sábado, 18 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20869: Os nossos seres, saberes e lazeres (386): Uma memorável visita ao mundo albicastrense (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2019:

Queridos amigos,
Foi a chamada visita de médico, ir a Castelo Branco de relance, para a próxima será digressão mais cuidada abarcando Idanha-a-Nova, Penamacor, obviamente começando por Vila Velha de Ródão, sabendo que o viandante dá guarida em Pedrógão Pequeno não são poucos os que pedem para lá ir e no fundo o que pretendem ver são as Portas do Ródão.
A despeito do tempo contado, esmiuçou-se jardim e museu, houve assombro com o Centro de Cultura Contemporânea, quem foi nesta visita regressou com a memória intranquila, não houvera tempo para ir ao Museu Cargaleiro, nem aos têxteis nem à casa da memória da presença judaica.
Foram feitas juras e promessas, volta-se com mais tempo para fruição destas belezas da Beira Baixa, diga-se de passagem, são incomparáveis.

Um abraço do
Mário


Uma memorável visita ao mundo albicastrense (3)

Beja Santos

Castelo Branco tem oito museus de tirar o chapéu, um universo onde cabem os bordados, tesouros arqueológicos nacionais, a evocação da rota da seda, a arte pictórica de Manuel Cargaleiro, o Centro de Cultura Contemporânea, os têxteis, a homenagem ao canteiro, a memória da presença judaica. Quem visita o jardim episcopal por inerência vai ao paço. Aliás, há uma saudade que precisa ser resgatada no Museu de Francisco Tavares Proença Júnior: o viandante quer curvar-se respeitosamente diante da escultura de D. Fernando de Almeida. Médico ginecologista, foi uma vocação tardia para a arqueologia, o seu doutoramento revelou a importância da Egitânia, um vestígio visigótico impressionante, ali em Idanha-a-Velha. D. Fernando era professor na Faculdade de Letras de Antiguidade Clássica e Arqueologia. Um grande conversador e brejeiro. Conto uma história a que assisti, uma prova oral de Antiguidade Clássica, D. Fernando era miudinho e especioso com vultos mitológicos, a rapariga estava a caminho de um estenderete, ele perguntou-lhe como se chamava a cabra que amamentou Zeus, chorosa, anunciou: “Desisto, venho em setembro”. Ele disse que não, lembrou-lhe um parto que tinha feito naquela manhã, e parecia declamar para a assistência, a parturiente, uma cigana, gritava a plenos pulmões, eu desisto, eu desisto, eu desisto. “Sabe o que é que eu disse, já estafado de ouvir? Tivesse desistido no princípio, não estávamos agora aqui nesta berrata que me impede de pôr a criança cá fora…”. A rapariga gargalhou, e D. Fernando anunciou que iam continuar a prova, acabou por ser aprovada, ainda que com nota mínima. O museu insere-se no Paço Episcopal, abriu ao público no final da monarquia. Tavares de Proença Júnior ofereceu a sua preciosa coleção arqueológica, o museu foi engordando com vários objetos de arte provenientes do antigo Paço Episcopal. E diversificou-se com a incorporação de pagamentos e colchas bordadas e algumas ofertas. O edifício continua a impressionar imenso, era residência do bispo de Viseu e da Guarda no final do século XVI, outros bispos fizeram acrescentos, e o jardim. Com a extinção das ordens religiosas, era fatal como o destino que andasse em bolandas, por aqui passaram a Escola Normal, o Liceu Nun’Álvares e a Escola Industrial e Comercial. Quem o visitar, contemple o exterior, imponente e sóbrio.



A Direção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais aqui fez campanha, nos anos 1960, o Paço tem tetos primorosos que neste momento prendem menos a atenção devido às vitrinas das colchas de Castelo Branco. O museu reabriu em 1971, voltou a encerrar em 1993 e retomou o seu funcionamento pleno em 1998, já organizado de modo a ter uma exposição permanente em torno de dois temas principais dedicados à história do bispado e ao bordado de Castelo Branco. No rés-do-chão, pode visitar-se o legado arqueológico de Tavares de Proença Júnior. Veja-se um teto um tanto asfixiado pela beleza das colchas de Castelo Branco.



O núcleo das peças do bispado é impressionante, do melhor que temos em arte sacra, o viandante gostou muito de uma pia de água benta que fazia parte da capela do bispo e não ficou alheio a um Cristo em marfim, quem o talhou tinha mãos primorosas.



D. Fernando doou o espólio bibliográfico ao museu, de que foi diretor. O escultor Joaquim Correia foi muito feliz neste seu trabalho, é o médico ginecologista, o arqueólogo por uma pinta. O viandante olha-o fixamente, lembra-se como o professor expedia os alunos para tudo quanto fosse escavação, coube-lhe a Egitânia, experiência inesquecível, a não ser a canícula daquele agosto de 1964.



O museu tem como missão “o estudo e investigação, a recolha, a documentação, a conservação, a interpretação, a exposição e a divulgação do património cultural que integra o seu acervo, com especial relevo para as coleções de arqueologia e de têxteis, entendidas enquanto referências identitárias, fontes de investigação científica e de fruição estética”. A sua principal vocação disciplinar passa pela arqueologia, o bordado e a arte sacra.


O Novo Banco doou ao Museu Francisco Tavares Proença Júnior uma natureza morta atribuída ao pintor flamengo Jan Fyt (1611-1661), intitulada “Natureza morta de flores”.

O viandante vai de saída, passa de novo pelo jardim episcopal, não resiste a dar uma nova espiada a essa monumentalidade barroca e capta, em jeito de despedida, as últimas imagens, aquelas escadarias são imponentes, com reis e apóstolos, há depois o universo da água que se intercala entre buxos, nos três patamares, já falámos no grande lago encimado pela cascata de Moisés, há também o jardim alagado, todo reticulado por cantaria. Mas que grande beleza! Até à próxima, Castelo Branco.


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Nota do editor

Último poste da série de 11 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20844: Os nossos seres, saberes e lazeres (385): Uma memorável visita ao mundo albicastrense (2) (Mário Beja Santos)

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