sexta-feira, 12 de março de 2010

Guiné 63/74 - P5976: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (11): Pilão, a visita obrigatória

1. Décima primeira história do nosso camarada Rogério Cardoso (ex-Fur Mil, CART 643/BART 645, Bissorã, 1964/66), enviada em mensagem do dia 8 de Março de 2010.

Notas soltas da CART 643 (11)

Pilão, uma visita obrigatória

Quem não se lembra do célebre Bairro do Pilão, junto às bombas de gasolina da SACOR.

Bairro situado à saida da cidade de Bissau, junto à estrada para Bissalanca, problemático pois diziam esconder elementos inimigos, que não era difícil porque eles não estavam rotulados, eram iguais em tudo aos restantes residentes.
Estas afirmações têm fundamento, na medida em que em certa altura houve um incêndio de grandes proporções, que se assistiu ao rebentamento de munições e granadas.

Mas não estou escrevendo estas NOTAS SOLTAS para contar o que foi o Pilão, todos nós o sabemos de sobra, mas sim para narrar uma cena que poderia ser fatal para mim.

Certa noite, sendo eu ainda muito "maçarico", tendo talvez pouco mais de um mês de Guiné, e sendo o Café Bento na avenida principal o meu local preferido para depois de jantar, fui abordado por dois ex-combatentes, solicitando a minha permissão para se sentarem nas duas cadeiras junto à minha mesa, já que estava a esplanada cheia.

Claro eu respondi-lhes afirmativamente e de imediato os três bebemos umas cervejas frescas. Eles eram sobejamente conhecidos, um o Fuzileiro de alcunha "Mouraria" e o outro o Pára "Braga", dois elementos que desde logo me pareçeram uns camaradões, mas que mais tarde vim a saber serem individuos complicados no aspecto disciplinar, estavam sempre prontos para a pancada por tudo e por nada.

Entretanto e depois das cervejas, fui convidado por eles para uma visita ao Pilão, havia lá um bailarico com mornas e coladeras e claro, material feminino.

Lá fomos entusiasmados pela juventude dos 23 anos, de facto era verdade e a nossa integração no bailarico foi imediata.

Entretanto o Mouraria arranja logo um desaguizado com um elemento cabo-verdiano que dançava com uma guineense de alcunha "a muda". O nosso amigo queria a toda a força dançar com ela, e palavra puxa palavra, empurrões à mistura e rapidamente passaram à agressão fisica.

Os amigos do cabo-verdiano, cerca de 20, igualmente entraram na luta, assim como o Braga e claro logicamente eu também. A desvantagem como facilmente se percebe era abismável e os dois com conhecimento de sobra, tanto da nossa desvantagem como do terreno para uma fuga com êxito, não esperaram e evaporaram-se em segundos. Eu não tive alternativa, fugi também e rapidamente, sem saber para onde ir, e depois de andar deambulando pelos becos com uma noite com escuridão total, decidi esconder-me debaixo de uma "casa", pois elas estavam implantadas sobre pilotis de madeira.

Depois de uns minutos que me pareciam horas, porque ouvia e sentia que era perseguido por um grupo numeroso, pelas vozes e barulho, aproveitei um silêncio repentino e saí, e eis que senti um pouco mais à frente uma mão no meu braço e uma voz dizendo:
- Oh meu Furriel,  venha já comigo.

Senti que era um amigo e segui-o rapidamente, finalmente estava a umas escassas dezenas de metros da estrada principal. Quem me ajudou, estava presenciando a cena de longe, conheceu-me porque eu tinha sido seu instrutor em Santa Margarida uns meses atrás.

Serviu-me de lição, primeiro não me meter em terrenos desconhecidos, segundo saber escolher os companheiros de farra.

RC
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P5921: Notas soltas da CART 643 (Rogério Cardoso) (10): Os patos pagos pelo pato

5 comentários:

Luís Graça disse...

Pilão... Bairro Alto... Cais do Sodré... Sé... Nessa época, não era difícil arranjar sarilhos por causa dos rabos de saia, em Bissau, em Lisboa, no Porto.

Quem, de nós, não tem uma história, historieta, passada no Pilão... Se calhar, por pudor, ainda está por contar...O nosso blogue também é um "confessionário"...

Obrigado, camarada Rogério! Ninguém pode ser acusado de ter vinte anos e às vezes meter-se com "más companhias"... (Era assim que os nossos pais, professores e catequistas nos aconselhavam; deve ser assim em toda a parte do mundo: Rapazes e raparigas, vejam com quem andam!)...

Rui Silva disse...

Caro Rogério.
Lá estás tu a lembrares-mes filmes e mais filmes. O pilão, onde ir era mais operação de risco. Foi lá uma vez e não gostei. Presenti que o perigo andava ali perto. E só 1 ou 2...
Agora os páras e os fusos o que eles queriam eram um rastilho.
Joguei Andebol em Bissau e os Páras aplaudiam sempre uma das equipas, enquanto os Fusos aplaudiam outra, claro está.
Ao mínimo precalço havia logo porrada.
Lembras-me o café Bento (5.ª Repartição)aonde eu também assentava arraias, a comer uma sande de chocolate para a cerveza andar melhor e mais depressa.
Bem hajas pelas lembranças.
E já agora lembtras-te das verbenas do Sporting, tipo Feira Popular em tons menores?
Bailarico muito bom mesmo; bajuda branca, de cor e meia-cor. Manga di ronco.
Um abraço
Rui Silva

armando pires disse...

Camarada Rogério.
Desculpa insistir mas diz lá de quando datam as fotos da casa do maximiano e dos correios insertas no teu P5921 de 2/março. Como te disse, em comentário a este post, o caso é que estive em Bissorã de 69 a 70, e naquela época aqueles edificios não estavam naquele estado. Também te deixei o meu mail para o caso de me quereres responder através dele e para que, de imediato, te enviasse fotos do tal bar de "sorjas", da época e actuais. armandofpires@gmail.com - abraços

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro Rogério

Creio que não houve militar que se preze que não tenha dado uma voltinha pelo Pilão, quando das sua passagem por Bissau.
Apesar do perigo que poderia representar, julgo que era mais o mito que a realidade.
As maiores contendas no local que eu posso contar, e os camaradas do meu tempo podem confirmar. Foi quando alguns elementos dum destacamento de Fuzileiros, do 7.º ou 8.º creio, deitaram fogo ao Pilão, sendo castigados pelo "Caco" e alcunhados por guerrilheiro de P....,

Um abraço

Mário Pinto

Anónimo disse...

Grande Rogério,

Não vou falar muito!...

Eramos três e fugimos com a roupa debaixo do braço.

O que nos valeu foi o taxi que estava à nossa espera.

Depois mudámos de azimute aí sim...outras histórias que ainda não podem ser contadas, mas já confirmei, há gente por cá que sabe.

Conta! Conta que as tuas aventuras sabem a Guiné.

O velho abraço é claro do tamanho do tal Cumbijã,

Mário Fitas