Tentámos arranjar trabalho, mas fomos apanhados pela polícia que nos voltou a prender. Eram muitas bocas a pedir pão e a polícia não tinha dinheiro, nem soluções. Eu era o único que sabia falar francês e ia-me desenrascando. Ao fim de dois dias, por ordem da polícia, voltamos a subir para outro camião que passava, que nos levou até Dacar. Procurei o meu primo que era pescador, fomos à Embaixada da Guiné-Bissau regularizar a minha situação e fui para pescador com o meu primo.

– Regressado à tua terra acabou-se a aventura, e que grande aventura!

– Já tinha outro plano em mente. Eu continuava a sonhar com Lisboa. Se não podia ir por terra, tinha de ir por mar. Fiquei em Dacar e fui à pesca na canoa do meu primo, para ganhar algum dinheiro e para me habituar a andar de barco. Nos primeiros dias não pesquei nada. Passei o tempo a vomitar estendido no fundo da canoa. Com o tempo fui-me habituando e até cheguei a apanhar um susto. Valeu-me a forma como os pescadores estavam organizados para sua segurança, ou seja, cada canoa tinha quatro horas para andar no mar, e só podia ir para determinada área. Se ao fim de quatro horas não regressasse, os pescadores que estavam em terra iam à sua procura.

Continuando, diz o Sáculo:

– Eu fui pescar com dois amigos para uma área que já conhecia. Num momento, sem contar, a canoa virou-se e foi ao fundo. Conseguimos ficar agarrados a umas tábuas e ficamos a boiar. Aguentamos, uma hora ou mais, até vermos ao longe duas canoas que vinham em nosso socorro. Safamo-nos.... Eu tinha um tio em Lisboa que tu deves ter conhecido, mas já morreu. Era filho do Samba e estava na milícia no tempo da guerra. Soube que ele estava em Bissau, fui ao encontro dele e pedi para me trazer para Lisboa. Ele era embarcadiço num barco de carga, era o que eu precisava, mas ele esqueceu-se. Escrevi-lhe várias vezes para Lisboa, pedi à minha mãe para o chatear. Eu até já estava zangado com ele, quando recebo uma mensagem para ir falar com um sujeito que estava num cargueiro ao largo de Bissau. Escondi-me no cargueiro e vim parar a Tanger. Já estava perto de Lisboa. Depois foi fácil. E já lá vão trinta anos.

– Entraste em Portugal no ano de… deixa-me fazer as contas…

– Ano de 1994, quando cá cheguei. Ainda me lembro que estava muito frio e eu andei uns dias à procura da casa do meu tio. Depois fui para as obras e nunca mais parei.

– Bateste o recorde. Dez anos para chegar de Bissau a Lisboa. Foste um homem corajoso. Parabéns!

– Era um sonho que nasceu em mim, quando os militares vieram embora, em 1974. Agora é tempo de me reformar, mas não quero voltar para a Guiné. Gosto muito de Lisboa. Tenho cá a minha família, a mulher e os filhos, imãs e sobrinhos. Toda a gente está cá, está na Suíça, está na Alemanha… e sabes quem está nos Estados Unidos a trabalhar numa empresa de segurança privada? O Iero, o meu primo, que casou com a minha sobrinha, a Djuvae, filha da Auá, a minha irmã, tua amiga.

– O quê? O sacaninha do Iero está na América?

… … … ... ... ...

A conversa não ficou por aqui. Quis que eu e minha mulher, mais a Auá e a Djubae entrássemos para o seu carro, creio que um Fiat Punto, e fossemos dar uma volta por Lisboa. Foi tempo para eu e ele voltarmos à Guiné, aos meus tempos de enfermeiro militar e ele uma criança de seis anos que todos os dias me vinha dar os bons dias e ficava à espera de um naco de casqueiro.

A Auá teria uns vinte anos e estava casada com um soldado da milícia.

Nas minhas idas à Guiné reconheceu-me, chamou-me pelo nome, reavivamos bons momentos e reativamos a amizade. O Bemba, seu marido está na Guiné. Foi ferido em combate e conseguiu, muito mais tarde, com ajuda do seu antigo comandante, a cidadania portuguesa. Ela veio a Lisboa visitar a irmã e tratar a saúde.

Sempre que eu vou à Guiné, vou a casa deles comer cabrito. O Bemba já ca esteve e fui visitá-lo a Lisboa. Agora veio a Auá e fui almoçar a casa dela, um petisco à moda da Guiné.

Ela está de regresso à sua terra. O Sáculo fica por cá. Um dia vou trazê-lo a minha casa para fazermos umas contas. Quero saber quem se apossou da minha marmita com um saboroso naco de vitela assada na brasa, naquele dia 14 de novembro de 1968 em que fomos atacados à hora do almoço. Eu pousei a marmita para me proteger e fiquei sem almoço, eu e os meus colegas, que foram a correr defender as suas posições e afastar os intrusos que queriam almoçar connosco, o rancho melhorado ganho através de um tiro de G3 perdido na noite anterior que matou uma vaca do Régulo.

José Teixeira
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Nota do editor

Vd. post de 29 de Outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26091: Estórias do Zé Teixeira (64): Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará - O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (1) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

terça-feira, 29 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26091: Estórias do Zé Teixeira (64): Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará - O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (1) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Em mensagem de 28 de Outubro de 2028, o nosso camarada José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) enviou-nos o relato da aventura do seu amigo Sáculo que ambicionava a qualquer custo vir fazer a sua vida em Portugal.


Da Guiné a Lisboa a pé pelo Saará
O sonho que durou vinte anos a concretizar-se (1)


Eram dois “putos reguilas”, o Sáculo e o Iero, que todas as manhãs, mal sentiam a minha chegada ao barraco da cozinha para “matar o bicho”, corriam alegremente ao meu encontro, e me saudavam de mão estendida e sorriso aberto: “ocurame casqueiro”! Era o mesmo que dizer, numa mistura linguista de dialeto étnico Fula e Português de quartel 

– Dá- me um bocadinho do teu pão!

Já passaram cinquenta e seis anos.

Teriam uns cinco, seis anos, quando nos despedimos, numa manhã de sol bem quente, no mês de fevereiro de 1969. Continua a bailar-me na mente essa manhã em que chorei de alegria e tristeza, enquanto recebia os abraços de despedida daquela gente, humilde, alegre, comunicativa e sobretudo sedenta de paz, e que me ensinou tanta coisa para a vida.

Continua no meu coração a imagem daquela mãe, cujo nome jaz debaixo do pó, que com o tempo sombreou a minha mente. Naquela manhã, da minha partida, depositou a criança nos meus braços, e com os olhos rasos de lágrimas disse num tom suave e firme: 

–  A tua mulher quer ir contigo!

Trouxera-me, uns tempos antes, a bebé, uma menina linda como o sol, ferida pelo paludismo que a minara em tão grande profundidade que a temperatura corporal rondava os 42º C. Já nem força tinha para gemer. Ao fim de dois dias de luta e as dores da incerteza, consegui voltar a ver o seu sorriso. O seu palrar de bebé feliz encheu de novo a casa de sua mãe, e eu tive de a receber como minha mulher. Tão pequenina e tão linda!

Pensava eu que a minha despedida seria para sempre, mas não foi.
Mampatá 2008 > A mãe da Maimuna, a minha bebé
Foto: © José Teixeira

Podia escrever sobre os acontecimentos, que pela vida fora, nos foram aproximando, mas vou apenas escrever sobre a aventura do Sáculo.

Era um dos muitos filhos do Régulo local. Ainda criança foi para a escola corânica. Segundo me disse, há dias, quando nos reencontrámos, passados cinquenta e seis anos. O pai enviava os filhos machos alternadamente para a escola portuguesa e para a escola corânica. A ele tocou-lhe a escola corânica. Com a morte do pai e pouco depois, a independência da Guiné, muita coisa mudou, e o Sáculo partiu à aventura para Bissau, sempre a alimentar o sonho que lhe enchia a alma – vir para Lisboa.

Dias duros e difíceis se seguiram, mas o sonho perseguia-o.

Estávamos em meados dos anos oitenta. Na sequência da mudança política que se operara na Guiné, com o golpe do Nino Vieira para afastar do poder os líderes do PAIGC de origem cabo-verdiana, a vida tornou-se ainda mais difícil. Era tempo de tentar a sua sorte. Era tempo de dar vida ao sonho que o perseguia há dez anos – vir para Lisboa à procura de uma vida melhor. Junta-se a um grupo de jovens quem como ele, alimentavam o mesmo sonho, sabe-se lá porquê.

Paga 2.500 USD a um engajador que lhe garantia a chegada por terra a Portugal, faz uma trouxa e parte à aventura.

Logo se apercebe que o cansaço, mais a fome, a sede e o calor iriam ser os grandes inimigos. O frio à noite também era insuportável, mas nada o fazia desanimar. Lisboa estava a dois passos, para quem tinha tanta vontade de lá chegar. Talvez desconhecesse que havia mais de seis mil quilómetros de terra para palmilhar, um mortífero deserto para atravessar, muitas matreirices dos engajadores para combater.

– Até à fronteira com o Senegal, foi fácil. Estava na minha terra. O grupo estava animado e cheio de coragem. Os pés voavam, tal era a ansiedade e a vontade de chegar ao fim da viagem. Quando entrei em Dakar no Senegal, olhei para trás e senti que não havia retorno.

Seguimos, até à fronteira com o Mali. Ao chegar à fronteira, o guia a quem tinha pagado 2.500 USD,  entregou-nos a outro guia e desapareceu. O novo guia exigiu mais 2.500 USD para nos acompanhar e indicar o melhor caminho. A primeira grande surpresa foi a traição do guia, que nos abandonou. Outras se seguiram, mas, uma coisa era certa, chegar a Lisboa não seria assim tão fácil como sonhara.

Talvez os engajadores, na sua ânsia de “ganhar dinheiro”,  me tivessem induzido em erro.

Até chegarmos à fronteira tudo nos parecera fácil. Conseguimos trabalho pelo caminho para arranjarmos dinheiro ou comida. Agora, sentíamo-nos inseguros pelo abandono do guia e só víamos areia à nossa frente. Era o deserto maliano, arenoso e seco, com um calor insuportável durante o dia, e um frio noturno de bradar aos céus, que tínhamos de atravessar. Os que tinham dinheiro continuaram em frente, os outros desejaram-nos boa viagem e voltaram para trás. Talvez se tenham perdido no caminho. Nunca mais os vi, e já lã vão cerca de quarenta anos.

O tempo passava a correr. Dia após dia, a andar sem descanso. Semanas terríveis, em que o cansaço físico que se apossou de mim. A sede atormentava-me, e a comida escasseava, mas a força anímica tudo superava.

Seguiram-se muitos dias de caminhada até à fronteira com a Argélia em pleno deserto do Saará.
Um aspecto do deserto do Saara
Foto com a devida vénia a BBC News Brasil

– Não entendo porque tiveste de atravessar o Mali e a Argélia se o caminho pela Mauritânia era mais direto 
– disse-lhe eu. –   Já fiz esse caminho duas vezes, por ser o mais curto. É um caminho seguro, em estrada com grandes retas. Já devia existir nesse tempo, com ligação entre a fronteira de Marrocos com a fronteira do Senegal. Nesse tempo o povo saarauí, liderado pela Frente Polisário estava em luta aberta com Marrocos pela sua independência do Saara Ocidental e talvez o percurso não fosse seguro...

– Não te sei responder. Eu estava a pisar terreno desconhecido. Para mim tudo era novo. O deserto, os oásis onde nos recolhíamos, as aldeias no meio do deserto, as cáfilas de camelos a “pastar”, tudo era novidade.

E o Sáculo prosseguiu a sua narrativa;

–  Chegados a um local desértico que o “passador” disse ser a fronteira argelina, apontou-nos a direção em que devíamos seguir, até encontrar uma cidade e desapareceu como por encanto. Ali ficamos cinco jovens com uma vontade danada de chegar a Portugal, perdidos no deserto, com poucos alimentos, alguma água e muita areia para pisar, sem um caminho, uma pista a seguir.
Fomos deixando pelo caminho tudo o que era empecilho, menos o garrafão de água que cada um tinha consigo e a parca comida ressequida. Seguimos na direção que nos fora indicada pelo bandido que nos traiu. Pensamos em voltar para trás, mas não sabíamos como encontrar o caminho de regresso. Era seguir em frente ou morrer. O que mais víamos eram ossos de pessoas, crânios, braços pernas… Eu pensava: 'Não me vai acontecer a mim o que aconteceu a esta gente. Eu vou seguir em frente!'... Mas quanto mais andávamos mais o desânimo se apoderava de nós.

E confessa o meu amigo:

–  Imagina a alegria que sentimos, quando ao longe surge uma bandeira no cimo de mastro, que nos fez apressarmos o passo. Não tínhamos forças para correr.

Quando lá cheguei fiquei abismado, estava na fronteira com o Senegal.

(Continua)

José Teixeira

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Nota do editor

Último post da série de 8 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25494: Estórias do Zé Teixeira (63): O “Diário” do José Cuidado da Silva (Conclusão) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

terça-feira, 19 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23443: Estórias do Zé Teixeira (54): Amores em tempo de guerra: II - Correspondência desviada (conclusão) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Em mensagem do dia 17 de Julho de 2022, o nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) enviou-nos, como tinha prometido, a segunda parte da sua estória Correspondência desviada.


Amores em tempo de guerra II

Correspondência desviada (continuação)

Resumo da primeira parte(*)

O alferes José Barbosa foi acordado alta noite. Alguns soldados do seu grupo de combate discutiam. Levantou e foi verificar o que se passava. A discussão centrava-se no Joaquim Santos que ultimamente ao regressar do seu serviço de sentinela acordava os camaradas em altos berros e palavrões.

O alferes, perante as queixas dos camaradas,   dispôs-se a ouvir o Joaquim em privado. Descobriu um homem transtornado. Todas as semanas escrevia à esposa e vice-versa. Ultimamente a correspondência que ele enviava à esposa extraviava-se, o que estava a degradar a relação entre o casal.

O alferes orientou-o quanto à forma segura de fazer chegar a sua correspondência à esposa. Aconselhou-o a ir de férias à metrópole e em conversa com a esposa aclarar a situação e resolver o problema.



Férias bem merecidas

No dia seguinte o Joaquim escreveu à esposa, seguindo o estratagema aconselhado pelo alferes, informando-a que contava regressar de férias dentro de algum tempo para estar com ela. Certo, porém, que o pobre rapaz acalmou depois da conversa com o comandante.

O alferes recolheu os elementos necessários sobre a morte do irmão do Joaquim em Angola, e fez uma exposição ao Comando Chefe de Bissau. Havia de facto uma lei militar que isentava de servir a Pátria, em missão no Ultramar, todo o militar a quem tivesse falecido algum irmão em combate. Tal lei estava escondida num Decreto-Lei e só era usada a requerimento do próprio interessado. Ora como ninguém conhecia a lei, esta não era cumprida.

Passado cerca de quinze dias, embarcou no avião da TAP em Bissau. Ainda a tempo de receber uma carta da esposa que o deixou imensamente feliz. Ela esperava-o ansiosamente, falava-lhe da menina com um entusiasmo de enlouquecer. Para aumentar a sua felicidade, vinha na carta uma fotografia da Anita, a sua menina que mal conhecera.

Tudo aconteceu rapidamente. A confirmação da viagem, a ida para Bissau no lugar do copiloto de um bombardeiro T6 e o embarque dois dias depois, de manhã, para Lisboa, que nem teve tempo de informar a esposa da data de chegada. O único telefone que havia na sua terra era propriedade do merceeiro. Possivelmente o Joaquim não sabia o número do telefone, mas nem pensou em tal. O importante era chegar junto da sua esposa, da sua menina, e abraçá-las.

- Cheguei!... E agora, vou ter com a Ana Maria ao trabalho? Vou a casa dos meus sogros ver a Anita? Vou a minha casa ver a minha mãe e talvez o meu pai esteja por casa!?… - pensou o Joaquim, logo que se viu fora do aeroporto de Lisboa.

Aspirou profundamente o ar de Lisboa, o ar da liberdade, da segurança… Sentia-se seguro, mas estava inquieto, nervoso. Dentro da sua cabeça bailavam fantasmas que tentava expulsar. Seguiu para a central de camionagem à procura de transporte que o levasse até à vila a cerca de cinquenta quilómetros de Lisboa. O restante percurso, de cinco quilómetros, teriam de ser feitos a pé. Não era dia de feira, não havia outro tipo de transporte, a não ser de táxi, muito caro para o seu bolso. O seu meio de transporte era a bicicleta que estava parada em casa da mãe, desde que partira para a vida militar. Talvez depois fosse ter com a Ana Maria, cujo transporte da empresa de confeções até casa, também era a bicicleta.

A mãe do Joaquim, nem queria acreditar. O seu menino regressou. Mal sabia que era apenas por trinta dias, mas estava ali e isso era o mais importante. A Ana Maria tinha-a informado da feliz notícia, mas ela não contava que fosse tão rápido. Tremia. Tremia de alegria incontida. Pendurou-se no seu pescoço. (Tinha um físico de mulher baixa e abonada. Ele era parecido com o pai; alto e forte.) Chorou de alegria. Choraram ambos, mas pouco conversaram. O Joaquim foi buscar a bicicleta e preparou-se para abalar ao encontro da esposa. Azar o seu. A bicicleta por falta de uso tinha os pneus vazios. Felizmente a do pai estava ao lado e o Joaquim nem pediu licença. Partiu a todo o gás para apanhar a Ana Maria à saída.

Ela não contava com o Joaquim ali. A surpresa paralisou-a, para de seguida atirar a bicicleta ao chão e correr para ele. Só os verdadeiros amantes saberão compreender o que se passou naqueles dois corações. Os seus corpos uniram-se em abraços sem fim. Aqueceram-se em ternos beijos e poucas palavras. A felicidade apoderou-se deles. Longos minutos depois, seguiram para cada dos pais da Ana Maria ao encontro da Anita a filha, fruto do seu amor.

O tempo voou. O mês de férias esgotou-se sem que antes pusessem as conversas em dia e alimentassem profundamente o amor que os unia. Tentaram descobrir porque não chegavam os aerogramas que o Joaquim escrevia, sem resposta plausível.

O tio, que lhes cedera o pequeno espaço para Ana Maria e a Anita viverem na ausência forçada do sobrinho, acolheu-os, estranhamente, com alguma frieza. Desconhecia, segundo lhes disse, que a correspondência do sobrinho se extraviava, aliás, queixou-se que a Ana Maria quase não lhe ligava. Apenas o “bom dia” e “boa noite”.

Para não correrem o risco de novo corte da corrente afetiva via correspondência, decidiram continuar com o esquema proposto pelo alferes Joaquim Barbosa. Os aerogramas escritos por ele, para a Ana Maria, seguiam dentro de carta fechada para casa da mãe e esta, os faria chegar ao destino.

Na hora de regresso à Guiné, o Joaquim sentia-se feliz e confiante. Levava com ele a imagem de uma criança que o adorou, tanto quanto ele a ela. A esperança de voltar em breve e sobretudo a certeza de que era amado pela Ana Maria. Isto bastava-lhe.

A felicidade que irradiava ao apresentar-se ao alferes, quando regressou, foi a melhor forma de pagamento que este sentiu, e a vida na Guiné continuou…

Causas e efeitos da correspondência desviada

Naquele fim de tarde, uns tempos depois do regresso do Joaquim, estava o alferes José Barbosa sentado à porta da sua cabana, em amena cavaqueira com dois furriéis, quando vê chegar o Joaquim, um tanto alvoraçado.
- Meu alferes.  dá-me licença? Preciso de falar consigo!
- Não me venha outra vez com outra história da sua mulher! Porte-se como um homem! Já sabe que a todo o momento deve chegar a guia de marcha para o seu regresso a casa. Tenha calma!
- Meu alferes, eu sei que não tenho perdão, disse Joaquim, mas preciso de regressar a casa já. Vou matar o meu tio! - Atirou de topete.
- Está doido homem!
- Não. Não estou. Sabe quem desviava as minhas cartas? Era ele, o grande filho da puta do meu tio. Leia este aerograma da Ana Maria.
- Tenho mais que fazer. Conte-me você!
- Diz ela aqui. O tio, na segunda-feira, convidou-me para ir com ele a Lisboa resolver problemas pessoais. Perante a minha resistência, porque ia perder um dia de trabalho, prontificou-se a pagar-me a féria e tanto porfiou que fui com ele. O sacana não foi tratar de qualquer assunto. Passeamos por Lisboa, de café em café, até que ao aproximar-se a noite, alegando que era tarde para regressar, convidou-me para ir com ele para uma pensão. Usou palavrinhas doces sobre a minha pessoa. Eu era jovem merecia saborear a vida... tu estavas longe e nem precisavas de saber… enfim. Um cabrão de merda.

Meu querido, só tive tempo de correr a apanhar o barco para o Barreiro. A camioneta de carreira preparava-se para fazer a última viagem, mas cheguei a tempo. Tranquei-me em casa com a menina e no dia seguinte fugi para casa da tua mãe.

Ele escrevia a dizer-te que eu era uma doidivana e tu acreditavas. Aí tens. O bandido estragou a fechadura da caixa do correio para me roubar as cartas que me escrevias. Nem penses que vou regressar àquela casa. Aguardo o teu regresso aqui...

- Basta! - disse o alferes - Amanhã vou enviar o seu processo diretamente ao Governador. Tem de partir urgentemente, mas só o faço se me prometer que não vai cometer represálias sobre o seu tio. Esqueça o que se passou! A sua mulher soube resolver o problema da melhor maneira. Não vai, agora, criar conflitos. Promete?
- Como posso prometer,  meu alferes !!... Ele é meu tio, bem o sei, mais que levantar falsos testemunhos sobre a minha mulher, queria abusar dela, aproveitando-se da minha ausência. Como posso prometer ? Eu não lhe perdoo.
- Vá dormir e amanhã falamos. Boa noite.

Uns dias depois o Joaquim recebe ‘Guia de Marcha’ para regressar a Portugal continental. Era o fim da sua guerra, passados vinte meses de sofrimentos e torturas de coração. Era tempo de voltar para junto da sua filhinha e da esposa. Enevoava-lhe a mente o sentimento de vingança sobre o seu tio. Não lhe podia perdoar o que este fizera à sua família, escondendo as suas cartas para a esposa, e muito menos a tentativa de abusar sexualmente da sua amada, apesar do alferes lho ter exigido. Era tempo de agir logo que chegasse à terra. Fervia de emoção só ao pensar, que dentro de alguns dias, voltava para junto das suas mulheres, como costumava dizer para si, nos silenciosos momentos de encontro espiritual.

Foi acompanhado pelo alferes até à avioneta que transportava a correspondência para a Sede da Companhia. Despediram-se num longo abraço entrecortado por palavras de estímulo do comandante e agradecimentos por parte do Joaquim, que em pranto lembrou a noite em que o Barbosa lhe tirou a G3 da mão, e o ouviu pacientemente.
- Sabe, meu alferes, na câmara da arma estava a bala que eu tinha destinado meter na minha cabeça. Não aguentava mais a pressão e os tormentos que vivia. Você salvou-me. Obrigado, estou eternamente grato. Quando regressarem vou esperá-lo no desembarque e levo as minhas mulheres para que conheçam o homem que eu mais estimo.
- E você promete-me que não fazer mal ao seu tio. É uma ordem, ouviu!
- Prometo que vou tentar…

...E subiu para a carlinga...

O alferes José Barbosa ainda tinha esperanças de ver o Joaquim, dois meses depois ao regressar a Lisboa, como ele lhe prometera.

Esqueceu-se com toda a certeza. Nem respondeu às cartas que o José Barbosa lhe escrevera nos primeiros tempos após o regresso. Nunca mais deu sinal de vida.

Passaram-se anos e anos, até que no convívio anual comemorativo do regresso da Companhia, onde o Joaquim nunca compareceu, alguém disse que o “perna marota” tinha falecido.

José Teixeira

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Nota do editor

(*) - Vd. poste de 14 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23430: Estórias do Zé Teixeira (53): Amores em tempo de guerra: II - Correspondência desviada (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

quinta-feira, 14 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23430: Estórias do Zé Teixeira (53): Amores em tempo de guerra: II - Correspondência desviada (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) com data de 11 de Julho de 2022, trazendo-nos a segunda estória para a subsérie de Amores em tempo de guerra.

Amores em tempo de guerra

II - Correspondência desviada

Depois da passagem de rotina pelos postos de sentinela, o alferes recolheu aos seus aposentos e adormeceu rapidamente. Acordou-o um ruído de vozes, onde sobressaía a fala do Joaquim Santos, o “perna-marota” onde se fundia a língua portuguesa com o crioulo. Vestiu uns calções e seguiu ao encontro dos desordeiros. O tempo de regresso à Metrópole aproximava-se, provocando nos seus homens uma certa inquietação e alguma euforia, que era preciso conter, sobretudo, era preciso evitar ruído noturno, e mais redobrada atenção quanto aos comportamentos.

O tempo de Guiné já ia longe demais, as vicissitudes da guerra impunham as suas marcas, era preciso calma, atenção e respeito pelo caminho que cada um dos seus homens estava a fazer. Para si, como comandante daquele grupo, o sonho era fazê-los regressar a casa, na Metrópole. O Cais da Rocha em Lisboa, de onde partiram, era a meta de chegada, onde todos deviam apresentar-se, pelo menos os que restavam: três já tinham partido, sendo que um fora num doloroso sobretudo de pinho, e os outros feridos em combate.

Imbuído deste espírito, o Alferes José Barbosa dirigiu-se ao abrigo de onde provinha o ruído. Três soldados brancos e um africano, discutiam. Cansados de acordar nas noites anteriores com o ruído que o Joaquim Santos produzia e os palavrões que lhe saltavam pela boca fora, quando acabava a sua hora de sentinela, os camaradas rodearam-no para uma chamada de atenção e ele reagiu de forma incorreta, como era seu costume.
- Joaquim chegue aqui! E vocês vão deitar-se. Acabou a festa!

Ao deparar com o Joaquim de G3 na mão, um pouco alcoolizado, o que não era seu hábito, e bradando palavras inconsistentes, logo pensou em admoestá-lo e redigir uma participação ao comandante da Companhia. Avaliando melhor a situação, filou-o por um braço e conduziu-o à porta da sua habitação. Sentaram-se, silenciosamente, num monte de cascalho, e a G3 entrou em descanso na mão do alferes. O pobre do soldado começou a chorar.

O Joaquim Santos, a quem fora dado pelos camaradas da recruta a alcunha “perna marota”, porque sofria de um pequeno tique na perna direita, era uma pessoa irritante, pela forma provocadora como reagia aos seus superiores e na relação com os camaradas. Até a voz, grossa e rouca, incomodava e ele sabia-o, pelo que abusava da fama para tirar proveito. Aparentemente não tinha grandes amigos e o alferes acompanhava-o de perto, para evitar sarilhos.
- Ah agora chora?! Mas há minutos despertou toda a gente do abrigo, e não foi a primeira vez. São seus colegas, devem merecer-lhe respeito. Disse-lhe o alferes, zangado. Que se passa Joaquim? Parece que está interessado em levar com uma participação ao comandante e apanhar mais meio ano de comissão!
- Se o meu alferes soubesse...
- Quero saber, antes de pensar no castigo que lhe vou dar!? Fale!

O silêncio que se seguiu entrecortado por soluços disse ao alferes, que algo de grave se passava, pelo que esperou pacientemente.
- O meu alferes sabe que sou casado e tenho uma filha. Tinha dois meses quando abalamos para a Guiné. Não sente a dor que me persegue... não pode sentir... amo a minha mulher... adoro a minha filha que mal conheço...
- Talvez, mas também tenho outras dores, que você não sente. Essa é a sua dor, mas todos nós, que aqui estamos, sofremos. A saudade mata, bem sabe... e cada um tem os seus dilemas. Temos de saber gerir os problemas com senso e você... se pensa que essa dor lhe dá o direito de incomodar os seus camaradas estás enganado!
- Não, meu alferes. Peço desculpa... estou confuso... não sei o que hei de fazer...
- Desembuche homem!
- Todas as semanas escrevo à minha mulher, e ela me escreve. Desde há dois meses queixa-se que não recebe a minha correspondência, e eu sempre lhe escrevi. Juro! Acusa-me de abandono, e até insinua que a troquei por uma madrinha de guerra. Não sei que fazer... eu amo-a e não quero perdê-la nem à minha filhinha! Alguém me desvia a correspondência, mas quem? Quem está interessado em arruinar o meu casamento? Ou será ela que me está a fintar?

O problema era grave. Não havia palavras que atenuassem a dor do Joaquim, pensou o alferes, optando por alimentar o diálogo. Talvez conseguisse que o Joaquim encontrasse a solução. Mais ninguém o conseguiria.
- Diga-me uma coisa. A sua família mora por perto?
- Sim. E aí é que está o problema. A minha mãe, que vive a cerca de dois quilómetros, escreve-me maravilhas da Ana Maria e da Anita. Passa lá por casa todos os dias com a menina. Almoça aos sábados e dispõe a tarde para ela, e a menina conviverem com os meus pais. O meu tio, que nos cedeu uma casinha junto à sua, para ela lá viver, para economizar uns cobres, acusa-a de ser depravada, porque nunca está em casa e que deve ter-me trocado por outro.
- E você em que acredita? Na sua mãe? Ou no seu tio...
- Eu quero acreditar na minha mãe, mas... ela está trolaró desde que o meu irmão morreu na guerra, em Angola. O meu tio... ela vive lá... e ele vê tudo.
- O seu irmão morreu em combate?
- Sim. Era condutor e pisou uma mina anticarro. O meu alferes sabe que essas não perdoam...
- Sim... Lamento... disse o alferes, comovido.

O alferes pensou: tenho de arranjar maneira de despachar este homem para casa, talvez a lei o permita, dado que o irmão morreu em combate, mas agora devo ajudá-lo a resolver o problema.
- Tem de encontrar formas de fazer chegar os seus aerogramas à sua mulher. Nunca se lembrou em enviá-los para a morada da sua mãe?
- Pois! E a minha mãe ficava a saber os nossos segredos. Nunca!
- Já pensou em ir de férias? Assim descobria o segredo da correspondência desviada... via a menina e aclarava a vossa relação afetiva. Merece ser feliz.
- Meu alferes o senhor sabe que na tropa ganhamos muito pouco. Dá para a cerveja e pouco mais.
- Porra! Tem ou não dinheiro para comprar a passagem? O que está primeiro, o dinheiro ou a sua felicidade e a da sua esposa? Amanhã vamos falar com o sargento e vai de férias. É uma ordem.
- Se o meu alferes assim entende! Ai que bom será, ver a minha menina!
- E a sua mulher. Ela merece confiança. Por favor, acredite na sua mãe. Amanhã vai escrever-lhe uma carta. Eu forneço-lhe o papel e o envelope. Mete dentro um aerograma para a Ana Maria e pede à tua mãe para lho entregar. Até ir de férias é assim que vai fazer e o seu problema fica resolvido. Pode crer.

E aqueles dois homens calejados por uma guerra ingrata, perderam-se na conversa, e encerraram este encontro, já o sol despontava, abraçados um no outro.

José Teixeira

(Continua)
Abril de 2008 > José Teixeira em Canamine
Abril de 2008 > Recepção em Guileje
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23351: Estórias do Zé Teixeira (52): Amores em tempo de guerra: I - Um dia de festa em tempo de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

terça-feira, 14 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23351: Estórias do Zé Teixeira (52): Amores em tempo de guerra: I - Um dia de festa em tempo de guerra (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

O José Teixeira em Ingoré, em 2015, rodeado de crianças

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70) com data de 12 de Junho de 2022, trazendo-nos uma estória de amor, em tempo de guerra, como não podia deixar de ser. Quem não conheceu uma bela Binta na Guiné? A minha lavadeira chamava-se Binta e era bem bonita.


Amores em tempo de guerra

I - Um dia de festa em tempo de guerra

Não havia luar naquela noite. A obscuridade formigava de estrelas tão vivas que se tornavam ofuscantes aos olhos da Binta. Deitada na margem do regato avivado pela água das fortes chuvadas, ali mesmo ao lado do arame farpado que rodeava a tabanca, Binta deixara-se embalar em pensativo sonho, naquele local onde o mensageiro do Braima a ia visitar, em silêncio, longe a longe, fora das vistas de sentinelas, para lhe trazer novas do seu amado.

“Há quanto tempo lhes resisto... fui lavadeira de alferes, furriéis e até soldados que passaram por aqui. De uns gostei mais, mas nenhum me prendeu o coração. Quantas vezes tive de lhes dizer não!... quantas vezes tive de controlar as suas investidas maliciosas... O facto de ser filha do sargento da milícia e estar noiva do Braima, filho do Mamadu, tem sido a minha arma, que os obriga a respeitar-me. Se eles sonhassem onde anda o Braima, o que ele faz na mata... onde estaria eu?... Obrigada, minha mãe por me ensinares esta mentira, tu, que nunca na vida mentiste e me ensinaste que a mentira é usada pelos homens de cabeça grande, os que se perdem na bebida… na soberba ou na ganância…

...O alferes José Barbosa é diferente... Há dias pegou-me na mão, olhou-me nos olhos e eu pude ver bem dentro dele. Tem uns olhos transparentes, com um pouco de azul-celeste no contorno. Uns olhos destes não mentem, a mentira provocaria uma sombra, estou certa... E ele disse-me: “se o teu Deus é assim tão poderoso que pode criar uma mulher tão bela como tu, ficarei feliz por me submeter à sua lei para o resto da minha vida. Direi contigo: Allah é grande e não há outro Deus senão Ele. Casa comigo, eu dou ao teu pai tudo quanto ele me pedir, casa comigo”, insistiu... insistiu e eu fugi dos seus braços...

...Barbosa... eu amo Braima e esperarei por ele. Já recusei e continuarei a recusar entregar o meu corpo... O meu pai correu com pretendentes velhos e novos. Apesar de não ter recebido o quinhão prometido pelo pai do Braima, naquela noite. Para ele só há uma palavra, a dele. Respeito-o como pai, respeito-o como homem e amo o Braima... cabe-me guardar para ele o maior prazer.
- Mas onde está esse Braima que ninguém vê por aqui? Perguntou-me com ar inquiridor.
- Tive de lhe responder com a mentira que a minha mãe me ensinou.

Onde estará ele a esta hora?... talvez a dormir dentro de uma barraca... ou sobre o chão quente... ou a atacar um quartel... Olossato ou lá o que é, nem sei onde fica...
- Não! Está deitado a contemplar as estrelas, a pensar em mim... será possível que um homem e uma mulher, separados por esta luta violenta, esta guerra maldita; por rios e florestas cerradas; quilómetros de picadas cheias de perigos, possam enlaçar os seus olhos e pensamentos através das estrelas e viver o seu amor?... Braima do meu coração foge da guerra que nos mata... vem meu amor...
Quero-te a meu lado, quero ler o nosso futuro nos teus olhos, amar, ter filhos... maldita luta que me afastaste do meu amor!”

E Binta deixou-se adormecer como tantas vezes, sonhando com o seu amado. Acordaram-na os passos do cabo de ronda na sua tarefa noturna de manter as sentinelas em alerta.

José Teixeira

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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE JUNHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23342: Estórias do Zé Teixeira (51): Há festa na Tabanca (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

sábado, 11 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23342: Estórias do Zé Teixeira (51): Há festa na Tabanca (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)

Xitole, 2013 > Festa de casamento para a qual o José Teixeira fora convidado
Foto: © José Teixeira

1. Mensagem do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70) com data de 10 de Junho de 2022, trazendo-nos mais uma das suas belíssimas estórias:


Há festa na Tabanca

Naquele princípio de noite de quinta-feira, o alferes notou que algo de anormal estava a ocorrer na tabanca. Do Iero, apenas recebera um alegre sorriso, quando o interpelou sobre o que estava acontecendo com a população. As mulheres andavam num algaraviado rodopio, as bajudas passaram a tarde no “cabeleireiro” apresentando-se com belos e inabituais penteados, os homens, como de costume, tagarelavam animadamente debaixo ao majestático poilão, que o alferes já fora tentado a abater, pois considerava que era um excelente ponto de mira para o inimigo e se ainda não o destruíra foi pelo respeito que lhe merecia aquela simpática gente. A sua frondosa sombra era a sala de honra onde os homens grandes se reuniam e tomavam as decisões importantes para a vida comunitária local, o salão de festas comunitário, a escolinha onde as crianças, sentadas no chão, ouviam o mestre, na sua aprendizagem corânica.

Ao apreciar esta azáfama deixou-se invadir por um sentimento de felicidade. A sua tabanca estava viva e ativa. Adorava aquela gente, o seu calor humano, os sorrisos que recebia e lhe preenchiam a alma. Havia um inimigo por perto que a todo o momento podia surgir e quebrar aquela harmonia, pelo que se decidiu a visitar, ao cair do sol, todos os abrigos e postos de sentinela e recomendar aos seus homens uma especial atenção para a noite que se aproximava. Como era seu hábito, ficava uns minutos largos numa silenciosa cavaqueira com cada militar em serviço de vigia e proteção, pelo que recolheu ao seu leito, um pouca tardiamente, depois de se refrescar à moda fula, com umas latadas de água colhida no bidon que tinha à porta da casa.

Sexta-feira, manhã cedo, foi acordado por uma voz feminina que o chamava docemente. Aferes! Alferes, vem, quero falar contigo!
Não reconheceu a voz de quem o estava a chamar. Olhou para o relógio, eram sete horas. Voltou-se para o outro lado e deixou-se ficar decumbente a saborear a manhã que se avizinhava bem cálida. Mas a voz insistiu; alferes! alferes, vem falar comigo! Sou a Djubae, a mãe do Adulai, o teu menino.

Levantou-se célere, enfaixou-se na toalha de banho e abriu a porta. Habitava uma casa típica local que lhe fora cedida pelo Iero. As paredes em cana entrançada recobertas de barro vermelho, encaixavam-se num chão térreo cobertas de palha de capim, que ladeava a casa até a um metro do chão providenciando ao espaço interior uma agradável frescura. Inclinou-se para passar a umbreira da porta e deparou com a Djubae toda aperaltada, com bonito vestido que lhe realçava a juventude e a beleza, com um lenço de seda pura na cabeça. Impulsivamente deixou-se espreguiçar enquanto o pensamento lhe devolvia o que tinha apreciado na tarde anterior e pensou: a festa vai continuar… que se passará com esta gente, meu Deus!?

- Alferes, o Adulai vem convidar-te para a sua festa!
- Que festa? Questionou, esfregando os olhos ensonados a precisar de uma chapada de água fresca para acordar.
- Hoje, a tabanca tem festa grande. Allah, louvada seja Ele, deu o dom da vida ao meu menino. Vem visitar-nos o grande Cherno Rachid para fazer oração a Allah o misericordioso, louvado seja Ele. Queremos que venhas à festa do Adulai, disse, num ato repentino como que a despejar um recado que lhe avassalava o coração e se atrofiava na garganta.
- Hum! Mas… O Cherno Rachid vem cá e vocês não me informaram para eu criar condições de segurança. Vou ter uma conversinha com o Iero!
- Tem calma alferes, o Aldje Cherno Rachid pode viajar por toda a Guiné sem risco de vida. É muito respeitado, até pelos bandidos que estão no mato. É um escolhido de Allah e só Allah é Deus protetor e misericordioso, disse calmamente, enquanto pegava na mão do alferes e a encostava ao seu coração.
- Djubae! Djubae! Faltavas tu para prenderes ainda mais o meu coração a esta terra maravilhosa, a esta gente de coração puro, que não merece a pouca sorte a que está votada. Maldita seja a puta da guerra! Vociferou aturdido pelo mavioso convite que acabara de receber. Uma lágrima libertou-se do seu coração e escorregou-lhe pela face duramente queimada pelo agreste sol africano. Lágrima que a Djubae recolheu religiosamente na manga do seu vestido domingueiro.
- Vai, disse meigamente o alferes, beijando ternamente a mão da Djubae. Eu não demoro. Quero alimentar-me do vosso júbilo, da vossa enorme vontade de viver. Vai, minha querida!

…E chegou a hora da festa, chamemos-lhe de batizado, para melhor compreendermos o grande significado que tem para este povo, a entrada na comunidade de uma nova vida.
Xitole, 2013 > Festa de casamento
Foto © José Teixeira

Em tempo de guerra não é aconselhável usar o “bombolom” ou os “tam tam” para fazer o aviso e lançar o convite para a festa. Todavia, a tabanca enchera-se de caras que o alferes Barbosa não se lembrava de ter visto por ali. Os homens da terra e das tabancas vizinhas, vestidos de longa batina branca, com a cabeça coberta, solenemente sentados à sombra do poilão aguardavam a chegada do idolatrado Cherno Rachid, emblemático líder religioso a quem toda a Guiné muçulmana independentemente da opção político-militar, se curvava em respeito pelos seus profundos conhecimentos corânicos e pela sua forma de ser e estar no quotidiano da vida. Esta forma de viver tornara-o no homem de Deus mais respeitado em toda a Guiné e até países limítrofes, a quem o governador da província se inclinava com respeito e ousava consultar sobre os grandes problemas. Pelas mesmas razões era respeitado pelo bureau político da PAIGC e considerado intocável, pelo que se movia em paz pelas meandrosas picadas da Guiné, sem correr riscos de vida.

As mulheres grandes, aformoseadas nos seus trajes típicos, linguarejavam ruidosamente, sempre com o olho fixo na picada de onde surgiria o homem de Deus, enquanto a juventude se divertia a seu modo aguardando o momento mais solene.

O alferes José Barbosa sentado em lugar de honra no meio dos homens, ao lado do felizardo pai do Adulai, ouvia as conversas em linguagem crioula sobre o passado, o presente e o futuro da Guiné, tentando, nos seus parcos conhecimentos linguísticos locais, compreender de que falavam. O sentimento que tivera de se sentir a mais naquele meio desvanecera-se rapidamente. Sentia-se envolvido por um ambiente de bem-estar. Era como se fosse um filho da terra. Um estranho filho da terra.

Ao verem ao longe, no carreiro, a onda branca com o séquito do clérigo, gerou-se um alvoroço espontâneo:
- Dois jovens, engalanados com os mais belos trajes e pinturas guerreiras pelo corpo, munidos de estridentes assobios e braceletes musicais, agarraram os seus tambores, o djembé e o bougarabou, e prepararam-se para iniciar a festa.
- Quatro bajudas entre elas a Binta, aproximaram-se dos pilões e tomaram nos macetes, colocando-se em posição de começar a ação de pilar do arroz.
- O artista convidado afinava o Kora, um instrumento musical feito de madeira ou bambu com ranhuras transversais e uma caixa de ressonância obtida de uma cabaça partida ao meio. Instrumento de origem mandinga que gera uma musicalidade divinal, o que vai dar mais vida à festa do Adulai.
- O recém-nascido vestido apenas com o fato que a natureza divina lhe dera, é colocado no colo do avô, que tira do bolso uma farpa acastanhada de vidro, arrancada, talvez, de uma inútil garrafa de cerveja.
- O açougueiro segura, pelo pescoço, o carneiro que vai ser sacrificado em honra do glorioso, o senhor supremo do Universo, louvado seja Ele. Uma naifa afiada na mão espera pacientemente.
- A mulherada faz então uma longa roda que envolve todo este ambiente, fechado num silêncio espontâneo e expectante. Convidativo à meditação sobre o valor de uma vida. Uma vida humana que nasceu para ser feliz. Merece ser feliz.

O Califa, depois de ser cumprimentado religiosamente pelos presentes, entra no recinto, abre os braços aos céus e começa a orar.
Momento mágico para os olhos e coração do alferes que vê soltarem-se as mãos das bajudas, dos tocadores de batuque, das mulheres, de toda a gente, até do velho avô que começa a rapar com o vidro da gasta garrafa de cerveja, o cabelo negro do bebé Adulai, enquanto o carneiro dá o seu último mééé!

O início da festa que irrompe ritmadamente ao som do bater do pilão, dos toques e assobios dos tamborileiros, acompanhados por dezenas de mãos a baterem palmas, com os corpos a gingarem num frenesim e as vozes num harmonioso coro de louvor a Allah, o Criador. Não faltou o acender da fogueira com a panela devidamente colocada pelas ágeis mãos das cozinheiras de serviço. Tudo num simultâneo festejar da vida do Adulai.

A sonoridade do macete a bater no pilão, alimentado pela cantilena mais linda, que o alferes jamais ouvira, ritmada pelo bater de palmas das suas jovens manobradoras numa cadência alucinante, com os seios, o mais belo símbolo da sua feminilidade, a acompanharem o bailado, revolvendo-se majestaticamente nos seus bronzeados corpos a pingar longas gotas de suor. Um espetáculo divinal, a que aqueles sons arrancados vigorosamente do fundo dos tambores, alimentados pela musicalidade do kora, com o seu toque especial, davam vida e cuja mensagem não conseguia interpretar. Tudo isto transporta o alferes Barbosa ao seu Portugal, à sua terra, entre o Douro e o Minho das desfolhadas, dos bailaricos animados pela viola e pela concertina, das cantigas ao desafio, deixando-o por momentos perdido na saudade que o devorava.

Procurou o olhar da Binta, mas não o encontrou. Queria suavizar a dor que lhe ia na alma, lado a lado com a alegria de estar ali, a viver com o seu povo (assim o considerava) uma festa tão linda. Precisava de esquecer, nem que fosse por momentos, a sua aldeia natal, nos braços da mulher africana que lhe prendera o coração.
A Binta, sentia-se aturdida. Faltava-lhe o seu Braima, que tantas vezes animara festas como esta. “Agredia” o pilão com a raiva desmedida, enfiada dentro dela, cantando sem nexo. O seu coração bailava longe dali. Como ela adorava tê-lo por perto, para lhe transmitir num olhar sereno todo o afeto que lhe enchia a alma. Talvez não estivesse distante assim, pensou, tentando consolar-se. As boas notícias voam rapidamente… perdeu-se no ritmo da festa e continuou a cantarolar, olhando de través para o alferes de quem gostava, mas não se prendia de amores. A vida continuava, mesmo com seu o Braima escondido na mata, não a podia perder.

E assim se passou a manhã, enquanto as mulheres e bajudas davam o seu passo de dança típica e se libertavam dos maus irãs, os homens alinhavam em conversas soltas, até que chegou a hora do almoço. Homens a um lado, mulheres a outro, algumas com as suas crianças. Grandes bacias cheias de arroz e pedaços de cabrito envolvidos em saboroso molho de chabéu, são espalhadas no recinto. Aninhados no chão, depois de lavarem as mãos, os convidados banqueteiam-se calmamente conversando de tudo e nada, porque o importante é viver o momento.

Para o alferes reservaram uma pequena bacia de arroz, com a melhor tranche de cabrito e uma colher, que o Barbosa recusou preferindo aninhar-se junto do Iero e partilhar do almoço comum, para alegria dos presentes que o acolheram com um rasgado sorriso de contentamento.

A tarde foi serena. Alguma música e muita conversa. Os visitantes aproveitaram para, em convívio, trocarem ideias, recordarem velhos tempos, projetarem o futuro.
E foram partindo discretamente ante que o sol se escondesse para além da mata.
E chegou a noite. Voltou o silêncio. Voltaram os medos.

O Alferes foi ter com os seus homens. Em cada posto de sentinela uns olhos vigilantes espreitavam o futuro.
Sábado seria um novo dia.

José Teixeira

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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22441: Estórias do Zé Teixeira (50): Amores em tempo de guerra - O sonho da Luisinha (José Teixeira, ex-1.º Cabo Auxiliar Enfermeiro da CCAÇ 2381)

sábado, 7 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23240: Efemérides (368): Foi imposta a Medalha Comemorativa das Campanhas (Guiné, 1968-70) ao Maioral António Maria Úrsula, que apesar de sofrer de grave doença, se deslocou a Santa Margarida para com orgulho e alegria a receber (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro)

1. Mensagem de 6 de Maio de 2022 do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, QueboMampatá e Empada, 1968/70) com a notícia da imposição da Medalha Comemorativa das Campanhas (Guiné, 1968-70) ao seu companheiro Maioral, António Maria Úrsula, entregue em Santa Margarida, onde se deslocou para a receber apesar da doença grave que o atormenta:

Meus caros editores
Envio um texto sobre um camarada que se encontra há vários anos imobilizado numa cama pela ELA e ficou muito feliz por ainda chegar o tempo de poder receber a medalha a que tinha direito.

Fraternal abraço
Zé teixeira



MEDALHA COMEMORATIVA DAS CAMPANHAS - GUINÉ, 1968-70

O orgulho de um Combatente

O António Maria Úrsula, mas conhecido pelo Chamusca sofre há muito da ELA – Esclerose lateral amiotrófica, que o tem vindo a desgastar, estando há vários anos prostrado na cama, praticamente imobilizado.

O bom gigante do 1.º Grupo de Combate da CCaç 2381, o homem da MG. Homem simples e comunicativo, amigo do seu amigo, sempre alegre e bem disposto, está muito doente, mas teima em viver. Apoia-se na mulher que escolheu para esposa. Frágil, muito frágil, mas resistente. Resiliente e com um amor sem limites, quer o seu António em casa. Quer ser ela a cuidar dele. Entrega-se totalmente para que o seu António resista à doença que o devora lentamente. Durante vinte e quatro horas ao lado do António, para lhe fazer a higiene total, o alimentar, o ouvir a gemer de dor e desespero. Uma lição de amor que deve ser cantada aos quatro ventos. Enquanto o António pôde, (os braços foram os últimos a ceder) ajudava-o a sentar-se na cadeira e levava-o todos os dias ao café para estar com os amigos. Depois aproveitava a presença dos filhos para a ajudar a colocá-lo na cadeira para que pudesse ir ter com os amigos.

Durante vários anos, o Chamusca apareceu nos convívios anuais da Companhia, na cadeira de rodas, sempre acompanhado pela esposa e por um dos filhos. O convívio era para ele um ponto de encontro anual que não dispensava. Bem disposto, com a sua piada na ponta da língua, preso na sua companheira sob a vigilância atenta da esposa, adorava estar com os camaradas.

Convívio dos Maiorais de 2012
No Convívio dos Maiorais de 2016 já o Úrsula compareceu numa cadeira de rodas

Um ano descobriu que já não podia ir ao convívio. O corpo não obedecia para entrar dentro do automóvel. Ficou triste e nós, os Maiorais, sentimos a sua falta.

Por último, o António, o bom gigante, o meu amigo como todos os Maiorais, já não sai da cama há uns anos, não consegue movimentar o corpo, quase não se percebe a sua fala, mas teima em viver e não está sozinho. A extremamente dedicada esposa sempre a seu lado e os filhos por perto dão-lhe o alento necessário.

Há uns cinco, seis anos, o capitão levou impressos para solicitar a "Medalha Comemorativa das Campanhas - Guiné, 1968/1970", que nos foi atribuída no fim da Comissão, mas que não nos foi entregue na devida altura. Alguns dos camaradas presentes subscreveram o impresso e ainda hoje aguardam a medalha. O António sonhava com a medalha, queria receber a medalha, um direito. Sempre que nos encontrávamos ou falávamos, perguntava pela medalha. Até doía ouvi-lo, por ver o tempo a passar e a medalha do António sem chegar ao seu destino e sobretudo por sentir que ele não tinha condições para a ir receber a um quartel qualquer.

Há dias recebi um telefonema da esposa para saber da nossa saúde e dar notícias do António, como vem sendo hábito partilhado e para me dar a notícia que o António recebeu uma convocatória para ir ao Quartel de Santa Margarida receber a medalha e ficou muito feliz.

Os filhos organizaram a viagem, ajudaram-no a levantar-se e levaram o António ao quartel para receber a medalha a que tinha direito. Que alegria! Que orgulho de medalha ao peito! Um momento de felicidade.

Depois regressou ao seu cantinho e continua pacientemente a resistir, tendo como companhia a mulher e os filhos.

Obrigado, António, pelas lições de vida que me tens dado. Um agradecimento especial à tua esposa e aos teus filhos pela humanidade com que te tratam.

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE MAIO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23237: Efemérides (367): Faz hoje precisamente 55 anos que um estrangeiro, o ten-cor H. Meyer, adjunto do Adido Militar Americano em Lisboa, participava, com as NT (CART 1525, Bissorã, 1966/67) na Op Beluário... Não sabemos em que circunstâncias nem a que título (Virgínio Briote)