sexta-feira, 17 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21176: Historiografia da presença portuguesa em África (221): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - III e última Parte (1882 -1918) (Armando Tavares da Silva)


Guiné > Bissau > Vista da fortaleza da Amura.  Fonte: Valdez, Francisco Travassos - "África Ocidental : notícias e considerações : dedicadas a Sua Magestade Fidelíssima El-Rei O Senhor Dom Luiz I". Lisboa : Imprensa Nacional, Tomo I, 1864,  406 p., gravuras. Imagem do domínio público.


Guiné > Bissau > s/d > Vista do interior da fortaleza da Amura... Do lado direito, os seculares poilões que povoavam o interior da fortaleza, alguns dos quais chegaram aos nossos dias. Do lado esquerdo, a antiga casa do Comando demolida em 1911 para no mesmo lugar se construir novo edifício. Origem: Fototeca da Sociedade de Geografia de Lisboa.


Guiné > Bissau > c. 1912 > Vista do interior da fortaleza da Amura: edifício do comando militar...  


Guiné > Bolama > c. 1912 ] > Primitiva ponte-cais... À direita, em segundo plano o palácio do governador. [Bolama foi capital da província até 1943].


Guiné > Região de Cacheu > Cacheu > c. 1912 ] >  Antiga Fortaleza.


Imagens do domínio público: cortesia de Armando Tavares da Silva. Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça / Camaradas da Guiné

As três últuimas imagens são provenientes de: Carlos Pereira,” La Guinée Portugaise”, Lisboa, 1914.

Imagens: cortesia de Armando Tavares da Silva


1. Mensagem do nosso grã-tabanqueiro de Armando Tavares da Silva: 

[ foto   à esquerda:  (i) engenheiro, historiador, prof catedrático aposentado da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra; 

(iii) "Prémio Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo" (, atribuído pelo seu livro “A Presença Portuguesa na Guiné — História Política e Militar — 1878-1926”); 

(iv) presidente da Secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa]

Date: domingo, 12/07/2020 à(s) 23:42

Subject: Guiné - Tratados



Caro Luís,
Capa do livro
"A Presença Portuguesa na Guiné:
História Política e Militar: 1878-1926”

 Já várias vezes que tenho visto no blogue a afirmação que pouco se conhecia (e conhece) sobre a Guiné. 

Esta falta de conhecimento poderá levar-nos a interpretações ou juízos errados ou precipitados, os quais podem surgir dentro dos mais variados contextos, e que levem a concluir "que precisamos de mais e melhor investigação historiográfica sobre pontos de contacto comuns entre nós, Portugal e a Guiné".

Ora, os Tratados e Convenções que no decorrer dos tempos foram firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné inserem-se precisamente naqueles "pontos de contacto". 

 E é para melhor conhecimento daqueles contactos e melhor conhecimento da evolução histórica da relação estabelecida, que elaborei uma lista (que considero exaustiva) daqueles "Tratados e Convenções". 

São 76 no total e tiveram lugar durante quase um Século (entre 1828 e 1918). 

Segue em baixo a respectiva relação [ III e última Parte , de 1882 a 1918]. 

 Os seus textos estão disponíveis em referências conhecidas, e que poderão ser consultadas por quem se interessar por aprofundar aquele conhecimento.

Com um abraço

Armando Tavares da Silva
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Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918):
lista organizada por Armando Tavares da Silva

III e última Parte  (1882-1918)

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1882, 11 Fevereiro  
Bordo do Guiné                    
Tratado de paz, amizade e obediência do régulo de Gam Pará,  representado por Senne Dabri
1882, 11 Fevereiro  Bordo do Guiné                      Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Jabadá, Bambi Jai e o governo da província da Guiné Portuguesa [, Pedro Inácio de Gouveia, 1881-1884]
1882, 30 Junho Geba                            Tratado de paz, amizade e obediência entre o régulo de Indorná, Dembel Alfabacár, e o governo da Província da Guiné Portuguesa 
 1882, 27 Outubro Buba                     Tratado de submissão, obediência e vassalagem do régulo do Forreá, Bakar Kidaly 
1883, 5 Abril      
Ilha de Djeta                          
Tratado de paz, amizade e obediência com o rei das Ilhetas, Adjú Pumol, na presença do comandante militar de Bissau, capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões 
1885, 16 Abril  Escuna Forreá                         Auto de vassalagem do rei das Ilhetas, Jepomon, perante os delegados do governo da província
1885, 15 Junho  Cacheu                              Auto de perdão aos gentios de Cacanda,  representados, entre outros, por Calotarcô, rei de Bernim e Ampanamacá, fidalgo de Bassarel, perante o capitão Carlos Maria de Sousa Ferreira Simões
1885, 4 Dezembro Buba                             Tratado de paz entre os fulas e beafadas por intervenção do governo e respectiva documentação anexa 
1886, 3 Dezembro  Buba                             Tratado de obediência e vassalagem ao governo por Iáiá, régulo do Forreá, Labé, Cabú e Cadé
1887, 4 Abril    Farim                          Tratado de paz, obediência e vassalagem à Coroa Portuguesa, prestada pelo rei de Dembel, senhor do chão de Faladu, perante o secretário-geral Augusto Cezar de Moura Cabral 
1891, 14 Fevereiro  Bissau                          Auto de submissão e vassalagem do régulo de Antula, Incamundé, feito em Bissau na presença do comandante militar, tenente Julio Cezar Barata Feio
1892, 2 Maio    Geba                             Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabomba, Denbá Methá
1892, 4 Maio    Geba                              Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cocé, Sambel Cumbandi e seus fidalgos 
1892, 7 Maio    Geba                           Auto de vassalagem a pedido do régulo de Corubal, Damão Jábú e seus fidalgos, estando presente o secretário-geral Cezar Gomes Barboza
1892, 28 Agosto Buba                         Auto de vassalagem a pedido do régulo de Cabú e Forreá, Mamedi-Paté-Coiada, acompanhado dos seus conselheiros e chefes principais das tabancas dos dois territórios, e na presença do tenente Sebastião Casqueiro
1893, 27 Março Bissau                          Auto de vassalagem a pedi do do régulo de Chime [Xime,] e seus vassalos, perante o comandante militar, capitão Zacharias de Souza Lage
1894, 22 Julho Bissau                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine [Cacine,],  perante o governador Luis Augusto de Vasconcellos e Sá  [1891-1895]
1895, 9 Março Cassine                          Auto de submissão e obediência do régulo de Cassine perante o comandante do presídio de Buba, tenente Annibal Augusto da Silveira Machado Júnior 
1895, 10 Abril  
Barro (Farim)         
Auto de vassalagem a pedido do régulo de Barro,  perante o comandante militar de Farim, tenente Jayme Augusto da Graça Falcão 
1898, 31 Janeiro  Bolama                            Acordo entre o governador Álvaro Herculano da Cunha [1899-1900] e o alferes de 2.ª linha Cherno Cali, chefe do Forreá 
1898, 23 Março Bolama                           Auto da Audiência concedida pelo governador Álvaro Herculano da Cunha a representantes das tribos de Cayó [ Caió]
1899, 13 Maio Bolama                            Auto de preito e homenagem prestado ao governo portuguez pelo régulo de Intim, Tabanca Soares e seus grandes
1903, 4 Maio  Bissau                           Auto de vassalagem prestado pelo chefe dos balantas de Pache, Bembeça, e seus grandes,  perante o comandante militar de Bissau, Manoel José do Sacramento Monteiro
1909, 14 Agosto Bissau                             Auto de vassalagem prestado pelos régulos de Intim, Bandim e Antula perante o governador Francelino Pimentel  [1909-1910], no edifício da residência
1918, 6 Janeiro Bolama                            Auto de submissão prestado pelos régulos de Bina (Canhabaque), perante o governador da província [Carlos Ivo de Sá Ferreira, 1917-1919]

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[Atualizámos a grafia de alguns topónimos conhecidos, como por exemplo Ziguinchor, Canhabaque, Xime, Cossé, Cacine; vêm indicados entre parênteses retos. O editor LG] 

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Nota do editor:

 Último poste da série > 15 de julho de 2020 >  Guiné 61/74 - P21171: Historiografia da presença portuguesa em África (220): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (1) (Mário Beja Santos)

6 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Doação
Contrato
Convenção
Acordo
Doação
Auto de cedência
Auto de ocupação
Termo de reconhecimento
Tratado de cessão
Tratado de paz e comércio
Tratado de amizade
Tratado de paz
Tratado de paz e amizade
Tratado de paz, amizade e obediência
Termo de juramento e obediência
Auto de perdão
Auto de submissão e obediência
Auto de preito e homenagem
Auto de vassalagem
Auto de submissão


Neste periodo de tempo (1828-1918), há uma mudança de "figuras jurídicas" que, por certo, têm significado político: pelo meio temos a Conferência de Berlim (1884-1885) e o início do "colonialismo" europeu, e sobretudo a "partilhada do continente africano", baseado não em hipotéticos "direitos históricos" mas na ocupação efetiva dos territórios (militar e administrativa)...

A relação entre as autoridades portuguesas e os reis/régulos locais passa a ser uma relação muito mais assimétrica em termos de poder... A "negociação" passa a ser a "imposição", o tratado (de comércio, paz, amizade) dá lugar ao "auto" (submissão, vassalagem, obediência)...

Talvez o Armando Tavares da Silva nos possa explicar melhor esta diferença "terminológica" dos tratados,concenções e autos, que não é apenas "formal"...

Um abraço de apreço e amizade do Luís Graça

Valdemar Silva disse...

Não percebi bem.
Obediência, vassalagem, presídios ... séc. XIX.
Entre de 1450 e 1820 dá 350 anos, é só fazer as contas da nossa 'acção civilizadora' até ao início do séc. XIX. Provavelmente não houve 'acção civilizadora' nenhuma, as terras e gentes ainda não tinham "dono" concreto. Quer dizer que a Guiné Portuguesa começa no séc. XIX ??
Também não percebi a quem se destinavam os presídios, alguns bem no interior, que já existiam antes. Se existiam para cumprimento das penas de degredo nas colónias, dos de cá, ou para os presos no comércio de escravos, dos de lá.
Vamos lá ver, penso que não, que estas importantes informações de Armando Tavares da Silva não despertem comentários caricatos 'mais um a dizer mal dos portugueses'.

Saúde da Boa
Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Agora que foi publicada a 3ª e última parte da Série, gostava de começar por comentar as observações de Cherno Baldé à I parte da Série (P21176 de 13.07).
Efectivamente, existe uma grande multiplicidade de contratos, tratados, convenções e autos, cada um deles realizado nas mais diversas circunstâncias e com os mais variados fins. Podemos valorizá-los consoante nos apraz, mas não podemos ignorá-los. E o objectivo do historiador é trazer a lume os factos e os documentos que são conhecidos.
Abraço
Armando Tavares da Silva

Anónimo disse...

O Luís Graça põe uma questão interessante e que eu tenho dificuldade em esclarecer cabalmente e em segurança. Vejamos o que me é possível dizer.
Entre 1828 e 1830 encontramos 3 instrumentos jurídicos – declaração, doação e auto de ocupação . Entre 1831 e 1845 encontramos 17 contratos, sendo que um grande número tinham por detrás Honório Pereira Barreto. Todos estes instrumentos teriam por objecto a cedência e ocupação de território.
Entre 1853 e 1856 temos 11 instrumentos, onde aparecem pela primeira vez e predominam as convenções e os tratados, e em que intervém da parte portuguesa o governador, portanto uma representação a um nível mais elevado. Só encontramos dois tratados de paz, levando-nos a pensar que tiveram lugar depois de algumas situações de conflito aberto.
Entre 1857 e 1872 encontramos 8 instrumentos algo mais variados. Em 3 deles intervêm felupes e noutros balantas e baiotes. Os 2 que se referem a balantas têm como objecto o estabelecimento de “paz”. Novamente aqueles em que intervém o governador, são tratados ou convenções. Com os régulos de Nalu é firmado em 1870 um “Auto de cessão” de todo o seu território, também na presença do governador.
Em 1873 temos 3 “termos de juramento e vassalagem” com os régulos de Ganadú, Mancrosse e Gofia.
Em 1879 e 1880, já com a Guiné administrativamente independente do governo de Cabo Verde, e com o seu governador próprio, encontramos 2 tratados com os régulos de Canhaback e da ilha de Pissich (Pecixe), firmados em sua presença.
Entre 1880 e 1887 temos 17 novos instrumentos, entre os quais predominam os “tratados de paz”, no total de 10, que várias vezes são designados “tratados de paz, amizade e obediência”. Isto significa que a procura da paz era firmada através de “tratados”, porventura um instrumento jurídico de maior relevância, onde intervinham régulos de maior representação – tais como, régulos do Forreá e do Futa- Djalon, de Gam Pará, Jabadá, Indorná, e o régulo Iáiá, do Forreá, Labé, Cabú e Cadé (mas agora nem sempre com a presença do governador).
Entre estes tratados de paz encontramos 4 entre régulos, sob patrocínio do governo: um entre régulos beafares e Sambel Tombom, régulo do Forreá; outro entre Sambel Tombom e Sambá Mané, fula do território de Buba; outro entre o régulo principal dos fulas, Moló, e o régulo de Ganadú, Ambucu, e finalmente entre fulas e beafadas (1885).
A partir de 1891 deixamos de encontrar tratados ou convenções, de paz ou obediência, ou de simples cessão de território, e passamos a ter simples autos, num total de 15.
A maior parte são autos de vassalagem, sendo 5 a pedido de régulos (Cabomba, Cocé, Corubal, Mamadi-Paté-Coiada de Cabú e Forreá, Xime e Barro).
Temos 3 autos de submissão e vassalagem prestados por régulos da Ilha de Bissau (1891, 1899 e 1909) e na sequência dos conflitos que aí haviam decorridos.
Em 1894 e 1895 encontramos dois outros autos de submissão e obediência lavrados a pedido de Sayou Salifou , na qualidade de príncipe de Nalú e Bagás e régulo de Cassine. Neste caso esta “submissão” não era resultado de qualquer contenda armada mas traduzia o desejo do régulo.
Em 1093 são lavrados autos de submissão com os balantas de Nhacra, Changué e Pache a pedido destes e na sequência de algumas acções punitivas devido ao roubo e assalto de embarcações.
O último auto de submissão é de 1918 e é prestado pelos régulos de Bina (Canhabaque) após demoradas operações militares realizadas nesta ilha dos Bijagós, por dificuladades de cobrança do imposto de palhota.
Abraço, também de agradecimento pelo cuidado posto na apresentação dos textos,
Armando Tavares da Silva

Anónimo disse...

Relativamente à dúvida de Valdemar Silva, talvez possa ajudar a esclarecê-la mencionando que o decreto de 1836, que estabelecia as ”necessárias autoridades” nos domínios ultramarinos, criava em Cabo Verde um governo-geral, “o qual se compunha do arquipélago deste nome e dos pontos situados na Costa da Guiné e suas dependências”.
Mais tarde, em 1883, para efeitos administrativos, a província da Guiné é dividida por decreto em quatro circunscrições com a denominação de concelhos, a saber:
“Concelho de Bolama, com a sede na ilha deste nome, compreendendo a povoação denominada Colónia, ilha de Orango, todos os pontos ocupados na margem esquerda do Rio Grande, desde a feitoria de D. Amélia [na realidade Aurélia, situada na parte ocidental da ilha de Bolama, conhecida por ponta de Oeste] até ao fim dos domínios de Portugal, fronteiros ao arquipélago dos Bijagós, e bem assim todos os estabelecimentos que vierem a fundar-se no dito arquipélago;
Concelho de Bissau, com sede em Bissau, compreendendo a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá, S. Belchior e todos os demais pontos ocupados ou a ocupar nas margens dos rios de Bissau, de Corubal e de Geba;
Concelho de Cacheu, com sede em Cacheu, formado pela praça deste nome, pelos presídios de Farim e Zeguichor, pelas povoações de Mata e Bolor e por todos os pontos ocupados, ou que de futuro vierem a ser ocupados nas margens dos rios Farim e de S. Domingos;
Concelho de Bolola, com sede na povoação deste nome, compreendendo Santa Cruz de Buba e todos os pontos que de futuro forem ocupados na margem direita do Rio Grande”.
É evidente que o próprio texto deste decreto deixava transparecer que o território da província da Guiné estava em muitos pontos não-ocupado e de domínio duvidoso ou mesmo não existente. Tratava-se de uma situação que viria a perdurar por algumas dezenas de anos.
Vários reparos foram feitos ao teor do mesmo decreto, fazendo-se notar que ele excluía “alguns importantíssimos rios que nos pertencem”, nomeando-se o rio Tombali, cedido ao governo português pelos gentios nalús em 1870, e o rio Casamansa, “um rio gigante”, concedido à Coroa de Portugal pelo tratado de Paris de 1814. O decreto também não mencionava a ilha das Galinhas, mas apenas as de Bolama e Orango.
E, de cedência em cedência, chegou-se à Convenção Luso-Francesa de 1886, ficando o território limitado ao que passou a ser a Guiné Portuguesa e é hoje a Guiné-Bissau, e cuja fixação dos limites só começou em 1888 e terminou em 1905.
Armando Tavares da Silva

Anónimo disse...

Armando Tavares da Silva

19/07/2020, 14:48


Caro Luís,

Um reconhecimento pelo belo trabalho de colocação no blogue toda aquela informação.

Procurei responder a todos os comentários feitos, mas as minhas considerações estão agora remetidas para "Mensagens antigas"!

Abraço amigo, Armando