"Santiago, foi um dos quatro primeiros apóstolos que seguiram Jesus e seu primeiro mártir, foi mandado degolar pelo rei Herodes. Os seus restos mortais foram levados para a região galega de Compostela, tendo aí nascido o maior centro de peregrinação da Europa cristã, Santiago de Compostela. A imagem existente na igreja Matriz de Castelo Rodrigo representa um guerreiro a cavalo lutando com um mouro já dominado e debaixo das patas do cavalo, normalmente designado de Santiago “Matamouros”.
1. O termo ficou no léxico da língua portuguesa: "mata-mouros" (nome masculino, de dois números) é o "indivíduo que exagera os seus feitos e valentias", sinónimo de fanfarrão, ferrabrás, valentão...
E ficou também na toponímia e na antroponímia: referências históricas apontam para a existência de indivíduos com este apelido, como "Fernão Domingues Mata Mouros" e "Alberto Mata Mouros de Resende da Costa", sugerindo que, embora raro, o apelido tem raízes antigas nosso território.
Há também relatos anedóticos da presença de famílias com este apelido na região do Algarve, uma zona de forte influência muçulmana e palco de inúmeros confrontos durante a "Reconquista".
A toponímia portuguesa também conserva a memória destes tempos, com exemplos como a "Quinta de Mata Mouros" em Silves, no Algarve, um local histórico que hoje alberga uma adega. Em Espanha, na Extremadura, Badajoz, há o município Valle de Matamoros.; e haverá maisde 3,3 mil indivíduos, com este apelido, de acordo com a Geneanet ,
Rara ou incomum, a expressão chegou todavia aos nossos dias como apelido de família (ou sobrenome), erm Portugal. A origem deve ter sido por alcunha, e não por via patronímica (nome do pai), toponímica (nome do lugar de nascimento) ou outra.
- um senhor, Ministro da Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas no XV Governo Constitucional (entre 2002 e 2005);
- uma senhora, antiga juiza conselheira do Tribunal Constitucional, há uns atrás.
O apelido "Mata-mouros", carregado de conotações históricas da "Reconquista Ibérica", revela-se de rara presença em Portugal e é praticamente inexistente nos restantes países lusófonos.
(i) Origem e significado histórico
O termo "Mata-mouros" é uma alusão direta às batalhas travadas durante a chamada Reconquista Cristã da Península Ibérica, que se estendeu por séculos (séc. VIII- séc. XV), acabando com a conquista do reino de Granada, o último reino mouro, em 1492 (o ano da descoberta do "Novo Mundo").
A expressão significa literalmente"aquele que mata mouros". Era frequentemente usada como epíteto, alcunha ou cognome, atribuído a guerreiros que se destacavam pela sua bravura nos confrontos com os muçulmanos do Al-Andalus.
Esta designação está intrinsecamente ligada à figura de Santiago Maior, o apóstolo padroeiro de Espanha e de Portugal, frequentemente representado na sua faceta de "Santiago Matamoros" (ou "Mata-mouros").
A iconografia do santo a cavalo, brandindo uma espada sobre mouros caídos (vd. imagem acima), tornou-se um símbolo poderoso da cruzada cristã e inspirou a toponímia e, nalguns casos, a antroponímia.
Em Portugal, a palavra "mata-mouros" adquiriu também um significado figurado: por exemplo, o Dicionário Priberam define-o como o indivíduo fanfarrão, ferrabrás ou valentão, uma derivação curiosa que reflete a transformação de um epíteto de guerra numa expressão popular.
(ii) Presença em Portugal: um apelido raro mas notável
Apesar da sua forte carga histórica, o apelido "Mata-mouros" é pouco comum em Portugal. A sua raridade é atestada pela dificuldade em encontrar famílias com este nome em listas telefónicas e a ausência de referências em bases de dados genealógicas.
A pesquisa da IA em bases de dados e registos "online" do Brasil, Angola, Moçambique e outros países de língua portuguesa também não revelou a presença do apelido "Mata-mouros".
A ausência do apelido "Mata-mouros" nos PALOP e no Brasil pode ser explicada pela sua origem muito específica e ligada a um contexto histórico-geográfico que não se transportou da mesma forma durante o período da colonização. As peregrinações a Santiago entraram em decadência acelerada já em meados do séc. XIV (com a "peste negra", a crise demográfica, as guerras, etc.). A formação da sociedade brasileira, colonial e escravocrata, em contrapartida, vai dar-se num contexto diferente, com outras influências e dinâmicas na atribuição de apelidos.
Em suma, o apelido "Mata-mouros" é uma herança direta da chamada Reconquista em Portugal, um testemunho onomástico de um passado de conflitos e da construção de uma identidade nacional. A sua raridade contrasta com a força da sua simbologia.
2. Felizmente ainda é verão, apesar da "rentrée" para muitos (a escola, o trabalho, as vindimas, as consultas médicas, etc.). Nós, entretanto, vamos continuando por Candoz por mais uma semana. (*)...
(i) Devoção religiosa e santoral:
(ii) Toponímicos exóticos:
(iii) Apelidos-epíteto ou de alcunha:
(iv) Apelidos de conotação guerreira ou étnica:
(v) Hagiotoponímicos raros:
Muitos destes apelidos começaram como alcunhas, marcas de devoção, ou indicações de origem, e só mais tarde se fixaram como sobrenomes de família. Os contextos de nomeação variavam amplamente, desde motivos de sobrevivência (mouros, judeus, escravos africanos que foram obrigados a converter-se e adotar nomes cristãos), percursos de peregrinação (“Santiago”, “Compostela”, “Peregrino"), até sátira, história pessoal ou identificação local, a alcunha ("apelido", em português do Brasil) funcionando como uma verdadeira "etiqueta" que não precisa(va) de ser colada á testa.
Em resumo, "Mata-mouros" junta-se assim a lista de apelidos históricos insólitos em Portugal, muitos deles provenientes de episódios da "Reconquista", da escravatura, da perseguição aos mouros e aos judeus, da cristianização forçada (1497), inquisição ou de eventos locais marcantes.
- desde os superiores hierárquicos (Caco Baldé,"Aponta, Bruno!, Pimbas, Alma Negra, Gasparinho, Bagabaga, Major Elétrico, Coronel 11, Trotil...);
- até aos milicianos e praças ("Tigre de Missirá", "Pato da Bolanha", "Mec-Mec", "Chico", Chicalhão", "Pastilhas", "Caga-tacos", "Meia-leca","Meia-foda", "Mouraria", "Bolha d'Água", "Parte-punho", "Cara de Cu", "Quatrocentos", "Aguardente", "Tempo Embrulhado", etc., até ao "Se-te-vens" (corruptela do nome de uma marca de cigarros, por que era conhecida a esposa de um camarada nosso), etc. ) (**);
- na FAP, e entre os pilotos, era normal todos terem um "nome de guerra": "Batata" (António Martins de Matos), "Kurica" (Miguel Pessoa)...
4. Também existem, no português europeu, apelidos e alcunhas de natureza pícara, brejeira, maliciosa, erótica ou até pornográfica, em Portugal, e especialmente no Alentejo, onde o calão e o humor popular têm longa tradição.
- Bicha/Galhofo/Maricas: termos que circulam como apelidos depreciativos devido à sexualidade ou maneiras.
- Calhandro(a): não tem conotação sexual, mas designa alguém "atiradiço", insinuação de promiscuidade ou pouca vergonha;
- Galdéria: mulher de reputação duvidosa ou de vida sexual livre, às vezes usada como epíteto familiar;
- Escalda: “Rapariga muito quente nos bailes”, apelido para mulher considerada fogosa ou promíscua;
- Javardice/Javardo(a): usado para pessoas consideradas desleixadas ou de hábitos sexuais libertinos, pode ser alcunha direta;
- .Joana dos Moços: mulher que teve vários filhos de diferentes pais — insinuação maliciosa sobre a sua vida íntima;
- Lambança: conversa atrevida, mexericos de natureza sexual, também pode ser usada como apelido para quem gosta de "porcaria";
- Langonha: sgnifica esperma (sémen), também usada em sentido jocoso;
- Meia-Foda: muito comum, usada para designar pessoa de baiza estatura, mas também associada à situações ambíguas ou mal resolvidas em matéria sexual (igual a "meia-leca", na tropa);
- Minete: calão direto para sexo oral (=cunilíngua), ocasionalmente designando alguém atrevido;
- Ó Punheta: usado como exclamação, mas também como alcunha para alguém dado à masturbação ou simplesmente irreverente (equilavente a "parte-punho", na Guiné, no calão da tropa);
- Pai do Cu: alcunha dada a homens considerados sexualmente libertinos, mulherengos ou, segundo usos, alvo de pilhéria por algo relacionado com sexo anal ou escatologia; tornou-se célebre nas aldeias porque existiam mulheres que, sendo vítimas de violência doméstica, gritavam: “Valha-me o Pai do Cu!”.
- Pandarilho/Pandelero/Panasca: são variantes antigas e regionais para homem afeminado ou homossexual, por vezes maliciosamente aplicadas ou sentido pejorativo;
- Passarola: termo popular para órgãos genitais femininos (=vagina; "pito", no Norte), usado como alcunha, servindo de mote trocista ou para atribuir a alguém fama de devasso;
- Pentelho/Pintelho: pèlo púbico,pormenor insignificante, pessoa irritante, aborrecida,importuna;
- Pixa, Gaita, Pau, Piça, Picha d'aço: diversos calões penianos conferidos como alcunha a, por exemplo, jovens atrevidos, mulherengos ou simplesmente alvo de chacota;
- Prenha: mulher grávida fora do casamento;
- Tronga: mulher da vida/prostituta;
- Zorra: prostituta ou mulher de reputação duvidosa; "filho de zorra": bastardo, filho natural, filho de padre (em Trás-os-Monres).
Muitas destas alcunhas alentejanas com conotação sexual, pícara, erótica ou maliciosa fixaram-se oralmente e, por vezes, até integravam o quotidiano rural.
A atribuição era (e é) frequentemente pública e marcava para sempre um indivíduo ou família na pequena comunidade rural, fechada como, por exemplo, Aldeia Nova de São Bento (***).
Há grande criatividade, ironia e até intencionalidade social: reforçar a moralidade coletiva pela sátira, pela provocação ou pelo controle do comportamento sexual.
Estas alcunhas testemunham a riqueza, a ousadia, a espontaneidade e a criatividade o falar popular alentejano, fazendo parte de uma tradição de oralidade onde o erótico e o pornográfico convivem com o burlesco, o pícaro, o brejeiro e o satírico.
(**) Vd. poste de:
6 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10342: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (25): "O Aguardente"