Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta Diogo Gomes. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Diogo Gomes. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27078: Notas de leitura (1827): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 5 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Julho de 2025:

Queridos amigos,
A importância da Relação dos Descobrimentos da Guiné e das Ilhas é historicamente indiscutível, completa outra documentação fundamental, logo a Crónica de Zurara. Temos aqui o reportório das diferentes exposições e a chegada à Senegâmbia, com receções muito hostis; diz-se claramente que o Infante recebia um quarto de todo este comércio, de onde vinham ouro e escravos; põe-se ênfase nas exposições de Nuno Tristão e nas de Diogo Gomes e na sua viagem pelo rio Gâmbia; Diogo Gomes continuou nas navegações no reinado de D. Afonso V, refere que chegou às ilhas de Cabo Verde com António de Noli, assunto altamente controverso. Não se pode estudar o início da nossa presença na Senegâmbia sem dar a palavra a Diogo Gomes.

Um abraço do
Mário


Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 5

Mário Beja Santos

Recapitulando o que aqui nos propomos fazer com a apresentação de alguns textos determinantes que nos trazem elucidação quanto ao modo como arrancou a nossa presença em meados do século XV e adiante numa região de contornos um tanto difusos entre o Cabo Verde continental e a Serra Leoa, pedimos auxílio àquele que terá sido o historiador melhor preparado sobre a expansão portuguesa, Vitorino Magalhães Godinho, retirámos um conjunto de parágrafos sobre este período quatrocentista, primeiro do seu livro A Expansão Quatrocentista Portuguesa, que está reeditado pelas publicações Dom Quixote, e estamos agora a selecionar outros parágrafos do conjunto de três volumes que o autor designou por Documentos Sobre a Expansão Portuguesa, continuam a ser incontornáveis no estudo sobre os descobrimentos. Encetámos no texto anterior uma referência à Relação de Diogo Gomes, aborda-se o projeto Henriquino e a construção de uma fortaleza ou castelo em Arguim. Iniciava-se um trato comercial que se irá progressivamente estendendo pela costa ocidental africana. Vejamos o que o historiador escreve sobre estes acontecimentos:
“E a este castelo vinham os árabes da terra trazendo ouro puro em pó, e recebiam em troca trigo e mantas brancas e outras mercadorias que para ali mandou o Infante. E assim sempre até agora se faz o comércio, trazendo os negros o outro da terra de Tambucotu. E este castelo foi construído no ano de 1445.

De novo o Sr. Infante fez uma armada de quatro caravelas; capitães Gilianes de Villalobos cavaleiro, Lançarote, almoxarife de Lagos, e Nuno Tristão e Gonçalo Afonso de Sintra e muitos outros de boas famílias. Os quais foram a Arguim e passaram além e tomaram ilhas.

E eu Diogo Gomes, almoxarife de Sintra, apoderei-me de 22 pessoas, que estavam escondidas e as trouxe ante mim como se fossem rezes, por meia légua, até aos navios. E tomámos nesse dia destes indígenas, homens de cor avermelhada, 600 e quase 50 e com estes voltámos a Portugal, a Lagos, onde estava o Sr. Infante que muito se alegrou connosco. Depois mandou o Sr. Infante, outra vez, Gonçalo Afonso de Sintra, voltou-se àquelas ilhas, batalhou-se com os Serracenos e as mulheres fugiam, e Gonçalo de Sintra perseguia-as pela água, e as mulheres tomaram lodo do mar e lançaram-lhe à cara, e o cegaram, de tal modo que ficou completamente cego. E voltaram os outros para a caravela, vindo para Portugal trazer as novas ao Sr. Infante, e trouxeram consigo mais de 60 nativos de um e outro sexo. E o Sr. Infante tinha sempre de todos os cativos que traziam uma quarta parte, e costumava dar-lhes tudo o que careciam. Foram mandadas novas caravelas. E navegando ainda mais viram uma terra cheia de árvores e palmeiras, e saltaram na terra firme. E toda aquela gente era preta. Mandaram os cristãos mercadorias que consigo haviam trazido para a terra firme, e ele receberam-nas e não quiseram falar.

E passando além acharam um rio grande que é chamado Cenega (Senegal) muito povoado e falaram os cristãos com essa gente pelos homens que consigo levavam, e trataram paz com eles, e fizeram comércio, e de aí traziam muitos pretos por compra. E assim desde então até agora, e cada dia mais, trazem pretos sem número daquele lugar.

E estas coisas, que aqui escrevemos se afirmam salvando o que diz o ilustríssimo Ptolomeu, que muita boa coisa escreveu sobre a divisão do mundo, que, porém, falhou nesta parte. Pois escreve e divide o mundo em três partes, uma povoada que era no meio do mundo, e a setentrional diz que não era povoada por causa do excessivo frio, e da parte equinocial do meio-dia também escreve não ser habitada pelo motivo do extremo calor. E tudo isto achámos no contrário, porque o polo ártico vimos habitado até além do prumo do polo, e a linha equinocial também habitada por pretos, onde é tanta a multidão de povos que custa acreditar. E aquela terra meridional está cheia de árvores e frutos; mas outras espécies de frutos, e as árvores são tão grossas e de tamanha altura que só vendo se pode crer.”

Descreve-se de seguidamente Diogo Gomes o filho adotivo do Infante D. Henrique, os privilégios recebidos do Papa e a continuação de novas expedições descendo a costa ocidental africana. Assim se descobriu um promontório a que se pôs o nome de Cabo Verde. “E neste lugar começa a linha equinocial, porque dias e noites aí sempre são iguais no inverno como no verão, e aquelas gentes são na maior parte negros. E as caravelas indo além de Cabo Verde, isto é, para o polo antártico, descobriram terra deserta.”

Os contactos não correram bem, morreram muitos cristãos envenenados por setas. Veio uma nova caravela armada, o capitão era Nuno Tristão, navegou diretamente a Cabo Verde, chegaram a uma terra de homens maus chamados Sereres, também muitos hostis. Continuaram a navegar até à terra dos Barbacins, de novo foram atacados com setas envenenadas. Diz Diogo Gomes que foi o primeiro cristão que fez a paz com eles.

Um certo nobre do reino da Suécia viera a Portugal e pediu ao Infante que o mandasse àquelas regiões. Deu-se um encontro muito feroz, só escaparam três rapazes que entraram no grande mar oceano e regressaram a Portugal, ajudados por um corsário que tripulou a caravela a partir do Cabo Espichel. É armada nova caravela e o capitão é Diogo Gomes, passaram o rio de S. Domingos, no Rio Grande de Geba viram Macareu, vieram os mouros da terra nas suas almadias e houve troca de mercadorias: panos de seda ou algodão, dentes de elefante, malagueta em grão. Regressaram a Cabo Verde, no caminho entraram no rio de Gâmbia, subiram o rio até Cantor, Diogo Gomes aproveitou para se informar sobre os povos da região. Temos aqui um precioso relato, tudo virá a ser descrito ao Sr. Infante. Diogo Gomes na sua Relação alude ao falecimento do Infante em 13 de novembro de 1460.

Dois anos depois, D. Afonso V armou uma grande caravela, Diogo Gomes foi nomeado capitão. Viajou até à terra dos Barbacins. “Com a ajuda de Deus, em doze dias cheguei a Barbacins e ali achei duas caravelas, a saber: uma, na qual ia Gonçalo Ferreira, familiar do Sr. Infante, que levava cavalos para ali. E na outra caravela era capitão e mercador o genovês António de Noli. Estes mercadores com as suas caravelas fizeram muito dano ao resgate dali: porque onde costumavam os mouros dar sete negros por um cavalo, a eles não davam mais de seis. Então eu convoquei os capitães, e da parte do Rei lhes dei sete negros por um cavalo, e dei depois um cavalo por catorze a quinze negros. E estando nós assim, veio uma caravela de Gâmbia com a nova de que um fuão (um sujeito qualquer) chamado de Prado, vinha com uma caravela cheia de riqueza. Armei logo a caravela de Gonçalo Ferreira e mandei-lhe da parte d’El Rei sob pena de perda da vida e de todos os seus bens para que fosse a Cabo Verde e ali esperasse aquela caravela. E assim fez, e nela encontrámos muito ouro.”

Na continuação do seu relato, Diogo Gomes refere que viajou para Portugal na companhia de António de Noli, viram ilhas do mar. “Chamámos Santiago à ilha, e até agora assim se chama. Havia ali grande pescaria. Em terra, porém, achámos muitas aves estranhas e rios de água doce. As aves esperavam-nos sem fugir, e assim as matávamos com paus.”

O relato subsequente não tem interesse quanto à nossa presença na Senegâmbia, centra-se nas ilhas Canárias, Porto Santo e Madeira, nos descobrimentos das ilhas dos Açores.

As notas de Vitorino Magalhães Godinho são de uma grande utilidade para a compreensão deste texto. O historiador refere a confusão de datas, mostra como claramente Diogo Gomes atribui ao Infante um pensamento económico; mostra igualmente as divergências entre o relato de Diogo Gomes e a crónica de Zurara; observa que entre 1448 e 1460 se explorou sistematicamente o litoral do Senegal à Serra Leoa, estabelecendo-se as bases de um comércio regular com a Guiné e da penetração civilizadora portuguesa; Godinho também recorda que as constantes referências a almadias de mouros e negros tornam muito plausível a hipótese posta por Jaime Cortesão da existência de um contínuo tráfego marítimo nas costas e rios da Guiné, o que explica a vigorosa resistência à concorrência comercial portuguesa.

Por último, levanta a questão do descobrimento do arquipélago de Cabo Verde, atribuído quer a Diogo Gomes, que a António de Noli, quer a Cadamosto. Na Relação a viagem de Diogo Gomes na companhia de de Noli é de 1462; ora a viagem no veneziano é de 1456, e documentos oficiais atribuem o descobrimento a António de Noli, cuja viagem deve ser anterior à de Cadamosto que ao encontrar quatro das ilhas supôs erradamente ser o seu descobridor. Mesmo admitindo que na Relação há confusão cronológica, e que Diogo Gomes acompanhasse António de Noli, não me parece de aceitar o tirar ao genovês a glória do descobrimento, pois de contrário certamente o Rei não lhe concederia a capitania de Santiago.


(continua)
_____________

Notas do editor

Vd. post de 1 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27053: Notas de leitura (1825): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 4 (Mário Beja Santos)

Último post da série de 4 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27088: Notas de leitura (1826): "África No Feminino, As Mulheres Portuguesas e a A Guerra Colonial", por Margarida Calafate Ribeiro; Edições Afrontamento, 2007 (Mário Beja Santos)

sábado, 14 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26264: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (50): A velha fortaleza do Cacheu, com os seus inúteis canhões de bronze, e o triste Diogo Gomes lá aprisionado, a ver o pintor de canoas nhomincas...

Foto nº 13


Foto nº 14A


Foto nº 14

Foto nº 15

Foto nº 16A


Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 17A


Foto nº 2 

Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Cacheu >  4 e 5 de dezembro de 2024 >  

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  Aqui vai o resto das fotos da  última viagem ao Cacheu, em 4 e 5 do corrente,  partilhadas pelo  Patrício Ribeiro, nosso amigo e camarada, histórico membro da Tabanca Grande, nosso "embaixador em Bissau",  cicerone, autor da série "Bom dia desde Bissau" (*)...

Legendas:

Foto nº 13 > Ele, o Diogo Gomes, lá dentro, fechado, a assistir às pinturas das canoa nhomincas 

Foto nº 14 >   Os canhóes apontados para o rio

Foto nº 15 > O portrão da fortaleza

Foto nº 16 > Lateral oeste da fortaleza

Foto nº 17 > Igreja de Cacheu (ou de Nossa Senhora da Natividade)  

Foto nº 2 > Canoas nhomincas, com pinturas originais, no porto de manutenção, na margem esquerda do rio Cacheu

Sobre a foto nº 17, o fotógrafo escreveu, já com data de 8 do corrente:


"Hoje está a decorrer a peregrinação anual entre Canchugo e Cacheu.

"A peregrinação é a pé. Normalmente, é nesta altura de Dezembro, com o tempo frio, em que alguns milhares de pessoas percorrem a estrada durante a noite, onde o capim tem cerca três metros de altura e o cheiro da palha anima os corações dos fiéis crentes. As pessoas, durante a maior parte do tempo vão a cantar cânticos religiosos. No percurso passam em cima da ponte metálica antes do Bachil, e da mítica floresta de Cobina [ou Caboiana, segundo a nossa antiga carta militar de 1953],  local onde os Manjacos fazem as cerimónias ao irã ."


Igreja do Cacheu. Fonte: HIPP

2. Comentário do edit0r LG:

Sobre esta igreja, lê-se no portal HIPP - Património de Influência Portuguesa, este apontamento de Manuel Teixeira:

"Historicamente, constitui a primeira igreja portuguesa erigida na costa ocidental africana, padroeira da urbe. Em 1680 ruiu, devido a uma inundação do Rio Cacheu, sendo mandada reconstruir pouco depois pelo bispo de Cabo Verde, D. António de São Dionísio. Encontra‐se hoje relativamente bem preservada".



Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) > Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau, frente à ponte cais de Bissau...


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




(...) "Edificado à beira‐rio, em 1641‐1647, é de pequena dimensão, consistindo num quadrado de cerca de vinte metros de lado, defendido nos cantos por pequenos bastiões, e uma muralha com quatro ou cinco metros de altura. 

"Em 1822 há notícia da sua existência, com estrutura de paredes em adobe. 


Forte do Cacheu (séc. XVII).
 Fonte: HIPP
"Em 1988 foi assinado um protocolo de geminação com Viana do Castelo, que contribui para diversos melhoramentos da vila, nomeadamente a recuperação do forte e o restauro da Capela de Nossa Senhora da Natividade. Mais recentemente, por iniciativa da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa e da Câmara Municipal de Lisboa, procedeu‐se a nova reabilitação do forte. A reabilitação incluiu o interior e as muralhas exteriores, danificadas pelo tempo e pelas correntes do Rio Cacheu, que em alguns pontos lhe corroeram os alicerces. 

"A zona adjacente ao forte é o local onde as autoridades da Guiné‐Bissau, após a independência, vieram depositar as estátuas ligadas ao período colonial. Estão há trinta anos no meio da vegetação, desmontadas, à beira do forte."



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Cacheu / São Domingos (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor dos rios Cacheu e seus afluentes: Pequeno de São Domingos (margem norte); Caboi, Caboiana e Churro (margem sul), a montante da vila de Cacheu.


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2015).

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26206: (De) Caras (225): Duas fotografias, girândola e fastígio das recordações (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Há manhãs de sorte, falo por mim, comprei na D. Amélia da Feira da Ladra estas duas fotografias que irão depois para um arquivo. A primeira levou-me à minha chegada à Guiné, o barco da mancarra que me levou a Bambadinca parou exatamente naquele ponto onde está a embarcação que veio recolher esta unidade, bem curioso é o contraste entre o caminhar destes homens e a ondulação dos arrozais; na segunda fotografia quem captou a imagem terá sido um homem com muita sorte, apanhar o rebentamento de uma granada enquanto desfilam militares num curso de água, segundo o que vem no reverso a caminho do Sambuiá, santuário que veio a revelar-se quase inexpugnável, outras lembranças me ocorreram, de leituras e conversas, mas o mais importante é deixar esta imagem no nosso blogue.

Um abraço do
Mário



Duas fotografias, girândola e fastígio das recordações

Mário Beja Santos

Chego à Feira da Ladra ao despertar do dia, o meu fornecedor de livros, quando aparece, é imediatamente procurado por gente que vive da venda de livros em segunda mão, eu apareço ali como um outsider, olhado um tanto de viés. Antes de ele chegar, vou conversar com a D. Amélia, uma senhora que já me vendeu um lote de fotografias que devem ter pertencido ao capitão de uma das duas companhias que estavam na Guiné entre 1959 e 1961 e que mais recentemente me vendeu um lote de correspondência dos irmãos Barbieri Cardoso. Regra geral, só encontro correspondência ou fotografias de Angola e Moçambique, mas naquela manhã havia um lote bem gordinho de fotografias em que se escrevia no reverso Porto Gole, 1971, indiscutivelmente fora pertença de um jovem de bigodaça farta que por ali viveu um bom tempo, posiciona-se à porta de todos os edifícios, em viaturas, no abrigo, no refeitório, são imagens com que ele seguramente contou dar sossego à família, não há para ali nenhum sinal de guerra declarada.

Passei os olhos por todo o monte de imagens e de repente surgiu esta, a mente levou-me até ao princípio da tarde do dia 2 de agosto de 1968, o barco da mancarra que me levou até Bambadinca aqui atracou, lembro-me, como se fosse hoje daquele caminho que se palmilhava até chegar a terra firme, orlado por terrenos cultivados, guardo a lembrança de tudo, mas quem entrava e saía era população civil, com sacos e animais, gente de todas as idades. Imagem esmaecida, o Geba perdeu cor, e lá ao fundo vê-se o Quínara, que sempre sonhei visitar, e que nunca aconteceu. Coisa curiosa, deixara-se de circular por terra entre Jugudul e Porto Gole, as minas anticarro eram muitas, as emboscadas também, morrera a circulação naquela estrada que passava perto do Enxalé, S. Belchior, Mato de Cão, subia até Missirá, e pela ponte do Gambiel podia-se viajar até Bafatá. Enfim, o Geba era a estrada por onde se ia até Porto Gole, Enxalé, Xime e Bambadinca. Tudo mudará em novembro de 1969, com a inauguração do porto do Xime. Mas a circulação pelo Geba era vital para todos estes aquartelamentos, incluindo os do Leste, de Bafatá para cima.

Não mais voltei a Porto Gole, em 1990, 1991 e 2010 fui até Missirá por aquela estrada, com o alcatroamento já muito danificado, regressei a Enxalé e percorri todo o regulado do Cuor. Mas lembro-me que da estrada se via perfeitamente o monumento comemorativo à passagem de Diogo Gomes, em 1456. Deu-me pare recordar Porto Gole, acho que a fotografia tem o seu encanto com aquelas ondulações do arrozal e aqueles grupos de combate que não sabemos se vêm de uma operação ou para ela partem.

Porto Gole, 1971
Monumento alusivo à passagem de Diogo Gomes em 1456

Continuo a remexer nos maços de imagens que a D. Amélia tem na banca. Há mais fotografias da Guiné, são triviais, estou absolutamente convicto que na generalidade dos casos serviram para sossegar famílias, metem gente sorridente com cobras mortas, refeições e exibem-se cervejas, gente a ler aerogramas. É nisto que pego nesta segunda fotografia, diz enigmaticamente a caminho do Sambuiá, posso estar equivocado, mas iniludivelmente uma boa imagem com o rebentamento de uma morteirada, nunca vira até agora nada de parecido, um instantâneo tão violento. Enquanto olho demoradamente a fotografia, lembro as conversas que tenho tido com o Belmiro Tavares, que por ali andou, e que refere mesmo que numa operação a Sambuiá houve um desastre com uma equipa de morteiros, um acidente estúpido. Mais recentemente, numa carta do tenente Barbieri para o irmão ele refere uma operação no Sambuiá em tom perfeitamente crítico. Por ali passou Gérard Chaliand, um historiador das revoluções, em 1964, na companhia de Amílcar Cabral, passaram depois por Dugal e internaram-se no Morés. Acho que esta imagem nos faltava, valeu a pena ter começado a manhã de compras com estas duas imagens e a gratificação das recordações quem em mim as acompanha.
A caminho do Sambuiá, sem data
_____________

Nota do editor

Último post da série de 24 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26074: (De) Caras (224): Maurício Saraiva, cofundador e instrutor dos Comandos do CTIG, cmdt do Gr Cmds Fantasmas - Parte II: Um dos momentos mais dramáticos que vivi, na sequência da terrível emboscada com mina A/C, em 28 de novembro de 1964, na estrada de Madina do Boé para Contabane, perto de Gobije (Antóno Pinto, ex-alf mil, Pirada, Madina do Boé e Béli, 1963/65)

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24304: Historiografia da presença portuguesa em África (367): Diogo Gomes na obra de Vitorino Magalhães Godinho (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Naquele ano de 1943 Vitorino Magalhães Godinho dava à estampa o Vol. I de "Documentos Sobre a Expansão Portuguesa", vinha na sequência da "A Expansão Quatrocentista Portuguesa", era uma historiografia pioneira, logo na introdução o eminente historiador avisa os leitores quais sãos as fontes que ele consulta, é uma história sem aspetos miraculosos nem vulgaridades, e mostra-se mesmo oposto à vulgata ultranacionalista no final da sua introdução: "Entre o ideal medievo da religiosidade e cavalaria, e o ideal moderno na razão, da experiência e do lucro, a atividade de descobrir, conquistar e colonizar, exerce-se no plano da prática metódica, da cobiça, da preocupação com o destino da alma, da aventura raciocinada, do impulso da força das armas e da tenacidade do desbravamento do solo. A economia mercantil da expansão cristaliza em vários pontos na agregação senhorial, o pensamento técnico articula-se às conceções teóricas mas não rasga os moldes básicos das ideias antigas. Daí o interesse largamente humano da história da expansão portuguesa. Como as cidades italianas e flamengas dos séculos XI a XIV, como a Holanda e Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, Portugal e Espanha nos séculos XV e XVI queriam a norma e são o quadro das transformações económicas e políticas." Nascia assim a historiografia moderna, um tanto em contraponto com a carga mitológica que envolvera a Exposição do Mundo Português, alguns anos antes.

Um abraço do
Mário



Diogo Gomes na obra de Vitorino Magalhães Godinho (2)

Mário Beja Santos

Na sua juventude, aquele que se virá a credenciar como o mais importante historiador dos Descobrimentos portugueses, Vitorino Magalhães Godinho, publica duas obras que serão a alavanca da sua assombrosa investigação, no arranque da década de 1940: A Expansão Quatrocentista Portuguesa e os Documentos Sobre a Expansão Portuguesa. Logo na introdução do Vol. I de Documentos Sobre a Expansão Portuguesa, o historiador deixa bem claro que sabe ao que vem, pauta-se pela evidência científica, não vai haver fantasia nem batalhas de Ourique nem as invenções da historiografia de Alcobaça, alerta-nos para as fontes do seu estudo: as narrativas (crónicas, relações); fontes diplomáticas (diplomas régios, diplomas emanados de entidades com direitos senhoriais, bulas pontifícias); documentos diversos, obras técnicas (tais como roteiros, regimentos náuticos, tratados cosmográficos e náuticos). E elenca o conjunto de todas estas fontes que pretende compulsar para o seu trabalho.

É exatamente neste vol. I, publicado pela Editorial Gleba em 1943 que Vitorino Magalhães Godinho retoma o estudo da Relação dos Descobrimentos da Guiné, atribuído a Diogo Gomes e que tinha sido publicada em 1900 no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa. No texto anterior, deu-se conta do essencial da visão de Diogo Gomes de Sintra quanto ao projeto henriquino, refere o funeral do Infante, e passa agora ao serviço do rei D. Afonso V. Em 1462, viaja de novo para a terra dos Barbacins e conta como ele e António da Noli, no regresso a Portugal, encontram ilhas, ele é o primeiro a pôr o pé em terra na ilha a que passou a ter o nome de Santiago. “Havia ali grande pescaria. Em terra, porém, achámos muitas aves estranhas e rios de água doce. As aves esperavam-nos sem fugir, assim as matávamos com paus. Havia aí muitos patos. Também era grande a fartura de figos. E depois vimos a ilha da Canária que se chama Palma, e em seguida fomos à ilha Madeira. E querendo ir a Portugal com o vento contrário fui às ilhas dos Açores e António da Noli ficou na ilha da Madeira; com melhor tempo chegou a Portugal antes de mim, e pediu ao rei a capitania da ilha de Santiago, que eu descobrira; e o rei deu-lha, a ele e ele a conservou até morrer.”

Segue-se a descrição que faz das ilhas do mar oceano do Ocidente. Começa assim: “Ouvi eu, Diogo Gomes de Sintra, que algumas caravelas da armada do rei João de Portugal que foram a África contra os Serracenos, apanhando vento contrário, não puderam resistir à tormenta, correram e viram algumas ilhas. Contentes de ver terra, e julgando ali encontrar algum refúgio daquela tormenta, foram a uma ilha, agora chamada Lançarote, e acharam-na despovoada”. Falará sobre as ilhas Canárias, descreverá Tenerife, Palma e assim chegamos à Madeira, primeiro Porto Santo e depois Madeira, referirá o seu povoamento. Seguidamente, espraia-se sobre o descobrimento das ilhas do Açores, referindo exclusivamente Santa Maria e S. Miguel. Há uma nota curiosa de Diogo Gomes de Sintra sobre esta ilha, e que tem a ver com a Ordem de Cristo, de que o Infante D. Henrique era administrador e de onde arrecadava meios para as suas expedições:
“Não muito tempo depois, o Infante D. Pedro, irmão do Infante D. Henrique, pediu a seu irmão esta ilha de S. Miguel, que lhe foi dada no temporal e no espiritual, que assim ficou como as outras ilhas da Ordem de Cristo, dando de todas a dízima, o que o pontífice Eugénio confirmou, e onde fez menção que todas as ilhas descobertas no mar oceano eram do senhor Infante e da Ordem de Cristo.”

Recordo ao leitor que Vitorino Magalhães Godinho denuncia confusões e equívocos, sobretudo comparando a sua Relação com a Crónica da Guiné de Zurara. E releva questões suscitadas pelo descobrimento do arquipélago de Cabo Verde: “O descobrimento do arquipélago de Cabo Verde tem-se atribuído quer a Diogo Gomes quer a António da Noli quer a Cadamosto. Na Relação, a viagem de Diogo Gomes na companhia do genovês data de 1462; ora a viagem do veneziano é de 1456, e documentos oficiais atribuem o descobrimento a António da Noli, cuja viagem deve ser anterior à de Cadamosto que ao encontrar quatro das ilhas supôs ser erradamente o seu descobridor. Mesmo admitindo que na Relação há confusão cronológica e que Diogo Gomes acompanhasse António da Noli, não parece de aceitar o tirar ao genovês a glória do descobrimento, pois de contrário certamente o rei não lhe concederia a capitania de Santiago.”

Mas há outros comentários que me parecem dignos de apreço. Exemplos:
“Está por analisar a função e valor das ilhas na economia portuguesa do século XV. A Madeira tornou-se o centro de valiosíssima experiência económica pelo cultivo da vinha, cana do açúcar e trigo; as suas madeiras foram primaciais na construção naval”; ”Provavelmente o arquipélago açoriano fora já conhecido no século XIV, talvez devido às navegações do reinado de D. Afonso IV. Acumulam-se as incertezas quanto ao descobrimento ou reconhecimento no século XV. A carta régia de 2 de julho de 1439 autoriza ao Infante o povoamento de sete ilhas açorianas e declara que já anteriormente D. Henrique mandara lá deitar ovelhas. Gaspar Frutuoso di-las descobertas por Gonçalo Velho em 1432, mas o globo de Nuremberga, de Martim Behaim data o reconhecimento de 1431, e a carta maiorquina de Gabriel Vallseca de 1427, atribuindo-o a Diogo de Sunis (Sines ou Sevilha?). Corvo e Flores foram encontradas em 1452 por Diogo de Teive”; “A obscuridade que envolve a figura do Regente (Infante D. Pedro) não nos permite avaliar a amplitude da sua ação, quer nos Descobrimentos quer na colonização; por aqui vemos que esta o preocupou e, embora arrojado, não é ilícito aventar que lhe deve decisivo impulso (cujos traços houve depois o cuidado de apagar)”.

Finda aqui o trabalho sobre a Relação de Diogo Gomes de Sintra, no estudo seguinte Vitorino Magalhães Godinho debruça-se sobre o Infante D. Henrique, a sua antologia inclui textos de Zurara, Duarte Pacheco, João de Barros, Damião de Góis, para além de apresentar várias cartas. O jovem historiador abria uma nova faceta na investigação e pela primeira vez oferecia-se ao leitor não iniciado a possibilidade de acesso a documentação fundamental sobre este período da Expansão Portuguesa.


Estátua de Diogo Gomes na cidade da Praia, Cabo Verde
Estátua de Diogo Gomes na fortaleza de Cacheu
Vitorino Magalhães Godinho na juventude
____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24279: Historiografia da presença portuguesa em África (366): Diogo Gomes na obra de Vitorino Magalhães Godinho (1) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 3 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24279: Historiografia da presença portuguesa em África (366): Diogo Gomes na obra de Vitorino Magalhães Godinho (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Não deixa de ser uma fascínio e provocar uma grande admiração folhear estes documentos de expansão portuguesa coligidos por Vitorino Magalhães Godinho (1918-2011), obra da sua juventude, este data de 1943, serão publicados ainda 2 volumes, em 1944 e 1956, uma trilogia que é hoje uma raridade bibliográfica. Neste primeiro volume, aquele que se irá consagrar como o maior historiador português dos Descobrimentos procede ao levantamento das fontes que se propõe estudar e comentará um acervo de documentos, hoje reconhecidamente de valor irrefutável, tudo à volta do projeto henriquino. A escolha da Relação de Diogo Gomes tem extrema importância a vários títulos: primeiro, vemos o historiador a cortar cerce em confusões de Diogo Gomes, mostrando haver poucas coincidências entre o seu relato e o de Zurara; segundo, tratando-se a Relação de Diogo Gomes o primeiro escrito na contemporaneidade do Infante D. Henrique, revela os conhecimentos científicos da época, caso de se pensar que o Senegal era o braço ocidental do Nilo, tudo dentro de uma lógica do mundo concebido por Ptolomeu; terceiro, Vitorino Magalhães Godinho deixa bem claro que o Infante D. Henrique tem a alma de um cruzado, de um empreendedor comercial e o desejo de espalhar a fé, as informações que vai obtendo das sucessivas viagens seguramente que lhe terão dado conta que o islamismo já tinha forte difusão, a despeito de um grande espaço destinado à cristianização, junto dos povos animistas. Esta Relação é muito mais do que uma curiosidade, tudo começa em Ceuta e nas ilhas do mar oceano do Ocidente, resolvido o diferendo das Canárias, aposta-se no povoamento da Madeira e dos Açores.

Um abraço do
Mário



Diogo Gomes na obra de Vitorino Magalhães Godinho (1)

Mário Beja Santos

Na sua juventude, aquele que se virá a credenciar como o mais importante historiador dos Descobrimentos portugueses, Vitorino Magalhães Godinho, publica duas obras que serão a alavanca da sua assombrosa investigação, no arranque da década de 1940: A Expansão Quatrocentista Portuguesa e os Documentos Sobre a Expansão Portuguesa. Logo na introdução do Vol. I de Documentos Sobre a Expansão Portuguesa, o historiador deixa bem claro que sabe ao que vem, pauta-se pela evidência científica, não vai haver fantasia nem batalhas de Ourique nem as invenções da historiografia de Alcobaça, alerta-nos para as fontes do seu estudo: as narrativas (crónicas, relações); fontes diplomáticas (diplomas régios, diplomas emanados de entidades com direitos senhoriais, bulas pontifícias); documentos diversos, obras técnicas (tais como roteiros, regimentos náuticos, tratados cosmográficos e náuticos). E elenca o conjunto de todas estas fontes que pretende compulsar para o seu trabalho.

É exatamente neste vol. I, publicado pela Editorial Gleba em 1943 que Vitorino Magalhães Godinho retoma o estudo da Relação dos Descobrimentos da Guiné, atribuído a Diogo Gomes e que tinha sido publicada em 1900 no Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa. Que importância se pode conferir a tal relação? É o único documento publicado por um navegador ou explorador contemporâneo do Infante D. Henrique, Diogo Gomes (ou Diogo Gomes de Sintra) está bem identificado como o colaborador do Infante, tendo exercido atividades de responsabilidade no reinado de D. Afonso V. O debate que ainda hoje persiste sobre a autoria da Relação é se teria sido ditada a Martinho de Boémia ou por este redigida e/ou modificada.

Chama logo à atenção a forma como arranca o texto:
“De que modo foi achada a Etiópia austral, a qual se chama Líbia inferior, além da que Ptolomeu descreveu, agora chamada Guiné pelos descobridores portugueses, a qual descoberta referiu Diogo Gomes, almoxarife do Paço de Sintra, a Martinho de Boémia, ínclito cavaleiro alemão (o historiador refere que ao tempo ainda não havia nenhum estudo crítico sobre a Relação de Diogo Gomes). A Relação começa sempre com o início do projeto henriquino, as viagens ao rio do ouro, as expedições conduzidas por Nuno Tristão e António Gonçalves, a procura do caminho para Tombuctu, as viagens de Gonçalo de Sintra e Dinis Dias que foram para além da Ponta da Galé, a construção da fortaleza de Arguim, novas armadas com Gil Eanes, Lançarote de Lagos, Nuno Tristão e Gonçalo Afonso de Sintra, as capturas de gente africana, prosseguem as expedições, já se está no país dos Jalofos, mais adiante passa-se o rio de S. Domingos e o rio Grande (o Geba) “e tivemos ali grandes correntes do mar, e na enchente faz grande ímpeto, o que chama o macaréu, porque então não há âncora que possa aguentar. Por esse motivo outros capitães e homens deles temiam muito, julgando que era assim todo o mar além, e me rogavam que voltasse. E a meio da maré ficou o mar bastante manso, e vieram os mouros da terra nas suas almadias e nos trouxeram as suas mercadorias, a saber: panos de seda ou algodão, dentes de elefante e uma quarta de malagueta em grão. E parámos aí, nem passámos além por causa das correntes do mar. E quando veio a maré cheia aconteceu-nos a nós como antes e assim nos voltámos a donde nos saímos”.

Descreve os palmares, os animais, volta a referir os elefantes e menciona as tocas dos crocodilos. Retornam viagem para o promontório de Cabo Verde, passam obrigatoriamente pelo rio Gâmbia, por ele navegam, vão estabelecendo relações com a população local, há quem os informe de que estavam cristãos em Cantor, falam-lhes de grandes cidades comerciais com abundância de ouro, caravanas de camelos trazendo mercadorias de Cartago ou Tunes, de Fez e do Cairo, Diogo Gomes vai obtendo informações sobre os reis, o comércio, sabe da existência do grande senhor chamado Batimansa, havia também um rei chamado Nomimans bastante hostil aos cristãos, Diogo Gomes mandou-lhe presentes, o rei apresentou-se, falaram de religião e o rei informou que só cria no Deus vivo e uno, queria ser batizado, escreveu uma mensagem ao senhor Infante para que lhe mandasse sacerdote e um fidalgo que o instruísse na fé e que lhe mandasse um açor, ave de caça, porque se admirou muito quando lhe disse que os cristãos traziam na mão uma ave que apanhava as outras aves.

No regresso vai contactando embarcações portuguesas e gente em terra. Tudo contando ao Infante D. Henrique, deu particular atenção ao que lhe dissera o rei Nomimans. “O Infante tudo fez, e mandou para ali o sacerdote parente consanguíneo do cardeal, Abade de Souto da Casa, para que ficasse com aquele rei, e o industriasse na fé.”

E dá-se a morte do Infante em Lagos, em 13 de novembro de 1460, será depois transladado para Santa Maria da Batalha. “Dois anos depois, o senhor rei Afonso armou uma grande caravela, onde me mandou pôr capitão; levei dez cavalos comigo e fui à terra dos Barbacins, ali há dois reis. O rei deu-me poder sobre as margens daquele mar, para que quaisquer caravelas que encontrasse em terra de Guiné fossem sob minha autoridade ou domínio, porque ele sabia que ali estavam caravelas que levavam espadas e outras armas aos mouros, ordenando-me que as tomasse e lhas trouxesse a Portugal (a bula de Eugénio IV de 25 de maio de 1437 concedera autorização aos portugueses para comerciar com os mouros, excetuando, porém, a venda de armamento). Com a ajuda de Deus, em doze dias cheguei a Barbacins”.

E descreve quem encontrou e dá-nos uma noção dos termos dos resgates: os mouros vendiam sete negros por um cavalo. Refere adiante que foi com António da Noli de regresso a Portugal. “E porque a minha caravela era mais veleira que a outra, cheguei eu primeiro a uma daquelas ilhas, onde vi areia branca, e, parecendo-me bom o porto, lancei a âncora e o mesmo fez António. E disse-lhes que queria ser o primeiro a pôr pé em terra, e assim fiz, e nenhum indício de homem vimos aí”. Observa Vitorino Magalhães Godinho que o descobrimento do arquipélago de Cabo Verde era atribuído a Diogo Gomes ou António da Noli ou a Cadamosto. Na Relação a viagem de Diogo Gomes em companhia do genovês é de 1462; ora a viagem do veneziano é de 1456, e documentos oficiais atribuem o descobrimento a António da Noli, cuja viagem deve ter sido anterior à de Cadamosto que ao encontrar quatro das ilhas supôs erradamente ser o seu descobridor. Mesmo admitindo que na Relação há confusão cronológica, e que Diogo Gomes acompanhasse António da Noli, não parecesse de aceitar o tirar ao genovês a glória do descobrimento, pois de contrário certamente o rei não lhe concederia a capitania de Santiago, como o próprio Diogo Gomes informa.

Trata-se de um belíssimo texto e vale a pena acompanhá-lo até ao fim.

(continua)

Estátua de Diogo Gomes na cidade da Praia, Cabo Verde
Estátua de Diogo Gomes na fortaleza de Cacheu
Vitorino Magalhães Godinho na juventude
____________

Nota do editor

Último poste da série de 26 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24253: Historiografia da presença portuguesa em África (365): António de Cértima, cônsul português em Dacar, anos 1920 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24199: Historiografia da presença portuguesa em África (362): Discurso político de Castro Fernandes, Bissau, 1960, Comemorações Henriquinas (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Julho de 2022:

Queridos amigos,
A sorte não favorece só os audazes, há bancas da Feira da Ladra onde se podem descobrir pepitas, esta conferência de António Júlio de Castro Fernandes tem muito que se lhe diga, recordo que em 1955 ele produziu, e seguramente que não era um exclusivo para a administração do BNU, um documento bem encorpado sobre a situação da Guiné e já numa previsão de mudanças geoestratégicas e geopolíticas, queixando-se da falta de qualidade dos funcionários da administração e da estagnação económica, baseada numa avidez de duas ou três culturas, de fraquíssima qualidade, só de puro escoamento em Portugal, escreveu para quem o quis ler que a Guiné em termos socioeconómicos e culturais tinha que dar uma grande volta. O que não aconteceu. Seguramente escalado para se dirigir à administração colonial, aos empresários locais, adoçou o discurso, nada de temores com subversões (houve quem previsse que os tumultos nacionalistas podiam começar pela Guiné), e vendeu a receita tão cara aos dirigentes do Estado Novo que a nossa presença em África era uma especificidade em prol da civilização ocidental e da mensagem cristã. No ano seguinte a esta alocução de fé e da inabalável crença do Estado Novo de que não haverá política de abandono, a subversão estará em marcha.

Um abraço do
Mário



Discurso político de Castro Fernandes, Bissau, 1960, Comemorações Henriquinas

Mário Beja Santos

Nome sonante do Estado Novo, economista, banqueiro, membro do Governo, Presidente da Comissão Executiva da União Nacional, António Júlio de Castro Fernandes era grande conhecedor da realidade económica da Guiné. Queria lembrar ao leitor o documento que assinou pelo seu punho em 1955 e enviado à administração do BNU, a que ele pertencia, documento que parcialmente transcrevi no meu livro "Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba", o BNU da Guiné, Edições Húmus, 2019, onde revela que não se pode perder mais tempo numa atitude de desenvolvimento, estavam previstas grandes alterações em torno da colónia, era um risco não mudar o estado das coisas. Se o leitor estiver interessado tem o documento integral à sua disposição na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa.

A conferência que ele vai proferir em 23 de abril de 1960 direciona-se para três temas: Portugal na Guiné; presente e futuro da Guiné; e condicionalismo político. Não traz nada de novo acerca do descobrimento da Guiné, a não ser não ter referenciado Nuno Tristão como o primeiro a chegar à região, mas sim Diogo Gomes, em 1456. Refere sumariamente a colonização e dirige-se ao auditório falando do presente e do futuro. Estamos em 1960, na fronteira norte está a República do Senegal que então fazia parte da Federação do Mali. “Sobre vários aspetos, a Guiné Portuguesa é um país singular, que se destaca pelas características próprias entre as paisagens do Sudão e o grande planalto da Guiné Superior, com a sua particular estrutura de terras baixas, irrigadas por rios largos e numerosos, um território meio continental e meio insular.”

Dá-nos uma água-forte do mosaico étnico, e discreteia sobre a economia, baseada na agricultura. “O ponto fraco do sistema reside na monocultura, não em sentido literal porque, na área da província, há três ou quatro culturas com relevante valor económico. Assim, temos: a mancarra em Farim, Bafatá e Gabu; a palmeira de azeite em Cacheu, Geba e Arquipélago de Bijagós; o arroz em Mansoa, Catió, Fulacunda, Bissau e São Domingos. É visível que a agricultura guineense está concentrada em número restrito de produtos: o amendoim, o coconote e o óleo de palma, que são artigos de exportação; o arroz e o milho, de consumo interno. O primeiro problema que se põe é o de transitar para um esquema em que os produtos cultivados sejam mais numerosos e em que as explorações evoluam no sentido da policultura. É preciso imprimir à economia agrícola da Guiné características de variedade e flexibilidade que lhe faltam. As grandes culturas tradicionais correspondem a direções que estão certas e bem pode dizer-se que têm sentido funcional. O arroz e o milho são os produtos-base da alimentação do indígena. As oleaginosas são o ouro da província. Mas não só podem aclimatar-se outras culturas como aquelas são suscetíveis de adquirir maior extensão. Há que vitalizar e enriquecer um sistema que se enquistou na rotina, sem que nela encontrasse um equilíbrio salutar.”

E tece considerações sobre os problemas da qualidade, o amendoim era de baixa qualidade, o óleo de palma dificilmente colocável no estrangeiro, a mancarra ia acarretar o empobrecimento dos solos, impunha-se sanear e valorizar a agricultura da Guiné, que se encontrava num quadro de estagnação. A indústria da Guiné pouco representava, as suas trinta e tantas unidades fabris eram complementares da lavoura. E espraia-se sobre os planos de fomento, a recuperação de terras para o arroz, um programa de regularização e dragagem do rio Geba, a construção de pontes sobre o Geba, o Corubal e o Cacheu, a conclusão da ponte do cais de Bissau e dos cais de Catió e Cacheu. Faz sempre menção ao I Plano de Fomento e ao II, onde se previra a instalação de uma estação agrária para aproveitamento dos terrenos alagados, ribeirinhos do Geba.

E assim se chegou à questão mais delicada, o condicionalismo político, socorre-se de um punhado de lugares comuns para falar da África Negra, do nacionalismo africano, pretende que fique claro que o continente não é nem homogéneo nem uniforme, da ebulição dos novos Estados parece que se deseja um regresso às origens, renasceram ódios, é intensa a hostilidade ao Ocidente, e faz uma observação de caráter pessoal:
“A África é de tal modo complemento da Europa que bem podemos admitir a hipótese de, passado algum tempo, se refazer a colaboração que está na ordem natural das coisas e arrefecer e apagar-se o ímpeto agressivo de um racismo negro que é de criação puramente artificial, produto da propaganda dos agitadores mais do que a expressão autêntica de uma aversão hereditária. Ouvimos por toda a África o tambor da guerra. Nem a África pode organizar-se unitariamente, porque nela não há fator de unidade, nem sequer lhe é possível organizar-se pela simples transformação dos territórios coloniais em Estados autónomos.”

E o político que abraçou o nacional sindicalismo e que se entusiasmou pelo corporativismo e é um peso pesado da União Nacional dá conta à audiência do que fará Portugal. Não se percebe como os responsáveis do Ocidente querem fazer frente à invasão comunista, parece que todos querem descolonizar e recomendam a descolonização a quem não a quer fazer, porque há a especificidade portuguesa. “Não conhecemos os equívocos em que outros tropeçam porque, dentro das nossas fronteiras, nos territórios portugueses, o nacionalismo só tem um sentido. Não há, no nosso Ultramar, nacionalismo que não seja português ou, se o preferirmos, que não seja nacional. Nós vivemos à margem dos equívocos em que outros se transviam. Como eles, nós não temos nações negras dentro dos limites em que se exerce a soberania portuguesa. Na nossa África, é efetiva a presença de uma nação, a Nação Portuguesa. Não corremos o risco de nos desnortearmos, ao ponto de nos atormentar as vigílias a ideia de que dominamos e recusamos o direito à vida a nações escravizadas. A nossa experiência africana é mais larga que a dos outros povos, mais longa e mais rica de conteúdo.”

Está dado o mote para avisar a audiência, os meios de comunicação e a opinião pública em geral de que não iremos praticar a política do abandono, a renunciar ao que é irrenunciável. E evoca-se a lição da história:
“Começámos por nos aventurar pelas rotas do Atlântico Sul e do Índico, lutando com as tempestades em frágeis caravelas, a dobrar os promontórios, de mandar as aguadas, aprender a conhecer o litoral do grande continente. Depois, fundámos os nossos estabelecimentos da costa. Desde logo nos aventurámos através do sertão inóspito, ganhando palmo a palmo a terra e as gentes alma a alma. É que, para nós, colonizar não era apenas criar balcões de comércio ou mesmo fazendas prósperas. Era serviço de Deus e da Pátria. Fomos em África soldados e missionários, mercadores e lavradores, mas fomos, acima de tudo e na mais larga acessão da palavra, homens humanizando outros homens.”

E na sua alocução não deixa de mencionar os valores materiais e morais da Civilização Ocidental e Cristã. E termina a sua conferência com o apelo à energia firme; a aceitação voluntária de sacrifícios e riscos, vivia-se a hora em que se propunha a Portugal o problema de sobreviver ou não sobreviver na sua dimensão mundial. Havia que estar unidos e confiar nos chefes e na aliança inquebrantável de todos os portugueses de boa vontade. Sagaz, não menciona uma só vez a erupção do nacionalismo africano na Guiné ou a subversão latente, não havia que descolonizar porque éramos todos portugueses. Bem silenciou as tensões já existentes, deverá ter considerado que era a comunicação adequada para comemorar a epopeia henriquina. No ano seguinte, tudo começará a ser diferente.

Imagem da época da sede da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné, projeto do arquiteto Jorge Chaves, teve intervenções no interior de um jovem que seria um grande nome das artes plásticas portuguesas, José Escada
Desenho de António Júlio de Castro Fernandes, por Almada Negreiros, 1932
António Júlio de Castro Fernandes, retrato a óleo de Maluda, 1975
____________

Nota do editor

Último poste da série de 29 DE MARÇO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24175: Historiografia da presença portuguesa em África (361): Informações sobre a Guiné no Anuário Colonial de 1917 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 17 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23271: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (24): Cacheu, restos que o império teceu... - Parte I


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) > Uma das 16 peças de artilharia que defendiam a entrada do rio Cacheu.

"Os trabalhos de recuperação do antigo forte colonial foram desenvolvidos de Janeiro a Março de 2004, com recursos da ordem de cem mil Euros, disponibilizados pela União das Cidades Capitais de Língua Oficial Portuguesa (UCCLA). Visando assegurar a sua utilização como área de lazer e cultura, além de promoção do turismo, foram promovidas a reurbanização de seu interior, onde foram instalados diversos equipamentos de lazer e recolocadas as estátuas dos navegadores portugueses Gonçalves Zarco e Nuno Tristão, os primeiros europeus a atingir as costas da Guiné, no século XV. Nas antigas edificações de serviço foram instaladas uma biblioteca e salas de convívio." (Fonte: Wikipedia)


Fpto nº 1A > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) > "O forte, de pequenas dimensões, apresenta planta na forma de um rectângulo, com 26 metros de comprimento por 24 metros de largura, com pequenos baluartes nos vértices. As muralhas, em pedra argamassada, apresentam cerca de quatro metros de altura por um de espessura. Encontrava-se artilhado com dezasseis peças. O Portão de Armas, com mais de um metro e meio de largura, é o seu único acesso." (Fonte: Wikipedia)


Foto nº 2 > Guiné -Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI)    > Hoje funciona como depósito de alguma estatuária colonial... como é o do que resta da estátua, em bronze, do governador Honório Barreto... Veio de Bissau, ficava justamente no centro da Praça Honório Barreto, perto do Hotel Portugal, hoje Praça Che Guevara.


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) > Restos da estátua de Teixeira Pinto, o "capitão-diabo" ...Estátua, em bronze, da autoria do professor de Belas Artes, o escultor Euclides Vaz (1916-1991), ilhavense. Encontrava-se no  Alto do Crim, antigo parque municipal, onde agora está a Assembeleia Nacional. (*)

 

Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Antigo Forte ou Fortim de Cacheu (séc. XVI) >   O que resta da estátu, também em bronde, do Nuno Tristão:  erigida por ocasião do 5º centenário do seu desembarque em terras da Guiné (1446), a estátua ficava no final na Av da República, hoje, Av Amílcar Cabral... Esta artéria, a principal avenida de Bissau no nosso tempo, vinha da Praça do Império ao Cais do Pidjiguiti, tendo no final a estátua de Nuno Tristão; no sentido ascendente, ou seja, do Pidjiguiti para a Praça do Império, tinha à esquerda a Casa Gouveia, por detrás da estátua, e mais à frente, à direita, a Catedral.


Foto nº 5 > Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) >  Restos da estátua de Diogo Gomes, que até à Independência, estava em Bissau,  frente à ponte cais de Bissau...


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segundo Ana Vaz Milheiro, especialista em arquitetura colonial do Estado Novo, o pedestal na ponte cais de Bissau (agora vazio) da estátua do Diogo Gomes ainda lá estava em há meia dúzia de anos, tal como a inscrição, um exerto do canto VII dos Lusíadas, "Mais mundo houvera"... 

O pedestal é obra do Gabinette de Urbanização do Ultramar (GUU). A estátua, entretanto removida em 1975 para o forte do Cacheu, deve ser da autoria do escultor Joaquim Correia, autor de monumento análogo que ainda hoje está de pé na cidade da Praia, Cabo Verde. 

Esta e outras estátuas (Honório Barreto, Nuno Tristão, Teixeira Pinto) faziam parte de "um escrupuloso programa de 'aformoseamento' do espaço público", integrado nas comemorações do 5º centenário do desembarque de Nuno Tristão. na altura do governo de Sarmento Rodrigues (1945-48). 

No entanto, a colocação das estátuas destas figuras históricas da colonização só será efetuada na segunda metade da década de 1950 [Vd. Ana Vaz Milheiro - 2011, Guiné-Bissau. Lisboa, Círculo de Ideias, 2012. (Coleção Viagens, 5), pp. 32-33].

Obrigado ao Patrício Ribeiro, o "nosso último africanista" que resiste, desde 1984, à usura (física e mental)  do tempo, da história, dos trópicos, no país, a Guiné-Bissau, que ele escolheu para viver e trabalhar,  e que se lembra, de vez em quando,  de nós e realimenta as nossas "geografias emocionais"  do tempo de soldadinhos de chumbo do Império... 

As fotos acabaram de chegar, ainda estão frescas, mas há mais para uma segunda parte. (***). O Patrício diz-me,  sempre dsicreto e  lacónico, que "sim, todas a fotos, foram tiradas no domingo passado, em Cacheu onde estive a trabalhar. Umas são  sobre o porto do Cacheu e outras sobre a "fortaleza do Cacheu". 

Eu que não sou especialista em arquitetura, muito menos militar e colonial, confesso que são sei distinguir um forte, uma fortaleza e um fortim...Com cerca de  624 metros quadrados de área total, e muros "altos de 4 metros", aquilo parece-me mais um "castelo de areia" do meu tempo de praia, quando eu era menino e moço e construía "castelos de areia"... Mas, enfim, lá cumpriu a sua missão, mal ou bem, não podendo nós, todavia, esquecer que o seu passado "esclavagista"  como tantos outros pontos da costa africana ocidental... 

PS - Patrício, fico feliz por teres trabalho (tu e os teus "balantas"), mas preocupado por teres de trabalhar ao domingo, como, de resto, muito boa gente... Em primeiro lugar, também precisas de descansar. Por outro, não respeitando o Dia do Senhor, ainda corres o risco de seres transformado, como o ferreiro, em "dari" (o nome afetuoso que os guineenses chamam ao nosso "primo" chimpanzé). Nestas coisas, é bom estar com Deus, Alá e os bons irãs...

2. Faça-se a devida pedagogia destas fotos, para os iconoclastas de todo o mundo, e de todos os quadrantes político-ideológicos, mas também para os nossos "saudosistas do Império", leitores do nosso blogue...  Aproveito para citar um comentário do nosso querido amigo Carlos Silva (a quem desejamos rápidas melhoras), e que é um dos nossos camaradas que melhor conhece (e ama) a terra e a gente da Guiné-Bisssau (****):

(...) "A estátua de Teixeira Pinto estava situada no Alto de Crim, onde actualmente está situada a Assembleia Nacional.

O monumento com o busto de Teixeira Pinto creio que situava-se na baixa de Bissau, próximo da catedral e foi inaugurado em 1929 pelo Governador Cor Leite de Magalhães. (...)
 
Quanto às estátuas que refere o Armando Tavares da Silva, presentemente estão as 3 dentro da Fortaleza do Cacheu. Pelo menos estavam em Abril de 2019, mas antes estiveram fora da fortaleza, mas próximo da mesma,  das quais tenho fotos dos anos 90 e de 2001 e de outros anos.

Falei com vários altos dirigentes, incluindo com o falecido Presidente Interino Manuel Serifo Nhamadjo sobre este tema e todos concordam que as estátuas fazem parte da História do país, mas não há vontade política para fazer seja o que for.

Para mim, os pedaços das estátuas estão lá na fortaleza de castigo e para lembrar o colonialismo.

E duas estátuas já foram à vida, a do Comandante Oliveira Mozanty que estava em Bafatá, da qual tenho fotos de 1997, toda partida, mas que já foi para a sucata, embora continue por lá o pedestal em granito preto com relevos e muito bonito.

A outra era a de Ulisses Grant, presidente dos EUA que arbitrou o caso de Bolama entre Portugal e os Ingleses. Esta também foi para a sucata." (...)


(***) Último poste da série > 7 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23238: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (23): Bafatá... e as nossas "geografias emocionais"

(****) Vd. poste de 8 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21747: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (80): busto do capitão Teixeira Pinto, em Bissau, c. 1943 (Armando Tavares da Silva)