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domingo, 28 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4597: FAP (30): Ferro Q.B. para acalmar as hostes (Miguel Pessoa)

1. Mensagem de Miguel Pessoa (1), ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje Coronel Pilav Reformado, com data de 25 de Junho de 2009:

Luís, Carlos : 

Agora que começa a assentar a poeira do IV Encontro, envio-vos um texto para publicação. Como é habitual, não tendo eu trazido registos do que fiz, tive que puxar pela memória, evitando ao mesmo tempo puxar pela imaginação...
Abraço.
Miguel


FERRO Q.B.

Este texto tem o inconveniente de ser pouco preciso, pois escrevo-o apenas de memória, sem o recurso a documentos, mapas ou outros auxiliares. Também é um testemunho (limitado na sua percepção) de um simples executante que, pela sua posição na hierarquia estabelecida, desconhecia naturalmente as grandes decisões tomadas por quem orientava a guerra.

Não houve a pretensão de compilar dados históricos precisos a nível de um Arquivo Histórico, mas simplesmente referir factos, tentar adivinhar outros e transmitir o que nos ia na alma naqueles momentos.

É um facto (que suponho que muita gente conhece) que a Força Aérea efectuou diversos ataques na raia da Guiné-Bissau, em locais onde estavam estabelecidas bases do PAIGC - nunca contra as populações locais. Os danos co-laterais podem surgir nestas situações - mas desconheço se os houve nestes casos concretos.

Para além das bases de fogos do PAIGC contra aquartelamentos próximos da linha da fronteira, um dos objectivos principais foi a barcaça que transportava pessoal e material que depois entrava no nosso território pelo Corredor de Guileje, nomeadamente até Ponte Balana. Aquele meio de transporte estava localizado próximo de Kandiafara e estrategicamente defendido por anti-aéreas (AAA) localizadas em Kandiafara e Simbeli.

Tendo-se decidido interromper, ou pelo menos limitar esses movimentos, foram realizadas diversas saídas para eliminar esse meio em simultâneo com ataques às anti-aéreas já referidas, de modo a limitar a sua acção contra os outros aviões. Eram missões que impunham um certo respeito, quando se via à nossa volta a fogachada da AAA (frase presunçosa, mais própria dos cenários da 2.ª Guerra Mundial, Coreia ou Vietnam, mas vou deixar ficar... embora reconheça que as pessoas possam ter tendência para exagerar a gravidade das situações em que estiveram envolvidos).

Para mim, que tive por várias vezes as funções de marcador dos voos da Esquadra 121 (vulgo oficial de operações da Esquadra - eu era tenente, mas fui muitas vezes o 2.º na hierarquia da Esquadra), cabia-me nessas funções nomear os pilotos para as missões que nos tinham sido destinadas para o dia. Calculam o meu incómodo ao indicar os nomes dos pilotos para estas missões de visível risco, sabendo que eles podiam ficar lá. Noblesse oblige, indicando eu os pilotos, naturalmente tinha que avançar logo com o meu nome, que é assim que podemos exigir algo aos outros... E nunca tive problemas na aceitação das nomeações que fazia, embora pudesse calcular o que eles estavam a pensar (*).

Integrarmo-nos num cenário de guerra não é acto que se consiga num momento; inicialmente sentimo-nos chocados com o que sucede à nossa volta - e que foge à nossa compreensão - existindo depois uma escalada de acontecimentos que, dia-a-dia, nos vai insensibilizando (ou embrutecendo) e criando em nós defesas que nos levam a aceitar os riscos com um sentimento de inevitabilidade - penso que isso sucedeu com todos nós num determinado momento da nossa comissão - "o que tiver que ser será" (**). No fim, tornámo-nos pessoas diferentes, não necessariamente piores mas certamente mais cépticos (realistas?) em relação ao que podíamos esperar da vida - pelo menos naquelas circunstâncias.

Mas, voltando à nossa história: Felizmente (e também para descanso da minha consciência) nessas missões na raia nunca perdemos nenhum piloto. Inicialmente deslocavam-se helis para eventuais evacuações, no caso de um piloto ter que se ejectar - ficavam de alerta em aquartelamentos do sul. Mas com o tempo (e sem perdas de Fiats) cada vez se afastavam mais esses meios para a base mãe, acabando por se fazer o alerta a partir da BA12; escusado será dizer que estávamos aviados se tivéssemos que nos ejectar sem esse apoio atempado - felizmente sabia o francês suficiente para perguntar a um local o caminho para a Guiné-Bissau...

Simultaneamente foram repetidamente atacados objectivos dentro do nosso território - nomeadamente estradas, pontes, pontos de cambança (travessia) nos rios - localizados em zonas não ocupadas pelas NT, cuja destruição permitisse limitar a progressão do IN. Este grande esforço da Força Aérea e da Esquadra 121 durante um determinado período do segundo semestre de 1973 (não consigo precisar datas - Setembro? Outubro?) teve resultados palpáveis, pois tanto ferro largado fez reduzir visivelmente as flagelações aos aquartelamentos, pelas dificuldades logísticas provocadas ao IN. Mas era um desgaste enorme para os aviões, pilotos, mecânicos e para a logística: havia que repor lotes de combustível e de armamento, fazer a manutenção e/ou reparação dos aviões, dar algum descanso ao pessoal. E não poderia prosseguir eternamente, por isso com o tempo esse esforço teve que ser reduzido - com o consequente aumento dos ataques aos nossos aquartelamentos.

Miguel Pessoa

Bissau > Bissalanaca >BA 12 > 1974 > O então Ten Pilav Miguel Pessoa..

Notas do autor:

(*) Também não havia muitos para escolher... O número de pilotos de Fiat era normalmente de 6 a 9, na melhor das hipóteses (se incluirmos 2 ou 3 oficiais superiores com funções de comando na BA12 e que, naturalmente, não voavam permanentemente na Esq 121) e chegou a estar reduzido a 4 ou 5 no início de Abril de 1973, depois do abate de 2 aviões em finais de Março (com a morte de um piloto e a inibição de outro por um período de 4 meses).

(**) Num artigo para um jornal, já há uns tempos, um jornalista perguntava-me, tendo em conta o que eu tinha passado com a minha ejecção e posterior recuperação, se tinha sentido medo quando voltei a voar naquele território. Respondi-lhe que "sim, pois não sou inconsciente". E como, em jeito de brincadeira lhe disse que "por vezes parecia que iam dois no avião, eu e o meu medo" (frase parva para dizer a um jornalista), isto foi logo puxado para o título do artigo, deturpando o seu sentido.

O que não expliquei ao jornalista (e que lamento agora) foi que, face ao esforço que para mim representou a ultrapassagem deste episódio, no caso de vir a ser novamente atingido e ter que me ejectar (voltando a passar por tudo o que já tinha passado), eu não tinha medo de morrer mas sim de ficar vivo...
__________

Notas de CV:

(1) Vd. poste de 15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4528: Um velho filme de 8 mm que agora nos surpreende e delicia (George Freire / Miguel Pessoa)

Vd. último poste da série de 7 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4477: FAP (29): Encontros imprevistos (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1437: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (1): a morte horrível do Gramunha Marques e o ataque a Beli em que fui ferido

Mensagem do António Pinto (1):

Amigo José Martins (2),

Como o tempo, nesta altura, é coisa que me sobra, após a minha reforma,  e sobretudo porque, depois de ter encontrado a Tertúlia, conforme te disse na última mensagem vou tentar resumir mais uma ou duas histórias que ultimamente me tem assumido ao consciente, duma maneira quase actual.

(1) Gramunha Marques, morto em Madina do Boé.

Estava em Beli, já noite, quando através do rádio do Chefe de Posto soube o que aconteceu aos nossos camaradas, que foram vítimas duma emboscada fatal. A minha primeira reacção foi entrar em contacto com Nova Lamego e pedir autorização para ir tentar ajudá-los.

Levei uma nega do Ten Cor Figueiredo Cardoso que me deu ordens terminantes para ficar onde estava, em Beli, com redobrada vigilância. Com os nervos à flor da pele desliguei-lhe a comunicação depois de quase o ter insultado (e que mais tarde pedi desculpa, do acto impensado).

Pedi voluntários para irem comigo, mesmo desobedecendo às ordens e quem conseguiu demover-me, já com a pequena coluna pronta para arrancarmos, foi o Furriel Stichini, que me disse e não posso mais esquecer:
- Nós vamos, mas será o responsável pelas nossas mortes.

Acabei por ficar, destroçado e cheiro de raiva. O Gramunha Marques, soube-o depois, teve uma morte horrível, com uma perna esfacelada, esvaindo-se em sangue e sempre consciente até ao fim.

(2) Ataque a Beli em Maio de 1965

Em 20 de Maio de 1965 fomos atacados em Beli. A noite estava maravilhosa e o silêncio à volta do Destacamento era total, embora existisse perto uma tabanca com muitas dezenas de palhotas.

Era perto da 1 hora da manhã, estávamos cá fora a petiscar qualquer coisa e nessa altura já estávamos, com certeza, a ser alvo dos guerrilheiros que cercaram o destacamento, e que segundo me disseram depois eram mais de 400.

Deitámo-nos e por volta das 2.30h mais ou menos ouviu-se um único tiro, que perfurou a perna de um sentinela, seguindo-se depois um tiroteio, com armas muito mais sofisticadas do que as nossas, mas nessa altura já estávamos todos na vala, que fizemos a toda a volta do destacamento, respondendo como podíamos.

Incendiaram quase toda a tabanca e as morteiradas caíam por todo o lado. Uma delas rebentou com os bidões de combustível que lá tínhamos.... parecia o Incêndio de Roma.

A granada que me feriu caiu muito perto de mim e a minha sorte foi termos feito a vala, como nos ensinaram em Mafra (sinuosa) e a mesma ter rebentado numa das curvas da dita vala.

Segundo me disseram, depois, estive desmaiado cerca de 10 m e parecia um croquete pois estava só em trousses e corpo todo cheio de sangue dos estilhaços, a maior parte pequenas pedras e areias e também pequenas partículas de aço. Os estilhaços que matavam, felizmente, passaram ao lado...

Depois, como sabes, lá amanhecia muito cedo e por volta das 4 horas eles começaram a debandar, pois estavam a cerca de 20 km da fronteira da Guiné ex-francesa.

Ao amanhecer vieram de Nova Lamego e fomos, salvo erro, seis evacuados para Bissau.

Foram momentos um bocado apertados e, embora já tenham passados quarenta e dois anos, muitas vezes ainda sonho com esse dia.

Amigo Martins, desculpa ter escrito tanto.... mas há tanta coisa para contar e eu, embora tentando sintetizar, deixei correr o pensamento. Desculpa.

Vou tentar mandar mais algumas fotos, não de Madina e Beli, pois ainda não as encontrei e numa delas está o grande amigo que lá morreu o Marques, de que te falei no outro dia.

Um feliz Natal e um 2007 melhor que bom.

Um grande abraço
António Pinto

___________

Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1397: Ataque ao destacamento de Beli em Maio de 1965 (António Pinto, BCAÇ 512)

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

18 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1378: António de Figueiredo Pinto, Alf Mil do BCAÇ 506: um veterano de Madina do Boé e de Beli

(2) Vd. posts de:

18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)

15 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1370: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte II)

21 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1388: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (III parte)

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1435: Questões politicamente (in)correctas (17): Matei para não ser morto (A. Mendes, 38ª CCmds)


Guiné > Voz da Guiné > Folha de rosto da Separata do nº 203, de 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia dos Comandos. Na primeira página vêem-se duas fotos: à direita, do major João de Almeida Bruno, que cessava funções como comandante do Batalhão de Comandos da Guiné; e à esquerda, o novo comandante, o major Raul Miguel Socorro Folques.

Foto: Eduardo Ribeiro (2006). Direitos reservados.


1. Texto enviado, em 13 de Janeiro corrente, pelo Amilcar Mendes (ex-1º cabo, 38ª Companhia de Comandos, Guiné, Brá, 1972/74; hoje, taxista da praça de Lisboa):

A Guerra da Guiné e os Direitos Humanos
por A. Mendes

Vitor Junqueira, Luís Graça e demais membros da nossa tertúlia:

De há uns tempos a esta parte tenho sido mais leitor que interveniente, porque algumas coisas que vou lendo no Blogue, sobre o tempo da guerra da Guiné, me obrigam a estar calado. De facto, os comentários que vou lendo confundem-me ao ponto de não saber se falamos da mesma guerra e da mesma Guiné.

Primeiro que tudo estou no Blogue porque sou um ex-combatente da Guiné e é essa a razão deste Blogue. Trocarmos impressões sobre o que passámos é saudável. A razão por que é que passámos, isso é já história política. Para isso existem os letrados e iluminados que escrevem sobre as causas e consequências.

Vem isto a propósito dos comentários que aqui li sobre a Convenção de Genebra, Operação Mar Verde, Massacres, Direitos dos Combatentes e dos coitadinhos dos guerrilheiros do PAIGC! (1)

Por favor, não insultemos a memória dos que morreram em combate. Alguém que lá esteve pode achar que os turras eram meninos de coro? Será que o Vitor Junqueira e eu estivemos na mesma guerra ?

No ano de 1973, na estrada de Mansoa -Mansabá, numa emboscada a uma coluna junto ao chamado Carreiro da Morte, os senhores guerrilheiros do PAIGC apanharam à mão três agressores militares portugueses e, cagando para direitos ou convenções de guerra, cortaram-lhe o sexo e enfiaram-lho na boca depois de os matarem a sangue frio!

Se tal, como nós, cumpriam o direito defendendo a Pátria (não sei se a minha ou a deles), expliquem-me por favor quem é que era santo?

Fui combatente, como vocês, matei para não ser morto. A forma como, não tem a ver. Ou será que o Vitor ia para a mata com a Bíblia numa mão e a arma noutra ?

Enfim, relembremos Guidaje, Guileje, Canquelifá, Boruntuma, Gandamael, etc. porque o PAIGC não se limitou a defender a sua (deles) Pátria.

O Vitor fala em stresse de guerra, mas já tentou saber se tem a ver com a forma ou o conteúdo? Quem sabe o que se passou em Wiriamu ? Vamos condenar à pena de morte quem lá esteve? Para expiarmos todas nossas culpas, como combatentes, vamos ter que julgar toda a humanidade? Eu posso apresentar ex-comandos que lá estiveram, para o Vitor, o Luís e os demais tertulianos ouvirem a outra parte da história...

Já agora, e a propósito de direitos, olhemos para o que está a acontecer na Guiné e com a herança do PAIGC.

Vitor, Luís e restantes tertulianos, um abraço.

A. Mendes

2. Comentário do editor do blogue:

Meu caro Amílcar:

A gente ainda não se conhece pessoalmente mas já temos falado várias vezes ao telefone, e até lá temos apalavrada uma ida à sede dos Associação dos Deficientes das Forças Armadas, aqui mesmo ao lado da minha chafarrica, para dar um abraço a um amigo comum, o Patuleia...

Há muitas feridas de guerra, no corpo e na alma, que não saram e que vão morrer connosco. É o caso do Patuleia, que é uma figura conhecida, que dá a cara (e que cara!) pela ADFA, e por todos nós. É uma problemática dolorosa, essa, a do deve-e-haver da nossa guerra em África (sem esquecer a Índia, Timor, etc., como muito bem nos chamava ontem à atenção o António Rosinha) (2).

Como qualquer membro da nossa tertúlia, tu tens direito à palavra. Não preciso de te dizer que o teu testemunho, como homem e como operacional, me sensibilizou, e tem enriquecido o nosso esforço colectivo para reconstruir e divulgar a nossa memória da guerra na Guiné.

Como sabes, aqui - naquilo a que eu chamo a nossa caserma virtual - tratamo-nos por tu, o que não quer dizer menos respeito uns pelos outros, respeito pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (assumindo o que fomos ontem e o que somos hoje, sem culpa, sem complexos, sem acusações). Mas também sendo capazes de manifestar, de maneira franca e serena, os nossos pontos de vista, e sobretudo as discordâncias... Saudavelmente, como amigos, como camaradas... Na prática, como sabes, estas regras não fáceis de aplicar... Mas esforçamo-nos por consegui-lo...

Nunca escondemos uns dos outros que não pensamos todos pela mesma cabeça, nem sentimos todos pelo mesmo coração... A nossa riqueza está justamente no nosso pluralismo e na capacidade de gerir as nossas diferenças... É certo que nem sempre lemos o que outro escreve... Tu, por exemplo, se calhar não entendeste bem o que o Vitor quis dizer, ou então foi o Vitor que não comunicou bem... Compete a ele esclarecer-te, se for caso disso. Mas eu insisto: temos que aprender a ouvir os outros...

Para trás ficaram, entretanto, as velhas rivalidades entre infantaria, cavalaria e artilharia, entre a terra, o mar e o ar, entre a tropa-macaca e a elite da tropa, entre tropas africanas e metropolitanas, entre pessoal do quadro, do contigente geral e milicianos, entre operacionais e pessoal de apoio...

Aqui também não há bons nem maus, heróis ou cobardes, gente politicamente correcta ou incorrecta, letrados e iletrados... Somos camaradas, ponto final. A mim, compete-me dar igualdade de oportunidades a todos os que me escrevem, o que nem sempre seguramente consigo.

Não me compete tomar posição a favor de A ou B. Não sou juiz nem fiel da balança. Mas, confesso, que não gostaria que o nosso blogue fosse uma arena de combate. Não cultivo nem gosto de cultivar a polémica. Acho que podemos (e devemos) dizer olhos nos olhos (neste caso, no ecrã do computador) o que nos divide, o que nos separa... De preferência, com elegância, sem insultos, e com factos a fundamentar o que escrevemos... Esta pedagogia tem funcionado. E eu acho que podemos orgulhar-nos do nosso blogue, da nossa convivivência, e até da gente da nossa geração.

Não temos de estar acordo sobre questões dolorosas, dolorosíssimas (e ainda polémicas), do nosso passado recente (para não falar da nossa vasta e riquíssima história enquanto povo, estado e nação): os massacres de 1961 (em que morreram milhares de portugueses e angolanos, inocentes), os excessos (e crimes) que se cometem em todas as guerras, de um lado e de outro, Nambuangongo, Mar Verde, Wiriamu, Nó Górdio... Não estaremos de acordo seguramente sobre as razões por que fomos parar à Guiné, a Angola ou a Moçambique. Ou sobre a descolonização. Como a guerra foi conduzida pelos nossos chefes, políticos e militares.

Não podemos evitar falar de tudo isso, dessas e doutras questões ditas fracturantes. Podemos fazê-lo, mas de preferência evocando a nossa condição de protagonistas, testemunhas ou historiógrafos... Por exemplo, eu não estive em Wiriamu, nem estou suficientemente documentado para ter opinar sobre o que lá se passou... Eu nunca passei no Carreiro da Morte, na estrada de Mansoa-Mansabá e já não estava na Guiné, em 1973, mas gostava de saber quem (do lado do PAIGC e das NT) esteve envolvido nessa macabra cena que tu relatas...

Eu também não estive no chão manjaco mas quem lá esteve (o Afonso M.F.Sousa, o João Tunes) pode dar o seu testemunho (ou opinar) sobre o massacre do PAIGC que vitimou três dos nossos três melhores oficiais superiores do tempo do Spínola... Um historiador, como o Leopoldo Amado, também tem autoridade para falar sobre esse assunto, porque fez investigação de arquivo ou entrevistou dirigentes do PAIGC... Eu, confesso, que não tenho autoridade para o fazer, é uma questão de honestidade intelectual... (E a propósio, vamos abrir em breve um dossiê sobre este melindroso e doloroso tópico da guerra da Guiné, sob a direcção do Afonso M.F. Sousa)...

Por fim, queria só lembrar que também é nosso apanágio respeitar (ou tentar respeitar) o nosso inimigo de ontem... Eles, de facto, não eram meninos de coro. Mas não nós também não éramos turistas. Dito isto, concordo com o Pedro Lauret e o Vitor Junqueira: a guerra, todas as guerras, têm regras. E quanto ao Amílcar, queria só acrescentar: Todos matámos para não morrer... Afinal, todos fomos para a Guiné com "licença para matar e morrer"...

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

13 de Janeiro de 2006 < Guiné 63/74 - P1425: Questões politicamente (in)correctas (16): na guerra, de facto, não vale tudo, também há regras (Vitor Junqueira)

12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)

(2) Vd. post de 15 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1432: Pensamento do dia (10): Honrar os que morreram no Ultramar (António Rosinha)

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

Guiné 63/74 - P1434: Artilharia em Guileje: a peça 11.4 e o obus 14 (Nuno Rubim)

Vendas Novas > Museu da Escola Prática de Artilharia > 1998 > Duas peças de artilharia usadas no Guiné, e que os leigos confundem com frequência : a peça 11,4 e o obus 14.


Texto e foto: © Nuno Rubim (2007). Direitos reservados.

Caro Luís:

Continua a haver grande confusão sobre o material de artilharia (português ) que esteve em Guileje.

Fala-se indistintamente da Peça de 11, 4 cm e do Obús de 14 cm. Pode ser que, em data a averiguar, os segundos tenham substituído os primeiros.

Eram parecidos (mesmo reparo ) só que o 11, 4 cm era de menor calibre e com o tubo mais comprido ( ver imagem acima)

Será que é possível colocar esta questão no teu blogue ?

Também interessaria saber quando foram para lá e quais os comandantes dos pelotões de artilharia que lá prestaram serviço.

Um abraço

Nuno Rubim (1)

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 18 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1189: O tertuliano Nuno Rubim, especialista em história militar