sábado, 18 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20870: Blogpoesia (673): Amor Em Tempo de Covid-19 (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BART 3872)



1. Em mensagem do dia 16 de Abril de 2020, o nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", enviou-nos este belíssimo poema dedicado a seu neto Henrique, a quem esta pandemia impede de ver, abraçar e beijar. O drama das avós e dos avôs nos tempos que correm.
Para ilustração nada melhor que a primeira obra artística de, quem sabe, um futuro Mestre da pintura.

 
Amor Em Tempo de Covids-19

Há quanto tempo não te vejo?
Os dias passam lentos
Em que não te afago a cabeça
Não te vejo só te imagino
Somam-se os dias e noites
Não assisto ao teu riso
Não te acalento o choro
Há quanto tempo não te vejo?
Nesta atmosfera, o medo é o espaço
O tempo arrasta-se lento
Será irrecuperável o que perdemos
Há Tanto tempo não te beijo?
Há quanto tempo não te embalo nos braços
Não sinto o teu cheiro
Impensável querido este afastamento
Esta ausência nas nossas vidas
Não vejo, só te imagino
Há tantos dias e semanas que parecem anos
Que não te vejo, só te imagino.

Juvenal Sacadura Amado
34º dia de isolamento
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Nota do editor

Último poste da série de 12 de Abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20847: Blogpoesia (672): "Gatos de arame na loiça de barro", "Não importa o lugar..." e "Parece que foi ontem", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20869: Os nossos seres, saberes e lazeres (386): Uma memorável visita ao mundo albicastrense (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Foi a chamada visita de médico, ir a Castelo Branco de relance, para a próxima será digressão mais cuidada abarcando Idanha-a-Nova, Penamacor, obviamente começando por Vila Velha de Ródão, sabendo que o viandante dá guarida em Pedrógão Pequeno não são poucos os que pedem para lá ir e no fundo o que pretendem ver são as Portas do Ródão.
A despeito do tempo contado, esmiuçou-se jardim e museu, houve assombro com o Centro de Cultura Contemporânea, quem foi nesta visita regressou com a memória intranquila, não houvera tempo para ir ao Museu Cargaleiro, nem aos têxteis nem à casa da memória da presença judaica.
Foram feitas juras e promessas, volta-se com mais tempo para fruição destas belezas da Beira Baixa, diga-se de passagem, são incomparáveis.

Um abraço do
Mário


Uma memorável visita ao mundo albicastrense (3)

Beja Santos

Castelo Branco tem oito museus de tirar o chapéu, um universo onde cabem os bordados, tesouros arqueológicos nacionais, a evocação da rota da seda, a arte pictórica de Manuel Cargaleiro, o Centro de Cultura Contemporânea, os têxteis, a homenagem ao canteiro, a memória da presença judaica. Quem visita o jardim episcopal por inerência vai ao paço. Aliás, há uma saudade que precisa ser resgatada no Museu de Francisco Tavares Proença Júnior: o viandante quer curvar-se respeitosamente diante da escultura de D. Fernando de Almeida. Médico ginecologista, foi uma vocação tardia para a arqueologia, o seu doutoramento revelou a importância da Egitânia, um vestígio visigótico impressionante, ali em Idanha-a-Velha. D. Fernando era professor na Faculdade de Letras de Antiguidade Clássica e Arqueologia. Um grande conversador e brejeiro. Conto uma história a que assisti, uma prova oral de Antiguidade Clássica, D. Fernando era miudinho e especioso com vultos mitológicos, a rapariga estava a caminho de um estenderete, ele perguntou-lhe como se chamava a cabra que amamentou Zeus, chorosa, anunciou: “Desisto, venho em setembro”. Ele disse que não, lembrou-lhe um parto que tinha feito naquela manhã, e parecia declamar para a assistência, a parturiente, uma cigana, gritava a plenos pulmões, eu desisto, eu desisto, eu desisto. “Sabe o que é que eu disse, já estafado de ouvir? Tivesse desistido no princípio, não estávamos agora aqui nesta berrata que me impede de pôr a criança cá fora…”. A rapariga gargalhou, e D. Fernando anunciou que iam continuar a prova, acabou por ser aprovada, ainda que com nota mínima. O museu insere-se no Paço Episcopal, abriu ao público no final da monarquia. Tavares de Proença Júnior ofereceu a sua preciosa coleção arqueológica, o museu foi engordando com vários objetos de arte provenientes do antigo Paço Episcopal. E diversificou-se com a incorporação de pagamentos e colchas bordadas e algumas ofertas. O edifício continua a impressionar imenso, era residência do bispo de Viseu e da Guarda no final do século XVI, outros bispos fizeram acrescentos, e o jardim. Com a extinção das ordens religiosas, era fatal como o destino que andasse em bolandas, por aqui passaram a Escola Normal, o Liceu Nun’Álvares e a Escola Industrial e Comercial. Quem o visitar, contemple o exterior, imponente e sóbrio.



A Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais aqui fez campanha, nos anos 1960, o Paço tem tetos primorosos que neste momento prendem menos a atenção devido às vitrinas das colchas de Castelo Branco. O museu reabriu em 1971, voltou a encerrar em 1993 e retomou o seu funcionamento pleno em 1998, já organizado de modo a ter uma exposição permanente em torno de dois temas principais dedicados à história do bispado e ao bordado de Castelo Branco. No rés-do-chão, pode visitar-se o legado arqueológico de Tavares de Proença Júnior. Veja-se um teto um tanto asfixiado pela beleza das colchas de Castelo Branco.



O núcleo das peças do bispado é impressionante, do melhor que temos em arte sacra, o viandante gostou muito de uma pia de água benta que fazia parte da capela do bispo e não ficou alheio a um Cristo em marfim, quem o talhou tinha mãos primorosas.



D. Fernando doou o espólio bibliográfico ao museu, de que foi diretor. O escultor Joaquim Correia foi muito feliz neste seu trabalho, é o médico ginecologista, o arqueólogo por uma pinta. O viandante olha-o fixamente, lembra-se como o professor expedia os alunos para tudo quanto fosse escavação, coube-lhe a Egitânia, experiência inesquecível, a não ser a canícula daquele agosto de 1964.



O museu tem como missão “o estudo e investigação, a recolha, a documentação, a conservação, a interpretação, a exposição e a divulgação do património cultural que integra o seu acervo, com especial relevo para as coleções de arqueologia e de têxteis, entendidas enquanto referências identitárias, fontes de investigação científica e de fruição estética”. A sua principal vocação disciplinar passa pela arqueologia, o bordado e a arte sacra.


O Novo Banco doou ao Museu Francisco Tavares Proença Júnior uma natureza morta atribuída ao pintor flamengo Jan Fyt (1611-1661), intitulada “Natureza morta de flores”.

O viandante vai de saída, passa de novo pelo jardim episcopal, não resiste a dar uma nova espiada a essa monumentalidade barroca e capta, em jeito de despedida, as últimas imagens, aquelas escadarias são imponentes, com reis e apóstolos, há depois o universo da água que se intercala entre buxos, nos três patamares, já falámos no grande lago encimado pela cascata de Moisés, há também o jardim alagado, todo reticulado por cantaria. Mas que grande beleza! Até à próxima, Castelo Branco.


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Nota do editor

Último poste da série de 11 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20844: Os nossos seres, saberes e lazeres (385): Uma memorável visita ao mundo albicastrense (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20868: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (7): Op. Confinamento, retrato do estado psicológico dos Bandalhos

1. Em mensagem do dia 9 de Abril de 2020, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, dedicada à senhora sua Mãe, uma centenária que parece ter vencido o terrível Coronavírus.


BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ

6 - Op. Confinamento

Todos nós, incluindo, talvez, as nossas autoridades sanitárias, estávamos convencidos de que este novo “coronavírus” não chegaria a Portugal. Quem acreditava que esta “peste chinesa” se viesse a deslocar até cá?
Com muito respeito pelos “chinocas”, os tais que estão, pacificamente, a tomar o Mundo, só quando “il nostri fratelli italiani” foram invadidos, é que acreditámos que aquilo se poderia alargar até aqui.
Todavia, essa fatalidade era atribuída mais ao descuido dos italianos do que à sua imparável evolução. E fomos acreditando que ela não nos apoquentaria. Porém, a sua implantação foi-se alargando pela Europa e pelo Mundo.

O último dia de convívio do “Bando” (11.Março.2020)

Enquanto isto acontecia, nós, os do “Bando”, mantínhamos os nossos contactos, as rotinas e as nossas brincadeiras.
De repente, a coisa agravou-se aqui mesmo ao lado, em Espanha, e começou a invadir-nos sorrateiramente.

Foi já em plena pandemia da Covid -19 que, no final de mais um excelente convívio – Op. Sarrabulho - que o nosso Presidente assumiu, com mais rigor, a devida orientação comportamental do nosso “Bando”.


E foi na taverna do S. Tomé que, quando se apercebeu que o presunto havia sido devorado sofregamente, como causa evidente do acumulado stress e ansiedade, deu um murro na mesa e decretou:
- Vamos entrar todos de quarentena!

Desde então, são casos e casos de inadaptação caseira; de trabalhos, abusos e conflitos; de manifesta falta de calma e evidente ausência de jeito. Se, fora de portas, não valíamos grande coisa, agora, internados, mostramos que não valemos um chouriço (para não dizer: um caralho).
Mas, por outro lado, temos de louvar o esforço de alguns e, acima de tudo, enaltecer as nossas mulheres (as legítimas, claro!) que, decepcionadas com a possibilidade de segunda lua-de-mel, vêm heroicamente resistindo a tudo de mau e do pior que um velho lhes possa dar.

Para fazermos uma ideia da situação actual dos nossos “Bandalhos”, aprisionados nos seus lares, vamos referir os abandalhados casos, cujos verdadeiros nomes, como é óbvio, não vamos poder apontar (porque apontar é… feio).

- Mal chegou o primeiro fim-de-semana, uma série de “Bandalhos” procurou saber se o Zé dos Fados continuava nessa vida de pataniscas e binho berde. É que ele deixou a malta muito apreensiva devido ao seu contacto durante a Op. Sarrabulho. Só aliviámos a ansiedade depois de decorridos os tais 14 dias.

- Ao fim de 5 dias de confinamento, já havia chamadas telefónicas entre mulheres amigas que desesperavam com o comportamento de seus maridos, mais agarrados ao álcool e isolamento do que aos seus deveres do amor e do acasalamento. Um deles foi recuperado pelo INEM, de garrafão na mão, já sobre a Ponte da Régua e outro a dormir, quase em coma, num tasco perto das Termas de S. Vicente. Este justifica-se porque, como de costume, andava aos cabritos; o outro já não diz coisa com coisa (Será excesso de inspiração poética?).

- Outro, querendo mostrar as suas capacidades de eterna juventude, encheu um saco de produtos de fumeiro e uma “bag-in-box” de 20 litros de vinho barato, agarrou no gato e fugiu para a parte alta do concelho de Gondomar.


Subiu a uma árvore e lá se instalou. De tempos a tempos, dá gritos a imitar o Tarzan. É fácil localizá-lo, porque ele assumiu que agora vive nos 1.ºs Galhos da 3.ª Árvore da Rua dos Loureiros, em Medas.

- Outro Bandalho, dali dos lados do S. Domingos da Serra (já perto da China), agarrado ao instrumento, não faz outra coisa. A mulher é que já não o aguenta. Ele, muito criativo, inventa posições, mexe com as mãos, trabalha com os dedos e murmura alguns sons, mas… pouco consegue.

- O Rapaz da Foz, está tão obcecado por ver o mar a bater no farol, que não sai do muro da Foz, nem por nada. Já não usa telemóvel, não ouve ninguém, nem a mulher a chamá-lo para ir comer. Vive perto de outro “Bandalho”, o “Sorridente”, que não larga a neta, nem para a mãe lhe dar de mamar. Nos intervalos, vai ter com o primo, para emborcar digestivos, num dos bares clandestinos.


- O Senhor de Rio Tinto, também se isolou. Não comenta no facebook e não vem à janela, porque tem vergonha do bigode, já mal-amanhado. É que anda desesperado porque o barbeiro fechou e ele, que andava sempre aparadinho, tornou-se num “Bandalho” de aspecto reles.

- O Mesquita também está sem contactos. É pena, porque ouvi-lo defender a pureza das cores Azul e Branco é uma maravilha. Esperemos que não se tenha zangado com as insinuações infames lançadas pelo tresmalhado duriense, na Op Lampreia.

- O Frade, tão reservado nos seus comentários, desapareceu da malta. Há quem diga que saiu de casa e anda focado na procura de um gajo, seu conhecido, a quem demos um chapéu do Bando em troca de um porco (que ainda não entregou).

Entre Bandalhos as promessas são para cumprir

- Chocante é o caso do Bandalho que já não pode ir para Cinfães tratar das coisas do campo, e que ficou preso nas encostas de Coimbrões. Não se cansa de mandar fotos para o facebook, dizendo para onde está a olhar e o que está a fazer. Passa a vida a contar os comboios que passam. Dizem que, da janela, armado em Chefe de Estação, faz sinais com uma bandeira, sempre que um comboio passa. A mulher, coitada, de manhã cedo, leva-o, com o cão, ao relvado da rotunda do Morango, para fazerem exercício e aliviarem… as tripas.

Ainda mais simples que a açorda alentejana

Também já mostrou que está a pão e água. E que, mesmo assim, faz petiscos.

- O Isolino está cada vez mais isolado. Quer entregar a pasta de Presidente da Casa dos Lampiões, e ninguém aceita. Dizem que foi apanhado pela Polícia, na zona de Campanhã, a bater de porta em porta nas casas de Super Dragões a fim de lhes entregar a referida casa abandonada.

O Súcio em Mato Grosso

- Do Súcio ninguém sabe nada. Faz tudo em segredo. Tanto pode estar na Terra Santa a ver o que fazem ao Cristo, como na Praia Copacabana a apreciar o bamboleio das bundas gostozonas. Para mim, ele deve estar retirado em Amazonas, para onde se tem direccionado muito ultimamente. Esperemos que se cuide das perigosas coronas e das covids traiçoeiras.

- De referir também, que o nosso Presidente tem passado um mau bocado. A mulher, que sempre teve por casa alguns cães em trânsito para o abrigo da sua Associação Protectora da Póvoa de Varzim, está inactiva e acusa stress pela ausência do barulho dos habituais inquilinos. Pediu-me para eu arranjar umas cassetes de cães a ladrar, para a ajudar a acalmar e a adormecer.
Por outro lado, ele não suporta a fome (está a engordar que é uma coisa abismal). Foge de casa, procura tascos e confeitarias que ainda estejam abertos. Há dias, caiu de cama, cansado, porque tinha ido lá para junto do Quartel do Carmo, pensando que as “pastelinhas de Chaves” estavam disponíveis (abertas). Não as encontrou abertas e, desfalecido, levaram-no para casa numa carrinha de apoio aos “sem-abrigo” da zona dos Clérigos.

- O Valdemar de Paredes, que andava sempre fora, foi enjaulado num Lar. Saturado com aquele ambiente de velhotas, fugiu para casa, prometendo que passaria a acatar todas as ordens familiares.

- Quem está, também, a atravessar um mau bocado é o Mano Velho. Passados os primeiros 15 dias, já com a arca em baixo e os talhos fechados, virou-se para as “nhecas”, coelhos e gatos, que anda a tentar apanhar. Dizem que está a emagrecer mais de quilo e meio por dia. Se a DGS não mandar abrir os talhos, vai ter problemas sérios com os vizinhos, caso tenha sucesso na “apanha”.

- O João Caladinho, agora que está fechado, tornou-se numa rela insuportável. Dizem os de Massarelos que vêem, lá no alto de Gaia, uma senhora loira a fazer sinais de fumos escuros, perigosamente perceptíveis por Índios da Ribeira, Vagabundos da Foz e Pistoleiros da Afurada.

- No Zoológico da Maia, já foram vistos “Bandalhos” em fuga. Não sabemos se estarão a fugir dos humanos. O certo é que um deles foi apanhado no terraço do Isqueiro, de malas aviadas, à espera de algum Ovni. Há quem diga que isso se deve mais a uma questão de desafecto com um afim familiar.

Foi lá em cima, no terraço do “Isqueiro”, que surpreenderam o Maiato preparado para fugir.

- Lamentável foi saber que o Arturinho do Bonjardim, famoso pela sua perspicácia no “negócio das carnes”, apanhou um enxerto de porrada ao tentar levar donzelas ao domicílio.


- Ao “Bandalho” de Crestuma, muito habituado a sair ao encontro dos primos, foi-lhe escondida a chave do carro e, quando queria fugir de bicicleta, tiraram-lhe as rodas. Agora, só lhe resta comer e dormir, olhar o desleixado quintal ou sentar-se a escrever umas merdas. Sem barbeiro, mais parece um animal.

- Salve-se o caso do Zé Ricardo, que se instalou na sua mansão de férias. Anda ocupado a recriar o seu passado ligado a Cabuca. Ele reactivou a Rádio “Nô Tera”, de onde tem transmitido poesia, palestras culturais e, até, a tal missa em crioulo.
Todavia, nem tudo lhe tem corrido pelo melhor. Tem sido incansável a mostrar à enclausurada namorada as suas habilidades gastronómicas. Algumas foram transmitidas em directo nas redes sociais e hoje, já constam na “Play List” dos vídeos sobre essa matéria.

A satisfação depois da limpeza na zona das suites dos cães.

Claro que ninguém come o que ele cozinha. Nem os cães. Um deles, o famoso Orelhas, comeu, tentando agradar ao patrão, mas a diarreia que apanhou foi tal que o obrigou a uma desinfestação monumental da suite dos cães.

Este é o tal Orelhas que goza de privilégios irritantes. Desta vez, gritou comigo, escaqueirou-me o chapéu e peidou-se descaradamente à nossa frente.

- O Chico do Mogadouro, apanhado pelo Estado de Emergência, teve que ficar em Brunhoso. Está hospedado em rigoroso isolamento sanitário, na casa do Zeca Diabo. Só lá entram os habitantes de Brunhoso e os emigrantes que vão chegando. Pensa-se que esta aldeia ficou vacinada com o desmesurado consumo de vinho caseiro de alta graduação (16/17 Graus) e com a bosta do gado acumulada nas ruas ao longo dos séculos, como pavimentação. Confiamos que com essa tal imunidade local, mais as mesinhas e dietas dessa unidade hoteleira, ele venha de lá carregadinho de energia para nos motivar, que a gente bem precisa.

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Vamos acreditar que tudo correrá pelo melhor. Perante os primeiros resultados, confirma-se que os ex-Combatentes, acusados de “peste grisalha”, se estão a defender bem do coronavírus. Será das vacinas de cavalo que tomaram?

José Ferreira
(Silva da CART 1689)
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20839: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (6): Bó Coelha, uma força da natureza, com 100 anos, está a resisitir ao Coronavírus

Guiné 61/74 - P20867: (De)Caras (154): O comerciante Mário Soares, de Pirada, quem foi, afinal? Um "agente duplo"? - Parte III (Depoimento do nosso saudoso camarada Carlos Geraldes)


Guiné > Região de Gabu > Pirada > 1973 > Vista aérea de Piarada, foto tirada em 1 de agosto de 1972, no DO-27, nº 3492, pelo então ten pilav António Martins de Matos.  Legenda: 1. Pista de aviação e heliporto ( a leste); 2. Estrada para o Senegal (a norte); 3. Estrada para Bajocunda (a sudeste); 4. Estrada para sul / sudoeste (Sonaco, Bafatá e Nova Lamego)

Foto (e legenda): © António Martins de Matos (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Pirada > c. 1964/66 > Croquis, com a localização da casa dos comerciantes Mário Soares e Palha, e de mais outros dois comerciantes, no centro de Pirada, além da tasca do Paiva,  contígua à casa do Mário Soares, a messe de oficiais, o quartel, a escola, a casa do chefe de posto, Barbosa... Junto deste funcionava também um posto sanitário. O quartel foi adaptado de um antigpo armazém de mancarra.


Croquis de parte das instalações ocupadas pelos militares da CART 676 (Pirada, 1964/66): quartos e messe de oficiais,  cozinha, WC, oficina, poço... A sul / sudeste,  ficava a tabanca.

Fonte:  Geraldes (2009) (*)



Guiné > Região de Gabu > Carta de Pirada (1957) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Pirada e Bajocunda.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)



Mário Soares > Pirada > 14/2/1974.

Foto: António Rodrigues (2015)
1. Quem foi Mário Soares, o comerciante de Pirada, de seu nome completo Mário  Rodrigues Soares, que alguns de nós, que passsaram pelo leste da Guiné, conheceram, ou pelo menos ouviram falar dele,  muitos de nós, ao longo da guerra ? (**)

Dizia-se, mais ou menos à boca cheia,  que o Mário Rodrigues Soares (, mais conhecido por Mário Soares,) tinha "relações privilegiadas" com os dois lados do conflito, as NT e o PAIGC. Dizia-se inclusive quer era um "agente duplo", trabalhando tanto para a PIDE/DGS como para o PAIGC. Onde está a verdade, se é que algum dia o viremos saber ?

A CART 676 (Bissau, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66) foi a primeira ficar aquartelada em Pirada. O nosso camarada e grã-tabanqueiro Carlos [Adrião] Geraldes (Lisboa, 1941- Viana do Castelo, 2012) era um dos alferes dessa companhia.   É autor de duas séries no nosso blogue, "Gavetas da Memória"  (13 postes) e "Cartas" (10 postes), onde fala do quotidiano dos militares que nessa época estiveram em Piradas e nos destacamentos de Bajocunda e Paunca.

O Carlos Geraldes conheceu o Mário Soares justamente quando a CART 676, chegou a Pirada, em 15 de outubro de 1964, vinda de Bissau (via Bambadinca, Bafatá e Nova Lamego). Tornar-se-iam amigos. O Carlos passa a ser visita frequente da sua casa. E, nas suas carta, vem defendê-lo da acusação, injusta, de que ele jogava com um pai de dois bicos...

Foi assim, num dos seus postes ds série "Gavetas da Memória" (**), que ele descreveu a chegada a Pirada e o início da sua amizade com Mário Rodrigues Soares:

(...) Pirada, naquela época, resumia-se a uma rua de terra batida que tinha a meio uma espécie se praceta, com um pequenino monumento e tudo. 

(i) para a esquerda era o caminho para o aglomerado populacional, as palhotas;

(ii) ara a direita o caminho levava a uma pequena pista de aviação. 

(iii) m cada canto desta praceta, erguiam-se quatro edifícios caiados e com telhados de telha: eram as casas comerciais, representantes locais de outras sediadas em Bissau;

(iv) seguindo sempre em frente, chegávamos à fronteira com o Senegal, ali a escassos metros;

(v) a meio caminho [, do lado esquerdo,]  erguia-se a casa do Chefe de Posto e o edifício do Posto Sanitário;

(vi) ao lado [, direito,] um celeiro de mancarra que provisoriamente servia de quartel para um pelotão indígena: era ali que a Companhia iria residir… 150 homens, mais ou menos, iriam ficar alojados onde anteriormente estavam pouco mais de 30 (...)

(...) Para alojar os sargentos e os oficiais também se arranjou solução. O nosso amigo comerciante que tinha encabeçado a recepção às tropas recém-chegadas [, o Mário Soares], também já tinha pensado nisso.

Como de propósito tinha mandado arranjar uma casa, situada nas traseiras de um dos estabelecimentos comerciais que, chegava para albergar os dois oficiais e alguns dos furriéis. Os que não couberam, foram alojados pelo Chefe de Posto, o senhor Barbosa, um simpático velhote que vivia sozinho e ansiava por companhia. A casa que ocupava era demasiado grande para ele e de certo modo até ficava mais resguardado a dormir debaixo do mesmo tecto que a tropa. (...)

(...) Depois de um retemperador banho de bidão e de um opíparo jantar para os oficiais e sargentos, em casa do nosso anfitrião, o nosso futuro anjo da guarda, Mário Rodrigues Soares era assim que ele se chamava, sentíamo-nos num paraíso até aí inimaginável. (...) (**)

2. Continuamos à procura de outros testemunhos sobre esta "eminência parda" da guerra na Guiné, no nosso tempo, que foi o Mário Soares, seguramente o civil então mais conhecido... 

Estivemos a reler as cartas do Carlos Geraldes, que nos ajudam a perceber melhor a personalidade e o comportamento deste comerciante português, "bon vivant", hospitaleiro, insinuante, amável, generoso, prestável, com um vasto capital de relações sociais, a nível interno e até externo (com as autoridades e os comerciantes do outro lado da fronteira, no Senegal).

Nesta III parte, continuamos a publicar excertos, selecionados, das cartas remetidas para a família, no período de agosto de 1965 a abril de 1966, ou seja na última parte da comissão, e em que o Carlos  continua a fazer  referências ao seu "amigo M. Santos [leia-se: Soares]".

Em agosto de 1965, ele deixou o destacamento de Paunca e foi comandar a companhia, em Pirada, em substituição, cap art Álvaro Santos Carvalho Seco, a gozar a sua licença de férias na metrópole.

Em abril de 1966, chega ao fim a comissão, o Carlos Geraldes faz um despedida emocionada aos amigos que fez em Pirada e que deixa, com apreensão em relação ao seu futuro. Não sabemos se voltou algum dia a ver (ou a contactar com) o seu amigo Mário Soares.

Outras companhias, entretanto, passaram  por Pirada e o Mário Soares voltou a receber, na sua casa, outros oficiais,como foi o caso do alf mil médico José Pratas, da CCS/ BCAV 3864 (1971/73). Reproduziremos o seu depoimento no próximo poste desta série.


Carlos Geraldes (Lisboa, 1941 - Viana
do Castelo, 2012)
Na véspera do 25 de Abril de 1974, estavam em Pirada o comando e a CCS do BCAV 8323/73, bem a 3ª C/BCAV 8323/73. O Manuel Valente Fernandes, ex-alf mil médico do BCAV 8323/73 (Pirada, 1973/74), nosso grã-tabanqueiro (e antigo aluno do nosso editor Luís Graça, no curso de especialização em medicina do trabalho, na ENSP/NOVA) também era visita da casa do Mário Soares.


Paúnca, 1 de agosto de 1965 (****)

De novo em Pirada agora a comandar a própria Companhia!

O capitão foi de férias e, como o Cardoso, que é o alferes mais graduado, ainda se encontra na Metrópole, tive de vir eu para o comando das tropas, pois sou o alferes que se lhe segue quanto a graduação. (...)

Continuo a ir todas as tardes e principalmente depois de jantar, a casa do M. Santos, onde jogamos umas partidas de xadrez, novo entretenimento que descobrimos. Mas perco sempre pois ele é um jogador muito mais forte que eu. Agora, costumam juntar-se a nós, dois ou três furriéis, de maneira que os serões são muito mais animados. Discute-se política, cinema, literatura e de tudo um pouco, conforme as preferências de cada um.

Quanto às minhas novas atribuições no comando da Companhia, não me preocupam muito porque são poucas ou quase nenhumas. Daqui a poucos dias deve chegar o Cardoso e então regressarei de novo a Paúnca. (...)

Pirada, 8 de agosto de 1965


(...) Hoje tivemos também a festa de despedida do Gabriel,  aquele alferes de Cavalaria, meu companheiro em Bajocunda, de quem me tinha tornado amigo e que, foi nada mais, nada menos, nomeado ajudante do Governador!

É claro que delirámos com a notícia e fizemos mais uma grande festa em casa do amigo M. Santos que, coitado, depois do jantar, já abria a boca até às orelhas, cansado e mortinho por se ir deitar. 


Pirada, 29 de agosto de 1965

Tudo na mesma. Continuo um bocado azedo mas a coisa passa-me.

Só peço que o capitão chegue depressa, para poder regressar a Paúnca. Não fui ensinado para ocupar lugares destes e já estou farto de, quando quero fazer qualquer coisa, ter de andar a perguntar ao 1.º sargento (que também é uma boa bisca) se o posso fazer ou não.

(...)  De resto, a vida aqui em Pirada tem-se limitado a uma ida todos os dias ao quartel, assinar umas quantas mensagens que vão chegando e dar despacho a outras. Depois almoça-se, dorme-se a sesta e se ainda há mais alguma coisa a tratar volta-se ao quartel, senão vai-se até ao balcão da loja do M. Santos dar à língua até a hora do jantar. À noite vai-se outra vez para lá, jogar às cartas com as crianças e também com alguns graúdos que já apanharam o vício.


Pirada, 11 de setembro de 1965


Acabo de vir de casa do M. Santos, onde fui jantar juntamente com o capitão que, felizmente já cá está. Chegou ontem e fui eu próprio buscá-lo a Nova Lamego. Por enquanto parece ainda um pouco abananado com a mudança da Metrópole para aqui e só me deixa voltar para Paunca segunda-feira (hoje é sábado). (...)

A filha mais nova do M. Santos fez oito anos e houve grande festa lá em casa. Ficámos todos muito alegres como não podia deixar de ser. Eu ainda fiz uma retirada a tempo mas o médico e alguns furriéis teimaram em ficar mais algum tempo. Acabaram a cantar e a gritar desalmadamente no meio da praceta. Tive de os mandar calar à força e o furriel enfermeiro tropeçou e deu um valente tombo. No dia seguinte andava de braço ao peito. Foi uma risota.

Paunca, 10  de outubro de  1965


(...) À noite, quando não chove, geralmente sento-me cá fora e coloco o gira-discos a tocar. Como sei que eles [, os homens do pelotão,] não apreciam jazz, pedi ao M. Santos uns discos emprestados, entre eles, os do Solnado (os famosos discos com os monólogos da “Ida à Guerra”), que têm tido um sucesso estrondoso, pois ficam ali à minha volta, sentados em cadeiras, caixotes ou mesmo no chão. E assim passamos grandes bocados da noite, entretidos a conversar e a rir.


Paunca-Pirada, 24  de outubro de  1965

Hoje fui até Pirada ver um jogo de futebol com a Companhia de Cavalaria que está em Bajocunda.

Em Paunca já temos professor primário, é o Timóteo, um rapaz negro muito alto e ligeiramente coxo. Grande falador e grande bebedor também, como deu também para verificar. Esperemos que não me venha a dar problemas, pois parece ter prosápia a mais.

(De facto, como que a comprovar a minha estranheza quanto a alguns aspectos da sua conduta, vim a saber depois, pelo M. Santos, quando já estava na Metrópole, que ele afinal, tinha sido sempre um elemento do IN infiltrado e que, desaparecera repentinamente, quando sentiu avolumar as suspeitas sobre ele.)

Quanto a batuques, são todos os dias, mas não têm metade da graça dos que se faziam em Pirada. A população daqui é menos simpática e pouco comunicativa. Se não fosse por causa do capitão e daquela convivência forçada com o porcalhão da companhia (refiro-me ao Cardoso) andaria desejoso de voltar para lá. Mas assim é preferível ficar estagnado nesta absurda calma de Paunca. À noite, tenho até experimentado ir até casa de um ou outro comerciante, para uma visita, mas, francamente, são de tal maneira broncos e soezes que, regresso sempre sem vontade nenhuma de lá voltar. (...)

Paunca, 17 de fevereiro de 1966


Ultimamente tem havido uma série de falsos alarmes, convergindo as atenções para esta mísera localidade. Assim, de repente, sem qualquer aviso, surgiu aqui um Grupo de Combate de Nova Lamego e um Pelotão de Autometralhadoras Panhard, perguntando a toda a gente onde é que estava o inimigo!

Tratava-se, é claro, de mais um falso alarme, que fez logo saltar dos sofás os chefões na sede do Batalhão.

Confirmado o engano, óbvio é claro, o Grupo de Combate regressou ordeiramente a penates, deixando, no entanto, para trás as Autometralhadoras Panhard, que já agora aproveitavam para fazer umas patrulhas pelas redondezas, não fosse o diabo tecê-las…

Assim temos passado agora umas noites bem divertidas com a companhia destes hóspedes inesperados, aliás excelentes camaradas, especialmente o Comandante, o Alferes Alexandre, um gigante de Angola, sempre bem disposto.

A população que, tem um medo terrível das Panhard, com as suas imponentes metralhadoras de 20 mm, nem quer passar ao pé delas. No entanto soube que as populações mais afastadas parecem ter ficado tranquilizadas com o poderio de fogo que a tropa mostrou ter, para os proteger daqueles a quem eles chamam os bandidos (os turras).

Mas a miudagem atrevida, passada meia hora já andava encavalitada em cima dos blindados, brincando com as fitas das balas tracejantes de 20 mm, rindo com as brincadeiras dos soldados.

E tem sido assim esta guerra, sempre bem encenada, mas sem grandes palmas.

Agora que o Pelotão de Blindados também já se foi embora, voltámos àquela paz bucólica de sempre. Amanhã temos de dar uma grande limpeza no quartel e repor tudo nos seus lugares como dantes. Ficou como uma casa depois de uma grande festa, toda desarrumada e cheia de lixo.

Não deixei de ir a Pirada apresentar os meus hóspedes ao M. Santos, mas, não sei porquê, fui recebido com má cara. No entanto o [alferes]  Castro soube fazer as honras da casa e pagou as bebidas da praxe. 

Quando nos viemos embora, o M. Santos nem apareceu para as despedidas. Fiz de contas que não reparei. Afinal, não lhe devo nada e portanto, boa tarde!

Consta que já fez as pazes com o Cardoso e o recebe muito bem lá em casa. Alguém percebe isto? (...)

Paunca, 8 de março de  1966

No sábado passado, fui a Bafatá passear, pois apeteceu-me mudar de ambiente. No entanto apanhei uma valente estafadela pois a estrada está em péssimo estado e ainda por cima o jeep já não tem amortecedores.

Na companhia do M. Santos, almocei num café e depois fomos às compras. Apenas comprei uns livros e não encontrei mais nada de especial, a não ser um pequeno tapete com motivos árabes, alguns panos típicos, um canhangulo novo e uns pratos feitos de ráfia que podem servir de resguardo, quando se colocam panelas ou outros recipientes quentes em cima da mesa.

Mas o que mais de encontrava eram coisas feitas na China! (...)

Como o Manel Jaquim [,o homem do cinema ambulante,] agora parece ter medo de vir cá cima, não sei porquê, o nosso entretenimento continua a ser jogar às cartas ou ler alguma coisa. (...)



Paunca, 13 de março de 1966

Na semana passada estive dois dias em Pirada, a pedido do Capitão. Esperava a vinda de umas autoridades senegalesas e, como não tem lá ninguém que fale francês, pediu-me para lhe ir dar uma mãozinha.

Afinal a entrevista limitou-se a uma breve apresentação de cumprimentos mesmo sobre a linha de fronteira.

Em seguida, limitei-me a ficar por lá, ir até casa do M. Santos conversar e ouvir um pouco de música dos novos discos que tem recebido.
Em suma passei dois dias sem fazer nada, tal como um verdadeiro turista, passeando e cumprimentando velhos conhecidos. (...)



Paunca, 21 de março de 1966


As novidades para esta semana resumem-se à chegada do Manel Jaquim e a pouco mais. Finalmente reapareceu por cá, com um filme tão ordinário que até senti ganas de lhe apertar o pescoço. Chamava-se “O Capitão Sindbad” e era uma historieta desconchavada tirada das Mil e Uma Noites, excedendo tudo o que já vi de mau gosto e estupidez.

Durante o resto dos dias fui até Pirada várias vezes, para mudar de ambiente, conversar com o M. Santos, ver alguns amigos.

No domingo tivemos cá a visita de um velho comerciante de Pirada, o Gomes, que vive muito só, acompanhado apenas por um criado preto, quase tão velho como ele. Muito amigo de alguns furriéis, foram estes que se lembraram de o convidar para vir também conhecer esta já famosa estância turística. Bebemos uns whiskies e comemos galinha assada no espeto.


Bissau, 19 de abril de 1966

Todas as noites, depois de jantar, reunimo-nos e vamos até qualquer bar ou esplanada da baixa, petiscar camarão ou ostras.

No quartel temos mantido um comportamento tão acima da média que toda a gente está bem impressionada connosco. Acabaram-se os problemazinhos quotidianos que surgiam constantemente, quando estávamos no mato, em Pirada e em Paunca. Agora acordamos todos os dias, alegres e descontraídos, pensando sempre que falta menos um dia.

Uma das coisas que mais me impressiona no comportamento que os nossos soldados estão a ter agora é precisamente a calma com que estão a encarar estes últimos dias de comissão. Até parece que reina entre nós uma certa nostalgia por deixarmos estes lugares.

A nossa despedida de Pirada foi extraordinariamente comovente. Todos os amigos que lá fizemos e que por lá ficaram, o M. Santos e a família, o velhote Gomes e os outros comerciantes, a Ti Clara, a Cumba e todas as outras meninas do régulo Solo Só, vieram despedir-se com lágrimas nos olhos e correram atrás dos camiões até os perderem de vista no pó da picada.

Foi até hoje, uma das despedidas mais dolorosas que vivi. Deixámos ali abandonada para sempre (?) aquela gente que não tem outro modo de existência senão ficar ali, expondo-se a uma ameaça eminente, desaparecendo aos poucos da nossa memória.

(A ameaça eminente a que me referia, era a das presumíveis retaliações, logo que a guerra terminasse, pois os guerrilheiros, futuros vencedores, iriam certamente tratá-los como gente traidora, como cobardes que nunca fizeram qualquer sacrifício em favor da causa. O que infelizmente veio a acontecer, nos primeiros anos de euforia da independência.)

Confesso que também me vieram as lágrimas aos olhos.

Agora aqui em Bissau levamos uma vida regalada, pois o serviço até nem é muito e a camaradagem com aqueles que, como nós, também vão regressar, é entusiasta e franca.

Estes últimos dias são de uma emoção fora de todos os limites. Estou ansioso de subir para o barco. (...)
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Notas do editor:




Guiné 61/74 - P20866: Parabéns a você (1788): Raul Brás, ex-Soldado CAR da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70)

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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de abril de  2020 > Guiné 61/74 - P20857: Parabéns a você (1787): António Pimentel, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2851 (Guiné, 1968/70)

sexta-feira, 17 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20865: Efemérides (324): 17 de Abril de 1968, dia negro para a CART 1689, a morte do Furriel Miliciano Belmiro João (Fernando Cepa, ex-Fur Mil Art)

Em mensagem de 16 de Abril de 2020, o nosso camarada Fernando Cepa, (ex-Fur Mil Art da CART 1689/BART 1913, Catió, Cabedú, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) lembra o trágico dia da morte do seu camarada Fur Mil Belmiro João, passados que são exactamente 52 anos.


O INFERNO DE GANDEMBEL
17 DE ABRIL DE 1968

DIA NEGRO PARA A CART 1689 (BART 1913)
A MORTE DO FURRIEL MILICIANO BELMIRO JOÃO


Na foto, da esquerda para a direita: Furriéis Milicianos, Belmiro João, Sousa, Faria e Cepa


Fernando Cepa
Foi precisamente há 52 anos, a 17 de Abril de 1968, que a CArt 1689 (BArt 1913) viveu um dos momentos mais dramáticos da brilhante passagem pela guerra colonial na província da Guiné Bissau.

Após um ano de intensa atividade operacional pelas traiçoeiras matas da Guiné Bissau, a CArt 1689, incompreensivelmente, foi escalada para participar na célebre Operação "Bola de Fogo" que levou à construção do famigerado aquartelamento de Gandembel/Ponte Balana de má memória para todos aqueles que tiveram a desdita de embarcar para o Inferno de Gandembel.

Como veremos mais adiante, registe-se que o “padre” que batizou a operação com o nome de "Bola de Fogo" sabia perfeitamente do que estava a falar, tamanha foi a brutalidade do potencial de fogo utilizado pelos beligerantes durante toda a operação que decorreu entre os dias 8 de Abril e 15 de Maio de 1968.

Passamos mal a noite da véspera, 16 de Abril, pelo simples facto de não ter havido o habitual fogo de artificio a que o inimigo nos habituara. Aquilo era sagrado. Por volta da meia noite, mais hora menos hora, recebíamos fortíssimas flagelações, desenvolvidas com o apoio de armamento de elevado poder destrutivo, obrigando as nossas tropas a quedarem-se por uma postura meramente defensiva dentro dos buracos escavados no chão a pá e pica. Foi muito doloroso.

Como os “cumprimentos” nessa noite tardavam, o pessoal começou a ficar irrequieto e ansioso, com os nervos à flor da pele, temendo o pior. Ninguém pregou olho. Para mal dos nossos pecados, os companheiros do hotel/buraco, onde pernoitamos 38 dias, já apresentavam sintomas de ficarem apanhados pelo clima, começando a perder o controlo emocional, e, pior ainda, o controlo dos intestinos que por força da última refeição com feijão, infestaram o reduzido espaço com gases fétidos, que se coligaram à abundante produção de suor destilado por corpos jovens sem higiene e sem mudanças de roupa. Dormiam sempre fardados, prontos para o que desse e viesse.
Estes componentes misturados, formavam uma matéria altamente explosiva, quiçá, irrespirável e impossível de aguentar. Mesmo correndo o risco de apanhar, fora do buraco, o ataque que ainda não acontecera, e que não aconteceu felizmente, por volta das três e meia da manhã a maior parte dos comensais saiu, tentando respirar e descansar com as estrelas servindo de teto.

Fur Mil Art Fernando Cepa junto a um Buraco/abrigo em Gandembel

Já estamos a 17 de Abril de 1968. Logo de manhã cedo, recebo instruções do Capitão Maia (hoje General) para preparar o pelotão do Alferes Freitas que eu comandei interinamente durante toda a operação por ausência de todos os graduados do mesmo pelotão. Era para arrancar quanto antes. Saíram dois pelotões. O meu que seguiu na retaguarda e o outro, tanto quanto julgo saber, era o do Alferes Perestrelo que seguiu na frente, com o Capitão Maia à cabeça da coluna, acompanhado pelo Furriel Miliciano Belmiro João com a especialidade de Armas Pesadas, mas que, julgo com formação em minas e armadilhas. Estranhamos a presença do Furriel Belmiro porque habitualmente estes especialistas não acompanhavam a tropa que montava emboscadas.

A montagem da emboscada estava prevista para um local nas redondezas do acampamento, 100 a 200 metros, onde se supunha que o inimigo instalava o armamento para flagelar sem dó nem piedade as nossas tropas durante a noite.

Chegados ao presumível local da montagem da emboscada, analisou-se e avaliou-se o melhor dispositivo para instalar as nossas forças quando o Capitão Maia sugere que se avançasse mais um pouco para colher o benefício da proteção dum enorme monte de terra (vaga-vaga) muito abundantes na Guiné e locais de habitação de enormes colónias de terríveis formigas.

Chegados aí, o Capitão Maia senta-se junto ao monte de terra, vaga-vaga, para apertar os atacadores das botas, enquanto o Furriel Belmiro executa uma pequena prospeção da zona por conhecer rigorosamente os locais onde teria colocado as armadilhas.
De repente, ouve-se uma violenta explosão projetando o Furriel Belmiro à altura de um metro, caindo inanimado de barriga para baixo. O Capitão estupefacto e ferido na perna esquerda, grita-lhe para rodar sobre o lado direito e ficar de barriga para cima, manobra que ainda conseguiu executar com alguma dificuldade. Tinha sido gravemente atingido com estilhaços na cabeça.

Seguiram-se os habituais momentos de tensão, procurando-se a todo o custo assistir os feridos, diligenciando-se o mais rápido possível a vinda de meios aéreos para uma rápida evacuação.
Transferidos os feridos para o interior do aquartelamento, aguardou-se a chegada do helicóptero que não se fez esperar. A Enfermeira Paraquedista imediatamente tomou conta dos sinistrados, prontamente colocados no interior da aeronave.
A Enfermeira apercebendo-se da gravidade do estado de saúde do Furriel Belmiro, combina com o piloto um voo rasante à copa das árvores para evitar as pressões provocadas pelas altitudes.

O heli faz-se rapidamente ao caminho e voa rapidamente, numa primeira escala, até Buba, onde o médico do Batalhão presta os primeiros socorros, medicando os feridos e instruindo a enfermeira sobre os cuidados médicos a observar até à chegada ao Hospital Militar de Bissau.

A 18 de Abril de 1968, o Furriel Miliciano Belmiro João, faleceu, em consequência dos gravíssimos ferimentos sofridos na cabeça, dizem alguns, vítima da armadilha que ele próprio montou. Outros, mais céticos, argumentam que não, contrapondo ser o Belmiro um militar extremamente metódico e cauteloso, sabendo exatamente os locais onde implantou as armadilhas.

Sobre este nefasto acontecimento, regista-se a curiosidade do processo do falecimento do Furriel Miliciano Belmiro João ser encerrado como morto em combate e o processo do Capitão Maia, encerrado como acidente em serviço.

Acabo de ter uma longa conversa com o General Manuel Maia (na altura Capitão) que me ajudou a consolidar a veracidade dos factos.

Sobre o falecido Furriel Miliciano Belmiro João, direi que era um militar acertivo, leal e bom companheiro. Apesar de poucas palavras, gostava duma boa conversa. De fortes convicções, católico assumido, nunca renegou as suas origens humildes e transmontanas. Era um amigo estimado no seio da família dos furriéis milicianos.

O Capitão Maia fez a convalescença no Hospital Militar de Bissau tendo regressado à CArt 1689 já aquartelada em Cabedú no sul da Guiné e, no dia 12 de Julho de 1968, abandona definitivamente a Companhia viajando para a Metrópole para frequentar o Curso do Estado-Maior. No dia seguinte, 13 de Julho, o Alferes Ferreira de Almeida do QP que ficara a comandar a Companhia morre mortalmente atingido durante um violento ataque ao aquartelamento de Cabedú.

Fernando Cepa
Ex-Furriel Miliciano
Cart 1968 Bart 1913
Guiné 67/69
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20854: Efemérides (323): No dia 13 de Abril de 1970, a CART 2732 embarcou no Cais do Funchal, no navio Ana Mafalda, com destino à Guiné (Carlos Vinhal, ex-Fur Mil Art MA)

Guiné 61/74 - P20864: Esboços para um romance - I (Mário Beja Santos): Peço a Deus que tu regresses são e salvo (3)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Fevereiro de 2020:

Queridos amigos,
São reminiscências que vêm a propósito do reencontro com velhas imagens, jacentes num álbum esquecido, não foi felizmente para a Guiné, teria acabado em cinzas. E assim me vieram à mente os primeiros tempos que vivia por conta e risco, sem qualquer vínculo familiar, numa atmosfera de rocha vulcânica e com gente com apelidos para mim pouco frequentes ou completamente novos, como Arruda, Carreiro, Medeiros, Bettencourt, Ávila, Brum, ou Velho Cabral.
Na primeira recruta dada, tinha um intérprete para falar com a gente de Rabo de Peixe, era um falatório que não se entendia. Chegavam circunspectos e intimidados, estes mancebos, conversavam abertamente que se sentiam felizes, havia carne e peixe duas vezes por dia, agradaram-se do banho diário, cabelo cortado e barba a preceito. À noite, rezavam coletivamente o terço na Caserna.
Fiz amizades inquebrantáveis, dolorosamente, vão partindo, um grande amigo, o oftalmologista José Luís Bettencourt Botelho de Melo, que me consertou a vista depois de uma mina anticarro, está no ocaso da vida, depois de um grave acidente cardiovascular.
E a Maria Cremilde Tapia, uma autêntica missionária leiga, partiu recentemente para o lado direito de Deus.
Assim se lançou a semente à terra deste meu amor inconfundível por São Miguel.

Um abraço do
Mário


Peço a Deus que tu regresses são e salvo (3)

Mário Beja Santos

Um tanto familiarizado com a cidade de Ponta Delgada, e enquanto não recebo o acolhimento da família Teves Lemos, por conta própria procuro transportes rodoviários ao fim de semana, quero começar pela Lagoa das Sete Cidades. O autocarro (“a carreira”) sai ao amanhecer de sábado, mal chega à povoação, pouco mais de uma hora depois, descubro que só tenho transporte de regresso ao fim da tarde, e comer nicles, restaurantes ou casas de pasto já no pico do outono é coisa que não existia, lá se negociou com uma particular um pastelão de chouriço com arroz branco e uma sopa de grão com macarronete, almoço inesquecível, a low cost. O dia estava um tanto chocho, o céu com capacete (“forrado”), mas deu perfeitamente para ver na longa deambulação que era local edénico. O tempo passou, e mesmo quando esfriou, alguém nos acolheu até chegar o autocarro, bendita viagem por conta própria. À noite, no café Gil, indaguei junto dos aspirantes micaelenses qual o recanto mais formoso, aventaram-se múltiplas hipóteses, alguém advertiu que nada há de mais celestial que ver nascer o dia na Ponta da Madrugada. Será local que só visitarei décadas depois, confirmando que deve ter sido ali o local genesíaco aonde Deus desenhou a criação do mundo.

Miradouro da Ponta da Madrugada, São Miguel

Percorro nos fins de tarde os locais de devoção. O ponto culminante está no Convento do Campo de São Francisco, onde se guarda a imagem do Senhor Santo Cristo dos Milagres, o Padroeiro supremo na crença açoriana, um busto que nos deixa especados, há naquela escultura e nos traços fisionómicos do Filho de Deus um sofrimento inescapável mas algo nos seus olhos nos transmite a sua capacidade de amor pelos homens, é um sofrimento perpassado pela misericórdia do perdão. E bate à porta das igrejas nesses fins de tarde ventosos ou esfriados, há interiores de templo de opulência discreta e com profundo recolhimento, como esta Igreja de São Pedro, ao tempo já muito perto do fim da marginal, ali havia uma piscina frequentada por gente afoita que víamos nadar em dias ensolarados ou enevoados, nadadores intrépidos.

Interior da Igreja de São Pedro, Ponta Delgada

Momento inesquecível foi a visita que pude organizar para a minha mãe, em casa da família Tapia, deram-lhe cama e mesa e um apetecível itinerário turístico por alguns dos pontos mais retumbantes. A minha mãe aterrou no aerovacas, os mais novos devem pensar tratar-se de uma lenda, era um campo onde as vacas pastoreavam, a torre de controlo informava a hora de aterragem, as vacas eram acolhidas e o avião descia do campo de pastagem, isto num ponto relativamente central, em São Miguel. Eu continuava a dar recruta, estava com a minha mãe ao fim da tarde e fizemos um fim de semana em que se andou pela Bretanha, Mosteiros, Capelas, Lagoa das Furnas, onde não faltou o cozido. Muitos anos depois, a minha mãe ainda falava do passeio à Povoação, ao Faial da Terra, Nordeste e Nordestinho.

Com Cremilde Tapia e a minha mãe

Digo e repito que o mais importante que me aconteceu na mente e no físico graças às duas recrutas dadas nos Arrifes foi descobrir esse dado insólito que era a liderança, tudo genuíno e sem pavoneio, o que era necessário comunicar aos mancebos, desde a simples informação das horas de atividades até às corridas a corta-mato, a carreira de tiro, tudo deslizou sem gritaria nem palavrão, relações sempre aproximadas e festivas, assim emergia um nível de autoridade que foi decisivo em território guineense. Logo a preocupação com o bem-estar desses mancebos que gostavam da comida e das novas práticas de higiene, a afeição das crianças, a procura de atividades lúdicas para o pelotão e houve aquele ponto elevadíssimo que foi o Natal de 1969, em que os marienses ficaram retidos, com lágrima no olho, pois fez-se festa rija, houve missa cantada nos Arrifes e consoada que muitas famílias propiciaram e jamais esqueci essa bondade em hora tão delicada.

Uma nova amizade, o Gabriel calçado e o irmão descalço

Coube-me na rifa o discurso do Juramento de Bandeira, guardei esse papelucho que tanto me deu que fazer, o Comandante do Batalhão, Clodomiro Sá Viana de Alvarenga, de quem corria o rumor de ter estado associado ao golpe de Beja, leu-o previamente, era o que faltava que perante aquelas altas e baixas patentes houvesse o devaneio de dizer uma bojarda contra o regime, pois bem, leu e nada emendou desse meu discurso onde não se falava do regime, nem da guerra, nem do dever pátrio, falava-se do civismo republicano e de ser militar dentro dessa longa tradição de valores de civismo e da proteção da soberania. Aqui fica o registo desse dia e dessa hora, atrás de um megafone com tripé.

Juramento de Bandeira, Arrifes, dezembro de 1967

Tinha perdido o fio a esta imagem, no reverso está a dedicatória para a dama dos meus cuidados, e tem a data de 30 de julho de 1968, primeiro dia em Bissau, seguramente que fui aos CTT com a foto oferecida, e assim a expedi para Lisboa. Ainda estou bem descontraído, só chegarei ao palco da guerra, cinco dias depois, viajarei num barco da mancarra, passarei, já noitinha, e na escuridão total, por Mato de Cão, levo comigo todo o meu enxoval que se irá incendiar em 19 de março de 1969, um garrafão de água e uma ração de combate. Tudo quanto aprendera em Mafra, tudo quanto se exercitara nos Arrifes, tudo quanto fora a minha formação por três mulheres de eleição na formação da minha personalidade, ia ser posto à prova. Mas voltemos a São Miguel, aos amigos e às lides da tropa.

No Uíge, julho de 1968, a Guiné está à vista, e eu ponho o futuro nas mãos de Deus

(continua)
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Nota do editor

Poste anterior de 10 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20838: Esboços para um romance - I (Mário Beja Santos): Peço a Deus que tu regresses são e salvo (2)

Guiné 61/74 - P20863: Memória dos lugares (407): Cuntima: a hortinha da CCAÇ 14 (1969/71) (Eduardo Estrela)




Guiné > Região do Oio > Cuntima > CCAÇ 14 (1969/71) > Início de 1970 > A nossa horta: na foto, o Vitor Dores (1), o António Pimental (2), eu, Eduardo Estrela (3) e o Joaquim Carvalho, infelizmente já falecido.


Foto (e legenda): © Abel Loureiro / Eduardo Francisco (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem de ontem,  do Eduardo Estrela [ ex- fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71]


Luís!

Há dias, o Abel Loureiro (ex fur mil da CCAÇ 14) mandou-me esta fotografia. Foi tirada no início de 1970 em Cuntima, quando nos lembrámos de começar uma hortinha para termos pimentos,  tomates e pepinos. (*)

Foi feita nas traseiras da caserna da Companhia. e naquele momento estávamos a cobrir a mesma com pernadas de palmeira para proteger as ainda pequenas plantas do calor.

Legenda:

(i) De pé, com o quico na cabeça,  está o Vítor Dores [1];

(ii) em posição de golfista,  o António Pimenta [2];

(iii) com uma pernada na mão estou eu [3];

(iv)  e à direita da fotografia o Joaquim Carvalho, infelizmente já falecido [4].

Garanto-te que a produção foi excelente e permitiu colmatar a falta de vitaminas naturais da nossa alimentação, pelos menos durante algum tempo.

O único senão era a "Chica" que de vez em quando se soltava e invadia o espaço , banqueteando-se com o que apanhava.

Também chegámos a ter um galinheiro, mas o ten cor Agostinho Ferreira, comandante do Batalhão [, o célebre "metro e oito"] (**),  sugeriu a sua demolição a pretexto da aglomeração de mosquitos.

Abraço fraterno. Eduardo Estrela.

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 18 de março de  2020 > Guiné 61/74 - P20747: Memória dos lugares (406): Visita ao Campo do Tarrafal na Ilha de Santiago, Cabo Verde, em 2018 (Hélder Valério de Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF)

(**) Vd. poste de  18 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10399: As Nossas Tropas - Quem foi quem (10): Ten Cor Manuel Agostinho Ferreira, o "metro e oito", comandante do BCAÇ 2879 (Farim, 1969/71) e BCAÇ 2892 (Aldeia Formosa, 1969/71) (Paulo Santiago / Carlos Silva / Manuel Amaro)

quinta-feira, 16 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20862: Memórias de um Soldado Maqueiro (Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS / BCAÇ 2845) (2): Em Teixeira Pinto, um pintor/maqueiro ou um maqueiro/pintor

1. Em mensagem do dia 9 de Abril de 2020, o nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro da CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, 1968/70), enviou-nos parte das suas memórias, que esperamos tenham seguimento. Publicamos agora a segunda parte.

TEIXEIRA PINTO

Não bastava o serviço que ia fazendo e isto ainda nos primeiros meses de Guiné, quando numa formatura o Capitão Queiroz, Comandante da CCS, perguntou quem era pintor na vida civil mas, ninguém respondeu. Assim deu meia volta, entrou na Secretaria e 5 minutos depois voltou e chamou meu nome.

Como começou na letra A, foi fácil saber que eu era pintor fora da guerra e então dispensou-me de formaturas para eu ir pintar a Cantina da Companhia.~

Deu-me 4 latas de 5 litros de tinta com as cores vermelho, preto, branco e amarelo, e pôs o carpinteiro a fazer mesas e cadeiras dos barris do vinho, a que eu tinha de queimar a cera para que a tinta agarrasse.

Pintei mesas e cadeiras, pintei paredes e emblemas, como o das Panhards, o da CCS, Batalhão e mapa de Portugal. Uma das paredes era reservada a cada um que quisesse escrever o nome de sua terra em troca de umas moedas para umas "bazucas", cerveja.  No Mapa de Portugal havia apenas cores das Províncias e um pontinho em cada Cidade mas sem nome, que da mesma forma só com uns Pesos na lata era escrito o nome da Cidade. Lembro que o primeiro a querer colocar o nome era um Major de seu nome Guilhermino Nogueira Rocha, mas que aguardou que toda a malta de Lisboa lá colocassem também os Pesos.

Assim nesse sistema o mapa foi cheio não só das Cidades mas também de Vilas.

Numa das paredes e já depois de tropa estar a dormir, escrevi, Sala Tenente Coronel Aristides Pinheiro, que com a Bandeira Portuguesa foi tapado para o dia da inauguração da Cantina.

Chegou o dia e à noite, por volta das 21h00, concentraram-se os Oficiais, Sargentos e a tropa da CCS e não só, pois também alguns civis marcaram presença bem como o Major Guilhermino Rocha, e então o Comandante, Aristides Pinheiro, fez a inauguração da Cantina com o seu nome. Houve festa da boa pois tinham vindo de Jolmete para o efeito alguns militares da companhia 2366 com concertinas, viola e bombos, tornando a festa mais linda. O mal foi a partir dali.

O Major, a quem chamávamos o V..., cheio de inveja por não ser o seu nome na Cantina e ser do Comandante, começou a passar por mim e ameaçar-me com uma porrada, até que um dia mandou o seu condutor procurar-me no Quartel para ir ter com ele. Não fui, mas no dia seguinte ameaçou o condutor com uma porrada se não me levasse. Estava eu a sair da Casa do Médico , o “Dr. Maymone”,  às nove da manhã quando o condutor parou o Jeep e disse-me para eu entrar e que arranjasse desculpa para o Major porque ele estava como uma fera e prometia porrada. Então entrei no Jeep, e logo tirei a boina da cabeça, desabotoei a camisa e pus a fralda de fora.

Ao chegar ao Comando, o homem em grande gritaria contra mim, perguntou-me se era forma de me apresentar a um Comandante, e onde tinha estado no dia anterior que ninguém me viu no Quartel. Respondi que tinha estado de Guarda ao Fortim, o que era mentira. Então disse-me ele:
- Quero-te aqui à uma hora para começares a pintar o Bar dos Senhores Oficiais.

Ao que eu respondi que não era pintor mas sim do Serviço de Saúde. Resposta dele:
 - Não quero saber, e à uma hora aqui, e não és dispensado de qualquer serviço.

Chamou o rapaz que estava no Bar e disse-lhe que,  enquanto eu estivesse ali a pintar, para não me levar dinheiro daquilo que eu quisesse do Bar.

Apareci para o trabalho às duas da tarde e não à uma como ele tinha dito. Ele estava à minha espera e disse-me:
- Eu não te mandei estar aqui à uma hora?

Minha resposta foi que tinha estado à uma hora mas tinha o maçarico entupido e tive de ir à oficina auto desentupir, por isso cheguei mais tarde.

Então disse ele que ia perguntar ao Sargento Mecânico se eu tinha ido lá com o maçarico e também ia à Secretaria saber se eu tinha estado de serviço e foi mesmo mas eu já tinha falado com o 1.º Sargento e com o Mecânico para eles confirmarem.

Normalmente aquele trabalho era para uma semana, mas levou um mês, já que como não pagava nada no Bar, era só desenfiar tabaco e cerveja para o pessoal do Serviço de Saúde e para mim.


Num belo dia o tal Major foi dar uma volta numa motorizada de um Fuza, e ao chegar ao fundo da Avenida caiu e esfarrapou-se todo. Telefonou o médico para a Enfermaria e lá tive eu de lhe ir fazer o curativo durante 5 dias.

Mais tarde apanhou o paludismo e eram 2 horas da noite, telefonou o médico para ir medicá-lo com urgência que estava com paludismo. Chamei o Maqueiro de serviço e, como era urgente, o rapaz nem se fardou como devia levando nos pés uns chinelos, sem boina. Foi, bateu à porta e o Major manda entrar mas ao ver que ele não estava fardado em condições, insultou-o de tudo e ameaçou-o com uma porrada. Isso de porrada era o seu forte em oferecer. O Maqueiro chegou à Enfermaria todo furioso porque o Major o insultou, sinal de que não estava assim tão mal como o médico tinha dito.

Peguei eu no estojo com seringa e agulha e lá fui em tronco nu sem nada na cabeça. Bati à porta e logo me mandou entrar. Ao olhar para mim, num forte grito disse:
 - Ó pá,  tu és enfermeiro ou pintor? Entra.

Entrei e disse-lhe que era pintor na vida civil e Maqueiro na guerra. Então preparei uma injeção que tomou nas veias e logo outra de Hidromicina Forte, intramuscular. Tinha dado as injeções e diz ele:
- Então não me dás mais a injeção?

Respondi dizendo que a próxima seria no dia seguinte. Então diz ele:
- Ó pá tanta vez te ofereci porradas e tu ias apanhá-las e não dizias nada.

Eu respondi:
- Meu Major eu conhecia bem seu feitio e sabia que nunca me ia castigar porque nunca fiz mal a ninguém e cumpria tudo direitinho como na Recruta me haviam ensinado. Por outro lado, saiba o meu Major que sou voluntário aqui na Guerra.

Diz ele:
- Voluntário?
- Sim meu Major. Eu tinha estado em Angola e quando começaram os massacres perto de mim, lá no Norte, concretamente no Quitexe, eu tive de vir embora, mandado pelo Administrador, pela idade que eu tinha, 14 anos. Depois, cá, para não ir para a tropa porque iria parar ao Ultramar, fugi para França de assalto. Ao fim de um ano tive de ir ao Consolado de Portugal em Lyon e perguntei ao Cônsul até que idade tinha de estar em França para não ir para a tropa, ao que ele respondeu que só a partir dos 40 anos podia regressar a Portugal. Não esperei mais e fiz o passaporte de regresso a Portugal e vim para a tropa. Por isso considero-me voluntário.

Então o Major bateu-me nas costas e disse:
- Fizeste bem, rapaz. Daqui a pouco tempo vamos embora e és um homem livre. Não conhecia tua história e coragem. Agora quero que sejas tu a vir dar-me as injeções que faltam porque não quero outro.

A partir dali era dos melhores amigos que eu tinha, e tanto assim que todos os meses mandava o impedido dele vir entregar-me um envelope com 100 Pesos dentro. Eu dizia cá para mim, que pena não ter sido mais cedo…

Em Teixeira Pinto e arredores não havia ninguém que gostasse dele e até chegou o General Spínola a ir a Teixeira Pinto falar-lhe e ameaçá-lo com um castigo, o que veio mesmo a acontecer, pois mandou-o para o Cacheu.

Foi numa das escoltas, e para nosso espanto, num belo dia, ao inicio da tarde, apareceu de Jeep sozinho em Teixeira Pinto, regressando na mesma sozinho até ao Cacheu. Ficávamos espantados porque não fossem os bombardeiros ou o heli canhão levávamos porrada. Como era possível ele fazer aquilo sozinho?

Estas são memorias minhas mas que há muito mais para contar.

Albino Silva,
Sol. Maq. 011004/67
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Nota do editor

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