terça-feira, 19 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25287: Manuscrito(s) (Luís Graça) (248): Dia do Pai...

Foto de casamento dos meus pais, Maria da Graça (1922-2014) e Luís Henriques (1920-2012): Lourinhã, 2 de fevereiro de 1946



Foto (e legenda): © Luís Graça (2024). Todos os direitos reservados. [Edição:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Na nossa cultura, na nossa tradição, na nossa oralidade, na nossa poesia, na nossa pintura, etc.,  a figura do pai está muito menos presente do que a figura da mãe...

Talvez por que, durante séculos e séculos, os portugueses cresceram, não sem o pai, mas com o pai bem longe de casa, mais no mar do que na terra, a caminho das Indias e dos Brasis, lavrando o mar, juntando estrelinhas, desenhando mapas, construíndo naus e caravelas,  abrindo a primeira grande estrada da globalização, unindo os continentes, ligando povos... mas também na guerra, no exílio, no desterro, na prisão, na emigração... 

E, em não poucos casos, era mesmo uma figura completamente ausente, ou inexistente, quando se nascia, com o ferrete de "filho de pai incógnito"... O número de filhos fora do casamento, considerados "ilegítimos", e "sem pai" (na pia batismal e depois no registo civil) sempre foi relativamente grande ao longo da nossa história...   E havia também a situação de orfandade. Mas hoje temos novas situações... 

Citando o sítio do Manual da Família, podemos considerar que "a matéria dos filhos de pai incógnito subdivide-se, essencialmente, em três grandes fatias":

(i) "a das crianças geradas por metodologias de procriação medicamente assistida, como a fertilização 'in vitro', realizada por mães solteiras";

(ii) " a das mulheres com vários parceiros sexuais que desconhecem quem foi o dador de material orgânico para aquela gestação";

(iii) "e os casos em que o pai se recusa a assumir a paternidade da criança." (...)

Infelizmente já não temos entre nós o prof Jorge Cabral, o nosso camaradas Jorge Cabral (1944-2023), que era especialista em direito da família e menores... 

Mas não é da paternidade em sentido biológico e jurídico que  queremos aqui falar hoje, dia do Pai ( que para os cristão é o dia de São José, curiosamente uma pai que não terá sido  "biológico", mas "socioafetivo")... 
d
Sabemos que, mais importante que o "progenitor", é o pai socioafetivo, aquele que desempenha o verdadeiro papel de pai...  (Ou os vários papéis de pai.)

E às vezes faltam os dois, o progenitor e o pai socioafetivo...  E somos criados entre mulheres e tios... Ou o avô  preenche o papel de pai, ausente ou inexistente ou precocemente desaparecido...

Como nos recorda aqui o Zé Teixeira, num nos seus belos microcontos, do seu mais recente livro, "O universo que habita em nós" (Lisboa, Astrolábio, 2023, pág. 38):

(...) "O Miguelito tinha um problema existencial que o fazia sofrer. Gostava de ter um pai, como todas as crianças, suas colegas de brincadeira, naquela mata cheia de tojos e maias, o sítio ideal para construírem as suas casinhas e jogarem ao caça ao tesouro ou às escondidas. Não tinha pai. A família evitava falar desse assunto, por mais que ele insistisse, até porque os próprios colegas de brincadeira, talvez inocentemente, o provocavam. O Miguelito ficava triste e chorava. Quem lhe acudia, de imediato, e o acarinhava, era a Milocas de Cavelhos. que o antecedera uns dias na chegada a este mundo, e talvez por isso lhe tivesse um carinho muito especial.” (…)

Olhando, contudo, para trás, para a nossa geração e a geração dos nossos pais e avós,  sabemos que as nossas mães tiveram que ser mães e pais, tiveram que nos dar o pão, o amor, a educação... para, mais tarde, podermos pegar na trouxa , zarpar e ir no encalce da figura paterna... nas navegações, na odisseia da pesca do bacalhau, no comércio marítimo, na colonização, na guerra, no exílio, na emigração... 

 Foi um ciclo longo, de séculos, que estará longe de ter terminado com o chamado "fim do Império" ou a "descolonização"...

E não foi por acaso que até criámos, aqui, no nosso blogue, uma série que se chama "Meu Pai, meu Velho, meu Camarada"... Temos camaradas que também tiveram pais e até avós combatentes...

Infelizmente, a nossa geração, a que fez a guerra colonial / guerra do ultramar/ guerra de África, de 1961/75, já não tem os seus pais vivos... Se o fossem, seriam centenários (como o meu, nascido em 1920)... 

Mas continuamos a gostar de celebrar o Dia do Pa (o biológico e o socioafetivo), todos os anos, em 19 de março... Porque "recordar é preciso", e a saudade, se não é um produto "made in Portugal", é uma palavra única, e é portuguesa... 

Dizem que "já não temos idade para celebrar o Dia do Pai"...  Mas não é  verdade: ainda gostamos que os nossos filhos se lembrem de nós,  neste dia.... Com uma olá,  uma telefonadela, uma flor,  um poema, um convite para jantar... 

Temos saudades, isso, sim,  do nosso pai, da nossa mãe, dos que nos deram o ser... Temos saudades de quando éramos pequeninos, e tinhamos pais e avós e tios que gostavam de nós.... E queremos, afinal, transmitir essa doce ideia aos nossos filhos e netos...

___________________

Nota do editor;

Úlltimo poste da série > 18 de matrço de 2024 > Guiné 61/74 - P25282: Manuscrito(s) (Luís Graça) (247): Quando os ventos sopravam em Assuão...

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Celebrar o Dia do Pai, sem dúvida, mas criticamente, sem esquecer que ainda vivemos e trabalhamos, em toda a parte (mesmo nos países mais tendencialmente "igualitários"), em comunidades, empresas e outras organizações e sociedades patriarcais, falocraticas, sexistas, misóginas em maior ou menor grau... E que no nosso caso os direitos das mulheres têm apenas duas gerações...