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quarta-feira, 2 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26975: (Ex)citações (435): Não tememos vir a público falar sobre os filhos que por lá ficaram nos três teatros de guerra, Angola, Guiné, Moçambique... (José Saúde, escritor, e ex-fur mil OE/Ranger, CCS / BART 6523, Nova Lamego, 1973/74)

1.  Comentário do José Saúde 
ao poste P26972 (*)

Camaradas,

O tema é real. Reconheço que, em princípio, não terei sido bem interpretado por alguns dos camaradas, mas o tema é exatamente verdadeiro. Não é, ou foi, ficção. 

Não tememos falar sobre os filhos que por lá ficaram nos três teatros de guerra Angola, Moçambique e Guiné, cuja vinda ao mundo foi originada por camaradas nossos, e não me excluo, que em certos momentos de amor físico lá deixavam "sementes" que originaram crianças com a patente lusa. 

Por isso, arrisquei trazer a público a questão dos "filhos do vento", algo que se assimilava a um tabu, melhor, a uma caixa hermeticamente fechada no silêncio dos deuses e "ai, Jesus, quem porventura o fizesse", pois logo vinha a misericórdia em que os mais atrevidos, neste caso eu assumo-o com inteira justeza, eram zurzidos com as mais díspares "soberbas" posições, que eu próprio admiti e compreendi, mas jamais me vergando a quem assim o entendia. 

Respeita escrupulosamente opiniões adversas.

Somos, hoje, camaradas que militamos na casa dos 70 ou 80 anos, por conseguinte tudo é passado, mas lembrem-se, e sempre, que nós, "os tugas", éramos "miúdos" na casa dos 20, 21, 22 ou 23 anos, por conseguinte, nunca esqueçam que houve crianças, hoje homens e mulheres, que ao longo da vida se confrontaram com problemas tribais que lhe atribuíram um símbolo de valores na verdade nefastos.


Bem-haja a hora em que aqui no nosso blogue, Luís Graça & Camaradas da Guiné, ou no livro "Um Ranger na Guerra Colonial, Guiné-Bissau,  1973/1974" (Edições Colibri, Lisboa)=, trouxe o tema a público e que resvalou para patamares superiores e, quiçá, impensáveis.

Deixo uma troca de mensagem entre este vosso camarada e a jornalista Catarina Gomes, autora dos episódios (que começam a ser exibidos na RTP, na quarta, dia 3) (*)

Abraço, camaradas, Zé Saúde (**)
_________________

Troca de mensagens recentes entre o José Saúde e a Catarina Gomes:

José Saúde:

Catarina, o tema foi tabu ao longo de vários anos, todavia, valeu a minha iniciativa em trazer a público os "filhos do vento" que abriram estradas para que hoje essa temática deixasse de ser um misterioso mundo onde se cruzavam segredos que poucos ousavam, e ousam, admitir. Mas, a humanidade, sim nós seres pensantes que fomos meros protagonistas na guerra colonial, conhecemos essa realidade.

 Quando lancei o tema, quer no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, ou num dos meus livros já editados (11) - "Um Ranger na Guerra Colonial, Guiné-Bissau,  1973/1974" (Edições Colibri, Lisboa), fui sujeito aos mais fúteis comentários, porém, nada me incomodou e segui em frente, dado que eu, afinal, tinha razão e sabia daquilo que falava. 

Para esses homens e mulheres, outrora crianças, deixo expresso o meu singelo sentimento de solidariedade. Sejam felizes, porque são gentes com sangue de tuga. Eu testemunhei e afirmei-o conscientemente.

Catarina Gomes:

José Saúde: Foste tu quem abriu esta caixa, que continua a reservar surpresas. Muito obrigada. Beijinhos




Capa do livro do José Saúde, que foi apresentado na Casa do Alentejo, Lisboa, em 8 de fevereiro de 2020, pelo major general Raul Cunha e por Luís Graça.


(...) Era linda! Por ironia do destino não consigo lembrar-me do seu nome. Sei, e afirmava o povo com certezas absolutas, que era filha de um camarada, furriel miliciano, que anteriormente esteve em Nova Lamego. Era uma criança dócil. Meiga. Recordo que a sua mãe era uma negra, muito negra, com um rosto lindo e um corpo divinal. Conheci-a e verguei-me perante a sua sensibilidade feminina. Da menina, agora feita senhora, nunca mais soube.(...) A menina foi, afinal, mais um dos “filhos do vento” que marcaram os conflitos em África. (***)


O Zé Saúde, alentejano de Aldeia Nova de São Bento, a viover em Beja,  "ranger", jornalista e escritor, foi o primeiro a levantar aqui, entre nós, a dolorosa e delicada questão dos "filhos do vento"...

A expressão "filhos do vento" foi usada pela primeira vez em 19/9/2011 (***).

 Temos uma centena de referências a esta temática ("filhos do vento" e "fidju di tuga"). 
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26972: Agenda cultural (892): "Filhos de tuga": documentário em três episódios, com a duração de 52 minutos cada: começa amanhã na RTP1, às 22:29

(**) Último pposte da série > 2 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P26974: (Ex)citações (434): Uma questão de "falso pudor"... (José Teixeria, régulo da Tabanca de Matosinhos; ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70)

(***) Vd. poste de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”

7 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Zé, a expressão "filhos do vento" foi usada por ti, pela primeira vez, no teu poste de 19 de Setembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8798: Memórias de Gabú (José Saúde) (3): reflexos de uma guerra que deixou marcas no tempo: “Filhos do vento”

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Cherno Baldé, na altura, comentou:

Caro José Saúde,

Pessoalmente, conheci muitos casos de "Filhos do vento" nascidos de "pais cabeças de vento" que nunca quiseram saber ou se responsabilizar dos seus irrefletidos atos, salvo rarríssimas exceções, marcando assim, de forma indelével, o início das suas vidas que, na verdade, não tinham o valor a eles devido ou que é devido a cada ser humano.

No caso do chão Fula, que conheço melhor, a maior parte desses filhos abandonados foi integrada e educada no seio das famílias, mas não teve nem o afeto nem o respeito que mereciam, pois tratava-se de filhos nascidos de um erro, uma falha impossível de camuflar e uma vergonha ou da sua falta, ainda mais difícil de explicar.

Mais tarde e já adultos, muitos emigraram para as cidades, onde são conhecidos pelo nome de "Brancu Mpelélé", ou seja, branco pobre como o resto da população, uma anormalidade social.

Muitos conseguiram passar a muralha da Europa e estão por aí, mais perto do que poderão supor, provavelmente, â procura das suas ra~izes violadas ou, quem sabe, dos seus direitos negados.

Um grande abraço a todos,

Cherno Baldé

terça-feira, 20 de setembro de 2011 às 12:08:00 WEST

Carlos Vinhal disse...

Acho injusto que só se fale dos filhos do vento deixados nos três TOs. Conheci um antigo militar que esteve em S. Tomé que assumiu a paternidade, muitos anos mais tarde, de uma filha. Pagou as viagens à filha e à neta para virem a Portugal conhecer o pai e avô. As duas quiseram regressar a S. Tomé.
Haverá casos semelhantes em Cabo Verde e Timor, seguramente.
Carlos Vinhal

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Carlos, tens toda a razão ? E os filhos do "luso-tropicalismo" ? E os filhos, não assumidos, dos civis, antigos colonos ? E os filhos de pai incógnito na metrópole de então ?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Queria dizer, "Carlos, tens toda a razão!"...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Quantos casos é que há ? Ou houve ? Precisamos de ter estimativas credíveis... E uma assunção pública, do Estado Português, deste problema que continuamos a guardar no armário dos esqueletos do império... Para que não haja aproveitamentos populistas, demagógicos, de situações que ainda continuam a provocar sofrimento... Ás guerras nunca acabam...

Eduardo Estrela disse...

O Estado não assume a sua responsabilidade relativamente aos combatentes, europeus e africanos.
O Estado ignora-o a. A eles e aos filhos do vento de cabeças de vento, como bem lhes chamou o Cherno.
Abraço
Eduardo Estrela