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sexta-feira, 22 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25298: Manuscrito(s) (Luís Graça) (249): Quinta de Candoz: a sagração da primavera

 












Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz> Quinta de Candoz > 21/22 de março de 2024  > "Aguarelas" da primavera ... No fundo do vale passa a linha do Douro (que liga Ermesinde ao Pocinho, numa extensão de 160 km)... Do outro lado é já concelho de Baião. E,  do lado direito, não vívísel nas fotos, o rio Douro, a barragem do Carrapatelo, o Porto Antigo, a serra de Montemuro, Cinfães...


Fotos (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] (Todas as imagens, exceto a primeira de cima, e as duas últimas, são  HDR - High Dynamic Range, tiradas sem tripé)



 1. A Quinta de Candoz, já nas faldas da serra de Montedeiras, ainda hoje assombrada pelo fantasma do Zé do Telhado (1816-1875) e do seu bando, tem múltiplos encantos ao longo do ano... Neste caso, na Primavera, que começou a 20 de março e vai até 20 de junho... 

Já temos poucas "cerdeiras" (cerejeiras) (o forte da cereja é o concelho aqui ao lado, Resende, já na margem esquerda do rio Douro, distrito de Viseu)... No passado, a Quinta de Candoz mandava muitos cestos de cerejas para o Porto, através do comboio da linha do Douro (que tem aqui, perto de nós, a estação do Juncal, outrora animada e florescente)... 

Por altura da Páscoa, as "cerdeiras"  são sempre deslumbrantes, quando estão floridas...  As "cerdeiras" e outras árvores de fruto... Mas também os carvalhos, que começam a ganhar folhagem... E as videiras, com os seus primeiros rebentos... 

E encantatória, mágica,  é sempre a água que vem, aos borbotões,  das nossas minas, ainda pura e fresca... Que pena não a podermos reter toda aqui... Vai ter à albufeira do Carrapatelo e, por fim, ao mar...

Aqui fica uma pouca amostra da "sagração da primavera" em Candoz, com votos de Boa Páscoa para todos os nossos leitores.  

Para nós, este vai ser um fim de semana muito especial, em que recordamos a "partida" da nossa querida Nita, Ana Carneiro (1947-2023) e, em sua homenagem, vamos lançar um vinho verde branco, com o seu "petit-nom"no rótulo, "Nita", uma edição especial, seleção 2023, 13º graus. Pela primeira vez  reunimos as condições tecnológicas e o apoio de enólogo para fazer um vinho que nos orgulha, que tem cheiros e sabores a "chá verde, espargos e flor de magnólia"... E que tem muita da alma, do perfume, da essência da nossa Nita, das suas memórias, vivências e referèncias.  Foi ela  que nos inspirou e reforçou a nossa vontade de manter vivo  o espírito de Candoz.

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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de março de 2024 > Guiné 61/74 - P25287: Manuscrito(s) (Luís Graça) (248): Dia do Pai...

domingo, 24 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24694: Manuscrito(s) (Luís Graça) (235): o fim do verão, o princípio de outono, as vindimas da nossa alegria... E o que nós andámos para aqui chegar!...



















Quinta de Candoz, fim de verão, princípio de outono, 21, 22 e 23 de setembro de 2023, as últimas vindimas, a alegria do (re)encontro, da festa, da partilha... E pela primeira vamos fazer um vinho, com apoio de enólogo , e que será de homenagem à nossa querida "Nita", a Ana Carneiro (faz hoje meio ano que nos deixou mais sós e tristes)...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
(Imagens HDR - High Dynamic Range, tiradas sem tripé)


O que nós andámos para aqui chegar…

  

Há quase cinquenta anos (vai fazer em  2025) que venho a Candoz, lembrei  eu há dias no poste P24676 (*).  E deixei, por outro lado,  algumas reflexões avulsas sobre "mudanças" no nosso país, de que fomos todos sujeitos e objetos, atores e espetadores, nomeadamenmte no campo (por oposição à cidade). 

Respondendo de resto ao meu desafio, o despretensioso texto mereceu alguns calorosos comentários de alguns amigos e camaradas, a quem fico reconhecido, porque vieram valorizar o tema, complexo, das transformações (económicas, sociais, culturais, mentais, etc.) por que passou a nossa geração, grande parte dela de origem rural... (Na década de 50, metade da população portuguesa ainda vivia dependente do setor primário da economia e, segundo o censo de 1960, um em cada três portugueses ainda era analfabeto!)

E, como eu disse, "foram muitas, essas transformações", para não dizer "profundas, radicais, estruturantes", em todos os domínios, a nível do indivíduo, da família, do habitat, do território, da economia, da sociedade, das organizações e instituições, etc. Da saúde à educação, do trabalho aos transportes, do lazer à cultura, da sexualidade à religiosidade, da política ao futebol,  etc., etc.

Utilizei Candoz, por mera conveniência,  como ponto de observação e de reflexão, por estar situado a 400 km de Lisboa a capital deste país que ainda é macrocéfalo); longe do litoral, a 340 km da minha terra natal, Lourinhã, a 70 km do Porto; enfim,  no “país profundo”, onde o povoamento era (e ainda é) disperso e a predomina(va) o minifúndio,  e onde eu ainda apanhei tantas “coisas do antigamente” (ou que ainda estavam frescas na memória das gentes do vale do Tâmega, que pega com o vale do Sousa, berço do velho Portugal, e por onde passa uma fabulosa rota do românico, que poucos portugueses conhecem)…

E cito ainda Candoz porque a elegi também como minha segunda terra... E por aqui andou o Zé do Telhado... E está rodeada de serras, com o rio Douro a fazer fronteira entre o distrito do Porto e o distrito de Viseu: Montedeiras, Aboboboreira, Montemuro, Meadas, Marão, Alvão...

Listo apenas algumas dessas "coisas do antigamente" que, umas felizmente já desapareceram (ou são  "peças de museu"), outras ainda estão enraizadas nos nossos "usos e costumes"... São umas cinquenta (para arredondar) as que me acorreram, ao sabor do teclado e no decurso desta época de vindimas (em que vim passar 18 dias a Candoz,   já tendo hoje regressado ao Sul). 

Aqui váo, de 1 a 50, sem qualquer ordem de precedência, importância ou relevância;

(1) a luta dos rendeiros contra a parceria agrícola e pecuária, formas pré-capitalistas de exploração da terra, com o pagamento das “rendas” em géneros (em em geral, numa proporção fixa, por exemplo ao terço, a meias, etc.);

(2) a estratificação social nos campos:”fidalgos”, pequenos proprietários, rendeiros…e cabaneiros (gente sem terra nem casa) (e que na igreja também se dispunham pela mesma ordem, com homens e mulheres, socioespacialmente separados);

(3) os salamaleques da “servidão da gleba”: “com a sua licença, meu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância;

(4) as juntas de bois lavrando a terra com arados de ferro;

(5) a criação, em cortes, do gado bovino (o “tourinho”, mais bem tratado que a “canalha”, porque rendia dinheiro ao ser vendido na grande feira do Marco (de Canaveses);

(6) a cultura do milho de regadio, exigente em água e mão de obra (escondia-se o milho nas “minas”, as nascentes de água, para escapar à requisição do governo nos anos da II Guerra Mundial e do pós-guerrra);

(7) a vinha de bordadura e de enforcado (e na sua grande maioria, videiras de tinto… jaquê, um híbrido americano de há muito proibido mas sempre tolerado; de fraca graduação e pior qualidade, o “jaquê” chegava a maio já era intragável; de resto, nas vindimas toda a uva podre ia “para o tinto”; e não havia vinho verde branco, o que se fazia era “para o padre”; e muito do que ia para o "utramar", a tropa, que tinha poder de compra, era vinho branco leve, de 9 / 10 graus, enviado para os armazéns do Porto e de Vila Nova de Gaia, e depois gazeificado e rotulado como "vinho verde branco");

(8) o vinho verde tinto, o tal "berdinho",  bebido da malga de barro vidrado ou da “caneca de porcelana”;

(9) as “serviçadas” como a vindima, a malha do centeio, a desfolhada do milho, a espadelada do linho, a matança do porco, etc., em que os familiares e os vizinhos se ajudavam, uns aos outros;

(10) os grandes cestos de vime de 50 kg de uva que os “homes” transportavam aos ombros (e as mulheres à cabeça), por leiras e solcalcos abaixo (ou acima) até ao “lagar do vinho” (em geral, no piso térreo, da casa, e com chão saibroso por causa da temperatura ambiente);

(11) a matança do porco, o fumeiro e a salgadeira (que eram o “governinho da tia Aninhas”, e também uma das principais causas de morbimortalidade por doenças cérebro-vasculares, como a “trombose”):

(12) o valor comercial da madeira de carvalho, castanho e pinho (madeira nobre hoje destronada pelo eucalipto);

(13) a água de consortes,  as "levadas" (como a água de Covas, que vinha da serra, e  de que o meu sogro tinha direito a utilizar, só no solstício do inverno, uma vez por semana, das 10h da manhã às 6h00 da tarde);

(14) os “montes” (pinhais) que eram “rapados” todos os anos, não só para limpeza e prevenção dos incêndios (não havia incèndios) como sobretudo por causa da importância que tinha o mato para fazer a "cama dos animais” e depois o estrume (fundamental para a cultura do milho ou da batata);

(15) a “esterqueira” (ao pé da porta onde se faziam todos os despejos domésticos e se deitava todo o lixo orgânico que não fosse para a “gamela” de, "com a sua licença", o porco);

(16) as longas caminhadas a pé (para se ir à missa, à romaria, à feira, à repartição de finanças na sede do concelho,  mas também ao médico e o hospital da misericórdia);

(17) a escassez de meios de tração mecânica na lavoura (tratores, motocultivadores, serras mecânicas, etc.) e de transporte automóvel;

(18) a “venda” que era mercearia, tasca, casa de comidas (para os de fora), cabine pública de telefone, caixa de correio, palco de mexericos, boatos e notícias, etc. (a da Candoz, ficava no Alto, a 3 km de distância por caminho de carro de bois, que agora é estrada municipal e nos  leva à albufeira da barragem do Carrapatelo);

(19) a sardinha “para três” (que chegava de Matosinhos na Linha do Douro até ao Juncal, e depois era transportada à canastra e vendida de porta em porta) (... e os ovos que se vendiam para comprar a "sardinha para très");

(20) o caldo moado, as cebolinhas do talho, os salpicões feitos em vinho tinto verde, o anho com arroz de forno, as papas de farinha de pau, o arroz de cabidela, o bacalhau “lascudo” no Natal, a aletria, etc.

(21) só os homens usavam calças (!);

(22) a virgindade (feminina) antes do casamento;

(23) o medo das trovoadas, das bruxas, dos lobisomens, do mau olhado, das pragas que se rogavam uns aos outros por ódio, vingança, desamores, etc.;

(24) a importância das feiras e romarias como factor de lazer, de socialização, de negócios, de informação, conhecimento e propaganda (ah!, os pregões dos feirantes!);

(25) as “tunas rurais do Marão” (indispensáveis nos "bailes mandados");

(26) a luz do candeeiro a petróleo ou querosene;

(27) o caciquismo político e eleitoral (do regedor, do padre, do comerciante, do professor, do “fidalgo"...);

(28) o “varapau”  como símbolo da masculinidade (mas também de violência) (a ponto de ter sido proibido na via pública, nas festas e nos bailes, sendo o seu cumprimento fiscalizado pela GNR):

(29) a fraca monetarização da economia (fazia-se algum dinheiro com a venda das uvas, do milho, do tourinho, da cereja e pouco mais; ou trabalhando à jorna, ocasionalmente para o "ramadeiro", para o "construtor civil, etc., que os mais sortudos iam para a polícia e os caminhos de ferro);

(30) a autossuficiência da economia do pequeno campesinato familiar onde o pai era “pai e patrão” e  a “ranchada de filhos”  era garantia de mão de obra abundante e gratuita;

(31) a emigração, primeiro para o Brasil (até aos anos 50) e depois para França (muitas vezes "a salto") e Alemanha, também depois Luxemburgo e Suiça;

(32) o obscurantismo não só político e cultural mas também religioso (como o daquele pároco que mandou cortar as pilinhas dos anjinhos na igreja);

(33) as “grandes mulheres” que em geral se escondem(iam) atrás dos seus “homes" (e tinham sempre uma palavra de peso, a última, nos negócios, nas compras de propriedade, nos amores, nos casórios dos filhos,  etc.);

Mais mudanças

Era tempo em que ainda…

(34) se andava descalço (ou, tal como em África, se levava os sapatos na mão até à entrada da vila, da escola, da igreja…);

(35) se batia forte e feio nos filhos (em casa e no campo) e nas crianças (na escola) ("quem dá o pão, dá a educação");

(36) se começava a trabalhar muito cedo (“ o trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco”; "na casa deste home, quem não trabalha não come; e na casa desta mulher, come-se tudo o que ela der"):

(37) havia o “baile mandado” com “mandador” e os homens e as mulheres separados, de pé, encostados às paredes da casa;

(38) ouvia-se o carro de bois a chiar pelos estradões (uma verdadeira sinfonia!);

(39) se cultivava o milho e o centeio;

(40) se cozia a broa de milho e centeio (três “quartos” ou partes de milho e um de centeio), no forno a lenha, e que tinha de durar 8 dias (ou até 15, "duro que nem cornos"!);

(41) em que os mais remediados diziam: “criei-os [aos filhos] fartos e cheios [de pão, que não se escondia na “trave” do telhado de telha vã, fora do alcance dos ratos e… das crianças, isso era sinal de pobreza];

(42) as crianças se habituavam, cedo, às “sopas de cavalo cansado” e eram “sedadas com bagaço” quando se contorciam com dores, tinham fome ou estavam doentes;

(43) as “parteiras” (que não as havia, diplomadas) eram as “aparadeiras” (mulheres curiosas, mais velhas, que já tinham sido mães...);

(44) não se conhecia a contraceção nem o planeamento familiar (mesmo a “pílula” chegaria tarde à cidade…) ("porra e lenha é quanto a venha", um provérbio que pode ter uma conotação sexual, mas não tenho a certeza);

(45) só se bebia leite (de cabra, de vaca era mais raro) quando se estava doente (em geral os adultos);

(46) o fatalismo dos provérbios populares (“boda e mortalha no céu se talha”, "muita saúde e pouca vida que Deus não dá tudo"...);

(47) se jogava ao pião (os rapazes) e se brincava às bonecas de trapos (as raparigas);

(48) não havia saneamento básico, água potável (a não ser  o das minas) nem banheiro com duche;

(49) a electricidade, a televisão, etc., só chegariam depois do 25 de Abril (mesmo com a barragem do Carrapatelo a escassos quilómetros de Candoz);

(50) e quando a gente (a nossa geração) nasceu, por volta de 1945, no fim da II Guerra Mundial, ainda morriam 120 crianças em cada mil nados-vivos.

É bom não esquecer, para a gente dar valor ao esforço (individual e coletivo) dos portugueses na melhoria das suas condições de vida, de saúde, de alimentação, de trabalho... 

Parafraseando, a canção do Zé Mário Branco, acrescentamos: "o que nós andámos para aqui chegar!"...

E dito isto, continuo a gostar de cá vir, em épocas emblemáticas, festivas, do Natal à Páscoa, da festa da Senhora do Socorro às vindimas... Claro, aos batizados, casamentos, festas da família, enterros… (E há perdas recentes, que nos deixam dor profunda e eterna saudade.)

E gosto de continuar a fotografar Candoz, ao longo das quatro estaçõesm e de preferència com a luz matinal... E em particular nesta época do ano em que aparecem as primeiras cores outonais e os primeiros cogumelos (os "sentieiros").

E continuo a eleger Candoz como tema da minha escrita (em prosa ou em verso, e nomeadamente nos meus/nossos blogues) (**). Afinal, sou um pobre "citadino"...

Que o leitor desculpe esta obsessão... É como a Guiné: estivemos lá menos de dois anos, e o blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné já vai a caminho dos vinte.  (**)

_____________


(...) Comentrários;

(i) Luís Graça;

Fico triste quando oiço "açularem os cães" do nortismo contra o sulismo ou vice-versa...

Afinal este país velhinho que herdámos dos nossos avoengos, e de que nos orgulhamos, não tem fronteiras internas a não ser as "metereológicas" como o sistema Montejunto-Estrela ou o anticiclone dos Açores...

20 de setembro de 2023 às 08:22

(ii) Eduardo Estrela:

(...) Felizmente que algumas das coisas que mencionas acabaram. Felizmente que outras ainda se mantêm e hão-de continuar a fazer feliz quem as aprecia.

Cá em baixo no Sul também era assim. Lembro-me bem de ver há muitos anos os serrenhos ( quem vivia a norte do Barrocal algarvio era assim apelidado ) virem ao Algarve como eles diziam, montados nos seus burros e mulas e trocarem favas, ervilhas, cebolas, batatas e outros produtos agrícolas, por peixe e marisco. Faziam-no pelo menos 2 vezes por mês percorrendo caminhos que à época eram pior que maus. (...) 

20 de setembro de 2023 às 13:03

(iii) Valdemar Queiroz:

(...) Luís, quando em 1956 vim a "escorregar por uma tábua abaixo"(*) até Lisboa, em Afife era assim a vida como muito bem descreves.

E sobre: "os salamaleques da “servidão da gleba” (também do tempo da outra senhora): “com a sua licença, eu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância"... Fernando Namora escreve no livro "Retalhos de um Médico" que a grande diferença entre o homem do norte e o do sul (alentejano) é que o do sul não atravessa a rua para cumprimentar o padre por o não conhecer de lado nenhum.

Faltou o ir descalço pra escola, que mesmo assim, quem me dera ter sete anos e o cabelo grande encaracolado e estar à espera do 7 de Outubro. (porquê a escola começava a 7 de Outubro?) (...)


20 de setembro de 2023 às 13:55


(iv) António Carvalho:

(..,) Sendo tu um homem do centro, tiveste, desde que conheceste a Alice, essa sorte de conhecer uma aldeia da região durimínia condimentada de todas as características, desde a economia, religiosidade, estrutura fundiária predisposições sociais. Aliás, sendo tu formado academicamente na área das ciências sociais, tens assim uma vantagem supletiva, quando mergulhas nas tuas reflexões sobre os espaços que habitas.

Um grande abraço, com votos de que possas abandonar, brevemente os empecilhos das muletas. (...)

20 de setembro de 2023 às 14:58

(v) António Graça de Abreu:
 
(...) Também conheço razoavelmente o Douro, o meu rio de menino e de rapaz mais espigado,(nasci e cresci no Porto) e as terras do Marco de Canaveses. Tenho um amigo arquitecto, Paulo Machado, com uma casa fantástica debruçada sobre o Tãmega, quase meu meio irmão, somos da mesma criação portuense, que já me emprestou o seu pedaço de Paraíso para estadias de espantar. São dos lugares mais bonitos de Portugal. Aí nasceu a tua Alice.

Aproveita Luís, e logo que possível atira essas muletas ao rio Tâmega, ou afunda-as nas águas do Douro. (...)

(vi) José Teixeira:

(...) Fizeste-me voltar aos meus tempos de criança. Com cinco /seis anos descobri que a sopa do caseiro que vivia a trezentos metros do monte onde vi a luz que me alumia, apesar de pobre, porque o dono das terras lhe comia o grosso do seu trabalho, tinha sempre um courato de porco na tijela, enquanto o meu, tinha couves, feijão, batata e um "pirilau" muito pequenino de azeite. 

Um dia em que minha mãe foi para lá fazer a sacha do feijão, apercebi-me do manjar e feito "xico esperto" ofereci-me para lhe guardar as ovelhas ao fim da tarde. Assim ganhei o direito ao petisco- um simples bocado de carne de porco gorda, com um coirato duro de roer que me sabia tão bem!
Assim me fiz o homem que sou. (...)


20 de setembro de 2023 às 18:34

(viii) Luís Graça:

E grande homem, Zé Teixeira, mesmo que a Pátria, ingrata, madastra, nunca to tenha dito...

Sei que tiveste uma duríssima infància, tinhas razões de sobra para te insurgires contra Deus e os homens... Porquê eu, meu Deus ?!...

Não foi fácil a nossa infància, adolescência e juventudem em geral... Alguns, creio que poucos, da nossa geração, terão vergonha em dizè.lo em público... que também comeram o pão que o diabo amassou... E a guerra ajudou a nivelar as diferenças,,,

Mas fizémo-nos homens, e isso é que importa sublinhar. E temos orgulho emm dizê-lo aos nossos filhos e netos. Tu bem podes tè-lo, tanto quanto eu sei de ti e da tua história de vida! (...)

segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24642: Manuscrito(s) (Luís Graça) (228): Uma romã e um cacho de uvas douradas, para ti, querida Nita(s), com a nossa (e)terna saudade

 

Foto nº 1 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 18 de setembro de 2020 > A Nita(s), Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023) (*)

Foto nº 2 > Quinta de Candoz > Vindimas  > 18 de setembro de 2020 > A Nita(s), a Mi (cunhada) e a Chita (Alice, irmã)

Foto nº 3 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Um cacho de uvas douradas (1)...



Foto nº 4 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Um cacho de uvas douradas (2)...



Foto nº 5 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Os cachos  (arinto / pedernã) que a Nita(s) adorava apanhar...


Foto nº 6 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >  A primeira de três vindimas...Este ano começou a vondimar-se mais cedo, foi um ano "atípico", diz o nosso engenheiro e enólogo... Veio gente da Lourinhã, do Porto e de Matosinhos..., para dar uma mãozinha.


Foto nº 7 > Quinta de Candoz >  Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >  A primeira de três vindima...Veio gente da Lourinhã, do Porto e de Matosinhos... Filhos, sobrinhos/as, sobrinhos-netos...


Foto nº 8 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >   Antigamente acarretava-se os "cestos de vime" às costas até ao lagar... Hoje, felizmente, o trator alivia-nos as costas...


Foto nº 9 > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 >   Tud0 gente da casa, da 2ª e 3ª geração...



Foto nº 10  > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > Cestos (de plástico...) cheios de uvas de castas (loureiro, avesso, algum alvarinho...),  que amadurecem mais cedo.


Foto nº 11 > Quinta de Candoz > Vindimas > 9 de setembro de 2023 > A "romãzeira da tia Nita(s)", na borda de um dos nossos campos... (Nome científico: Punica granatum)


Foto nº 12  > Quinta de Candoz  > Vindimas  > 9 de setembro de 2023 > As primeiras romãs maduras para a "tia Nita(s)" com a nossa (e)terna saudade...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Amigos e camaradas, deixem-me falar de outra das minhas geografias emocionais, que é Candoz, a Quinta de Candoz, ou Tabanca de Candoz, como eu também gosto de lhe chamar.  

Há quase meio século, desde 1975, que venho aqui, à casa  e à terra onde nasceu a mãe dos meus filhos. Por herança (e opção), somos sócios da Sociedade Agrícola de Candoz (unipessoal).  Havia momentos especiais do ano, festivos, em que não podíamos faltar: o Natal,  a Páscoa, as vindimas... Mesmo estando longe, a 350 km de distância, eu, a Alice, os nossos filhos, procuramos estar aqui em Candoz nessas datas...

As vindimas são um momento mágico e agregador das famílias que nasceram no campo e sempre conviveram com a terra e a vinha. Mesmo quando se partia para a cidade (Porto, Lisboa) e depois para o Brasil, a França e a guerra em África, Moçambique e Angola (como foi o caso dos très rapazes da família),  quem podia vir, vinha dar uma ajuda quem não podia vir, escrevia cartas ou aerogramas cheios de saudade...  

Dos seis filhos do casal José Carneiro e Maria Ferreira, quatro (três raparigas e um rapaz) decidiram constituir, nos anos 80, a Sociedade Agrícola de Candoz (unipessoal) e constuir uma vinha inteiramente nova, nos solcalcos roubados ao longo dos séculos à floresta de carvalhos e castanheiros, sustentados por grossos muros de pedra, e que está na família Ferreira Carneiro desde pelo menos os primeiros decénios do séc. XIX. 

Era uma pequena exploração familiar projetada, há 40 anos, para produzir no máximo 20 pipas (c. 15 toneladas de uvas),  de vinho verde branco, das castas arinto/pedernã e azal (maioritariamente, mas também com videiras  de loureiro, alvarinho e avesso), a uma cota entre os 250 e 0s 300 metros acima do nível do mar.

Durante estes anos todos a nossa Nita (para o marido e os filhos) ou Nitas, a "tia Notas" (para os restantes familiares e amigos) foi a "alma" desta pequena comnunidade. A morte, traiçoeira, levou-a aos 76 anos, depois de trabalhar uma vida inteira como engenheira química no laboratório do Departamento de Engenheiria Química do ISEP - Instituto Superior de Engenharia do Porto (*)

Este  é o primeiro ano que fazemos a vindima sem a sua presença física. Nas duas primeiras fotos acima, de 18 de setembro de 2020, ela já sabia o diagnóstico da doença que a haveria de matar, e a que não teria sido alheia a exposição profissional a substàncias cancerígenas.  Estóica e digna na doença, e ainda em tempo de pandemia de Covid-19, a Nita(s) não deixava de nos brindar com o seu sorriso luminoso, a sua gentileza, a sua fotogenia, o seu carinho , a ternura, o amor, o desvelo, a entrega, a generosidade e a alegria que sempre pôs em tudo o que fazia,  bem como nas relações que mantinha com  os outros. 

Foi fada e rainha deste lar.

Estas primeiras fotos da primeira vindima de 2023 (vamos fazer três, e no próximo fim de semana a maior) é dedicada à nossa querida Nita(s), figura tutelar da nossa Quinta de Candoz. Para ela vai um cacho de uvas douradas e a primeira romã madura que colhemos da sua romãzeira. (**)

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Notas do editor:

(*) 26 de março de 2023  > Guiné 61/74 - P24170 : Manuscrito(s) (Luís Graça) (219): Na despedida da Terra da Alegria: à minha querida 'mana' Nitas, Ana Ferreira Carneiro Pinto Soares (Candoz, 1947 - Porto, 2023)

(**) Último poste desta série : 18 de agosto de  2023 > Guiné 61/74 - P24564: Manuscrito(s) (Luís Graça) (227) : Chita... Não vale a pena parar, / A vida é p’ra se viver, / Com momentos p’ra sofrer, / É tudo sempre a somar.

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24202: Manuscrito(s) (Luís Graça) (221): Boas e santas Páscoas, nós por cá... todos bem!

 

Quinta de Candoz > s/d > Visita do compasso pascal...


Joana Graça (2014) - Técnica mista, 30 x 40 cm. S/ título

Cortesia de © Joana Graça (2014). Todos os direitos reservados


A Páscoa em Candoz: 
no tempo em que ainda estávamos todos vivos, 
e felizes, e de boa saúde
 

À Nitas (que era a deusa do lar  
e a oficiante da liturgia de Candoz);

À Joana (que hoje faz anos, e que desde pequenina gostava 
de brincar com a fada Oriana em Candoz);

À Chita (que é a mãe da Joana,  a "alma gémea" da Nitas 
e a minha feiticeira  de Candoz);

Ao Gusto (que há 49 anos, em 6/4/1974, se casava com a sua "Nita"
 e que, por amor, se tornou o senhor "engenheiro" de Candoz, 
agora inconsolado e inconsolável com a perda 
daquela que era "mais de metade" do seu ser)

 

Quinta de Candoz > c. 1999 >Os manos e sócios, da esquerda para a direita: Chita (Alice), Nitas (Ana) (1947-2023), Zé e Rosa


Era  domingo de Páscoa na aldeia. 
Fazia frio mas o sol estava esplêndido. 
Era um daqueles dias 
em que a gente  se reconciliava  com a vida. 
Nem que fosse por uns breves instantes. 
Com a vida, mas não necessariamente 
com o mundo. 
Como o Eça e o seu príncipe Jacinto, 
em Tormes, ali ao lado, 
do outro lado do vale,
à volta de um copo de vinho verde, branco,
 de umas cebolinhas do talho 
com presunto ou salpicão.
(Não havia favas, em Candoz, 
havia as ervilhas de quebrar.)

A manhã, primaveril, trazia-te 
os sons, as cores e os cheiros do campo.
Um outro campo que não o mesmo 
da tua infância da Estremadura. 
Descobriste, tarde, esta parte 
do Portugal sacroprofano
que era mais pagão, celta, visigótico e românico 
do que fenício, romano, judeu, mouro ou gótico.

Um citadino, como tu, não sabia 
o que era isso de ouvir, 
logo pela manhã, 
os galos a cantar nos seus galinheiros. 
Ou ver as cerdeiras (cerejeiras) em flor. 
Ou observar os melros de bico amarelo 
pousados nas videiras 
que desabrochavam, em gamões.


Quinta de Candoz > s/d > O pôr do sol nos montes (aqui chamam montes aos pinhais, onde outroram cresciam carvalhos e castanheiros)


Um citadino como tu 
não tinha o privilégio de ouvir falar dos gaviões 
nem das suas frágeis presas. 
Nem sabia por que autoestradas andavam 
as toupeiras, os ouriços-caixeiros 
e as raposas deste país. 
Nem por que razão falavam alto e bom som 
aquelas gentes de além-Douro. 
Nem o seu gosto desmedido pelo fogo 
que ribombava como o trovão.

Nos campos de erva, de diferentes tonalidades de verde,
eram  visíveis as partes  cortadas para as ovelhas, 
entáo recolhidas nas cortes, 
à medida que os gamões das videiras 
cresciam a olhos vistos.

Na grande matança da Páscoa, 
o inocente que era sacrificado, 
era o cordeiro, o anho
o ex-libris da gastronomia da região. 
Já fumegabvam as chaminés 
enquanto ao longe se ouvia
o estralejar dos foguetes. 
O compasso pascal andava por aí, 
alvoraçado como a canalha
já vinha no Alto, já chegava ao Cruzeiro, 
com a cruz abrindo os tortuosos caminhos e estradões
e exorcizando os medos ancestrais.

In hoc signo vinces
Com este sinal vencerás. 
Desde Constantino, o Imperador, 
que a cruz marcava a vida dos servos da gleba 
e depois os cabaneiros, os rendeiros e os camponeses,  
do nascer ao morrer. 

 Levava dois dias a percorrer a freguesia. 
A cruz, o Cristo pregado na cruz, 
o compasso, 
os homens da opa vermelha 
e o menino da sineta, 
de sobrepeliz branca como o anjo. 
Pouco mais de mil almas 
e algumas escassas centenas de fogos, 
dispersos, a visitar:
"Aleluia, aleluia, Cristo ressuscitou!", 
proclamava o homem da opa vermelha, 
o mordomo da festa sacroprofana,
que fazia as vezes do padre.

Em frente o vale e a montanha. 
A linha do Douro.
O rio Douro ao fundo. 
Pacificado,
onde já não chegava o sável e a lampreia,
nem o barco rabelo com o néctar dos deuses.

Cem anos depois, o Eça não voltaria a escrever 
A cidade e as serras.
Havia ainda um mundo a desmoronar-se. 
E testemunhas vivas desse mundo. 
O mundo dos rendeiros e dos camponeses pobres 
que decidiram trocar o arado
e as juntas de bois
e a rega do milho
pela linha de montagem automóvel 
ou pelos chantiers da construção civil 
nos arredores de Paris
ou pelas as fábricas do Porto.


Quinta de Candoz > s/d > A preparação do anho... Ainda a Maria da Graça (1922-2014) (à esquerda) era viva... Veio do Sul em visita aos do Norte. A meio a Alice (Chita) e, à sua esquerda, a cunhada Maria (Mi).


Já havia a barragem do Carrapatelo, 
e as suas eclusas,
as antenas das telecomunicações 
e os moínhos eólicos no alto das serras. 
E o Mercedes de matrícula K.
E o alcatrão. 
E os telemóveis.
E as casas do granito 
arrancado às pedreiras de Alpendorada.
O progresso cobrava o seu preço,
a globalização também. 
Estradas e estradões tinham esventrado 
o cenário bucólico 
que outrora escondia a miséria dos casebres 
dos cabaneirosos mais pobres dos pobres. 

O Zé do Telhado já há muito que morrera, 
desterrado em Angola, 
mas ainda continuava vivo 
nos telhas vãs da memória
das gentes dos vales do Sousa e Tamega
Os netos dos antigos senhores, os fidalgos
proprietários agrícolas absentistas 
do Porto e da Foz do Douro, 
recuperavam as casas dos caseiros 
e faziam delas a sua casa de campo. 
Com piscina e court de ténis. 

O povoamento continuava disperso 
pelo verde e pelos socalcos. 
Os montes estavam carecas 
depois das últimas décadas de incêndios. 
Já há muito que regressara
o último soldado das colónias 
e se escrevera o último aerograma
a dar conta do fim do Império.
Os brasileiros tinham dado lugar 
aos franceses.
E o Porto ali tão perto. 
Cada vez mais perto 
com as autoestradas, as IP e as IC  do país motorizado.

Um mundo quase perfeito, visto da janela do teu quarto. 
Domingo de Páscoa, de manhã. 
Faltavm-lhe só, porventura, os camponeses, 
que morreram. 
E os que emigraram. 
E os que não voltaram. 
E os soldados que morreram, de morte matada,
nas guerras do passado.
E os que morreram, mal haviam nascido. 
Que as famílias eram numerosas 
mas a mortalidade infantil altíssima. 

Passavas os olhos 
pelas paredes da casa, de grosso granito. 
Já tinham albergado 
sete, oito ou mais gerações, 
que os seus registos só iam até 1820. 
Não era nada, se quando sabias  
que os australopitecos, teus antepassados, 
tinham evoluído há 5 milhões de anos, 
200 mil gerações atrás.


Quinta de Candoz > s/d > O fogo, depois do recolher do compasso pascal


No virar do milénio, 
na madrugada do século XXI, 
Cristo continuaria a ressuscitar 
todos os anos, pela Páscoa, 
no Entre-Douro e Minho da tua aldeia
E os cristãos poderiam ver abalada a sua fé,
mas  continuariam a reunir-se 
em casa uns dos outros 
para comer o agnus Dei com arroz de forno. 
E para celebrar o milagre da vida, 
a vitória da vida sobre a morte.

Há quinhentos anos que se deitavam foguetes 
nas vilas e aldeias do teu Portugal sacroprofano. 
Não sabias nada da história do fogo de artifício, 
sabias apenas que viera da velha China 
com as naus quinhentistas. 
Para celebrar a ressurreição de Cristo, 
ou mais prosaicamente para fazer a festa. 
Que era a vitória sobre o trabalho, 
tripaliu(m) que matava a gente. 
E para marcar o tempo, o fluir do tempo, 
o solstício do inverno e do verão, 
a inexorável usura do tempo.

E todos os anos pela Páscoa, 
tu, descendente de austrapolitecos, 
assistias da tua varanda de granito 
à alegria infantil
 dos camponeses durienses, mortos há muito, 
face à orgia de fogo que assinalava, 
em cada freguesia, 
o recolher do compasso pascal. 

Da tua janela vias o mundo 
ou uma parte dele, mesmo ínfíma:
Paredes de Viadores, Mesquinhata, 
Santa Leocádia, Grilo,
Porto Antigo, Paços de Gaiolo... 
Estes nomes, medievos, passariam a ser-te familiares. 
E as serras à volta do teu presépio: 
Montemuro, Aboboreira 
e, mais ao longe, Gralheira, Meadas, Marão, 
separadas pelo vale do Douro... 
Em 2004, os de Paços 
é que lançaram o fogo mais vistoso:
"Dois mil contos de réis!"!,  
diziam as gentes da terra, 
ainda incapazes de raciocinar em termos de euros, 
dos milhões de euros do novo Brasil da Europa. 
Capricharam, os de Paços de Gaiolo, 
mas também era verdade 
que eles tinhamo dobro dos fogos 
da tua adoptiva freguesia de Paredes de Viadores.


Quinta de Candoz > s/d > Azevinho


Da janela do quarto da aldeia 
que tu também havias feito tua, 
só não podias ver o mar. 
E fazia-te falta o mar, confessavas.
O mar.
A maresia. 
O azul. 
O rugir do grande oceano Atlântico.
E o pôr do sol no mar. 
Na exacta e nítida linha do horizonte. 
E a silhueta do cabo Carvoeiro 
e das Ilhas das Berlengas.

Ah!, quanto falta nos fazia o mar, 
ó Sofia, deusa grega antiga.
Mas a hora não pensar nele, no mar. 
Nem na mediterrânica luz da poesia da Sofia. 
Naqueles domingos de Páscoa de Candoz , 
se te era legítimo ter um pensamento,
de admiração e agradecimento, 
ele ía direitinho para os antepassados 
que desbravaram Candoz 
e ergueram solcalcos e muros de pedra
em antigos montes de carvalho e castanheiro
sem esquecer os teus australopitecos 
que nunca terão chegado a estas terras  
de Candoz e de Fandinhães, 
parte do concelho, extinto em 1836, 
a que os antigos, pobres diabos, 
chamavam Bem Viver.

Da janela do teu quarto, 
com o Porto Antigo ao fundo,
na albufeira do Carrapatelo,
e enquanto aguardavas o compasso pascal, 
gritavas ao mundo dos vivos e dos mortos:
"Boas e Santas Páscoas. Nós por cá..., todos bem!"


Texto e créditos fotográficos: © Luís Graça (2023)

Texto poétixo de Luís Graça, originalmente publicado no Blogue-Fora-Nada > 13 Abril 2004 > Portugal sacroprofano - XIX: Boas e Santas Páscoas. Nós, por cá, todos bem!

Texto profundamente revisto e melhorado nesta data, 6/4/2023 (em que a minha querida Joana faz 45 anos, às dez e trinta da manhã; e a nossa Nitas deixou a Terra da Alegria há duas semanas:  faria hoje precisamente 49 anos de casada com o homem da sua vida, o Gusto, meu "mano", o "engenheiro" da Quinta de Candoz).
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