Capa do livro de Armando Tavares da SilvaCapa do livro do prof Armando Tavares da Silva,“A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)”, Porto,
).
Agora que foi publicada a 3ª e última parte da Série, gostava de começar por comentar as observações de Cherno Baldé à I parte da Série (P21176 de 13.07). (**)
Efectivamente, existe uma grande multiplicidade de contratos, tratados, convenções e autos, cada um deles realizado nas mais diversas circunstâncias e com os mais variados fins. Podemos valorizá-los consoante nos apraz, mas não podemos ignorá-los. E o objectivo do historiador é trazer a lume os factos e os documentos que são conhecidos.
19 de julho de 2020 às 00:43
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[Resposta a Luís Graça: ] (*)
O Luís Graça põe uma questão interessante e que eu tenho dificuldade em esclarecer cabalmente e em segurança. Vejamos o que me é possível dizer.
Entre 1828 e 1830 encontramos 3 instrumentos jurídicos – declaração, doação e auto de ocupação .
Entre 1831 e 1845 encontramos 17 contratos, sendo que um grande número tinham por detrás Honório Pereira Barreto. Todos estes instrumentos teriam por objecto a cedência e ocupação de território.
Entre 1853 e 1856 temos 11 instrumentos, onde aparecem pela primeira vez e predominam as convenções e os tratados, e em que intervém da parte portuguesa o governador, portanto uma representação a um nível mais elevado. Só encontramos dois tratados de paz, levando-nos a pensar que tiveram lugar depois de algumas situações de conflito aberto.
Entre 1857 e 1872 encontramos 8 instrumentos algo mais variados. Em 3 deles intervêm felupes e noutros balantas e baiotes. Os 2 que se referem a balantas têm como objecto o estabelecimento de “paz”. Novamente aqueles em que intervém o governador, são tratados ou convenções. Com os régulos de Nalu é firmado em 1870 um “Auto de cessão” de todo o seu território, também na presença do governador.
Em 1873 temos 3 “termos de juramento e vassalagem” com os régulos de Ganadú, Mancrosse e Gofia.
Em 1879 e 1880, já com a Guiné administrativamente independente do governo de Cabo Verde, e com o seu governador próprio, encontramos 2 tratados com os régulos de Canhabaque e da ilha de Pecixe, firmados em sua presença.
Entre 1880 e 1887 temos 17 novos instrumentos, entre os quais predominam os “tratados de paz”, no total de 10, que várias vezes são designados “tratados de paz, amizade e obediência”. Isto significa que a procura da paz era firmada através de “tratados”, porventura um instrumento jurídico de maior relevância, onde intervinham régulos de maior representação – tais como, régulos do Forreá e do Futa- Djalon, de Gam Pará, Jabadá, Indorná, e o régulo Iáiá, do Forreá, Labé, Cabú e Cadé (mas agora nem sempre com a presença do governador).
Entre estes tratados de paz encontramos 4 entre régulos, sob patrocínio do governo: um entre régulos beafares e Sambel Tombom, régulo do Forreá; outro entre Sambel Tombom e Sambá Mané, fula do território de Buba; outro entre o régulo principal dos fulas, Moló, e o régulo de Ganadú, Ambucu, e finalmente entre fulas e beafadas (1885).
A partir de 1891 deixamos de encontrar tratados ou convenções, de paz ou obediência, ou de simples cessão de território, e passamos a ter simples autos, num total de 15.
A maior parte são autos de vassalagem, sendo 5 a pedido de régulos (Cabomba, Cocé, Corubal, Mamadi-Paté-Coiada de Cabú e Forreá, Xime e Barro).
Temos 3 autos de submissão e vassalagem prestados por régulos da Ilha de Bissau (1891, 1899 e 1909) e na sequência dos conflitos que aí haviam decorridos.
Em 1894 e 1895 encontramos dois outros autos de submissão e obediência lavrados a pedido de Sayou Salifou , na qualidade de príncipe de Nalú e Bagás e régulo de Cacine. Neste caso esta “submissão” não era resultado de qualquer contenda armada mas traduzia o desejo do régulo.
Em 1903 são lavrados autos de submissão com os balantas de Nhacra, Changué e Pache a pedido destes e na sequência de algumas acções punitivas devido ao roubo e assalto de embarcações.
O último auto de submissão é de 1918 e é prestado pelos régulos de Bina (Canhabaque) após demoradas operações militares realizadas nesta ilha dos Bijagós, por dificuladades de cobrança do imposto de palhota.
Abraço, também de agradecimento pelo cuidado posto na apresentação dos textos,
Armando Tavares da Silva
19 de julho de 2020 às 00:49
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[Resposta a Valdemar Queiroz:] (*)
Relativamente à dúvida de Valdemar Silva, talvez possa ajudar a esclarecê-la mencionando que o decreto de 1836, que estabelecia as ”necessárias autoridades” nos domínios ultramarinos, criava em Cabo Verde um governo-geral, “o qual se compunha do arquipélago deste nome e dos pontos situados na Costa da Guiné e suas dependências”.
Mais tarde, em 1883, para efeitos administrativos, a província da Guiné é dividida por decreto em quatro circunscrições com a denominação de concelhos, a saber:
“Concelho de Bolama, com a sede na ilha deste nome, compreendendo a povoação denominada Colónia, ilha de Orango, todos os pontos ocupados na margem esquerda do Rio Grande, desde a feitoria de D. Amélia [na realidade Aurélia, situada na parte ocidental da ilha de Bolama, conhecida por ponta de Oeste] até ao fim dos domínios de Portugal, fronteiros ao arquipélago dos Bijagós, e bem assim todos os estabelecimentos que vierem a fundar-se no dito arquipélago;
Concelho de Bissau, com sede em Bissau, compreendendo a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá, S. Belchior e todos os demais pontos ocupados ou a ocupar nas margens dos rios de Bissau, de Corubal e de Geba;
Concelho de Cacheu, com sede em Cacheu, formado pela praça deste nome, pelos presídios de Farim e Zeguichor, pelas povoações de Mata e Bolor e por todos os pontos ocupados, ou que de futuro vierem a ser ocupados nas margens dos rios Farim e de S. Domingos;
Concelho de Bolola, com sede na povoação deste nome, compreendendo Santa Cruz de Buba e todos os pontos que de futuro forem ocupados na margem direita do Rio Grande”.
É evidente que o próprio texto deste decreto deixava transparecer que o território da província da Guiné estava em muitos pontos não-ocupado e de domínio duvidoso ou mesmo não existente. Tratava-se de uma situação que viria a perdurar por algumas dezenas de anos.
Vários reparos foram feitos ao teor do mesmo decreto, fazendo-se notar que ele excluía “alguns importantíssimos rios que nos pertencem”, nomeando-se o rio Tombali, cedido ao governo português pelos gentios nalús em 1870, e o rio Casamansa, “um rio gigante”, concedido à Coroa de Portugal pelo tratado de Paris de 1814. O decreto também não mencionava a ilha das Galinhas, mas apenas as de Bolama e Orango.
E, de cedência em cedência, chegou-se à Convenção Luso-Francesa de 1886, ficando o território limitado ao que passou a ser a Guiné Portuguesa e é hoje a Guiné-Bissau, e cuja fixação dos limites só começou em 1888 e terminou em 1905.
Armando Tavares da Silva
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Notas de LG:
(...) Comentário de Luís Graça:
Neste periodo de tempo (1828-1918), há uma mudança de "figuras jurídicas" que, por certo, têm significado político: pelo meio temos a Conferência de Berlim (1884-1885) e o início do "colonialismo" europeu, e sobretudo a "partilhada do continente africano", baseado não em hipotéticos "direitos históricos" mas na ocupação efetiva dos territórios (militar e administrativa)...
A relação entre as autoridades portuguesas e os reis/régulos locais passa a ser uma relação muito mais assimétrica em termos de poder... A "negociação" passa a ser a "imposição", o tratado (de comércio, paz, amizade) dá lugar ao "auto" (submissão, vassalagem, obediência)...
Talvez o Armando Tavares da Silva nos possa explicar melhor esta diferença "terminológica" dos tratados,concenções e autos, que não é apenas "formal"... (...)
(...) Comentário de Valdemar Queiroz:
Não percebi bem.