Guiné > Bissau > Café Bento > c. setembro de 1972 > Foto tirada na esplanada do café Bento, local de encontro não só para quem prestava serviço na cidade, mas também para muitos que pelas mais variadas razões passavam por Bissau
Dos que estávamos com farda militar, o do centro era eu, Jerónimo, a primeira vez que vim de férias, o outro, a seguir ao Canha, era o Inácio (António Ferreira da Silva Inácio, pertencia à polícia militar, o único da nossa aldeia que passou todo o tempo de comissão em Bissau); e o último da direita era o Faustino (José Fernando Pimenta Faustino, de seu nome completo, assentou praça em em agosto, era soldado condutor auto, embarcou, em rendição individual, para a Guiné em 12 de março de 1971, no navio Uíge; esteve seis meses em Teixeira Pinto, CAOP 1, o resto da comissão foi passado em Bissau; veio uma vez de férias à metrópole; regressou por via aérea a de fevereiro de 1973).
Antes, tinha aproveitado para gastar o resto dos pesos que tinham sobrado, eram poucos, depois foi o tão desejado embarque. Durante cerca de vinte minutos o avião esteve sujeito a uma turbulência nada agradável, mas pensar que aquela era a viagem que muitos de nós chegamos a pensar que poderíamos não chegar a fazer…
Depois desses minutos agitados, a que fomos sujeitos, o resto da viagem decorreu normalmente. Na tarde desse dia 2 de abril de 1974, o avião aterrava no aeroporto da Portela com saída pelo Figo Maduro e, dali para o RAL1 (creio que se chamava assim) onde fizemos o resto do espólio, depois foi o regresso à vida civil.
Guiné > Região de Tombali > Cobumba > CART 3493 > 1973 > Eu com a minha companheira de vinte seis meses e mais uns dias junto ao local onde todas as noites que estivemos em Cobumba fiz reforço. Durante a noite disparavávamos muitos tiros mesmo sem inimigo à vista. Certa noite um desses tiros cortou um fio condutor de energia que suportava a fraca iluminação junto ao arame. O eletricista Vieira é que ficou muito aborrecido teve de interromper o sono para reparar a avaria, eu não fiquei menos… Chego a pensar se ainda lá estivesse hoje a disparar tiros provavelmente não voltava a conseguir cortar o fio.
Fotos (e legendas): © António Eduardo Ferreira (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
O nosso camarada na tropa e na guerra era mais conhecido por Jerónimo. Lutou quase 20 anos, desde 2004, contra um cancro. Criou em 2012 o blogue Molianos, viajando no tempo que manteve até 2017.
Deixámos Cobumba descendo o rio Cumbijã, alguns quilómetros mais abaixo estava outra companhia à espera para seguir connosco para a cidade, vindo de Cafal Balanta. Dessa companhia fazia parte um vizinho meu, o Victor Santos, da Lagoa do Cão. Se um vizinho deixava aquela zona, um outro que o tinha ido render ficava bastante triste e só: era o José Balbino... Sabendo que eu vinha a caminho de Bissau, quis vir ver-me, não foi fácil para ele, como não seria para qualquer um, despedir-se de um vizinho com a comissão quase terminada… e ele ainda no inicio e numa zona tão má como era aquela.
Normalmente as companhias quando vinham do mato para a cidade era para regressar à Metrópole, ou para fazerem trabalhos de menor risco. Sabíamos ir estar mais alguns meses na cidade, o que não sabíamos era que a nossa companhia ia passar a ser cem por cento operacional, só os criptos exerciam a sua especialidade, todos os outros faziam os mesmos serviços.
Como se tal não chegasse com vinte e seis meses de tropa, fizemos uma coluna a Farim, viagem de alto risco. Por essa altura a minha saúde não era a melhor, pela primeira vez tinha tido paludismo, e dois dias antes de se realizar a coluna fui ao médico tentando que ele me dispensasse de serviços pesados.Tive sorte, fui dispensado de ir a Farim, apenas eu e outro camarada que estava também de baixa não fomos.
No tempo em que estivemos em Bissau, o quartel ficava a poucos quilómetros do centro da cidade, na COMBIS, em Brá, nós de vez em quando íamos até lá. Na cidade havia muito movimento apesar de mesmo por lá as coisas começarem a não ser totalmente seguras.
Um dos locais com paragem obrigatória para quase todos que vagueavam pela cidade, era o café Bento, ou a 5ª Rep, como toda a gente lhe chamava. Assim que nos sentávamos, ainda antes do empregado de mesa, chegavam os engraxadores que se preparavam e insistiam para nos engraxar as botas a troco de dois pesos e meio, ou três.
Os serviços continuavam na cidade, o tempo normal de comissão já há meses que tinha passado, e nós sem saber quando seria o nosso regresso à Metrópole. Poucos dias antes de virmos embora tivemos uma baixa, o furriel Trindade, o homem que tantas minas tinha levantado, ao ser atropelado pela viatura que lhe ia levar o almoço, quando se encontrava em serviço com alguns homens num dos postos de guarda junto ao arame farpado que existia em alguns sítios em redor da cidade.
Faltavam três dias para o nosso regresso, fomos informados que teríamos de fazer mais uma coluna a Farim pelo que à tarde fomos levantar as viaturas que íamos levar na madrugada seguinte. Estávamos completamente arrasados, a dois dias de terminar o nosso tempo de Guiné, irmos fazer uma coluna a Farim, para essa também eu já tinha levantado viatura, mas a poucas horas do inicio da viagem alguém teve o bom senso, e decidiu que não seriamos nós a ir na coluna.
Faltavam dois dias mas não tínhamos a certeza que seria assim, só quando nos encontrámos dentro do Boeing e já no ar acreditamos que era desta que a nosso regresso ia acontecer. Embarcamos perto do meio dia em Bissau no dia 2 de abril de 1974 e chegámos ao fim da tarde a Lisboa.
Passados trinta e oito anos da minha chegada à Guiné, dando uma volta pela memória encontrei os factos aqui relatados, certamente muitos não terei conseguido lembrar-me, mas fiquei satisfeito com aqueles que consegui lembrar em apenas três semanas.
Se alguém chegar a ler este relato de vida que foi a minha, durante o tempo de tropa que passei em África, e que foi também o de muitos jovens do meu tempo, em particular aos que passaram pela Guiné, verá que as coisas agora não são tão más como parece!
Último poste da série > 6 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24923: Excertos dos melhores escritos de António Eduardo Ferreira (1950-2023), ex-1º cabo cond auto, CART 3493 / BART 3873 (Mansambo, Cobumba e Bissau, 1972/74) - Parte VIII: do que a população sob controlo do PAIGC tinha mais medo era do "passarinho grande", o avião