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quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22525: Historiografia da presença portuguesa em África (279): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (16) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 21 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Devo aos técnicos da Sociedade de Geografia de Lisboa a atenção de me indicarem a bibliografia mais pertinente que pudesse de alguma forma trazer outros olhares sobre os conteúdos das atas das sessões do período referente desde a fundação da Sociedade até 1900. Obviamente que o leitor interessado tem ainda ao seu dispor o boletim da Sociedade, outro complemento útil para ir verificar os interesses científicos, as obras de engenharia, os rudimentos da Antropologia, o estudo das línguas étnicas, e muito mais. A questão central posta neste modesto levantamento foi o que pensavam, em termos de ideologia imperial, os fundadores da Sociedade de Geografia, e um conjunto de autores aqui indicados parece contextualizar bem as grandes pressões internacionais. Há, no entanto, uma lacuna que, em meu modesto entender, tem que ser preenchida por outra via historiográfica. Com efeito, não existia somente a via migratória para o Brasil, sucediam-se as crises políticas, e se é facto que o fontismo gerara a Regeneração, o sistema de alternância, o rotativismo, revelou-se incapaz de fazer associar a generalidade do país a poder abraçar, com genuíno entusiasmo, a causa do III Império, foi necessário produzir heróis entre exploradores das travessias africanas e conquistadores, como Mouzinho de Albuquerque. Mas toda aquela África Portuguesa teve uma ocupação incipiente, com todas as consequências que iremos conhecer em meados do século XX e que desaguarão nas independências da década de 1970.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (16)

Mário Beja Santos

"Viagens de Exploração Terrestre dos Portugueses em África", por Maria Emília Madeira Santos, conheceu duas edições, a que me foi dado ler na Biblioteca da Sociedade de Geografia é da Junta de Investigações Científicas do Ultramar, dada a ligação que a investigadora tinha com o Centro de Estudos de Cartografia Antiga, mas como o leitor pode ver na imagem há duas edições.

Classifico este trabalho como da maior importância, logo pelo seu sumário, tão atrativo para quem queira conhecer as ligações entre a Expansão Portuguesa e África ao longo dos séculos: fontes do conhecimento de África na Europa cristã antes da Expansão Portuguesa; primeiras viagens em terras do noroeste africano; caminhos para desvendar África no final do século XV, penetração na Guiné; o reino do Congo; o império do Preste João – mito e realidade; revelação do império de Monomotapa: missionários, soldados e mercadores neste império; o Cabo da Boa Esperança; Madagáscar e as naus da Índia; a Etiópia e o Nilo: dois enigmas; projetos de travessia – conquista da África Austral no século XVII; governantes, sertanejos, engenheiros, pilotos preparam a travessia de África; a expansão sertaneja no final do século XVIII a caminho da África Austral; a primeira tentativa de travessia científica da África Austral – o Dr. Lacerda e Almeida e a via Cazembe-Muatiânvua; a Lunda aceita o comércio português mas não a influência política; Portugal e o movimento geográfico europeu: expedição portuguesa ao interior da África Austral em 1877; Serpa Pinto atravessa África; a corrida a África: Capelo e Ivens executam a ligação das duas costas; Henrique de Carvalho explora a Lunda; expedição Pinheiro Chagas – a nova exploração africana.

A investigadora recorda-nos que entre 1876 e 1885 triunfara na Europa a ideologia colonial. Além da procura de matérias-primas e de novos mercados, os países europeus desejavam garantir-se pelo poder político e arvoraram-se em executivos predestinados de uma missão civilizadora. Em 1875, a Enciclopédia Britânica ao dar a explicação da palavra África insistia várias vezes no desconhecimento sobre aquele continente. As tentativas de penetração operaram-se através do Mediterrâneo, pela Tunísia e o Egito, foram pontos de partida para penetrações em direção à África Negra. A França utilizou a Argélia para atingir a foz do Níger e o oeste africano. A Inglaterra utilizou o vale do Nilo para penetrar na África Oriental. E, entretanto, apareceram novos competidores, a Bélgica e a Alemanha. Era exatamente na África Austral que o Império Colonial Português possuía as suas maiores colónias, era o polo de atração. Apercebendo-se desses apetites internacionais, gerou-se um entusiasmo em Portugal, era preciso conhecer a geografia e demarcar o nosso império africano. Teve entre nós forte repercussão a Conferência Geográfica de Bruxelas, convocada por Leopoldo II da Bélgica, em 1876 e em que tomaram parte a anfitriã, a Bélgica, a Inglaterra, a França, a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Rússia, Portugal não foi convidado. Leopoldo II criou a Associação Internacional Africana destinada a servir os seus projetos colonialistas e surgiu um fenómeno novo, apareceram exploradores ao serviço das grandes potências, dispondo de muitas facilidades: Brazza, ao serviço da França, Stanley contratado por Leopoldo, disputam o domínio do Zaire, a grande via para o interior de África. A Inglaterra, pressionada pelas aspirações dos colonos do Cabo, segue o movimento dos Bóeres em direção ao Norte e lança as vistas para a Bechuanalândia, que se estendia do Zambeze até ao Orange. Progressivamente, entre 1876-1884, a África Central iria transformar-se no campo de rivalidades das potências europeias. Portugal ou era ignorado ou denegrido. Exploradores prestigiados, como Livingstone e Cameron, lançaram fortes críticas à administração portuguesa em África, acusavam o Governo Português de continuar a permitir o comércio de escravos. Portugal tinha uma questão de emigração que não era de fácil alteração: o polo de atração continuava a ser o Brasil, só a classe mercantil e um grupo de cientistas se interessava por África. Impunha-se uma nova via, veja-se os antecedentes do estudo da Geografia.

Estes estudos estavam muito prejudicados desde o encerramento da Sociedade Real Marítima, no princípio do século XIX. Em 1876 fundava-se a Comissão Central Permanente de Geografia, que surgiu pouco depois da Sociedade de Geografia de Lisboa. Nesse tempo o principal problema da geografia africana era ainda o estudo da sua complexa hidrografia. O curso do Zaire fora apenas contornado por Cameron, desconhecia-se a sua nascente. Na opinião de Luciano Cordeiro, a expedição portuguesa devia internar-se na bacia do Zaire, descobrindo-lhe as origens e quais as relações com o Zambeze e com os grandes lagos. Estes sócios-fundadores da Sociedade de Geografia acalentavam a esperança de ver os portugueses encontrarem melhores caminhos entre Angola e Moçambique. A opinião de Luciano Cordeiro era que se deveria fazer a travessia, opinião que contrastava com a de José Júlio Rodrigues, secretário da Comissão Central Permanente de Geografia, este considerava que o centro de África estava irremediavelmente perdido para Portugal, advogava que a expedição devia fazer somente o reconhecimento geográfico e económico das partes menos conhecidas.

O principal objetivo da expedição de 1877 acabou por ser o estudo do rio Cuango nas suas relações com o Zaire e com os territórios portugueses da costa ocidental. Nomearam-se três exploradores: Serpa Pinto, oficial do Exército, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, oficiais da Marinha. Desconhecia-se por esta altura que Stanley já tinha iniciado a descida do Grande Rio, o que tornava assim extemporâneos os projetos dos portugueses. Encetada a viagem, encontraram Stanley em Cabinda, ele acabava de descer o curso do rio. Decidiram então os exploradores portugueses fazer a viagem pelo Sul, partindo de Benguela e daqui dirigiram-se ao Bié. Começaram aqui os desentendimentos entre Serpa Pinto, Capelo e Ivens. No Bié, em casa de Silva Porto, manifestas as divergências, Serpa Pinto optou pela travessia de África enquanto que Capelo e Ivens definiram como objetivo da viagem o estudo do Cuango. Já separados, Capelo e Ivens dirigem-se para as nascentes do Cuanza, seguem depois para os Quiocos, um vai estudar o curso superior do Cuango e o outro segue a linha divisória das águas do Cuanza e do Cuango. Passaram por inúmeras dificuldades, atingem Malange, encontram o rio local e chegam à Fortaleza do Duque de Bragança e daqui seguem para o Cuango. Concluíram que era impossível o levantamento do Cuango.

Quanto a Serpa Pinto, ele atravessou o rico país dos Ambuelas, desceu o rio Ninda e chegou ao Zambeze; daqui alcançou o reino de Barotze onde obteve pirogas e navegou pelo Zambeze abaixo. Próximo da confluência do Cuango com o Zambeze encontrou os primeiros ingleses. Depois de muito penar chegou ao Transval. Em Pretória envia um telegrama para Lisboa, sossegou quem andava inquieto, o seu paradeiro era desconhecido. A parte da viagem que apresenta maior interesse, como Serpa Pinto reconheceu, é o percurso entre o Bié e o Zambeze, região completamente desconhecida dos geógrafos. Estava feita a travessia de África, mas a ligação entre Angola e Moçambique mais uma vez falhara.

A Sociedade de Geografia de Lisboa pede ao governo em 1880 a continuação das explorações geográficas e a fundação de missões religiosas e estações civilizadoras. Foi durante o ministério de Manuel Pinheiro Chagas que se pôs em marcha o vasto plano mais tarde conhecido pelo Mapa Cor-de-Rosa. Neste tempo o objetivo era bem claro: tentava-se definir o domínio português em África. Em novembro de 1883, Pinheiro Chagas criava a Comissão de Cartografia junto do Ministério da Marinha e Ultramar. Iniciaram-se imediatamente os trabalhos para a elaboração de um atlas geral de todas as colónias. Em 1884 organizaram-se nada menos do que três grandes exposições: Capelo e Ivens cruzaram a África de Angola a Moçambique; Serpa Pinto e Augusto Cardoso exploraram o norte de Moçambique, tendo o segundo atingido o Niassa; Henrique de Carvalho percorria a Lunda até ao Muatiânvua. António Maria Cardoso viajava nas terras de Gaza e Inhambane, Paiva de Andrade avançava de Quelimane até Gaza, Artur de Paiva explorava o Cubango, e enquanto tudo isto se passa as missões católicas de S. Salvador do Congo e do Huíla entraram em intensa atividade.

Com a recensão desta obra de Maria Emília Madeira Santos dá-se por concluída a apresentação de uma bibliografia complementar que permite aos interessados encontrar fontes documentais que expliquem com mais desenvolvimento o pensamento imperial destes fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, eles foram determinantes para a consolidação do III Império Português.

Mapa do continente africano do século XVII, elaborado por Guilherme Blaeu (1571-1638).
Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens
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Nota do editor

Último poste da série de 1 DE SETEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22503: Historiografia da presença portuguesa em África (278): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (15) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22503: Historiografia da presença portuguesa em África (278): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (15) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Estou em crer que este importante trabalho de Maria Emília Madeira Santos melhor ilumina a cena do período fundador da Sociedade de Geografia de Lisboa, faz avultar as grandes linhas táticas da importância das travessias a que outros contrapunham a pertinência de estudos regionais, lá se conseguiu a coabitação das duas teses. A autora chama a atenção para um engenheiro militar, a que eu fiz referência na recensão das atas das sessões, Joaquim José Machado, ninguém melhor do que ele alertou a tempo para a intrusão britânica entre Angola e Moçambique, iniciara-se a fricção que desembocou no Ultimatum. Igualmente a autora expende pertinentes considerações sobre as atividades da Comissão Africana. E quando se chega ao Ultimatum a resposta mais adequada que a Sociedade de Geografia encontrou foi a realização da importantíssima exposição cartográfica - era a resposta científica a um problema político cujo tratamento direto estava fora do seu âmbito.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (15)

Mário Beja Santos

Seria imperdoável não adicionar à bibliografia complementar alusiva ao acervo que aqui se apresentou sobre as atas das sessões do período inicial da Sociedade de Geografia de Lisboa o texto incluído no livro "Nos Caminhos de África", da autoria de Maria Emília Madeira Santos, publicação do Instituto de Investigação Científica e Tropical, 1998, intitulado "Das Travessias Científicas à Exploração Regional em África: Uma Opção da Sociedade de Geografia de Lisboa". É um texto por demais esclarecedor da filosofia imperial do grupo fundador, a autora, uma categorizada investigadora, estende as suas considerações ao período posterior ao que aqui se analisou (ou seja, até ao falecimento de Luciano Cordeiro, o dínamo da Sociedade, em 1900), veja-se a riqueza e a pertinência das suas observações.

Começa por dizer que não há margem para dúvidas sobre o desempenho da Sociedade no impulso das grandes travessias de África, ocorridas nos anos de 1876 e 1885. Estes fundadores da Sociedade aperceberam-se da oportunidade de urgência em apresentar à Europa científica e política explorações sensacionais, que caíssem no goto da cena internacional. Mas foram igualmente estes fundadores que decidiram, quando chegou o tempo de mudar de tática, pôr termo às grandes explorações geográficas em extensão e ocupar-se da exploração regional e do estudo aprofundado e científico das áreas da “África Portuguesa”, também com o fito de lhe dar um conhecimento a nível europeu. Para a autora, o debate que teve lugar durante a preparação da “Expedição Científica Portuguesa à África Austral”, em 1876, terá sido o primeiro sinal de duas orientações perante a exploração terrestre em África, que podem detetar-se no último quartel do século XIX, devido ao impulso primeiro da Conferência de Bruxelas e aceleradas posteriormente pela Conferência de Berlim.

Os membros da então “Comissão Permanente de Geografia” dividiam-se em duas teses, uma era encabeçada por Luciano Cordeiro, dava como essencial a travessia, a outra representada por João Júlio Rodrigues, punha ênfase na exploração dos territórios considerados sobre soberania portuguesa. Recorde-se que na exposição que a Sociedade enviou ao rei D. Luís, em junho de 1876, aludia-se à “conveniência científica, económica e política de se empreender uma expedição portuguesa através do sertão africano, de costa a costa”. Pinheiro Chagas enviou a África várias expedições destinadas a definir os limites de algo que era um desejo, “o domínio português em África”. Fora a Sociedade que alertara em 1881 para a urgência de definir fronteiras de um domínio que se apresentava como extensíssimo, mas em relação ao qual se alegavam fundamentalmente “direitos históricos”. A Sociedade recebeu como heróis Capelo e Ivens, e pretendeu que essa imagem chegasse ao todo nacional. A sessão solene no Teatro Real de São Carlos, a 1 de outubro de 1885, teve o fausto dos grandes acontecimentos e iria constituir o fecho das grandes travessias da África Austral, com repercussão internacional.

Entretanto a Sociedade criara um grupo técnico-científico de gabarito, a “Comissão Africana”, em 1878, competia-lhe examinar com detalhe os assuntos referentes a África, avançou com propostas do reconhecimento geográfico e do levantamento das cartas de Angola e Moçambique, de explorações no terreno sobre o ponto de vista geológico e mineralógico. Mas o âmbito de reflexões era extenso, ia desde o levantamento hidrográfico das costas e portos, passava pelo problema da balizagem e faróis, explorações botânicas, e muito mais. No acervo respeitante às atas das sessões, estou em crer que ficou bem claro o papel desta comissão africana.

A conceção política colonial conheceu uma inflexão incontornável na Conferência de Berlim, era a ocupação efetiva que contava, e os trabalhos da Sociedade revelam que se despertava para a nova realidade, são amplas as referências aos engenheiros dos caminhos-de-ferro e das expedições de obras públicas, a partir de 1877 chegam os seus relatórios técnicos. E daí a recomendação da Sociedade “em mandar explorar por pessoas competentes as colónias, estudando-as e descrevendo-as sob o ponto de vista da sua geografia, linguística, etnografia, climatologia, demografia e patologia”. Foi mesmo previsto um prémio para a melhor memória em trabalho original que se escrevesse a respeito de geografia e colonização das terras de África trópico-equatorial.

Também vimos a importância da colaboração de Joaquim José Machado, engenheiro militar, que cursara a Escola Politécnica e a Escola do Exército, regressara de Moçambique, é o principal alertador do que se vai passar com a intrusão britânica, não deixando, no entanto, de alertar que se devia cuidar das vias de comunicação, tão negligenciadas. As intervenções do Engenheiro Machado foram publicadas em separata, mas os decisores ter-lhe-ão dado pouca ou nenhuma importância. Fizeram-se estudos sobre os caminhos-de-ferro de Lourenço Marques e Ambaca, como igualmente sobre as estações civilizadoras, que não eram mais que polos de concentração abrangendo comerciantes, missionários, técnicos ligados aos empreendimentos. Em 1882, o diretor de obras públicas do caminho-de-ferro de Ambaca apela para uma viragem estratégica da Sociedade, não basta teoria, é necessário apostar nas questões práticas, algo devia mudar no funcionamento da Comissão Africana. Esta também passa a ser confrontada com as explorações de grande reconhecimento e as de âmbito meramente regional. Os projetos de travessia sucederam-se, em março de 1887 surge o projeto de Caldas Xavier, a Comissão Africana tinha dúvidas, como expendeu: “Será agora o momento histórico apropriado, para tentar novas travessias ou será, pelo contrário, mais azada a ocasião para partir dos traços gerais para os dados particulares e de pronto imediatamente utilizáveis?”. Acontece que Inglaterra ia gradualmente desfazendo o sonho de uma África portuguesa em continuidade do Atlântico até ao Índico. Começaram as exigências de saídas para o mar através do Zambeze e Lourenço Marques. Procura-se a resposta mais adequada através de expedições de obras públicas, verdadeiras brigadas de reconhecimento geográfico. Um conjunto de exploradores trabalhava contra o tempo, procurando acompanhar a corrida a África em zonas claramente disputadas. Joaquim José Machado regressa de Moçambique em 1889 e apela a medidas enérgicas, uma delas à definição das fronteiras de Moçambique. A reação inglesa foi brutal, rasgou ao meio o Mapa Cor-de-Rosa e procurou empurrar para o litoral os limites do domínio português. A criação da British South Africa Company concretizava todas as previsões apresentadas pela Sociedade ao Governo. Havia que reconhecer que ao avançar para territórios considerados sob a soberania de Portugal durante três séculos a companhia inglesa pouco encontraria que evidenciasse a nossa ocupação e ação civilizadora permanente. E seguiu-se o Ultimatum. Recorde-se a atmosfera de pesar que foi a sessão de 20 de janeiro de 1890, onde se discutiu o Ultimatum. E sugeriu-se uma exposição das cartas geográficas relativas aos descobrimentos e explorações, acompanhada da respetiva bibliografia. Desejava-se que a exposição abrisse ainda naquele mesmo ano no mês de junho e se limitasse a África. Viria a ser inaugurada em dezembro de 1903, com uma riqueza cartográfica que ia desde o Brasil ao Japão e desde Cabo-Verde a Timor. Luciano Cordeiro, como se disse atrás, falecera em 1900, é Ernesto de Vasconcelos quem está ao leme da Sociedade, foi ele o grande obreiro da exposição realizada. E a autora termina o seu trabalho dizendo que a Exposição Cartográfica de 1903-1904 foi a opção adequada de uma sociedade científica na procura de uma resposta de nível cultural a um problema político, cujo tratamento direto estava fora do seu âmbito.

Como se vê, um interessantíssimo documento, para finalizar voltamos de novo a Maria Emília Madeira Santos e à sua obra "Viagens de Exploração Terrestre dos Portugueses em África", editada pela Junta de Investigações Científicas do Ultramar/Centro de Estudos de Cartografia Antiga, 1970.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22483: Historiografia da presença portuguesa em África (277): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (14) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 25 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22483: Historiografia da presença portuguesa em África (277): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (14) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Continua-se a passar em revista uma certa bibliografia complementar que possa ajudar o leitor interessado a aprofundar conhecimentos sobre o pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia. Faz-se uma resenha de um trabalho de Mestrado assinado por José Manuel da Silva Veríssimo, onde salienta claramente que depois de uma opção estratégica de travessias gloriosas que serviam para justificar e legitimar o território colonial português em África se seguiu uma mudança de tática pelas explorações parciais, onde se impuseram vultos como Henrique de Carvalho ou Norton de Matos. E justificava-se uma referência à obra dos 140 anos da Sociedade de Geografia que de forma didática permite aos potenciais interessados saber o que podem encontrar na Biblioteca, na Cartoteca, na Fototeca e no Museu Etnográfico e Histórico. É, felizmente, do mais alto nível, é património único dentro de um espaço que há muito devia estar classificado como monumento nacional.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (14)

Mário Beja Santos

Continuando as referências à bibliografia que permite complementar conhecimentos sobre o pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa relembramos a dissertação para a obtenção de Mestre em História e Filosofia da Ciência, é seu autor José Manuel da Silva Veríssimo e intitula-se "A Sociedade de Geografia e as Expedições Africanas de Portugal a Sul do Equador entre 1875 e 1926", a edição é da Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 1999, exemplar policopiado que pode ser lido na Biblioteca da Sociedade de Geografia.

Na introdução, o autor recorda-nos o despertar dos interesses europeus para os recursos africanos em simultâneo com a possibilidade de se encontrarem novos mercados para se escoarem os excedentes do segundo surto industrial europeu – estão aqui as alavancas decisivas de todo o processo de expansão europeia em África, na segunda metade do século XIX. Estamos na época das grandes iniciativas exploratórias de caráter científico, resultantes de uma curiosidade genuína por parte de grupos de cientistas prontos para abrir novos trilhos, gente imbuída pela curiosidade, com grande vontade de investigar, pronta a irromper pelas florestas. Há convergência de elementos, esta época não surgiu ao acaso, como observou o historiador Fernand Braudel: “O tráfico negreiro europeu cessou no preciso momento em que a América já não tinha necessidade urgente dele. Para o Novo Mundo, o emigrante europeu foi substituir o negro na primeira metade do século XIX para os EUA, na segunda para a América do Sul”.

Atendendo a este contexto, a Sociedade de Geografia soube impor-se pelas iniciativas e pelas pontes que estabelece com as principais academias e sociedades mundiais e pelo dinamismo que imprime a toda a problemática colonial africana. O autor, depois de nos apresentar a aventura exploratória de Silva Porto e outros continuadores, faz o seguinte comentário: “É notável o quase desdobramento dos exploradores: Henrique Dias de Carvalho, que empreende a viagem ao Quimbundo, Cubango e Cassai, em Angola; Silva Porto e Augusto Cardoso, ao Niassa, em Moçambique; Roberto Ivens e Hermenegildo Capelo que, com Serpa Pinto, empreendem a travessia de Angola à contracosta. A diplomacia portuguesa consegue o reconhecimento pela Inglaterra da soberania portuguesa nas duas margens do rio Zaire, até às fronteiras do Estado do Congo, em troca de facilidades concedidas por Portugal, ao comércio e navegação do Zaire e Zambeze".

Depois do Ultimatum deu-se um abrandamento do surto expedicionário, num cenário de crise. Neste contexto, dever-se-á incluir o papel dos interesses das companhias comerciais que após terem sobrevivido à crise financeira de 1891 despertaram para as promissoras fontes de rendimento. É o caso da Companhia Majestática para a Ocupação e Exploração da Região do Niassa (1891), a Companhia de Cabinda (1903), a Companhia dos Diamantes de Angola (1917) e a Companhia Colonial de Navegação (1922). Lembra-nos o autor que a I República não alterou o sentido da política colonial em curso. E mais, apesar de todas as dificuldades que a sociedade republicana irá atravessar, a Sociedade de Geografia logra manter à sua volta a mais importante plêiade de investigadores, quadros académicos, administrativos e militares, capazes de globalizar o saber colonial. Este é no fundo o quadro introdutório dado pelo autor e vejamos agora em síntese a matéria que nos interessa até 1900.

No arranque do seu trabalho, o autor equaciona a Sociedade de Geografia com as etapas de reconhecimento do império português em África, tudo isto na segunda metade do século XIX. Deve-se ao Marquês Sá da Bandeira a viragem para esta política africana. Em 1844-45, Sá da Bandeira promove, com um atraso de 87 anos, a publicação do diário de Lacerda e Almeida e do Padre Francisco João Pinto, seu companheiro de viagem. Este diário constituirá um guia essencial no desbravamento dos esforços africanos pelos europeus. Será a Sociedade de Geografia a publicá-lo em 1883 bem como o diário dos pombeiros Pedro João Baptista e Amaro José que, partindo de Cassange em novembro de 1802, atingem Tete em fevereiro de 1811. Será Luciano Cordeiro o elemento aglutinador, à sua volta constituir-se-á um grupo de 74 individualidades ligadas aos mais diversos da investigação científica e intelectual da sociedade revolucionada por Fontes Pereira de Melo. O autor fará depois a descrição dos primeiros tempos de atividade da Sociedade, vê-se que no seu trabalho de investigação acompanhou de perto as atas das sessões da Sociedade bem como os respetivos números do Boletim. Noutro capítulo abordará as expedições africanas portuguesas, como se irá processar a delimitação europeia das fronteiras em África e qual o quadro de agudização das rivalidades entre as potências imperiais (1884-1890). De facto, tinham surgido novos concorrentes: Leopoldo II da Bélgica e Guilherme I da Alemanha. Em 1887 a Sociedade de Geografia assinalou uma alteração à opção estratégica, passara o tempo das gloriosas travessias, impunha-se fazer explorações menos ruidosas, optou-se pelas explorações parciais, mais modestas na aparência mas com resultados funcionais, com provas de ocupação efetiva, como escreve outra autora a que iremos fazer referência, Maria Emília Madeira Santos, em Viagens de Exploração Terrestre dos portugueses em África, Lisboa, Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1978. E de facto ir-se-ão multiplicar as explorações limitadas ao quadro regional. Perante a posição britânica Portugal teve que recuar e buscar consolidação pela ocupação efetiva.

Fez-se referência às evocações dos 50 e 75 anos da Sociedade de Geografia. Manuela Cantinho, Diretora do Museu e o Presidente da Sociedade de Geografia, Luís Aires-Barros são os autores da obra alusiva aos 140 anos da Sociedade de Geografia (1875-2015). Acrescenta-se sempre um ponto ao que ficou já registado em olhares anteriores. Recorda-se o expressivo atraso com que criámos entre nós a Sociedade de Geografia, cerca de 50 anos face a franceses, ingleses e alemães, que se lançaram a organizar expedições. Diz acertadamente o presidente Aires-Barros que a Sociedade de Geografia é património cultural da Nação e contém vasto património da Nação, e escreve: “É património cultural e material da Nação na medida em que foi nela que germinou e floresceu, na sequência do pensamento de Luciano Cordeiro e companheiros, seus fundadores, a ideia da promoção de conhecimento e de desenvolvimento socioeconómico e técnico-científico dos vastos territórios ultramarinos, principalmente africanos”. Não deixa de referir a riquíssima documentação existente na Sociedade, incluindo os cadernos de campo e documentação diversa de Serpa Pinto, Roberto Ivens, Hermenegildo Capelo, Henrique de Carvalho, Silva Porto e Gago Coutinho. E faz-se o histórico deste período de lançamento inicial da Sociedade de Geografia que vai até à morte de Luciano Cordeiro em 1900. Manuela Cantinho debruça-se sobre o espólio cultural da Sociedade de Geografia nesta edição graficamente irrepreensível onde qualquer leigo pode constatar a riqueza patrimonial da Sociedade. E agora a nossa leitura vai orientar-se para os trabalhos de Maria Emília Madeira Santos.

(continua)
Uma das preciosidades do Museu da Sociedade de Geografia, arte guineense
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Nota do editor

Último poste da série de 18 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22465: Historiografia da presença portuguesa em África (276): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (13) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22465: Historiografia da presença portuguesa em África (276): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (13) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Pareceu-me da maior utilidade complementar as Actas das sessões do período fundador da Sociedade de Geografia, onde pontificou Luciano Cordeiro, seu primeiro secretário perpétuo, com leituras complementares. Este é o segundo trabalho editado pela própria Sociedade, é referente aos 75 anos de atividade, obviamente que nos cingimos ao período que vai até 1900. Seguir-se-á uma interessante dissertação de mestrado que foi apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia por José Manuel da Silva Veríssimo. Ele dirá que "A Sociedade de Geografia de Lisboa é a referência incontornável para o estudo aprofundado das relações e da conjugação entre Ciência, Tecnologia e Império". Esta conjugação de curiosidades científicas, de interesse e de conjuntura, estabeleceu-se entre 1875 e 1926. O leitor ficará assim com um leque abrangente de interpretações sobre o período de arranque do pensamento imperial e quem o protagonizou, até ao dobrar do século.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (13)

Mário Beja Santos

Antes de continuarmos as referências à bibliografia complementar para este conjunto de artigos referentes aos sócios fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, no período estimado entre 1875 e o dobrar do século, recorde-se que já se fizeram alusões a duas obras: "Uma Corrente do Colonialismo Português", por Ângela Guimarães, Livros Horizonte, 1984; e "A Sociedade de Geografia, As Suas Origens e a Sua Obra de 50 Anos (1875-1925)", por António Ferrão, sem data, como se disse obra incompleta. Iremos hoje referir outra edição da Sociedade de Geografia alusiva aos "75 anos de Atividades ao Serviço da Ciência e da Nação", edição interna com data de 1950. Mais adiante, daremos ao leitor a súmula de duas obras que reputamos como importantes para o estudo do pensamento dos pais-fundadores e que são "A Sociedade de Geografia e as Expedições Africanas de Portugal a Sul do Equador entre 1855 e 1926", dissertação de mestrado apresentada na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, por José Manuel da Silva Veríssimo (pode-se consultar na Biblioteca da Sociedade de Geografia); e "Nos Caminhos de África, Serventia e Posse, Angola, Século XIX", por Maria Emília Madeira Santos, Instituto de Investigação Científica Tropical, 1998.

Vejamos agora a súmula desta obra dos 75 anos da Sociedade de Geografia. O autor (desconhecido) retoma o tema da fundação e os fins da Sociedade, recordando que a assembleia-geral dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa, em que foram eleitos os primeiros corpos gerentes, reuniu em 3 de abril de 1876 na Sociedade de Ciências Médicas, que então ocupava um prédio da Rua do Príncipe, sito no local onde hoje se encontra a Estação Central dos Caminhos-de-Ferro. A primeira sede da Sociedade funcionou no segundo andar do prédio n.º 89 da Rua do Alecrim, na esquina para o Largo do Barão de Quintela, onde a Sociedade se manteve com notório desenvolvimento até 1883, ano em que se transferiu para o primeiro andar do prédio n.º 5 da Travessa da Parreirinha (depois Rua Capelo) e transferiu-se em 1891 para o palacete da Rua das Chagas n.º 5 (onde mais tarde funcionará o Instituto Comercial de Lisboa) que ocupou até à sua instalação, em 1897, no edifício da Rua das Portas de Santo Antão. Nesta data, no vestíbulo, havia duas pequenas peças de artilharia e nas paredes havia panóplias de armas gentílicas, algumas das quais são verdadeiras raridades. No primeiro andar existiu um salão de leitura de jornais, bem como um ginásio, mais tarde em duas divisões deste primeiro andar funcionaram a Escola Superior Colonial e a Escola Superior de Educação Física; o segundo andar albergou sempre a Sala Portugal, as salas Algarve e Índia. A biblioteca que está hoje no primeiro andar chegou a estar no andar superior, bem como secções do museu. O Museu Colonial tem a sua história, vale a pena aqui uma referência. Chamava-se Museu Colonial e Etnográfico, foi criado em janeiro de 1871, e foi afetado à Direção-Geral do Ultramar, da Secretaria de Estado dos Negócios, da Marinha e Ultramar, tendo sido transferido para a Sociedade de Geografia de Lisboa em março de 1892.

Este historial dos 75 anos procede a uma descrição de como funcionou a Escola Superior Colonial e a Escola Superior de Educação Física. O leitor interessado encontrará também aqui uma nota breve sobre o intercâmbio científico internacional; uma relação das atividades de Defesa, Vulgarização e Propaganda Ultramarina.

Tal como já se verificou da apreciação das atas das sessões, logo nessas primeiras reuniões, a preocupação dos sócios-fundadores manifestou-se em prol da defesa dos nossos interesses ultramarinos e daí se ter sugerido ao governo a conveniência de se realizar uma expedição portuguesa a África, cujo plano o sócio H. Bandeira de Mello Madureira apresentou na sessão de 28 de outubro de 1876. Nesta mesma sessão se tomou conhecimento das atas da conferência que, durante cerca de um ano, se reunira em Bruxelas, a convite do rei Leopoldo II, para se ocupar do seu projeto de ocupação pacífica da África Central. Os sócios aperceberam-se dos perigos para as nossas possessões, e a provou-se um voto para que “o Governo e a Ciência Naval se empenhassem em manter vigorosamente a honra e o direito da Nação”, sugerindo-se que esta reclamada exposição a África procedesse à ratificação definitiva dos limites do território sob a nossa soberania. E também se apelou à redação em várias línguas uma memória descrevendo o que Portugal tinha feito em matéria de estudos respeitantes à geografia africana.

Como já se percebeu, as preocupações com a geografia em Portugal continental e insular vão sendo preteridas toda a questão africana. O sócio Pinheiro Baião salienta “a conveniência de se promover o reconhecimento e ocupação efetiva do território ao norte de Ambriz, devendo uma expedição explorar a ligação das duas costas, aproveitando-se o curso do Cunene, Cubango e Zambeze”.

Em junho de 1877, comunicava o governo à sociedade terem sido nomeados Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens para levarem a efeito a expedição, “devendo os ditos oficiais, antes da sua partida, fazerem na sociedade uma expedição do seu programa e itinerário provável”. Dão-se, nas sessões da Sociedade, ao longo de 1877, 78 e 79 informações sobre as viagens dos exploradores. É neste ambiente de natural exaltação patriótica que a recém-criada “Comissão Africana” da Sociedade lança a ideia da constituição de um fundo africano destinado a incentivar a obra de exploração e civilização de África. Decidiu a Comissão Administrativa deste Fundo apelar ao país, numa exposição da nossa situação em África, acompanhada de um mapa em que se apresentava, colorida, a larga faixa territorial que nos levaria de Angola a Moçambique, o “Mapa Cor-de-Rosa”. A viagem de Henrique de Carvalho, através da Lunda, de 1884 a 1888, obedece também à doutrina que presidiu ao estabelecimento de estações, que eram verdadeiros marcos de ocupação pacífica.

E findamos aqui porque chegámos a 1900, ano em que se realizou o primeiro Congresso Colonial Nacional, o pensamento imperial está em mutação.


Carta de Angola, Sociedade de Geografia de Lisboa

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE AGOSTO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22449: Historiografia da presença portuguesa em África (275): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (12) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22449: Historiografia da presença portuguesa em África (275): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (12) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Dando sequência à bibliografia complementar sobre o processo fundacional da Sociedade de Geografia, aqui se refere o estranho livro de António Ferrão, de que se desconhece a data de publicação e que foi publicado incompleto, em vez dos 50 anos ficámos entre 1875 e 1890. Seja como for, o autor faz um levantamento merecedor de leitura: contextualiza o que se passava na Europa nessa contemporaneidade após o Congresso de Viena e como surgiram as ambições imperiais, nomeadamente em África. Faz-se um registo das denúncias de atos infames praticados por outras potências coloniais, é digno de leitura.
E vamos continuar.


Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (12)

Mário Beja Santos

O mínimo que se pode dizer da edição desta obra é que foi acidentada, tem alguns pontos de interrogação, não se sabe quando foi editada e quando foi editada todas as cópias apareceram incompletas. Seja como for, este membro da Academia das Ciências, António Ferrão, esforçou-se por nos dar uma narrativa consequente, só temos conhecimento até aos primórdios do Ultimatum. Tudo muito estranho, paciência, é sobre o que foi publicado que se pode escrever, e é manifestamente digno de atenção.

Começa por contextualizar a contemporaneidade depois do Congresso de Viena (1815), tempos pautados pela tensão entre a luta baseada no princípio do equilíbrio europeu (as conveniências das cinco grandes potências de então) e o princípio das nacionalidades emergentes (caso do estabelecimento da Checoslováquia e a unificação da Polónia). Irão arrancar os impérios continentais, como o alemão, consagram-se novas nacionalidades, como a Bélgica, a Itália, a Alemanha, a Hungria, a Grécia, a Roménia, a Sérvia e a Bulgária. Chegada a paz à Europa, enceta-se um período febril de explorações ditas científicas e a colonização de regiões extraeuropeias, África é o polo da cobiça. António Ferrão faz um curto historial das colónias existentes e remete-nos depois para a História de Portugal, pontuando momentos importantes como as invasões napoleónicas, a guerra civil e a chegada da Regeneração. Enuncia graves contenciosos com Inglaterra, a propósito da abolição da escravatura e da proteção dada pelo Estado português da Índia a insurretos da Índia inglesa. Regista os ideais da Regeneração (renovação económica, progresso material, etc.) e alude ao interesse em promover a vida no império, na pasta do Ultramar está o Visconde Sá da Bandeira, ele mostra como claramente houve projetos de investigação, entre outras iniciativas.

É no período em que Andrade Corvo é Ministro da Marinha e do Ultramar que se funda a Sociedade de Geografia. Houvera, em 1868, a ideia da criação de um museu colonial, não passou de um projeto. Faz-se uma resenha das expedições de caráter científico através de África, no século XIX, e o autor preocupa-se em expor o estado das ciências geográficas no terceiro quartel do século XIX, e dá-nos também um quadro referente aos progressos das ciências geográficas. Dentro desta moldura, estamos chegados às causas e origens da Sociedade de Geografia, parece que tudo condicionava, em 1875, ao aparecimento de uma instituição eminentemente científica e dedicadamente patriótica. Dá-nos também um quadro das ambições internacionais sobre as colónias portuguesas e seguidamente, de uma forma calendarizada, vai referindo a atividade da Sociedade desde o seu primeiro período (1876-1880). À semelhança da obra anteriormente recensionada, da autoria de Ângela Guimarães, ele também alude às tensões entre a recém-criada Comissão Central Permanente de Geografia, dentro dos quadros do Estado, e a Sociedade de Geografia. Curiosa é a definição que ele nos dá desta Comissão Central Permanente: “Composta de pessoas que, pelos seus variados conhecimentos científicos, possam cooperar para o progressivo desenvolvimento e aperfeiçoamento da Geografia, da História Etnológica, da Arqueologia e das Ciências Naturais em relação ao território português, mormente das possessões do Ultramar”. Esta comissão produziu trabalhos, e o autor enumera-os.

Mas continua por esclarecer o desprendimento do Governo com a Sociedade de Geografia, composta, como se viu, por figuras da elite, e sobre o patrono régio e a quase duplicação de atividades entre o Estado e a sociedade civil. A Sociedade de Geografia vivia com inúmeras dificuldades, era obrigada a alugar sedes modestas, pôde contar com generosidades como a de um filantropo que pagou à sua custa a composição e impressão do boletim da Sociedade. E o autor enumera os primeiros assuntos versados, caso do ensino da geografia do país, as propostas de Luciano Cordeiro para a realização de conferências sobre os diversos ramos da Geografia, a reação firme do protesto à falta de convite a Portugal para estar presente na Conferência de Bruxelas, organizada pelo Rei Leopoldo, tanto mais escandaloso que o tema principal era o de estudar os problemas da exploração científica do continente africano. É nesta fase que se vão iniciar as explorações africanas e os seus protagonistas serão tratados como heróis nacionais: Serpa Pinto, Capelo e Ivens. A proteção real saldou-se numa enorme credibilidade da Sociedade, a sua Comissão Africana emitia pareceres que em muitos casos chegavam ao Governo, insistia-se desde a primeira hora que era indispensável criar um ensino colonial a sério, formar uma administração colonial capaz, e o autor dá-nos os antecedentes da Escola Colonial de 1906, e relata o que era o curso colonial português.

Talvez por desatenção, não havia referência que na sessão de 1 de abril de 1878 se fizera uma proposta ao governo para subsidiar uma expedição geográfica e comercial à Guiné Portuguesa e outra ao rio Cunene, que não teve seguimento.

Há outros dados ainda a ter em conta neste trabalho de levantamento: o acolhimento triunfal de Serpa Pinto, Capelo e Ivens; o centenário de Camões; o estudo científico da Serra da Estrela. E no período que antecede o Ultimatum o autor repertoria os trabalhos feitos sobre os caminhos-de-ferro para Angola e Moçambique, o Centenário do Marquês de Pombal, o fim da questão do Zaire e a realização da Conferência Internacional de Berlim. E num dado momento entende desenvolver as denúncias das ameaças inglesas e outras, com o epíteto de que se trata de uma campanha de descrédito contra a nossa dominação, o que se pretendia era criarmos um ambiente internacional desfavorável e que lhes permitisse o golpe de mão sobre as nossas colónias, escreve a seguinte intervenção bombástica:
“Numa exposição elaborada por peritos portugueses em resposta às ineptas acusações feitas a Portugal por causa da mão-de-obra indígena em Angola, encontramos um curioso estudo comparativo entre a nossa maneira de cuidar os aborígenes das nossas colónias e a forma como são tratados os indígenas das outras nações. É estranho – diz-se nesse relatório – que esses fementidos homens de coração, esses hipócritas filantropos, nunca protestassem quando, há anos, por ocasião da grande revolta da Índia contra o domínio britânico, a Inglaterra cometeu as barbaridades que a imprensa da época noticiou, chegando a revista inglesa The Illustrated London News a reproduzir em gravuras algumas delas, como a de prender os rebeldes às bocas de peças para, descarregando estas, os fazerem voar aos pedaços, devendo notar-se que só num dia tiveram esta horrorosa morte quarenta sipaios, além de doze que foram enforcados. Pois essa mesma revista a justificar tais factos escreve: ‘Seja o que for que em Inglaterra se pense acerca deste género de castigo, é sabido, por aqueles que conhecem bem o caráter asiático, que é absolutamente necessário numa crise como a atual na Índia. Horrível é decerto este castigo, mas não esqueçamos o horror das circunstâncias que fizeram um dever da sua aplicação, e não esqueçamos também, o que é certamente verdade, que a aplicação deste castigo é fiscalizado por homens justos e que não são menos, recordemo-lo, porque o rigor tem agora de se aliar à justiça’. Eis, pois, o quilate dos tais homens justos e de sentimentos humanitários que de tempos a tempos erguem gritos de censura, de vitupério, contra nós.

Mas não é tudo. Naquela mesma revolta, em certa ocasião meteram tal número de rebeldes na prisão, sem ar bastante, que na manhã seguinte todos haviam morrido.

Mais tarde, na luta contra os bóeres, no Transval, os ingleses faziam saltar com dinamite, nas cavernas do Indomo, centenas de mulheres e de crianças, sem falar na famosa e humanitária diversão de o espetar porcos aplicado aos bóeres.

Coisa idêntica já haviam feito os franceses, em 1845, nas campanhas da Argélia, acendendo grandes fogueiras à entrada de grutas onde havia centenas de homens, mulheres e crianças.

Quanto à maneira dos alemães considerarem os pretos, lá diria certo viajante germânico: ‘Não vamos a África para fazer caretas filantrópicas. A raça branca deve suplantar a raça negra e o modo mais prático de conseguir este resultado consiste no extermínio do preto: os povos negros não têm direito algum a existir’. Outro alemão escrevia: ‘A caça aos negros é um desporto muito agradável’.

E é sabido que os franceses têm-se farto de fazer escravatura do Sudão e os belgas no seu Congo.

Quanto ao humanitarismo dos norte-americanos são conhecidos muitos atos contra os negros.

Acerca de moralização e morigeração de costumes dos indígenas tem-se criticado a deportação de criminosos para as nossas colónias, como se a França e a própria Inglaterra não fizessem o mesmo, devendo-se acrescentar que o nosso deportado se porta, geralmente, muito melhor que o condenado das colónias penais inglesas da Australásia. Já Livingston se admirava como em Luanda os 16 mil habitantes iam todas as noites sossegadamente, não obstante saberem que as cidadelas e as armas da cidade estavam nas mãos de deportados.

Quanto à moralização dos aborígenes, conta H. Johnston, em The Colonisation of Africa que certa companhia inglesa, a quem estava entregue determinado território da Serra Leoa, com o fim de aumentar ali a população, tomou uma medida muito simples: mandou ir 60 prostitutas de Londres ‘para casarem com os pretos e fazerem-se mulheres honestas’.”


Pena tratar-se de um livro truncado, seja como for é obra elementar no contexto do estudo sobre o pensamento imperial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 de agosto de 2021 > Guiné 61/74 - P22432: Historiografia da presença portuguesa em África (274): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (11) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 21 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22392: Historiografia da presença portuguesa em África (272): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (9) (Mário Beja Santos)

Sociedade de Geografia de Lisboa > Pormenor da Sala Portugal no decurso de uma exposição


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
Não foi ao acaso que aqui se traz à colação um relato apresentado pela geógrafa Suzanne Daveau referente à expedição científica à Serra da Estrela organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa em agosto de 1981, ela não deixa de referir que a Sociedade, fundada em 10 de novembro de 1875, tinha por finalidade "promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e afins em território português". Acontece que a finalidade acabou por ser praticamente direcionada para as explorações africanas e a geógrafa deplora que a Sociedade continuava a maltratar os propósitos iniciais, quanto ao território português. E daí passamos para 1900, dentro em breve este período que envolve epopeias de ocupação e pacificação deixará de ser tratado em atas de sessões, elas vão desaparecer com a morte de Luciano Cordeiro e vamos nos próximos textos apresentar o relato dos últimos acontecimentos de 1900, fazendo a súmula de alguma da bibliografia existente sobre este período.

Um abraço do
Mário


O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (9)

Mário Beja Santos

Não se pode perder de vista que na génese fundacional da Sociedade de Geografia se cruzam o entusiasmo emergente pelos conhecimentos geográficos dentro do país e na abordagem recente do III Império, a África que se está a descobrir, a ocupar, a pôr administração e a constituir negócios. Volta-se atrás exatamente porque se encontrou um texto de Suzanne Daveau, eminente geógrafa, casada com aquele que é considerada a figura proeminente da Geografia em Portugal no século XX, Orlando Ribeiro. Ela revelou num artigo o que foi a expedição científica à Serra da Estrela organizada pela Sociedade de Geografia de Lisboa, em agosto de 1881. Saem de Lisboa 42 membros, vão de comboio, foram aclamados por numerosa assistência, está lá o Presidente do Conselho de Ministros. Passam por Coimbra e a Mealhada e no dia seguinte tomam o comboio da linha da Beira Alta, vão até Celorico da Beira. Almoçaram em Santa Comba e quando chegaram a Carregal do Sal foram saudados por alguns dos cavalheiros e os artistas da Filarmónica da terra. Celorico a expedição toma a estrada para a Guarda. Vão fazer o resto do trajeto a cavalo, no dia 4, com almoço em Manteigas e chegam pelas dez da noite ao lugar do acampamento, no planalto superior da Serra da Estrela, a 1850 metros de altitude. De que trata a expedição?

Vão-se dedicar a observações científicas variadas, estão sempre a ser visitados por um arraial de pessoas. Os expedicionários são geralmente lentes de diversas escolas, oficiais superiores do Exército, há até mesmo clínicos distintíssimos. E fica-se a saber que a expedição foi muito dispendiosa, talvez a razão principal por que não se voltou a repetir.

Recorda a geógrafa a tal finalidade da Sociedade de Geografia, “promover e auxiliar o estudo e progresso das ciências geográficas e afins em território português”. A Direção da Sociedade, numa representação ao rei D. Luís, declarou: “Entre os graves problemas que as Ciências Geográficas e a economia comercial têm modernamente posto a caminho da civilizadora e humanitária solução […] avulta, Senhor, a exploração científica, o estudo geográfico na sua mais lata aplicação do grande sertão africano”. A representação da Sociedade junto do monarca destinava-se a apoiar o projeto da Expedição Portuguesa ao Interior da África Austral, expedição que será efetivamente levada a cabo de 1877 a 1879, por Serpa Pinto, Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens.

Voltemos à Serra da Estrela. Tudo começara com a iniciativa de Marrecas Ferreira, Capitão de Engenharia e professor da Escola do Exército, proposta que foi apresentada em 5 de julho de 1880 por Luciano Cordeiro. Mas como explicar que a Sociedade de Geografia tenha excecionalmente tomado interesse e gasto um ror de dinheiro numa expedição de índole caseira?

Pretendia-se com esta expedição científica conhecer a geologia, a fauna e a flora da região, o seu relevo orográfico, formação das torrentes e sua influência nos vales adjacentes, particularmente sobre os do Mondego e Zêzere; possibilidade e vantagens do estabelecimento de um posto meteorológico; sondagens das lagoas, temperatura e densidade das suas águas; riqueza mineralógica e potencialidades da sua exploração; por fim, encontrar vestígios arqueológicos e conhecer as tradições locais. Saber-se-á mais tarde que um dos promotores da expedição foi Sousa Martins, tinha concebido o projeto de montar na Serra da Estrela sanatórios para os tísicos portugueses. Nos preparativos da expedição organizaram-se doze secções científicas, cada uma com o seu programa de trabalho. A expedição foi inconclusiva, Suzanne Daveau refere apreciações críticas duras de que a Sociedade de Geografia ignorara praticamente os temas da Geografia Portuguesa, e diz-se mesmo que o Boletim da Sociedade de Geografia se ocupava primordialmente da História e descrição das colónias portuguesas. Os geógrafos queixavam-se da longa demora em serem aceites como sócios da Sociedade de Geografia. E voltemos ao virar do século XIX. Curiosamente logo em 8 de janeiro de 1900, é pedida a revisão das matérias e conteúdos de Geografia Colonial. Em fevereiro, a Comissão Americana propõe a celebração do Centenário do Descobrimento da América do Sul, prestando-se assim homenagem a Pedro Álvares Cabral. E um sócio propõe uma visita à Igreja da Graça, em Santarém, seria assim uma respeitosa homenagem aos restos de Pedro Álvares Cabral.

O Conselheiro Ferreira do Amaral é reeleito na presidência, o Banco Nacional Ultramarino apoia a participação portuguesa à Grande Exposição de Antuérpia, tida como a mais brilhante e notável representação colonial portuguesa que se tem apresentado em exposições internacionais. Aliás, como vem em várias atas das sessões, passa a ser intensa a participação da Sociedade em encontros internacionais. Retira-se da ata de 5 de março as razões do louvor ao Major Sousa Machado, através do requerimento do Sr. Domingos de Oliveira, que tem o seguinte teor:
“Senhores e Consócios. A vossa Direção considerando os relevantes serviços prestados ao país e à civilização pela intrépida exposição militar organizada em Moçambique, e cometida à inteligente e patriótica direção do ilustre oficial do nosso Exército, o Major Manuel de Sousa Machado, seu comandante;
Considerando quanto representa de esforço e decidida coragem, conduzir uma coluna de soldados europeus, auxiliares e carregadores, muitas léguas pelos adustos sertões africanos que circundam Quelimane, e se prolongam pelo alto Ruo, margens de Chirua até à lagoa Chiuta, e depois pelo vale de Lujenda em direção ao Muembe, quartel principal do destemido e poderoso Mataca, rebelde e revoltado;
Considerando quanto era importante o prestígio do nome português, abatido naquelas paragens pelo desastre que vitimou ali o tenente Valadim, que infligíssemos severo castigo àquele tão audacioso régulo, contra o qual o governo inglês nos fazia sucessivas reclamações em virtude das suas incessantes razias;
Considerando que um tal facto, realizado por forma tão brilhante, deve ser-nos de legítimo orgulho e incentivo, quando notamos outros mais poderosos deterem-se ante dificuldades iguais às que a expedição venceu; o que é para nós prova, aliás desnecessário, de que ainda não se apagou nos portugueses, nem o fogo, nem o génio, nem o valor daqueles que foram dilatando a fé e o Império por terras de além-mar;
Considerando ainda que foi devido à habilidade verdadeiramente tenaz do Major Sousa Machado, auxiliado por todos os seus companheiros de armas, que o País, o Exército e o seu bravo Regimento 5 de Infantaria, puderam inscrever no seu livro de ouro, mais este assinalado feito das armas portuguesas, digno do galardão de todos nós;
E tendo em atenção que os altos poderes do Estado concederam ao nosso prezado consórcio e brioso Major Machado o mais ambicioso prémio que pode ornar a farda do soldado português, o fulvo cordão da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito; a Sociedade de Geografia, sempre pronta a devidamente considerar os patrióticos e relevantes serviços dos seus consócios, prestados na causa colonial, concede ao seu sócio o Major Manuel de Sousa Machado a mais elevada distinção que a sua lei orgânica lhe permite usar”
.

E o Major Sousa Machado passou a ser sócio honorário sem que o Sr. Renato Batista tivesse referido a nota de serviços do Major Sousa Machado, falando da região dos lagos da África Central, é uma narrativa histórica muitíssimo curiosa para culminar no desempenho brilhante de Sousa Machado.

Nesta mesma sessão é apresentada uma proposta para a ereção dos Jerónimos como Panteão Nacional. E como veremos adiante, em 5 de maio realiza-se uma sessão solene comemorativa do Centenário do Brasil, preside o rei D. Carlos.

(continua)

Imagem da Serra da Estrela
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22371: Historiografia da presença portuguesa em África (271): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (8) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22371: Historiografia da presença portuguesa em África (271): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (8) (Mário Beja Santos)

Sociedade de Geografia de Lisboa > Pormenor da Sala Portugal no decurso de uma exposição


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
O que é bom nem sempre dura, estas atas das sessões, redigidas numa tonalidade bem distinta dos artigos publicados no boletim espelham um pensamento, conclamam interesses de diferente ordem, não esquecer que a primeira ideia que presidiu à fundação foi conhecer melhor o país e repentinamente inseriu-se um outro objetivo maior, o III Império, e daí, conforme podemos ler no texto de hoje assistirmos ao culto dos heróis em simultâneo com a agonia lenta da Monarquia Constitucional, tudo isto entremeado de alocuções científicas que podiam ir desde a hidrologia ao Meridiano de Greenwich, mas achou-se interessante aqui fazer larga referência a uma comunicação do Dr. Sousa Martins sobre os perigos da peste que ele descreve com os conhecimentos da época, claro está, não fala do vírus chinês mas verbera os ingleses, alguém tinha que ser culpado por aquele surto pestífero que desassossegava o mundo inteiro.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (8)

Mário Beja Santos

A cerimónia de arromba no Real Teatro São Carlos, de enaltecimento aos heróis das campanhas de Moçambique parece que trouxe um novo alento à vida da Sociedade de Geografia. As atas das sessões empolam tudo quanto se passou na sessão solene no Real Teatro de São Carlos, a 24 de abril de 1896, o Coronel Eduardo Augusto Rodrigues Galhardo, comandante da expedição a Moçambique procurou detalhar os acontecimentos, e momentos há da sua prosa em que demonstra ser um observador atento no meio, veja-se como ele descreve a chegada dos expedicionários a Lourenço Marques:

“O aspeto da cidade é lindíssimo; as suas amplas praças e largas ruas ladeadas de construções ligeiras, em que predomina a madeira, o zinco e o ferro, tornam-na alegre e dão-lhe uma aparência diversa das nossas povoações de além-mar, em geral muito parecidas com a da metrópole.

As bandeiras das diversas nacionalidades, coroando os edifícios onde se acham estabelecidos os negociantes estrangeiros, dão-lhe um ar de festa permanente.

Apesar do que deixo dito, muitas construções de alvenaria existem na cidade, tornando-se notáveis pela posição, e vistas do porto a igreja e um edifício de forma quadrangular com portas, janelas e ameias rendilhadas, que eu soube depois ser… o paiol!”
.

Falar-se-á largamente de Marracuene, os rebeldes Mahazul e Gungunhana, do rio Incomati. O Coronel Galhardo apresenta assim Paiva Couceiro: 

“Do Sr. Capitão Paiva Couceiro, tudo o que eu pudesse dizer estaria ainda abaixo do que ele merece. Só direi que, à sua extrema coragem e sangue-frio se deve o ter-se evitado um desastre, talvez possível, pois se os pretos têm atacado os auxiliares, estes, cujo comportamento foi de uma indizível cobardia, seriam vergonhosamente derrotados, e a força branca, por não ter pernas que se comparem com as dos negros, não os poderia salvar”.

O Conselheiro Ferreira do Amaral também teceu elogios de Mouzinho de Albuquerque e deu-lhe para recapitular a saga dos Descobrimentos, e sentiu-se em posição de discorrer sobre a situação presente, ou quase:

“A bancarrota nas finanças havia sido precedida da bancarrota dos nossos direitos coloniais; as nossas dificuldades internacionais, a pressão das grandes nações, onde a necessidade de expansão dos trabalhadores via a necessidade da expansão colonial, tudo concorria para fazer lá fora pensar, mesmo nos mais antigos, que Portugal era uma nação que se extinguia, era uma nacionalidade que já não podia levantar-se; as suas colónias o bolo a distribuir como compensação de pactos secretos entre as grandes nações do mundo”.

Estamos agora em 1896, a Sociedade de Geografia teve papel na transladação dos ossos de Afonso de Albuquerque para os Jerónimos. No ano seguinte, o Dr. Sousa Martins profere uma comunicação acerca da Peste, estamos a falar do mesmo Dr. Sousa Martins que em 1881 andou na Serra da Estrela com Hermenegildo Capelo em expedição científica, disto falaremos adiante, agora temos a Peste, veja-se o que rezam as atas:

“Definiu o preletor o que seja a peste levantina, inguinal ou bubónica, levantina porque é originária do Levante, inguinal ou bubónica porque geralmente a carateriza um enfartamento dos gânglios linfáticos das virilhas.

Comparou-a com a cólera-mórbus e com a febre-amarela, indicando como região de origem ou habitat de cada qual destas moléstias um grande rio, o Ganges para a cólera, o Mississípi para a febre-amarela e o Nilo para a peste, e fez ver como todos eles se encontram sob o Trópico de Câncer, deduzindo desse facto geográfico e climatológico certas analogias entre as três doenças.

De todas elas a mais terrível é a peste, não só pelos estragos enormes que diretamente causa, mas pelo terror que infunde nas populações, pela dor que causa nos que a ela escapam, mas que presenceiam o aniquilamento dos atacados, e pelo desalento, pela depressão moral que origina nos espíritos e que também produz milhares de vítimas durante as epidemias da peste.

Se a Europa quiser, a Europa não terá peste. Hoje a ciência está armada de recursos variadíssimos e absolutamente eficazes para impedir a invasão do flagelo, ou, quando a invasão se dê, para sufocar rapidamente a epidemia”
.

Prosseguiu fazendo a história das epidemias da peste e depois falou sobre os meios de que a Ciência hoje dispõe para obstar os desastres. 

“Na terapêutica, temos o soro antipestoso, extraído de cavalos previamente injetados com o princípio maligno, e que é uma vacina cuja eficácia está oficialmente comprovada. Temos depois os grandes meios que a higiene moderna faculta, e temos sobretudo a profilaxia, que é a grande conquista científica do século que vai expirar”

E imprevistamente, o Dr. Sousa Martins faz um comentário que nos surpreende:

“Atribui ao egoísmo comercial de Inglaterra a grande extensão que a atual epidemia tem tomado na Ásia. Baixando dos planaltos do centro da China, o micróbio da peste foi ter a Cantão, e daí a Hong Kong; mas só muitos meses depois de grassar nesta última cidade, e quando já era de todo impossível negar oficialmente a sua existência é que as autoridades britânicas se resolveram a fazer a declaração oficial da epidemia (…) Também disse que o micróbio da peste procura de preferência a gente pobre e miserável, como aliás sucede com os micróbios de outras doenças análogas. Atribui isto ao facto de se alimentarem esses indivíduos mais especialmente de vegetais, o que lhes torna o sangue mais alcalino, e ser nos líquidos alcalinos que melhor se mantêm e desenvolvem os micróbios”

O orador foi saudado com uma salva de palmas.

No início de 1897 é eleito como Presidente da Sociedade o Conselheiro Joaquim Ferreira do Amaral, haverá lugar para uma sessão solene e auto da inauguração da nova sede da Sociedade já nas instalações do Coliseu dos Recreios e procede-se à celebração nacional do IV Centenário do Descobrimento da Índia. Em novembro é feito o elogio do falecimento do Dr. Sousa Martins.

No final desse ano, o rei D. Carlos volta a presidir a uma grande homenagem, desta vez ao herói de Chaimite, Mouzinho de Albuquerque. E assim chegamos a 1898, há um voto de sentimento pela morte de Roberto Ivens, no final de janeiro e em maio temos nova sessão solene, estamos em plena comemoração do IV Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia, tudo com fausto, pompa e circunstância, vêm numerosas representações internacionais, o rei agradece e lembra aqueles que pela pátria verteram o seu sangue generoso, saúda os soldados e marinheiros de hoje que andam em ásperas campanhas em África e na Ásia, sustentando gloriosamente a honra da nossa bandeira.

Agora vamos voltar um pouco atrás só para falar da expedição científica à Serra da Estrela e avançamos depois, já não falta muito para o final destas atas das sessões dos sócios, parece que é um mundo que acaba com a morte de Luciano Cordeiro, a partir de agora fica à disposição dos associados e dos leitores em geral o boletim, que ainda hoje vigora.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22347: Historiografia da presença portuguesa em África (270): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (7) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 23 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22310: Historiografia da presença portuguesa em África (268): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (5) (Mário Beja Santos)

Instalações da Sociedade de Geografia antes de vir para a Rua das Portas de Santo Antão


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
A Sociedade de Geografia vai entrar num período de consternação, chegou a hora do Ultimatum britânico, como veremos das atas das sessões anuncia-se um tanto sub-repticiamente, nos anos anteriores fala-se muito dos estudos científicos, dos caminhos-de-ferro, e subitamente chega um tenente-coronel que faz uma exposição mais do que minuciosa sobre a presença portuguesa e os conflitos surdos que estão a surgir com os ingleses, mais adiante o mesmo tenente coronel lança um brado alerta em dezembro de 1889 e Luciano Cordeiro, indiscutivelmente a figura motora da Sociedade de Geografia de Lisboa deste tempo, faz aprovar uma moção histórica, é um texto vigoroso, de indiscutível firmeza e patriotismo. Ninguém desconhece que o Ultimatum de janeiro de 1890 terá consequências profundissimas na vida portuguesa, é como que uma espada de Dâmocles no prestígio do rei D. Carlos, o símbolo da realeza, sobre o qual irão cair as maiores acusações, emerge o republicanismo, culturalmente o país será avassalado pelo decadentismo, toda aquela humilhação é um rastilho de pólvora que conduzirá à incapacidade dos partidos do constitucionalismo perceber que se vivem horas de emergência, seguir-se-á o governo de João Franco, depois o regicídio e as peripécias do curto reinado de D. Manuel II, finge-se que nada tem a ver com aquela humilhação e aquele abatimento provocados pelo Ultimatum, mas todo aquele entusiasmo em pôr de pé o III Império não naufragou na praia, a República tomará porta-estandarte.

Um abraço do
Mário



O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (5)

Mário Beja Santos

Recapitulando os textos anteriores, verifica-se que os primeiros dez anos de vida da Sociedade de Geografia de Lisboa nos conduzem ao melhor conhecimento das aspirações das camadas sociais que apostavam com entusiasmo no levantamento do III Império Português. África seria o coração do novo Império, o do Oriente era então um amontoado de pequenas parcelas e o Brasil tornara-se independente. Havia que ocupar África, conhecê-la e defendê-la da cobiça de outras potências, a Grã-Bretanha, a França, a Alemanha, a Itália, os bóeres da África do Sul, e até mesmo Leopoldo da Bélgica, sonhavam em fazer recuar as possessões portuguesas. A leitura das atas das sessões destes primeiros anos permite conhecer o que estes homens sugerem, que ideologia possuem, como funciona este grupo de pressão constituído por membros da aristocracia, políticos influentes, cientistas, financeiros, comerciantes e, a diferentes níveis, muitos curiosos. Dá-se como demonstrado que esta Sociedade de Geografia de Lisboa cresceu e enrijeceu como impressionante grupo de pressão, é inegável o papel histórico que desempenhou: no incremento das explorações, como as de Serpa Pinto, Capelo e Ivens, nos estudos sobre hidrografia, cartografia, o Meridiano de Greenwich… Mas nem tudo se concentra exclusivamente em Angola e Moçambique, aqui e acolá há referências ao termalismo no Gerês, a estudos etnológicos e antropológicos, ao Padroado Português do Oriente, às cristandades da Índia e Ceilão.

Passada esta década de verdadeiro entusiasmo, vejamos agora o período que precede o Ultimatum Britânico. Continuam a aparecer trabalhos do foro das ciências filológicas, geográficas e etnológicas, caso do Dicionário Corográfico de Moçambique, os dialetos crioulos de Cabo Verde. Em 1887 presta-se homenagem ao falecido Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, António Augusto de Aguiar. Na primeira sessão de janeiro de 1888, um sócio apela a que se iniciem as investigações demográficas nas províncias de além-mar, “a fim de que possam apreciar-se as qualidades e aptidões da raça tropical e as suas tendências para formar colónias e dar incremento à população indígena na África Central”. O cunho científico da Sociedade revela-se bastante apurado, já dera parecer no ano anterior sobre o sistema internacional de boias e balizas. O novo Presidente é o Conselheiro Francisco Maria da Cunha. Dá-se igualmente parecer para que a Sociedade empreenda a publicação de um Dicionário Toponímico Português, em que se determinem quanto possível os nomes de lugares portugueses em todas as épocas e onde igualmente constem as designações locativas dadas pelos descobridores, viajantes e escritores portugueses aos diversos lugares por onde andaram.

Entretanto, concede-se a Medalha de Honra da Sociedade a Paiva de Andrade, mas os caminhos-de-ferro são preocupação permanente e em 5 de março de 1888 Luciano Cordeiro fez uma exposição sobre a linha do caminho-de-ferro de Lourenço Marques a Pretória e na sua sequência aprovou-se a seguinte moção: “A Sociedade de Geografia continuando a interessar-se vivamente pela prosperidade e segurança do distrito de Lourenço Marques, e congratulando-se pelas diligências e medidas tendentes a acautelar e a prevenir as necessidades e perigos da transformação que se está operando naquele distrito, faz votos por que se empreguem todos os esforços para consolidar, desenvolver e garantir a mais rápida e completa nacionalização de Lourenço Marques como parte integrante e inalienável do território e nação portuguesa”. As sessões da Sociedade diversificam os temas, tanto se apela à organização do serviço de pescas no continente e ilhas como se emite parecer sobre as obras públicas no Ultramar e a construção dos caminhos-de-ferro ou na Índia ou de Ambaca e Lourenço Marques.

Estamos já em 1889, e na aparência ainda não se sente a carga explosiva que está a caminho, o Ultimatum Britânico. Em março, o Major Serpa Pinto, acalorado e patriótico, mandou para a Mesa uma proposta para que a Sociedade tornasse a insistir para que se formasse uma Sociedade Antiescravagista Portuguesa, que secundasse e auxiliasse a generosa propaganda aberta na Europa pelo Cardeal Lavigerie contra o tráfego da escravatura. No mês seguinte, destaca-se o Tenente-Coronel Joaquim José Machado que discursou largamente acerca das condições das nossas colónias na costa oriental e também na costa ocidental de África, chamando a atenção da Sociedade para que se representasse ao governo com relação à expansão colonial inglesa que é extraordinária e rápida nos territórios portugueses do sul de África e à qual precisamos opor medidas enérgicas, marcando fronteiras e afirmando a ocupação portuguesa; passando à costa ocidental, falou da extrema riqueza do planalto de Moçâmedes e da necessidade urgentíssima de abrir comunicações com o litoral a fim de que o desenvolvimento se amplie. Foi uma enorme comunicação, ocupou-se de muita coisa: reocupação de Maputo, dos impraticáveis limites fixados pela sentença de MacMahon, da vontade de toda a gente de Maputo em ser governada por portugueses, das intrigas de alguns ingleses contra Portugal, da urgência em marcar fronteiras para o norte do rio Incomati, chamou a atenção para a “inglezação” de Lourenço Marques e os seus perigos; a necessidade de aumentar a população portuguesa em Moçambique. É um documento extenso, espalha-se por 45 páginas das atas das sessões, e tanto quanto parece é de leitura obrigatória para os investigadores que se ocupam deste período colonial e focados nesta região.

Começa também a falar-se nas comemorações da descoberta da Índia, tem-se em mente a Exposição Internacional Marítima e Colonial de 1897. E o que até agora pareciam sinais de alarme já emite fumos de incêndio. Em novembro de 1889, o Tenente-Coronel José Joaquim Machado prossegue com informações do que se está a passar nos territórios de África que delimitavam a Província de Moçambique.

Em dezembro, Luciano Cordeiro declarou que se havia reunido a Direção juntamente com a Comissão Africana para apreciar e resolver acerca das propostas do Tenente-Coronel Machado. Alguém mandou para a Mesa a seguinte proposta:“Proponho que seja nomeada uma comissão que estude as bases para a organização de uma companhia nacional, à qual sejam conferidos amplos poderes para utilizar toda ou parte da província de Moçambique, valorizando as inúmeras riquezas que ali existem inertes”. Luciano Cordeiro riposta, era absolutamente contrário à organização de companhias soberanas e que só admitia soberania no Estado. Citava-se a Companhia das Índias, mas devia lembrar que a Inglaterra sentia o solo da Índia tremer-lhe debaixo dos pés e que não estava longe o momento em que perdesse aquele grande império, que afinal não conseguira senão escravizar. A Austrália havia-se desenvolvido sem companhias soberanas, e era um império civilizado. Não receava, pois, a nova companhia sul-africana, recentemente organizada em Inglaterra, se finalmente a nossa administração e a nossa política colonial se resolvessem a serem o que deviam ser: previdentes, práticas e enérgicas; mas que cada povo tinha os seus processos e as suas tradições, e que não sendo Portugal um povo de mercantões como o povo inglês, não lhe parecia ser este o modo de opor-se à invasão inglesa nos territórios africanos. Há nuvens negras no horizonte e aprova-se uma moção relativamente a uma nota diplomática em que o governo britânico protesta junto do governo português contra a área atribuída ao distrito do Zumbo pelo decreto que o reconstituiu, e declara não reconhecer nenhum direito ao exercício da soberania portuguesa nestes territórios. A moção refere que não há fundamento para a ocupação ou jurisdição britânica em todos estes territórios, tudo isto deve derivar de falsas e capciosas informações geográficas, históricas e políticas com que o espírito de seita e aventura tem ultimamente pretendido iludir a opinião sobre a influência de Portugal em África. E o documento assinado em 2 de dezembro de 1889 por Luciano Cordeiro, a moção da Sociedade de Geografia reza o seguinte: “1.º - Faz votos porque a diplomacia britânica, melhor informada, lealmente afaste o equívoco em que evidentemente labora, de sobre a antiga cordialidade e recíproco respeito dos dois países, cujo honrado acordo tão proveitoso há sido e tão necessário é à paz e à civilização de África; 2.º - Confia que os poderes públicos, inspirados na vontade unânime e na incontestável justiça da nação, manterão firmemente o direito e a integridade da soberania portuguesa; 3º - E afirma que os territórios incorporados no distrito de Zumbo e os das zonas do Zambeze, do Chire e do Niassa a que se refere a nota inglesa, sempre, desde as suas primeiras descobertas e explorações, feitas pelos portugueses, foram em boa ciência e segundo o direito, considerados como incluídos na influência e na tradição jurisdicional da soberania de Portugal, tendo sido e estando por ela ocupados onde e como entende conveniente e sem interrupção de nenhuma outra soberania culta, em qualquer tempo e lugar”.

E assim chegamos à sessão de 20 de janeiro de 1890, espelha a indignação pelo Ultimatum, chovem protestos, distingue-se o de Luciano Cordeiro, fazem-se propostas concretas de afastamento dos interesses britânicos: deixar de usar a libra-esterlina, cunhando moeda do tipo da convenção monetária de que fazem parte alguns países continentais, abolindo o curso legal da moeda inglesa; denúncia do tratado luso-britânico de 1842; decretar um imposto especial de residência para os ingleses estabelecidos na metrópole, etc.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22286: Historiografia da presença portuguesa em África (267): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (4) (Mário Beja Santos)