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quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024


PAIGC > Foto nº 1 > Soldado com arma (LGFog RPG-7)



PAIGC > Foto nº 2 >  Guiné-Bissaiu, zona norte: evacuação com maca para o Senegal




PAIGC > Foto nº 3 > Exames médicos: uso do microscópico



PAIGC > Foto nº 4 > Intervenção cirúrgica ao ar livre, no mato: médicos cubanos, enfermeiro guineens



PAIGC > Foto nº 5 > Ambulância de Zinguichor, Senegal



PAIGC > Foto nº 6 >  O dr. Roel Coutinho usando a pistola de vacinação


PAIGC > Foto nº 7 > Loja do Povo, em Sara, na região do Oio



PAIGC > Foto nº 8 > Mulher, em escola para adultos


PAIGC > Foto nº 9 > Guerrilheiro, em escola para adultos



PAIGC > Foto nº 10 > Cabo Verde, ilha de Santiago, Praia>  Mural: o juramento de Amílcar Cabral (1969): "Eu jurei a mim mesmo que tenho que dar a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e em Cabo-Verde. Ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho".

As fotografias, com exceção da última, são do médico Roel Coutinho. Existe uma série para uso livre de fotografias do Dr. Coutinho no Wikimedia Commons .

https://commons.wikimedia.org/wiki/Commons:Guinea-Bissau_and_Senegal_1973-
1974_(Coutinho_Collection)



Roel Coutinho, 2016, foto de Patrick Sternfeld / capa 
da revista "Benjamin", junho 2016, ano 28, nº 104.
Com a devida vénia...


É hoje um prestigiado médico, epidemiologista e professor,jubilado, de epidemiologia e prevenção de doenças transmissíveis. Esteve no Senegal e na Guiné-Bissau, em missão sanitária que não excluia a simpatia política pelo PAIGC, entre março de 1973 e abril de 1974. (O seu álbum fotográfico, com cerca de 700 documentos, é o mais completo que conhecemos sobre o PAIGC na zona norte; tem 16 referências no nosso blogue.)

Tinha acabado de se licenciar em medicina (em 1972). Especializar-se-ia depois em microbiologia médica. Doutorou-se em 1984, em doenças sexualmente transmissíveis. É um especialista mundial em HIV/Sida, com mais de 600 artigos publicados em revistas científicas.

Roel Coutinho nasceu em 1946, nos Países Baixos, em Laren, perto de Amesterdão, província da Holanda do Norte. Tem ascendência luso-judaica, sefardita: os antepassados, marranos ou cristãos-novos, devem ter saído de Portugal para a Holanda no séc. XVII. Os portugueses, cristãos novos, e de novo reconvertidos ao judaísmo, constituíam uma comunidade prestigiada e influente, pela cultura, o dinheiro e o poder. Sempre usaram os seus apelidos portugueses até à II Guerra Mundial.

Prova da importância da comunidade luso-judaica de Amesterdão (onde nasceu o grande filósofo Espinosa, 1632-1677), é a "Esnoga", a monumental Sinagoga Portuguesa, inaugurada em 1675, e chegou a ter 3 a 4 mil fiéis. Hoje a comunidade está reduzida a umas escassas centenas de pessoas: espantosamente o edifício da "Esnoga Portuguesa", monumento nacional, escapou à destruição da II Guerra Mundial e à ocupação nazi; é visita obrigatória para os portugueses que forem a Amesterdão
. (LG)





Médico, doutorado, psiquiatra e psicoterapeuta: (i) professor emérito de Psiquiatria Cultural e Saúde Mental Global na Amsterdam University Medical Centre;  (ii) professor ajunto emérito de Psiquiatria na Escola de Medicina da Universidade de Boston e professor visitante emérito de Psicologia na Universidade de Rhodes, África do Sul; (iii) fundador e diretor da Organização Psicossocial Transcultural (TPO), que presta serviços de saúde mental e psicossociais, especialmente em áreas de pós-guerra e pós-desastre, em mais de 20 países em África, Ásia e Europa; (iv)  trabalhou  a meio tempo como psicoterapeuta e psiquiatra com imigrantes e refugiados na Holanda: (v)  tem integrado os contributos  da saúde mental pública e global, psicoterapia, psiquiatria, antropologia e epidemiologia em intervenções comunitárias; (vi)  e autor e coautor de 335 artigos, capítulos e livros.
 
(Nota curricular e foto, reproduzidos, com a devida vénia, de: World Association of Cultural Psychiatry)
 


Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação

Por Prof. Joop de Jong


Texto enviado para publicação no nosso blogue, em 7 de setembro último,  pelo nosso leitor,  o Dr. Henk Eggens, de nacionalidade neerlandesa, especialista em saúde pública e medicina tropical, que vive em Portugal (Santa Comba Dão):

"Texto da apresentação que o meu amigo e colega Dr. Joop de Jong (neerlandês) fará na Praia, Cabo Verde, no simpósio Amílcar Cabral no dia 9 de setembro 2024. https://www.100amilcar.com/agenda/event-five-la65y-9xatt (Simpósio Internacional > Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal | Cabo Verde e Guiné-Bissau, 9-12 de setembro de 2024).

"Trata-se de uma exposição sobre o  sistema de saúde desenvolvido pelo PAIGC na zona norte da Guiné durante a guerra."


__________

O Prof. Joop de Jong foi trabalhar como  jovem médico  nas zonas libertadas no Norte da Guiné en 1973. Voltou como psiquiatra para Bissau em 1981 para desenvolver a psiquiatria no país. Ajudou construir um hospital de psiquiatria no bairro de Brá, Bissau. Publicou sobre "Jangue na Guiné-Bissau: uma síndrome cultural entre as mulheres Balantas".

 De Jong é professor emérito de Psiquiatria Cultural e Saúde Mental Global.


Introdução

O desejo de independência é muitas vezes impulsionado pela indignação moral e pela falta de perspetiva social. Antes da luta pela independência e desde a fundação do PAIGC em 1956, Amílcar Cabral desenvolveu uma visão para reduzir as desigualdades em que os guineenses nascem, vivem e envelhecem. Ele tentou libertar a população guineense do seu atraso em quase todos os domínios da vida: desigualdade social, pobreza, desnutrição, falta de educação e cuidados de saúde. 

Para dar uma ideia dessa tarefa hercúlea: a mortalidade infantil na Guiné Portuguesa era de sessenta por cento em 1954, a doença do sono prevalecia em dois quintos das aldeias, e os hospitais ofereciam um mínimo de cuidados nas cidades (cf. Teixeira da Mota em Cabral 1961). Portugal gastava muito pouco dinheiro em cuidados de saúde em comparação com os países vizinhos (1). 

E os portugueses, ao contrário de outros colonizadores, não se consideravam racistas. Eles não tinham nada contra os asiáticos ou os negros, apenas contra os “nativos incivilizados” que tentavam elevar a assimilados. Nos anos 50 do século XX, 0,39% da população guineense estava registada como “assimilada” (2 ). (Foto nº 1: Soldado do PAIGC com arma. Roel Coutinho). 

A desigualdade social foi causada por uma diferença de poder e recursos. Quando Amílcar e um punhado de camaradas começaram a luta em 1963, eles não tinham poder, dinheiro ou
conhecimento. Como eles lidaram com isso?

Nesta apresentação, descrevemos as iniciativas do PAIGC para melhorar os cuidados de saúde da população e dos combatentes pela liberdade. Mostramos em linhas gerais que o PAIGC - muito antes da reunião da OMS em Alma Ata em 1976 - tentou combater a desigualdade social melhorando a agricultura, a educação e os cuidados de saúde. 

Isso aconteceu em parte como uma reação ao regime português que, ao longo da luta, tornou-se mais severo e aumentou a repressão da população local. E quando a luta pela libertação teve sucesso. De Spínola tentou igualar os sucessos do Partido com o seu programa “Guiné melhor”. Ele até falou sobre “realizar uma verdadeira revolução social para aumentar a autoestima e a dignidade da população” (O Século, 7 de agosto de 1970). 

A dinâmica entre libertador e opressor, entre cuidados curativos e preventivos e entre cultura indígena e moderna, determinou o desenvolvimento dos cuidados de saúde. Esboçamos esses desenvolvimentos desde o início da luta.

O início da guerra

Durante a primeira fase da luta, o objetivo era “cuidar dos feridos com os meios disponíveis”. “Meios disponíveis” como eufemismo para os quatro enfermeiros que se formaram em Bissau e se tornaram membros do Partido. Esses enfermeiros treinavam socorristas que eram selecionados entre os guerrilheiros (3). Uma dessas socorristas é a heroína nacional Titina Silá (4). 

Os socorristas eram integrados nas unidades de combate para salvar o máximo possível de soldados e outras vidas com alguns curativos, líquido desinfetante e soro antitetânico. Os gravemente feridos eram transportados em macas feitas de galhos até a fronteira. E,  de lá, evacuados a uma grande distância para as capitais dos países vizinhos, Conacri ou Dakar. (Foto nº 2: Evacuação com maca para Senegal. Roel Coutinho).

O auge da luta

Entre 1965 e 1970, o PAIGC conquistou cada vez mais áreas libertadas. Os portugueses responderam com "a cenoura e o pau”. Por um lado, deslocaram a população local para as
“aldeias protegidas”
["reordenamentos"].

Esta abordagem foi copiada dos franceses na Argélia e dos americanos no Vietname. O objetivo era “proteger” as guarnições militares contra-ataques dos “terroristas” com a ajuda de uma camada de habitantes locais. Por outro lado, o mato foi bombardeado com mais frequência. O PAIGC adaptou-se organizando o máximo possível de cuidados acessíveis nas zonas libertadas para militares e moradores das aldeias . Nesse período, foi criada uma rede de mais de cem postos de saúde (5) . 

Enfermeiros auxiliares formaram a espinha dorsal do serviço médico e ofereceram cuidados básicos. Os pacientes podiam ser internados temporariamente enquanto aguardavam a visita de um médico do hospital mais próximo. Casos de emergência eram transportados para lá em macas. (Foto nº 3 : exames médicos mo, com uso do microscópico. Roel Coutinho).

Num nível de atendimento superior, foi criada uma rede de hospitais setoriais e regionais (6) . Aqui, os pacientes encaminhados eram tratados e os enfermeiros auxiliares eram treinados.

Os hospitais foram construídos com materiais locais. Tudo era feito de ramos e palha e ficava bem escondido entre as árvores. Duas cabanas alongadas com vinte camas cada para
os doentes. Uma cabana como consultório, uma como sala de operações e algumas cabanas para o pessoal. Muito era feito ao ar livre. (Foto nº 4: Operação no ar livre. Médicos cubanos, enfermeiro guineense. Roel Coutinho).

Devido à construção simples, tudo podia ser facilmente deslocado. Quando os bombardeamentos  aumentaram, o PAIGC decidiu que cada hospital deveria ser deslocado anualmente (7) . Incluindo doentes e pessoal, isso levava cerca de três dias.

Cabral (1975, II: 216) percebeu a importância dos cuidados autónomos nas áreas libertadas. penas casos muito graves eram evacuados para um dos três hospitais nos países vizinhos (8) .

A liderança do Partido também percebeu que os cuidados eram muito curativos e distantes da população para fazer algo sobre a terrível condição de saúde dos moradores rurais (9). Essa péssima saúde estava relacionada à desnutrição, que por sua vez estava relacionada com a imposição colonial de cultivar culturas comerciais em detrimento das culturas alimentares. A má condição de saúde também era resultado da falta de higiene, baixa taxa de vacinação e alta taxa de analfabetismo. 

Duas iniciativas deveriam melhorar essa situação. Cada setor recebeu uma brigada de saúde composta por três assistentes. Eles tentaram ensinar aos aldeões os princípios de higiene, nutrição e cuidados materno-infantis. E encaminhavam os doentes para os postos de saúde. Com sucesso variável. Cabral lamentou que os “camaradas não prestassem atenção suficiente às brigadas de saúde” (Cabral 1971: 13) (10). 

A segunda iniciativa preventiva consistia em campanhas de vacinação e na prevenção da malária com redes mosquiteiras e profilaxia da malária. (Foto nº 5. Ambulância, Ziguinchor, Senegal.Roel Coutinho).

Vacinação

O médico holandês Roel Coutinho trabalhou em 1973 nas áreas libertadas. Ele descreve uma viagem pela floresta para ir fazer vacinação  num acampamento:

"Com a velha ambulância, dirigimo-nos de Ziguinchor, no Senegal, até a fronteira com a Guiné-Bissau.

"Em ritmo acelerado e em silêncio mortal, caminhámos por 1,5 horas por um caminho estreito através de uma floresta escura. Com uma 'canoa', atravessámos o rio. Esperámos na borda densamente arborizada da floresta ao longo do rio. Alguns soldados surgiram entre as árvores. Quando entrámos na floresta, vi que o acampamento estava ali. Espalhados entre as árvores estavam camas com redes mosquiteiras penduradas acima. Alguns soldados desapareceram entre as árvores para avisar que haveria vacinação e consulta. (Foto nº 6:  O Dr. Roel Coutinho vacinando com pistola de vacinação.  Roel Coutinho):

"Revezávamo-nos para vacinar com a pistola de vacinação. Quando a pistola de vacinação ficava bloqueada por poeira, os enfermeiros mudavam rotineiramente para seringas e agulhas. Durante as consultas, verificou-se que um dos pacientes estava em tão mau estado que teve de ser levado de maca e ambulância de volta para o hospital em Ziguinchor# (De Jong & Buijtenhuijs 1979).

O Partido investiu muito tempo na melhoria e diversificação da agricultura e na criação de lojas comunitárias onde os agricultores podiam trocar seus produtos por itens de primeira
necessidade. (Foto nº 7: Loja do Povo, Sara. Roel Coutinho).

E o Partido incentivava o que hoje chamamos de atividades geradoras de rendimento.

Outra prioridade foi a emancipação das mulheres, por exemplo, através da educação. (Foto nº 8: Escola para adultos, mulher; foto nº 9: Escola para adultos, guerrilheiros).

Cultura

E o PAIGC descobriu, através de tentativa e erro, que a cultura era uma espada de dois gumes.

A atitude de Cabral em relação à cultura pode ser melhor descrita nestes termos: “se não pode vencê-los, junte-se a eles”. Assim, os curandeiros guineenses, como em inúmeras outras culturas da África Subsaariana, oferecem proteção contra balas e, naturalmente, contra a feitiçaria e bruxaria. 

Cabral sabia que alguns combatentes se sentiam invulneráveis por causa disso. Por isso, ele às vezes enviava um ajudante para evitar que um comandante se levantasse e avançasse no meio de uma chuva de balas (11). 

A cultura e os modelos de explicação cultural também desempenham um papel nas consultas médicas, tanto no tratamento individual quanto nas iniciativas de saúde pública.

É difícil aceitar que pacientes com tuberculose interrompam seu tratamento médico assim que a tosse com sangue pára. Curandeiros respondem a esse enigma após uma longa série de entrevistas: 

“Claro que sabemos que vamos morrer se tossirmos sangue e, por isso, vamos ao hospital com seus medicamentos poderosos. Mas o que vocês não entendem é que a hemorragia é causada por uma flecha ou bala invisível para vocês, de uma arma de feitiçaria que atinge o peito por dentro. E o curandeiro ou curandeira é o único que pode curar essa ferida. Por isso, os pacientes vêm até nós o mais rápido possível após suas injeções e pílulas para uma verdadeira cura”.

Mas Cabral e a liderança do Partido também testemunharam as terríveis consequências do poder da cultura durante o primeiro congresso do Partido em Cassaca em 1964. Um grupo
de mulheres Balantas nómadas fez acusações de feitiçaria. As mulheres diziam que as bruxas eram responsáveis pela morte de aldeões, enviando aviões e helicópteros portugueses para
atacá-los. 

Os anais do Partido não são claros sobre esse período, mas provavelmente algumas centenas de bruxas foram torturadas e mortas por comandantes do PAIGC. Esses comandantes tiveram que responder durante o congresso do Partido e cerca de uma dezena deles foram condenados à morte (De Jong, 1987; De Jong & Reis, 2010: 313; 2013). 

Vinte e cinco anos depois, os Balantas foram tomados por um culto de possessão em massa, o Ki-yang-yang. O culto de cura emancipa a posição das mulheres entre os Balantas, bem como
a posição dos Balantas dentro do Estado guineense.

 O culto também ajuda os Balantas a lidar com o trauma da luta pela libertação (De Jong & Reis, 2010; 2013). Os seguidores estão convencidos de que os líderes um dia tirarão uma motocicleta do chão para todos. A semente dessa esperança mítica foi plantada por Amílcar, que prometeu prosperidade material à população após a independência.

Discussão

Um sistema de saúde é composto por todos os atores que tentam melhorar a saúde e os cuidados. O sistema é construído sobre serviços, trabalhadores da saúde, medicamentos essenciais, financiamento, liderança e sistemas de informação. Vimos que esses componentes estavam ausentes no início da luta pela independência e que o PAIGC operava num vácuo.

O movimento de libertação construiu, num período de aproximadamente 15 anos, um sistema de saúde simples. O sistema de saúde fornecia cuidados curativos consistindo em diferentes escalões de postos e hospitais nas áreas libertadas e nos países vizinhos. Com o objetivo de organizar cuidados acessíveis, próximos e acessíveis para os combatentes e a população local. Numa fase posterior, o Partido focou-se na descentralização e na prevenção.

Quanto à escassez de trabalhadores da saúde, o Partido organizou uma cascata de níveis de formação e treino. Médicos estrangeiros e médicos guineenses que retornaram do exterior, 
treinavam e supervisionavam várias categorias de trabalhadores da saúde locais. 

É uma forma de educação continuada que gradualmente resulta em competência crescente. Mas, na independência, o nível dos enfermeiros era insuficiente, tanto do lado do PAIGC quanto do lado colonial. Isso também se aplicava aos médicos que estudaram na Universidade Lumumba em Moscovo.

O Partido também estabeleceu um sistema de distribuição de medicamentos. A maioria desses medicamentos foi doada por países comunistas e comitês de solidariedade. (Foto nº: Praia, Cabo Verde, mural: Retrato e juramento de Cabral).

Cabral conheceu bem o país e as pessoas durante o Recenseamento Agrícola de 1953, anos antes da fundação do PAIGC. Ele percebeu a importância do que hoje chamamos de desenvolvimento intersetorial. Agricultura, economia, desenvolvimento rural, educação, saúde e emancipação das mulheres estão interligados. E a sinergia só pode ser alcançada através da colaboração com outros domínios e setores.

A Organização Mundial da Saúde afirmou em 2008 que a saúde da população mundial só pode melhorar trabalhando nos determinantes sociais da saúde. 

Algumas décadas antes, o PAIGC e Amílcar Cabral já se concentravam em fatores que reduzem a desigualdade social entre as pessoas. Dentro das suas possibilidades limitadas, fizeram tudo o que podiam para melhorar as condições precárias em que os guineenses nasciam, cresciam e envelheciam.

___________

Notas do autor:

(1) Em 1959, per capita, 1,1 US$. Libéria 1,6. Mauritânia 4,2. Serra Leoa 19,1 (Rudebeck 1974:39; De Jong & Buijtenhuijs 1979: 115).

(2) Para obter mais ou menos os direitos de um cidadão português, o assimilado tinha que cumprir requisitos como: ter mais de 18 anos, falar bem português, sustentar-se, ter um modo de vida civilizado e não ser recusador de serviço ou desertor (Rudebeck 1974: 22).

(3) E que muitas vezes perderam um membro na luta ou sofrem de uma doença grave como a lepra.

(4) Em 1963, ela foi escolhida para ir à União Soviética para uma formação em guerra de guerrilha, junto com Teodora Inácia Gomes. Após o seu regresso, ela treinou outros guerrilheiros. Em 1964, ela fez um curso de primeiros socorros na União Soviética. Em 30 de janeiro de 1973, ela foi morta em uma emboscada pelo exército português. Ela se afogou no rio Farim, a caminho do funeral de Amílcar Cabral, que foi assassinado uma semana antes.

(5) 117 postos de saúde. Na frente sul, 42; na frente norte, 64; e na frente leste, 11 (De Jong &; Buijtenhuijs, 1979).

(6) No total, 13. Em 1973, havia sete hospitais setoriais (3 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste) e seis hospitais regionais (2 no Norte, 3 no Sul e 1 no Leste). Os hospitais regionais começaram a ser estabelecidos a partir de 1966 e eram dirigidos por um cirurgião, e os hospitais setoriais a partir de 1971, sob a direção de um assistente médico.

(7) Assim, o hospital de Sara foi deslocado dezassete vezes em um ano devido a bombardeamentos e ataques por tropas transportadas por helicópteros. Ninguém ficou ferido. Desde então, os hospitais eram regularmente deslocados.

(8) Para três hospitais no exterior. O bem equipado Hospital de Solidariedade, em Boké, com 123 leitos, onde os feridos evacuados da frente sul foram tratados. Em 1972, 136 feridos de guerra, 72 fraturas e 9 amputações foram realizadas aqui. Isso explica por que Cabral disse a um jornalista que "temos tão poucos feridos que mal vale a pena mencionar#".  Os doentes e feridos da frente leste também iamj para a Guiné Conacri, ou seja, para o hospital em Kundara, com 50 leitos. E os da frente norte para o hospital em Ziguinchor, também com 50
leitos. Havia laboratórios simples e dois dos três hospitais tinham uma sala de operações e uma seção de raios-X.

(9) As doenças mais comuns em 1975 foram: infeção por ancilostomíase (66%); desnutrição proteica e energética (48%); tracoma (42%); anemia (34%); malária (34%); hérnia abdominal (27%); filariose (21%); infeções respiratórias (15%); vermes intestinais (10%); infeções cutâneas (%); ceratite (9%); bócio (8%); catarata (5%). 64% precisavam de cuidados odontológicos (A Saúde em Oio 1975: 49-53).

(10) Na frente norte, as brigadas nunca foram realmente ativas. Alguns comissários políticos, como Carmen Pereira, incentivaram as brigadas. E, ao contrário dos cuidados básicos de saúde na China, o Partido exerceu pouca pressão, como também é evidente no diário de Roel Coutinho (2022).
 
(11) Nino Vieira, que mais tarde liderou o golpe contra Luís Cabral, é um exemplo do que os companheiros de luta consideravam um caso de invencibilidade ou invulnerabilidade.

Bibliografia:

A. Cabral (1961) Report to the United Nations.

A. Cabral (1971) Sobre alguns problemas práticos da nossa vida e da nossa luta.

A. Cabral (1975) Unité et lutte I et II. François Maspéro. Paris.

Roel Coutinho (2022) De vrijheidsstrijd van Guinee-Bissau door de ogen van een jonge
dokter. Afrika Studie Centrum. Leiden.

Joop de Jong & Rob Buijtenhuijs (1979) Een bevrijdingsbeweging aan de macht [A liberation
movement in power]. De Uitbuyt. Wageningen.

Jong de, J.T.V.M. (1987) A descent into African psychiatry. Royal Tropical Institute.
Amsterdam. ISBN 90 6832 018 1.

Jong de, J.T.V.M. (1987) Jangue in Guinee Bissau: een cultuurgebonden syndroom onder
Balanta vrouwen [Jangue in Guinea Bissau: a culture bound syndrome among Balanta
women]. Ned Tijdschrift v Psychiatrie 2, 5886.

Joop T. de Jong & Ria Reis (2010) Kiyang-yang, a West-African post-war idiom of distress.
Culture, Medicine and Psychiatry, 34, 2, 301-321.

De Jong, J.T.V.M., Reis, R. (2013) Collective trauma píprocessing: Dissociation as a way of
processing postwar traumatic stress in Guinea Bissau. Transcultural Psychiatry, 50 (5) 644-
661.

Rudebeck, L. (1974) Guinea Bissau: A Study of Political Mobilization. The Scandinavian
Institute of African Studies. Uppsala.

Saúde em Oio (1975). Minsas. Bissau.

(Revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue: HE / LG)

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Nota do editor LG:

domingo, 15 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26268: Timor Leste: passado e presente (29): Uma viagem de mais de um mês de Lisboa a Díli, no N/M holandês Sibajac, em agosto/setembro de 1936 (Cacilda dos Santos Oliveira Liberato, "Quando Timor foi notícia: memórias", Braga, Pax, 1972)



N/M Sibajak > Navio de passageiros que fazia a carreira das Índias Orientais Holandesas (Roterdão - Batavia, hoje Jacarta). Teve uma longa vida (1928-1959) (durante a guerra foi convertido em navio de transporte de tropas). Com 154,4 metros de comprimento, o seu nº de passageiros (em 3 classes) era 527. Tripulação: 209. Fonte: Wikimedia Commons (com a devida vénia)


Timor (c. 1936-1940), porto-cais de Díli 

Foto do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagem do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editadas por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)



Capa do livro "Quando Timor foi Notícia: Memórias", de Cacilda dos Santos Liberato (Braga, Editora Pax, 1972, 208 pp.). Encontrei um exemplar na Biblioteca Municipal da Lourinhã. Já o li de um fôlego. Tem um prefácio patrioteiro, propagandístico, algo despudorado e completamente datado,  do escritor  António de Seves Alves Martins: 

"Estar, agora, Portugal  vitoriosamente em armas, como vitoriosamente esteve em paz na segunda grande guerra, dá plena atualidade a este livro bem revelador da força moral de um povo que não abdica dos seus direitos porque também não se demite dos seus deveres" (pág. 12).

Cacilda foi uma "mãe coragem: viúva de Júlio Gouveia Leite, secretário da administração de Aileu (vítima do massacre de Aileu, em 1/10/1942) (*), irá casar depois com o tenente António Oliveira Liberato, também ele viúvo, na "zona de proteção" de  Liquiçá em 1943 (nome eufemístico dado pelos nipónico para  o campo de concentração dos portugueses). 

Com dois filhos pequenos, viu a morte à sua frente por diversas vezes. Publicou as suas memórias trinta anos depois (com alguns retoques, acrescente-se,  de gente erudita do regime que se quis aproveitar do seu testemunho singelo de "mãe coragem").

Estranha-se que o livro só tenha sido publicado em 1972. O manuscrito vem datado de dezembro de 1971. A autora vivia em Portalegre.

Era casada em segundas núpcias com António Oliveira Liberato, cap inf ref, ex-comandante da PSP de Portalegre, oficial da Legião Portuguesa e responsável pela censura a nível distrital. Era autor  de dois livros de memórias: "O caso de Timor" (Lisboa, Portugália Editora, s/d, c. 1946, 242 pp.) e "Os Japoneses estiveram em Timor" (Lisboa, 1951, 336 pp.). (Também dois livros, de difícil acesso, só disponíveis em alguns alfarrabistas e numa ou noutra biblioteca pública.)

1. O que é que os portugueses dos anos 30 do século passado (para mais em plena década do triunfo político das teorias racistas, e do nazismo  em particular)  pensavam do "outro" que estava lá longe, no "além-mar" das Áfricas, das Ásias, das Oceanias ? Enfim, em terras tão distantes como Timor, a 20 mil quilómetros de Lisboa, e a mais de um mês de viagem por mar ? E sobretudo as portuguesas, ainda poucas, que acompanhavam os maridos, funcionários civis ou militares destacados para funções nas colónias.

Cacilda está de "abalada para o Extremo-Oriente, rumo ao longínquo Timor " (p. 13). Estamos em agosto de 1936. Não sabemos exatamente o dia. Mas terá sido na primeira quinzena. 

O navio era holandês, e  elegante", o N/M Sibajac (p. 15).  E o dia "límpido, radioso", em Lisboa (p. 14). (Portugal não tinha um navio da marinha mercante que, nessa época, fizesse a ligação entre a metrópole e a sua colónia mais longínqua, nem havia movimento de carga e passageiros que o justificasse.)

Antes de entrar no Mediterrâneo, por Gibraltar,  o navio faz uma primeira paragem, curta, ao largo, em Tânger, "o tempo suficente para levar o correio à cidade" (p. 14).  Inevitável associar Tânger ao "drama do Infante Santo" (...) "desastre a toldar o brilho da epopeia gloriosa da nossa expansão pelas sete partidas  do Mundo" (p. 15). 

Mas há uma granada, disparada não se sabe donde, que vem rebentar "a reduzida  distância da proa" do Sibajac. Confusão, se não mesmo pânico,  a bordo. Cacilda  vem lembrar, entretanto,  que "estávamos em 1936" (...): "a guerra civil espanhola eclodira  havia apenas  um mês" (p. 16). Em boa verdade, a 17 de julho de 1936, dizem os historiadores.

A viagem até Timor vai demorar mais de um mês... Cacilda e o marido chegariam a Díli em 17 de setembro de 1936. O marido é  um médio funcionário da administração colonial,  Júlio Gouveia Leite, secretário de circunscrição,  que irá encontrar a morte, na tragédia de Aileu, em 1 de outubro de 1942 (*). Era um homem com alguma cultura literária,  acima da média, tendo inclusive sido cofundador, na colónia, de um jornal de vida efémera, em 1938, de que se publicaram três edições  (**)

O que leva esta mulher da pequena burguesia lisboeta a perseguir "o sonho que há muito tempo acalentava" (p. 13), desde as precoces leituras da sua adolescência ?  Acompanhava, desta feita,  o marido que, por "rotineiro despacho ministerial", ia ocupar um lugar do Quadro Administrativo da Província" (o livro é publicado em 1972, pelo que em 1936 a terminologia era outra: Timor era uma colónia; a autora é traída por estes pequenos pormenores, o que sugere que terá tido ajuda de "copywriter" ou revisor de texto, o próprio marido, cap inf QR António Liberato ou o filho, Henrique, que era licenciado).

E logo Timor!... Familiares e amigos em vão a quiseram dissuadir: Timor, "que horror!", Timor, "a lendária antecâmara do Inferno, terra de degredados e de febres, de biliosas e  perniciosas" (p. 14)... Advertências de "sabor resteliano" (sic) (outra referência de sabor erudito, alusiva ao "velho do Restelo", a personagem camoniana que personificava o pessimismo de alguns portugueses em relação à aventura marítima) que provocavam também dúvidas e receios no espírito desta jovem mulher, recém-casada e com já um filho pequeno.

Nada a demoveu. E lá vai ela decidida a "conhecer as fascinantes  regiões das essências e especiarias, o exotismo dos usos  e costumes das suas gentes" (p. 13).

"Demandados Gilbraltar e Marselha, lobrigadas das águas  do estreito as cidades de Régio e Messina, atingiu-se Port-Said " (p.  16).

É "o primeiro contacto com terras do Oriente". E as primeiras descobertas do "exotismo", o caleidoscópio de "toas raças", tão caro ao viajante da época, vindo da Europa, e para mais ,"supremacista".... Travessia do canal do Suez em comboio (dez navios), Mar Vermelho,, "atmosfera de fornalha" (p.17).,,

Ao fim de sete dias de viagem "sob torreira inclemente", atingem Ceilão (hoje Sri Lanka), fundeando em Colombo, a capital da ilha (p. 18). Foi ocasião para alguns portugueses e "3 missionários holandeses" meterem-se a fazer uma curta exploração da cidade, em sete "rickshaws",  puxadas por "coolies", cuja reputação nem sempre era a melhor, conforme aviso feito a bordo... 

Calcilda e o companheiro ( e seguramente o filho) quase que perdem o navio, com as voltas que o seu "coolie" deu,  alongando o passeio, mas afinal "bem intencionado", ao querer mostrar a zona mais "excêntrica" da cidade,... Tiveram de se meter numa "gazolina" (sic) para apanhar o navio já ao largo, a caminho de Malaca (p. 21).

A descrição pitoresca da viagem continua por mais três páginas: o N/M Sibajak acerca-se de Sabango (ou Sabang, na ilha de Sumatra, Indonésia), navega ao longo de ilhas e ilhotas de vegetação luxuriante, que a autora descreve como "lugar(es) paradisíaco(s)" (p. 22).

"De novo em marcha, escalámos sucessivamente, Belawan, Singapura e Batávia". Aqui terminava a viagem do navio holandês. "Três portos, três empórios, em que os navios abundavam e o tráfico era intenso" (p. 22).

Batávia era o nome então da atual "Djakarta" (sic), "uma cidade de marcado estilo colonial": "vasta e muito povoada, de ruas amplas e largos espaçosos" (...), "edifícios grandes e opulentos" (...), "avenidas alfaltadas" (...), "airosas moradias, cercadas de jardins tratados com esmero e bom gosto" (pp. 22/23). 

O  que chocou o olhar português e lisboeta da Calcilda ?... "O espetáculo vergonhoso de multidões de indígenas" (sic),  que se banhavam e lavavam a roupa em cursos de água barrenta, avermelhada, correndo junto a algumas artérias da cidade...

Apanham outro barco, o Melchior Treub, seguindo viagem até Macassar, nas Celébes, para depois embarcarm no Reisgnears que os levará a Díli. Barcos mistos, de cabotagem, que "em digressão pachorrenta" os transportam  por "aqueles mares coalhados de ilhas"...

"Entrei na baía de Díli. Ancorava-se ao largo. Pequena ponte de madeira servia de cais, onde os passageios eram conduzidos em botes e 'gazolinas'. Ali pisei a primeira vez terras de Timor, na manhã de 17 de setembro de 1936" (.p23).

E quais as primeiras impressões de Díli  (cap. II, pp. 27-29) ?

"A Capital era, naquela época, um aglomerado sem importância" (...): "o traçado dos edifícios era simples, vulgar, a tender para a uniformidade"... Exceção para "a catedral, de construção recente", destacando-se da "trivialidade do conjunto" pelas suas "linhas modernas" e pela sua "torre, apontada ao céu" (...) e "dominando o modesto burgo" que se espreguiçava "indolente, sob a densa mata de coqueiros, palmeiras e 'gondões' (imbondeiros)"... (p. 27)

O movimento era "diminuto". O comércio local era apenas alimentado pelo "magro orçamento da Província" (sic). A "população não aborígena" (sic) (p. 27) resumia-se ao funcionalismo público, civil e militar, que comia à mesa do Estado... De fora só  "meia dúzia de empregados do setor privado" e um ou outro,  raro e próspero, "plantador". 

E quem era esse funcionalismo ? De origens diversas: europeus, indianos. macaístas bem como um "elevado número de nativos"... (p.28).

"A colónia chinesa detinha o monopólio do comércio" (p. 28). Fora a firma portuguesa "Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho"  e o "indiano Wadoomahl", "as lojas e quitandas" de Díli e  do resto da ilha "pertenciam aos sorridentes filhos do Celeste Império" (p. 28).

Era no bazar do Wadoomahl que o "elemento feminino" (sic) da colónia gastava as economias com artigos importados de Macau e  Índia... "Coisas de sonho" (p. 28): "tecidos, louças, objetos de laca e obras de cânfora e de sândalo, 'bijouteries' e outros artefactos de aparato e valor"

De 3 em 3 semanas, com a chegada do "vapor holandês da carreira", a loja do indiano tornava-se local obrigatório de visita e encontro  das "senhoras da sociedade de Díli" (p. 28).

Pontos de reunião, festas, receçóes e bailes, eram os clubes Benfica e Sporting, tão rivais entre si localmente como em Lisboa.

Em Díli, Cacilda, o marido e o filho pequeno ficaram numa moradia à beira-mar (p. 29). Mudaram-se pouco depois para Lahane, onde existia o bairro do funcionalismo, a 3 km da capital, com clima mais salubre. 

Ao fim de 3 anos, com o filho Henrique de sete anos, foram para Bobonaro, sede da circunscrição de fronteira, que confinava com o Timor holandès. Voltam para Díli em abril de 1941, quando nasce o segundo filho, Rui Nuno. 

Em agosto vão para Aileu (também conhecida na época como a "vila general Carmona", sendo Baucau a "vila Salazar"...), descrita pela autora como "uma pequena vila habitada por meia dúzia de europeus, outros tantos comerciamtes chineses, alguns mestiços, e nativos evoluídos " (sic) (p. 29). Um pequeno grupo de sipaios "assegurava a guarda à tranqueira, fornecia as ordenanças,as estafetas e outro pessoal paar serviço da Administração" (p. 29). 

Dispersos pelas redondezas, alcandoradas no "cume das montanhas" (p. 30), em pequenos aglomerados viviam os "indígenas"... A "civilização" em Aileu resumia-se  âs instalaçóes da secretaria da Administração, Central telefónica, moradia do secretário, e â saída, já na estrada para Maubisse, os edifícios do Presídio e da casa chamada dos Passageiros (p. 30)... Enfermaria, armazéns, capela, e algunas vivendas isoladas completavam o quadro de Aileu.

E será justamente em Aileu que a Cacilda ouvirá a notícia do início da II Guerra Mundial (1 de setembro de  1939) na  Europa (p. 33)  e depois no Pacífico, com a entrada de novos beligerantes, o Japão e os EUA, em 7 e 8 de dezembro de 1941, respetivamente  (p. 35). 

E seria ainda em Aileu que a Cacilda e a família apanhariam as duas invasões estrangeiras do territória, a dos Aliados e depois dos "matan-bubu" (olhos inchados, a alcunha dada aos japoneses pelos timorenses) (p. 48). 

As suas memórias mais dolorosas (mas também heróicas)  são justamente da longa, cínica e cruel ocupação japonesa (de 20 de fevereiro de 1942 a  5 de setembro de 1945). (***)

__________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25809: Timor: passado e presente (16): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VII: As chacina de Aileu e Ainaro, em outubro de 1942... E a coragem da jovem Julieta Lopes, de 17 anos, que gritou aos assassinos, em tétum: Quétac óhò feto ò labáric! (Na guerra não se matam mulheres e crianças!)

.(**) Timor - Publicação eventual de carácter literário e científico. Díli, 1938-1939. Impresso na Imprensa Nacional de Timor. Publicação fundada por Júlio Gouveia Leite e João da Costa Freitas, e como editor João da Costa Freitas. Os colaboradores são Virgilio Castilho Duarte, Lorenço de O. Aguiar e Alberto Rodrigues Paizana. Registaram-se três exemplares. Fonte: Biblioteca Nacional de Lisboa.

In: Vicente Paulino e Lúcio Sousa - Contribuição para um roteiro da imprensa periódica de Timor-Leste (1900-2002). Veredas: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, nº 40, p. 166-183, jul./dez. 2023.

 (***) Vd. poste de 5 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26234: Timor Leste: passado e presente (28): O concelho de Sardoal homenageou, em 15/9/1946, um dos seus filhos, Augusto Leal de Matos e Silva (1905-1944), chefe de posto administrativo de Laga, um dos heróis da resistència aos japoneses, morto da prisão de Díli

quinta-feira, 5 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25913: Blogues da nossa blogosfera (195): "Portugal Portal," em neerlandês, de Henk Eggens: publicou em 19/7/2024 um artigo do José Saúde ("Een militair keert naar huis terug"/ "Uma soldado volta para casa")

 



Portugal Portal, de Henk Eggens, em neerlandês. Cópia da página de 19 de julho de 2024, "Um soldado volta para casa, de Henk Eggens e José Saúde.


1. Há uma página na Net que se chama Portugal Portal e que se publica em neerlandês, sendo editada por um amigo de Portugal e da Guiné-Bissau, o médico Henk Eggens, lusófono, por sinal casado com uma portuguesa... Merece ser conhecida...

Mas demos-lhe a palavra:

Henk Eggens conheceu Portugal quando começou a trabalhar na área da saúde nos antigos territórios ultramarinos: primeiro em Cabinda, Angola, poucvos meses depois da independente  (1976-'78;) e depois na Guiné-Bissau (1980-'84). 

Aí obteve uma visão especial de partes da cultura e da política portuguesas. Desde então faz regularmente férias para Portugal com a família, geralmente numa casa alugada perto do Rio Dão, no distrito de Viseu. 

Durante anos, viajou por vários países de África, Ásia e América Latina por curtos períodos de tempo para trabalhar, incluindo os países de língua portuguesa, Moçambique e Brasil. Desde 2013 que ele e a esposa passam muito tempo em Santa Comba Dão, distrito de Viseu; Henk está reformadeo, Maria de Jesús é consultora de controle de hanseníase. Tem, pois muito tempo para conhecer e apreciar melhor Portugal e os portugueses. Henk é editor do Portal Portugal desde meados de 2021.

2. Recentemente, em 28/08/2024, 16:34, o Henk Eggens escreveu ao nosso camarada José Saúde a agradecer-lhe a autorização dada para publicar um dos seus textos que veio no nosso blogue, em 20 de abril de 2023 (*). Na altura explicou melhor o seu interesse e disse quem era:

(....) Trabalhei na Guiné-Bissau como médico de 1980-1984. Os primeiros anos estava baseado na Fulacunda, Quínara. Vivi na casa do comandante no antigo quartel. Era o único médico na região, desde Tite até Empada. Sem hospital, com poucos recursos. Foi uma aventura valiosa.

Desde aquele tempo fiquei ligado mentalmente com Guiné-Bissau e o povo lá. Assim sigo o blogue de Dr. Luís Graça. Aparecem reflexões equilibradas sobre aquele tempo difícil, como o Senhor descreveu bem. (...)
3. O artigo do Zé Saúde, em holandês (ou melhor, neerlandês, como agora se diz),  saiu em 19 de julho passado:
 
De: Portugal Portal <mailportugalportal@gmail.com>
Data: 23 de julho de 2024 08:04
 
Caro Sr. José Saúde,

Queria informa-lhe que o seu artigo em holandês foi publicado no dia 19 de julho 2024. https://www.portugalportal.nl/een-militair-keert-naar-huis-terug/ (**)

Espero que o senhor tenha a possibilidade de ler a tradução.

Agradeço a oportunidade de poder publicar sua mensagem de memórias traumáticas no final de sua estadia na Guiné. Para o leitor holandês, longe das vossas experiências na tropa, dá, acho eu, para perceber melhor aquele episódio da história tão importante dos Portugueses e das Portuguesas.

Tudo de bom para o senhor!

Com os meus melhores cumprimentos,
Henk Eggens
Redactie Portugal Portal
Portugal Portal

 4, Aqui vai a versão portuguesa do artigo, com uma introdução do Henk Eggens (**):

Um soldado volta para casa
por Henk Eggens
Publicado em 19 de julho de 2024
AApós a Revolução dos Cravos em Portugal em 1974, foi rapidamente prometida a independência aos territórios ultramarinos. A luta entre os movimentos de libertação e o exército colonial cessou pouco depois do 25 de Abril. Os soldados portugueses em Angola, Moçambique e Guiné Portuguesa deixaram o campo de batalha e puderam finalmente regressar a casa.

Durante a minha estadia em Portugal conversei com vários portugueses que viveram a guerra, a maioria deles na Guiné, mas também em Angola e Moçambique. A maioria eram recrutas e, após um rápido treinamento militar básico, foram transferidos para um país africano estrangeiro. Lá era esperado que eles defendessem a pátria contra os turras, os terroristas (eu os chamo de lutadores pela liberdade). Foram criados com a ideia de que o grande império português também tinha de ser defendido contra os comunistas noutras partes do mundo.


Muitos deles ficaram desmotivados durante a sua longa permanência em situações de guerra. A desmotivação levou à resistência contra a política portuguesa prevalecente. O resultado foi a revolta dos 'Capitães de Abril' que desencadearia a Revolução dos Cravos.

O slogan “25 de Abril começou em África” contém um fundo de verdade.


O 25 de abril nasceu na África
Foto Rui Landim no Twitter


Uma história pessoal, 

por José Saúde

José Saúde, que viveu o 25 de Abril de 1974 como militar proveniente de uma unidade de elite (Rangers), tendo feito a sua comissão militar em Nova Lamego (atual Gabu, Guiné-Bissau) e tem registado as suas memórias num blog de veteranos de guerra portugueses (Luís Graça & Camaradas da Guiné).






José Saúde, na Guiné Portuguesa, 1973. Foto José Saúde.


O dia 25 de Abril de 1974, dia em que foi proclamada a liberdade, tornou possível o regresso à pátria de camaradas acampados em Angola, Moçambique e Guiné (territórios onde a guerrilha não dava tréguas). Naquele momento sentiu-se que o sofrimento dos jovens enviados para as frentes de combate havia chegado ao fim.


Foi um Abril que “rejuvenesceu ao som de um cravo vermelho”. Jovens encantados com o sucedido e preparados para voltar rapidamente para casa. Era Abril, e seu cravo vermelho a renascer de um tempo onde proliferava a escuridão. Éramos filhos das longas manhãs de profundas indecisões, mas onde a esperança da liberdade permanecia permanentemente nos nossos corações. Fomos, também, filhos de gente humilde, que passou por um período difícil (HE: No texto original: que comeram o pão que o diabo amassou), mas de pais que nos criaram e que fizeram nós homens para um amanhã melhor.

Porém, os tempos sombrios impediram muitos dos nossos pais darem aos filhos o ensino secundário ou superior, porque os recursos financeiros da família eram demasiado limitados. Somos filhos de um regime totalitário, o Estado Novo, onde civis inocentes foram colocados sob ordens estritas enquanto muitas pessoas simplesmente pediam trabalho, mesmo que fosse apenas sazonal.


No Estado Novo

Os tempos eram diferentes! Tempos em que faltava liberdade para expressar opiniões pessoais e em que os mais destemidos eram enviados para ‘campos de férias’, onde as grades de uma prisão se apresentava como uma realidade inegável. Pessoas sérias e honestas, algumas com apenas a quarta classe do ensino primário, outras analfabetas, mas cuja coragem própria resultou em prisão política. Pessoas que estavam comprometidas de coração e alma com uma crença que consideravam justa e onde tinham em mente o bem-estar do seu povo. Mas, por outro lado, sempre existiram os agentes leais de um regime que não mostrou piedade para com o cidadão honesto.

Éramos crianças alegres, brincávamos na rua, jogávamos futebol em campos inóspitos, às vezes com bola de trapo ou com uma bexiga de porco e tantas outras brincadeiras que ainda hoje lembramos. Crescemos ouvindo falar de atrocidades onipresentes do regime, de agentes da PIDE que dominavam tudo ou quase tudo, conhecemos o sofrimento incalculável de famílias marcadas pelos mandamentos estritos de pessoas vestindo fatos caros, à Príncipe de Gales, e com gravatas de seda pura. 

Mas um dia vimos sinais de que o medo que nos oprimia por causa de um governo hostil estava, com o evoluir das eras, a tornar-se cada vez menos necessário. O 25 de Abril de 1974, a grande Revolução dos Cravos, abriu-nos as portas à liberdade e, sobretudo, ao conhecimento de novos mundos e de novas realidades. Pertencemos a uma geração que teve a oportunidade de conhecer reformas ou, em suma, gentes novas. Eram melhorias do destino que mudariam esta imensa esfera, chamada Terra.

Enviados para as frentes de combate

Assistimos à guerra colonial como muitos milhares de camaradas, no nosso caso em território guineense. O conflito começou em Angola em 1961 e estendeu-se a Moçambique e à Guiné, terminando com a queda do regime liderado pelos capitães de Abril. Nós, jovens rapazes, fomos enviados para o cenário de uma guerra onde os soldados, quando confrontados com a realidade guerrilha, ficavam enfurecidos, protestavam violentamente e proferiram, por vezes, maldições. A frustração levou-os a um quadro virtual onde estava escrita a simples frase: Matar para não morrer!

Sim, como sabeis camaradas, muitos perderam a vida no campo de batalha, outros em picadas, ou numa emboscada, outros nos seus quartéis em consequência de ataques noturnos inimigos e quando descansavam sobre um aparente aliviar de tréguas. Muitos ficaram mutilados; muitos outros portadores de doenças mentais crónicas devido às circunstâncias completamente inesperadas em que viveram.

Lar!

Quando rebentou a Revolução de Abril e soou o som do clarinete para nos reunir, este vosso camarada estava a cumprir a sua missão militar na Guiné, mais precisamente em Nova Lamego, hoje Gabu. 

Claro que todos nós aplaudimos esta fantástica aventura. Seguiram-se momentos de contacto com membros do PAIGC (HE: movimento de libertação), conhecemos os rostos daqueles contra quem havíamos lutado anteriormente, trocamos conversas e finalmente tomaram conta das nossas instalações.




O soldado José Saúde se despede dos companheiros em Novo Lamego, na Guiné Portuguesa. Foto José Saúde.


A população civil barafustou às portas do nosso quartel, sendo as suas expectativas quiçá incertas. Vinham em grupos e esperavam receber alguma coisa. Seus rostos irradiavam inseguranças reprimidas. Nós, entendemos isso. Mas, a nossa missão tinha chegado ao fim. Voltaríamos para casa em breve. Ficou o nosso grito de desabafo: Adeus, Nova Lamego!

Saudações deste velho camarada!

José Saúde

(O texto não foi revisto por nós: LG) 

—————-

O Portal Portugal já prestou atenção aos soldados portugueses que lutaram na guerra colonial.

______________

Notas do editor:

(*) Vd. 20 de abril de 2024 > Guiné 61/74 – P25415: Os 50 anos do 25 de Abril (10): Até sempre, Nova Lamego! (José Saúde, ex-fur mil op esp/ranger, CCS / BART 6523, 1973/74)

(**) Último poste da série > 5 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25483: Blogues da nossa blogosfera (194): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte VII: mulheres pescadores do rio Cadique (foto de Ernst Schade)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24107: "Una rivoluzione...fotogenica" (8): Roel Coutinho, médico neerlandês, de origem portuguesa sefardita, cooperante, que esteve ao lado do PAIGC, em 1973/74 - Parte VII: A vida em Ziguinchor, Senegal

Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 >  Organizando um coluna logística que vai kevar armas até à base de Hermacono, na fronteira / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 23 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973


Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 >  Kalashnikovs AK-47 para Hermacono / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - G 24 - Life in Ziguinchor, Senegal - Carrying weapons to Hermangono, Guinea-Bissau - 1973



Senegal > Ziguinchor > PAIGC > 1973 >   Vacinação contra o cólera. O dr. Roel Coutinh segurador um injetor de jato  / Foto: 
ASC Leiden - Coutinho Collection - G 02 - Ziguinchor, Senegal - Vaccinations - 1973


Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > Primavera de 1973 >  Uma enfermeira / Foto:  ASC Leiden - Coutinho Collection - 2 25 - Ziguinchor hospital - Senegal - Nurse - 1973



Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > 1973 > Enfermeira > ASC Leiden - Coutinho Collection - 8 05 - Nurse in Ziguinchor hospital - 1973


Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > 1973 > A enfermeira francesa Nicole Dicop,   administradora do hospital do PAIGC  em Ziguinchor, desde 1971 até a primavera 1973; aqui com  o enfermeiro da Guiné-Conacri, Sekou Touré  / Foto: ASC  Leiden - Coutinho Collection - G 19 - Life in Ziguinchor, Senegal - French nurse Nicole with PAIGC male nurse Sekou Touré (in Ziguinchor) - 1973


Senegal > Ziguinchor > Hospital > PAIGC > 1973 > Anneke Coutinho-Wiggelendam no Hospital do PAIGC de Ziguinchor / Foto: ASC Leiden - Coutinho Collection - 11 04 - Ziguinchor hospital, Senegal - 1973




Fonte: Wikimedia Commons > Guinea-Bissau and Senegal_1973-1974 (Coutinho Collection) (Com a devida vénia...) . Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)

1. Da coleção fotográfica de Roel Coutinho, relativa à sua estadia junto do  PAIGC na Guiné e no Senegal, entre março de 1973 e abril de 1974, apresentamos hoje mais uma seleção de imagens, editadas por nós, relativas  à base logística de Ziguinchor, Senegal. 

Aqui funcionava um hospital (onde durate muito tempo o único médico residente era o português, nascido em Angola, o dr. Mário Moutinho de Pádua) e daqui seguiam também, no final da guerra, colunas logísticas com armamento que era descarregado e levado para a base de Hermangono (ou Hermacono, segundo as autoridades militares portuguesas da época), na linha de fronteira.

Ainda não conseguimos localizar onde ficava Hermacono, talvez no corredor de Sambuiá (?). Segundo a instituição a quem foi doada a coleção de mais de um milhar de fotos e "slides", o African Studies Centre (ASC), Leiden, Hermangono (ou Hermacono)  seria "uma pequena aldeia na Guiné-Bissau, a um dia de distância da fronteira senegalesa", mas não se indica a sua exata localização...(Temos dúvidas se era dentro do território português, se era já no Senegal.)

Também não encontrámos este topónimo, nem na "Crónica da Libertação", do Luís Cabral (Lisboa, O Jornal, 1984) (que, cronologicamente, termina na data do assassinato de Amílcar Cabral, ou seja, em janeiro de 1972), nem no Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum, nem muito menos nas nossas antigas cartas militares.

Como fotógrafo (amador), Coutinho não se deixou deslumbrar pelas armas nem pela guerra... Não são muitas as fotos dos combatentes e do seu armamento, privilegiou antes outros aspectos da vida no "mato" (para usar um termo caro às NT): a prestação de cuidados de saúde, a educação, a população, as crianças, o quotidiano,  etc.

Com a esposa, Anneke Coutinho, escreveu um artigo, Report from Guinea-Bissau, publicado nº 2 da revista Kroniek van Africa, 1974, pp. 210-219.

Resumo do artigo (originalmente em inglês): 

"Os autores em 1973/74 integraram as actividades do Partido para a Independência da Guiné e Cabo Verde na Guiné-Bissau (ex-Guiné Portuguesa). Nestas impressões de observadores participantes,  descrevem, a partir de um esboço da criação do PAIGC (em 1956 sob a direção de Amílcar Cabral) e da sua luta armada pela libertação do país do regime colonial português, vários aspectos da política do PAIGC nas áreas liberadas, por ex. assistência médica (postos médicos, hospitais, instalações, fornecimento de medicamentos), solução democrática de conflitos, organização da educação escolar, provisão de necessidades essenciais através de lojas populares, mobilização da consciência política e motivação da população, da elite política e seu futuro. A conclusão dos autores é que as perspectivas futuras da Guiné-Bissau são mais promissoras do que naqueles outros países do Terceiro Mundo que não conheceram nenhuma luta armada".


2. São fotos de um  jovem  médico,   Roel Coutinho,  hoje um prestigiado médico, epidemiologista e professor,jubilado, de epidemiologia e prevenção de doenças transmissíveis: esteve no Senegal e na Guiné-Bissau, em missão sanitária que não excluia a simpatia política (não sabemos se durante um ou mais períodos, entre março de 1973 e abril de 1974).

Tinha acabado de se licenciar  em medicina (em 1972). Especializar-se-ia depois em microbiologia médica. Doutorou-se em 1984, em doenças sexualmente transmissíveis. É um especialista mundial em HIV/Sida, com mais de 600 artigos publicados em revistas científicas.

Recorde-se que Roel Coutinhyo nasceu  em 1946, nos Países Baixos, em Laren, perto de Amesterdão, província da Holanda do Norte.  

Tem ascendência luso-judaica, sefardita: os antepassados, marranos ou cristãos-novos, devem ter saído de Portugal para a Holanda no séc. XVII. Os portugueses, cristãos novos, e de novo reconvertidos ao judaísmo, constituíam uma comunidade prestigiada e influente, pela cultura, o dinheiro e o poder. Sempre usaram os seus apelidos portugueses até à II Guerra Mundial. 

Prova da importância da comunidade luso-judaica de Amesterdão (onde nasceu o grande filósofo Espinosa, 1632-1677),   é a "Esnoga", a monumental Sinagoga Portuguesa,   inaugurada em 1675, e chegou a ter 3 a 4 mil fiéis.

Hoje  a comunidade está reduzida a umas escassas centenas de pessoas: espantosamente o edifício da "Esnoga Portuguesa",  minumento nacional, escapou à destruição da II Guerra Mundial e à ocupação nazi; é visita obrigatória para os portugueses que forem a Amesterdão.