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domingo, 19 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24864: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (21): Os sinais de código da estrada é para... respeitar, e os dos códigos comportamentais ainda mais... (Hélder Sousa, Setúbal)


GONÇALVES, Gerardo Vidal; PEREIRA, Dina; LOPES, Gonçalo e LISA-FREIRE, David (2021) – “Marcas de Canteiro, Cantaria Histórica e Arqueologia do Construído: a Igreja de Santa Maria do Castelo, na vila da Lourinhã”. Al-Madan Online. Almada: Centro de Arqueologia de Almada. 24 (2): 130-142. Em linha. Disponível em https://issuu.com/almadan. (Com  a devida vénia...)

Resumo: Estudo de marcas de canteiro, cantaria histórica e Arqueologia do construído, a partir de trabalhos arqueológicos preventivos realizados, em 2021, na envolvente da Igreja de Santa Maria do Castelo (Lourinhã).

Os autores apresentam a metodologia de registo e os resultados, que incluem 29 marcas de canteiro distribuídas por vários elementos arquitectónicos, maioritariamente em zonas baixas e pouco visíveis. O seu agrupamento tipológico sugere pelo menos três oficinas, mestres ou canteiros diferentes. Há ainda uma inscrição aplicada no pórtico principal, virado a Oeste, provavelmente datada de finais do século XIV.

Palavras-chave: Arqueologia preventiva; Arqueologia da Arquitectura; Pedra; Marcas (de canteiro).



1. Mensagem de ontem` às  15h45, do  Hélder Sousa,  foto à direita: colaborador permanente do nosso blogue, provedor da Tabanca Grande;  tem  193 referências no blogue, tendo ingressado em 11/4/2007 (é, portanto, um "vê-cê-cê", velhinho como o c...); ribatejano, de nascimento (Vale da Pinta, Cartaxo) e formação (Vila Franca de Xira), português, cidadão do mundo, amigo do seu amigo; ex-fur  mil trms TSF (Piche e Bissau, Nov 70 / Nov 72);  engenheiro técnico electrotécnico, pelo ISEL;  consultor em segurança no trabalho; empresário em nome individual; vive em Setúbal; tem página do Facebook aqui.

Caros amigos

Achei por bem dar conta desta minha lembrança que me ocorreu a propósito dos diversos "calões" e também por a eles se terem referido como "códigos".

Assim, também como os chapéus, que há muitos, os códigos também serão de diversa motivação e neste caso concreto, acontecido comigo, aproveitei não só para me lembrar do caso com também, ao dar conta dele, recomendar que os levem a sério, quando vos tocar qualquer coisa do género.

Abraços, Hélder Sousa


OS CÓDIGOS COMPORTAMENTAIS

por Hélder Sous

Meus amigos, esta memória, de que vou dar testemunho, surgiu depois de ler algumas coisas sobre o calão falado, “por aqui e por ali”, e de também se ter referido a eles como que espécie de “códigos” de comportamento para relacionamento e reconhecimento de grupos.

Ora, tanto quanto vou aprendendo também “por aqui e por ali”, isso dos“códigos” é coisa bem antiga.

Por exemplo, é bem conhecido o facto de que os velhos “construtores de catedrais” tinham códigos (sinais) identificadores para se saber a que Mestres correspondiam as pedras colocadas, quando numa mesma obra existiam mais do que um Mestre e seus operários, para que assim o Dono da Obra pudesse quantificar o trabalho efetuado e remunerá-lo adequada e justamente. Isso pode ser observado em vários monumentos um pouco por todo o País.

Mas o que eu vos queria transmitir é que há uns bons pares de anos atrás, quando retomei os estudos interrompidos, primeiro por incorporação no SMO (Serviço Militar Obrigatório), , depois por dedicar mais tempo à ”vida artística”, cumulativamente pelos tempos do imediato pós-25 de Abril, fiz parceria com um colega de turma para a produção de “trabalhos de grupo”.

Ora esse colega era filho dum senhor que tinha uma oficina de manutenção automóvel, trabalhos de bobinagem e relativos, ali para os lados de Campo de Ourique, em Lisboa, já a chegar ao “Casal Ventoso”, em tempos em que esse local era conhecido como “supermercado da droga” e de consumo da mesma.

Recomendaram-me que, quando para lá me deslocasse, tivesse o cuidado de estender por cima do volante um pano amarelado ou laranja. Que fizesse isso e não fizesse perguntas. E assim procedi sempre e não ocorreu nada de registo que merecesse ser contado.

Acontece também que esse meu amigo e colega morava numa casa, num rés-de-chão ligeiramente elevado em relação ao nível da entrada, ali mesmo ao lado da Igreja de Santa Isabel e onde também era devido utilizar o “código do pano sobre o volante”.

Numa noite em que fui para lá para trabalhar, chegando já um tanto atrasado, com a pressa, não tive o cuidado de colocar o “bendito paninho”, mas como o carro (um Renault 5) ficou estacionado mesmo junto à janela (não ao nível da rua, mas um pouco mais elevada, como disse) do compartimento onde estaríamos a fazer os trabalhos e aí o passeio era bem estreito, menos de 1 metro entre o carro e a janela, não me preocupei quando me lembrei do facto e até achei que não deveria ter importância.

Mas teve!

Quando acabámos e fui para o carro, depois de entrar e ligar o motor, quando fui para ligar o rádio só encontrei o buraco. O rádio tinha desaparecido.

Claro que no imediato fiquei “estragado”. Primeiro por ter sido roubado, depois, culpabilizando-me, pelo esquecimento de assim ter desrespeitado a aplicação do código (o tal pano laranja sobre o volante) para que eventuais “amigos do alheio” soubessem que se tratava de um bem pertencente à comunidade, conforme já tinha percebido.

O que “compensou” foi que o trabalhinho foi efetuado por profissional. Nada partido, nada estragado, “apenas” fiquei sem o rádio…..

Portanto, se houver códigos, são para serem respeitados, não se esqueçam.

Hélder Sousa
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Nota do editor;

domingo, 24 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24694: Manuscrito(s) (Luís Graça) (235): o fim do verão, o princípio de outono, as vindimas da nossa alegria... E o que nós andámos para aqui chegar!...



















Quinta de Candoz, fim de verão, princípio de outono, 21, 22 e 23 de setembro de 2023, as últimas vindimas, a alegria do (re)encontro, da festa, da partilha... E pela primeira vamos fazer um vinho, com apoio de enólogo , e que será de homenagem à nossa querida "Nita", a Ana Carneiro (faz hoje meio ano que nos deixou mais sós e tristes)...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
(Imagens HDR - High Dynamic Range, tiradas sem tripé)


O que nós andámos para aqui chegar…

  

Há quase cinquenta anos (vai fazer em  2025) que venho a Candoz, lembrei  eu há dias no poste P24676 (*).  E deixei, por outro lado,  algumas reflexões avulsas sobre "mudanças" no nosso país, de que fomos todos sujeitos e objetos, atores e espetadores, nomeadamenmte no campo (por oposição à cidade). 

Respondendo de resto ao meu desafio, o despretensioso texto mereceu alguns calorosos comentários de alguns amigos e camaradas, a quem fico reconhecido, porque vieram valorizar o tema, complexo, das transformações (económicas, sociais, culturais, mentais, etc.) por que passou a nossa geração, grande parte dela de origem rural... (Na década de 50, metade da população portuguesa ainda vivia dependente do setor primário da economia e, segundo o censo de 1960, um em cada três portugueses ainda era analfabeto!)

E, como eu disse, "foram muitas, essas transformações", para não dizer "profundas, radicais, estruturantes", em todos os domínios, a nível do indivíduo, da família, do habitat, do território, da economia, da sociedade, das organizações e instituições, etc. Da saúde à educação, do trabalho aos transportes, do lazer à cultura, da sexualidade à religiosidade, da política ao futebol,  etc., etc.

Utilizei Candoz, por mera conveniência,  como ponto de observação e de reflexão, por estar situado a 400 km de Lisboa a capital deste país que ainda é macrocéfalo); longe do litoral, a 340 km da minha terra natal, Lourinhã, a 70 km do Porto; enfim,  no “país profundo”, onde o povoamento era (e ainda é) disperso e a predomina(va) o minifúndio,  e onde eu ainda apanhei tantas “coisas do antigamente” (ou que ainda estavam frescas na memória das gentes do vale do Tâmega, que pega com o vale do Sousa, berço do velho Portugal, e por onde passa uma fabulosa rota do românico, que poucos portugueses conhecem)…

E cito ainda Candoz porque a elegi também como minha segunda terra... E por aqui andou o Zé do Telhado... E está rodeada de serras, com o rio Douro a fazer fronteira entre o distrito do Porto e o distrito de Viseu: Montedeiras, Aboboboreira, Montemuro, Meadas, Marão, Alvão...

Listo apenas algumas dessas "coisas do antigamente" que, umas felizmente já desapareceram (ou são  "peças de museu"), outras ainda estão enraizadas nos nossos "usos e costumes"... São umas cinquenta (para arredondar) as que me acorreram, ao sabor do teclado e no decurso desta época de vindimas (em que vim passar 18 dias a Candoz,   já tendo hoje regressado ao Sul). 

Aqui váo, de 1 a 50, sem qualquer ordem de precedência, importância ou relevância;

(1) a luta dos rendeiros contra a parceria agrícola e pecuária, formas pré-capitalistas de exploração da terra, com o pagamento das “rendas” em géneros (em em geral, numa proporção fixa, por exemplo ao terço, a meias, etc.);

(2) a estratificação social nos campos:”fidalgos”, pequenos proprietários, rendeiros…e cabaneiros (gente sem terra nem casa) (e que na igreja também se dispunham pela mesma ordem, com homens e mulheres, socioespacialmente separados);

(3) os salamaleques da “servidão da gleba”: “com a sua licença, meu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância;

(4) as juntas de bois lavrando a terra com arados de ferro;

(5) a criação, em cortes, do gado bovino (o “tourinho”, mais bem tratado que a “canalha”, porque rendia dinheiro ao ser vendido na grande feira do Marco (de Canaveses);

(6) a cultura do milho de regadio, exigente em água e mão de obra (escondia-se o milho nas “minas”, as nascentes de água, para escapar à requisição do governo nos anos da II Guerra Mundial e do pós-guerrra);

(7) a vinha de bordadura e de enforcado (e na sua grande maioria, videiras de tinto… jaquê, um híbrido americano de há muito proibido mas sempre tolerado; de fraca graduação e pior qualidade, o “jaquê” chegava a maio já era intragável; de resto, nas vindimas toda a uva podre ia “para o tinto”; e não havia vinho verde branco, o que se fazia era “para o padre”; e muito do que ia para o "utramar", a tropa, que tinha poder de compra, era vinho branco leve, de 9 / 10 graus, enviado para os armazéns do Porto e de Vila Nova de Gaia, e depois gazeificado e rotulado como "vinho verde branco");

(8) o vinho verde tinto, o tal "berdinho",  bebido da malga de barro vidrado ou da “caneca de porcelana”;

(9) as “serviçadas” como a vindima, a malha do centeio, a desfolhada do milho, a espadelada do linho, a matança do porco, etc., em que os familiares e os vizinhos se ajudavam, uns aos outros;

(10) os grandes cestos de vime de 50 kg de uva que os “homes” transportavam aos ombros (e as mulheres à cabeça), por leiras e solcalcos abaixo (ou acima) até ao “lagar do vinho” (em geral, no piso térreo, da casa, e com chão saibroso por causa da temperatura ambiente);

(11) a matança do porco, o fumeiro e a salgadeira (que eram o “governinho da tia Aninhas”, e também uma das principais causas de morbimortalidade por doenças cérebro-vasculares, como a “trombose”):

(12) o valor comercial da madeira de carvalho, castanho e pinho (madeira nobre hoje destronada pelo eucalipto);

(13) a água de consortes,  as "levadas" (como a água de Covas, que vinha da serra, e  de que o meu sogro tinha direito a utilizar, só no solstício do inverno, uma vez por semana, das 10h da manhã às 6h00 da tarde);

(14) os “montes” (pinhais) que eram “rapados” todos os anos, não só para limpeza e prevenção dos incêndios (não havia incèndios) como sobretudo por causa da importância que tinha o mato para fazer a "cama dos animais” e depois o estrume (fundamental para a cultura do milho ou da batata);

(15) a “esterqueira” (ao pé da porta onde se faziam todos os despejos domésticos e se deitava todo o lixo orgânico que não fosse para a “gamela” de, "com a sua licença", o porco);

(16) as longas caminhadas a pé (para se ir à missa, à romaria, à feira, à repartição de finanças na sede do concelho,  mas também ao médico e o hospital da misericórdia);

(17) a escassez de meios de tração mecânica na lavoura (tratores, motocultivadores, serras mecânicas, etc.) e de transporte automóvel;

(18) a “venda” que era mercearia, tasca, casa de comidas (para os de fora), cabine pública de telefone, caixa de correio, palco de mexericos, boatos e notícias, etc. (a da Candoz, ficava no Alto, a 3 km de distância por caminho de carro de bois, que agora é estrada municipal e nos  leva à albufeira da barragem do Carrapatelo);

(19) a sardinha “para três” (que chegava de Matosinhos na Linha do Douro até ao Juncal, e depois era transportada à canastra e vendida de porta em porta) (... e os ovos que se vendiam para comprar a "sardinha para très");

(20) o caldo moado, as cebolinhas do talho, os salpicões feitos em vinho tinto verde, o anho com arroz de forno, as papas de farinha de pau, o arroz de cabidela, o bacalhau “lascudo” no Natal, a aletria, etc.

(21) só os homens usavam calças (!);

(22) a virgindade (feminina) antes do casamento;

(23) o medo das trovoadas, das bruxas, dos lobisomens, do mau olhado, das pragas que se rogavam uns aos outros por ódio, vingança, desamores, etc.;

(24) a importância das feiras e romarias como factor de lazer, de socialização, de negócios, de informação, conhecimento e propaganda (ah!, os pregões dos feirantes!);

(25) as “tunas rurais do Marão” (indispensáveis nos "bailes mandados");

(26) a luz do candeeiro a petróleo ou querosene;

(27) o caciquismo político e eleitoral (do regedor, do padre, do comerciante, do professor, do “fidalgo"...);

(28) o “varapau”  como símbolo da masculinidade (mas também de violência) (a ponto de ter sido proibido na via pública, nas festas e nos bailes, sendo o seu cumprimento fiscalizado pela GNR):

(29) a fraca monetarização da economia (fazia-se algum dinheiro com a venda das uvas, do milho, do tourinho, da cereja e pouco mais; ou trabalhando à jorna, ocasionalmente para o "ramadeiro", para o "construtor civil, etc., que os mais sortudos iam para a polícia e os caminhos de ferro);

(30) a autossuficiência da economia do pequeno campesinato familiar onde o pai era “pai e patrão” e  a “ranchada de filhos”  era garantia de mão de obra abundante e gratuita;

(31) a emigração, primeiro para o Brasil (até aos anos 50) e depois para França (muitas vezes "a salto") e Alemanha, também depois Luxemburgo e Suiça;

(32) o obscurantismo não só político e cultural mas também religioso (como o daquele pároco que mandou cortar as pilinhas dos anjinhos na igreja);

(33) as “grandes mulheres” que em geral se escondem(iam) atrás dos seus “homes" (e tinham sempre uma palavra de peso, a última, nos negócios, nas compras de propriedade, nos amores, nos casórios dos filhos,  etc.);

Mais mudanças

Era tempo em que ainda…

(34) se andava descalço (ou, tal como em África, se levava os sapatos na mão até à entrada da vila, da escola, da igreja…);

(35) se batia forte e feio nos filhos (em casa e no campo) e nas crianças (na escola) ("quem dá o pão, dá a educação");

(36) se começava a trabalhar muito cedo (“ o trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco”; "na casa deste home, quem não trabalha não come; e na casa desta mulher, come-se tudo o que ela der"):

(37) havia o “baile mandado” com “mandador” e os homens e as mulheres separados, de pé, encostados às paredes da casa;

(38) ouvia-se o carro de bois a chiar pelos estradões (uma verdadeira sinfonia!);

(39) se cultivava o milho e o centeio;

(40) se cozia a broa de milho e centeio (três “quartos” ou partes de milho e um de centeio), no forno a lenha, e que tinha de durar 8 dias (ou até 15, "duro que nem cornos"!);

(41) em que os mais remediados diziam: “criei-os [aos filhos] fartos e cheios [de pão, que não se escondia na “trave” do telhado de telha vã, fora do alcance dos ratos e… das crianças, isso era sinal de pobreza];

(42) as crianças se habituavam, cedo, às “sopas de cavalo cansado” e eram “sedadas com bagaço” quando se contorciam com dores, tinham fome ou estavam doentes;

(43) as “parteiras” (que não as havia, diplomadas) eram as “aparadeiras” (mulheres curiosas, mais velhas, que já tinham sido mães...);

(44) não se conhecia a contraceção nem o planeamento familiar (mesmo a “pílula” chegaria tarde à cidade…) ("porra e lenha é quanto a venha", um provérbio que pode ter uma conotação sexual, mas não tenho a certeza);

(45) só se bebia leite (de cabra, de vaca era mais raro) quando se estava doente (em geral os adultos);

(46) o fatalismo dos provérbios populares (“boda e mortalha no céu se talha”, "muita saúde e pouca vida que Deus não dá tudo"...);

(47) se jogava ao pião (os rapazes) e se brincava às bonecas de trapos (as raparigas);

(48) não havia saneamento básico, água potável (a não ser  o das minas) nem banheiro com duche;

(49) a electricidade, a televisão, etc., só chegariam depois do 25 de Abril (mesmo com a barragem do Carrapatelo a escassos quilómetros de Candoz);

(50) e quando a gente (a nossa geração) nasceu, por volta de 1945, no fim da II Guerra Mundial, ainda morriam 120 crianças em cada mil nados-vivos.

É bom não esquecer, para a gente dar valor ao esforço (individual e coletivo) dos portugueses na melhoria das suas condições de vida, de saúde, de alimentação, de trabalho... 

Parafraseando, a canção do Zé Mário Branco, acrescentamos: "o que nós andámos para aqui chegar!"...

E dito isto, continuo a gostar de cá vir, em épocas emblemáticas, festivas, do Natal à Páscoa, da festa da Senhora do Socorro às vindimas... Claro, aos batizados, casamentos, festas da família, enterros… (E há perdas recentes, que nos deixam dor profunda e eterna saudade.)

E gosto de continuar a fotografar Candoz, ao longo das quatro estaçõesm e de preferència com a luz matinal... E em particular nesta época do ano em que aparecem as primeiras cores outonais e os primeiros cogumelos (os "sentieiros").

E continuo a eleger Candoz como tema da minha escrita (em prosa ou em verso, e nomeadamente nos meus/nossos blogues) (**). Afinal, sou um pobre "citadino"...

Que o leitor desculpe esta obsessão... É como a Guiné: estivemos lá menos de dois anos, e o blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné já vai a caminho dos vinte.  (**)

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(...) Comentrários;

(i) Luís Graça;

Fico triste quando oiço "açularem os cães" do nortismo contra o sulismo ou vice-versa...

Afinal este país velhinho que herdámos dos nossos avoengos, e de que nos orgulhamos, não tem fronteiras internas a não ser as "metereológicas" como o sistema Montejunto-Estrela ou o anticiclone dos Açores...

20 de setembro de 2023 às 08:22

(ii) Eduardo Estrela:

(...) Felizmente que algumas das coisas que mencionas acabaram. Felizmente que outras ainda se mantêm e hão-de continuar a fazer feliz quem as aprecia.

Cá em baixo no Sul também era assim. Lembro-me bem de ver há muitos anos os serrenhos ( quem vivia a norte do Barrocal algarvio era assim apelidado ) virem ao Algarve como eles diziam, montados nos seus burros e mulas e trocarem favas, ervilhas, cebolas, batatas e outros produtos agrícolas, por peixe e marisco. Faziam-no pelo menos 2 vezes por mês percorrendo caminhos que à época eram pior que maus. (...) 

20 de setembro de 2023 às 13:03

(iii) Valdemar Queiroz:

(...) Luís, quando em 1956 vim a "escorregar por uma tábua abaixo"(*) até Lisboa, em Afife era assim a vida como muito bem descreves.

E sobre: "os salamaleques da “servidão da gleba” (também do tempo da outra senhora): “com a sua licença, eu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância"... Fernando Namora escreve no livro "Retalhos de um Médico" que a grande diferença entre o homem do norte e o do sul (alentejano) é que o do sul não atravessa a rua para cumprimentar o padre por o não conhecer de lado nenhum.

Faltou o ir descalço pra escola, que mesmo assim, quem me dera ter sete anos e o cabelo grande encaracolado e estar à espera do 7 de Outubro. (porquê a escola começava a 7 de Outubro?) (...)


20 de setembro de 2023 às 13:55


(iv) António Carvalho:

(..,) Sendo tu um homem do centro, tiveste, desde que conheceste a Alice, essa sorte de conhecer uma aldeia da região durimínia condimentada de todas as características, desde a economia, religiosidade, estrutura fundiária predisposições sociais. Aliás, sendo tu formado academicamente na área das ciências sociais, tens assim uma vantagem supletiva, quando mergulhas nas tuas reflexões sobre os espaços que habitas.

Um grande abraço, com votos de que possas abandonar, brevemente os empecilhos das muletas. (...)

20 de setembro de 2023 às 14:58

(v) António Graça de Abreu:
 
(...) Também conheço razoavelmente o Douro, o meu rio de menino e de rapaz mais espigado,(nasci e cresci no Porto) e as terras do Marco de Canaveses. Tenho um amigo arquitecto, Paulo Machado, com uma casa fantástica debruçada sobre o Tãmega, quase meu meio irmão, somos da mesma criação portuense, que já me emprestou o seu pedaço de Paraíso para estadias de espantar. São dos lugares mais bonitos de Portugal. Aí nasceu a tua Alice.

Aproveita Luís, e logo que possível atira essas muletas ao rio Tâmega, ou afunda-as nas águas do Douro. (...)

(vi) José Teixeira:

(...) Fizeste-me voltar aos meus tempos de criança. Com cinco /seis anos descobri que a sopa do caseiro que vivia a trezentos metros do monte onde vi a luz que me alumia, apesar de pobre, porque o dono das terras lhe comia o grosso do seu trabalho, tinha sempre um courato de porco na tijela, enquanto o meu, tinha couves, feijão, batata e um "pirilau" muito pequenino de azeite. 

Um dia em que minha mãe foi para lá fazer a sacha do feijão, apercebi-me do manjar e feito "xico esperto" ofereci-me para lhe guardar as ovelhas ao fim da tarde. Assim ganhei o direito ao petisco- um simples bocado de carne de porco gorda, com um coirato duro de roer que me sabia tão bem!
Assim me fiz o homem que sou. (...)


20 de setembro de 2023 às 18:34

(viii) Luís Graça:

E grande homem, Zé Teixeira, mesmo que a Pátria, ingrata, madastra, nunca to tenha dito...

Sei que tiveste uma duríssima infància, tinhas razões de sobra para te insurgires contra Deus e os homens... Porquê eu, meu Deus ?!...

Não foi fácil a nossa infància, adolescência e juventudem em geral... Alguns, creio que poucos, da nossa geração, terão vergonha em dizè.lo em público... que também comeram o pão que o diabo amassou... E a guerra ajudou a nivelar as diferenças,,,

Mas fizémo-nos homens, e isso é que importa sublinhar. E temos orgulho emm dizê-lo aos nossos filhos e netos. Tu bem podes tè-lo, tanto quanto eu sei de ti e da tua história de vida! (...)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22893: Notas de leitura (1407): Um livro que é "serviço público": "Aldeia Nova de São Bento: Memórias, Estórias e Gentes", José Saúde, Edições Colibri, 2021 (Prefácio de David Monge da Silva)



Capa do livro "Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes",de José Saúde. Lisboa, Edições Colibri, 2021, 299 pp. (*)Para encomendas com oferta de 10% de desconto sobre o PVP + portes de envio para Portugal: encomendas@edi-colibri.pt


O escritor e jornalista José Saúde, ex-fur mil op esp, CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), é membro da nossa Tabanca Grande, tendo mais de  210 referências no nosso blogue, Natural de Aldeia Nova de São Bento, vive em Beja. Prefácio de David Monge da Silva que aqui reproduzimos com a devida vénia  (**).


Prefácio

por David Monge da Silva


Quando o Zé Saúde me convidou para prefaciar esta obra aceitei imediatamente e sem qualquer hesitação. Temos, na infância e adolescência, um passado comum na nossa aldeia, e uma posterior ligação ao desporto, ele como praticante de futebol e depois como jornalista e escritor, e eu como profissional da educação física e do desporto. Mas aquilo que mais nos liga é o amor à nossa terra, à nossa aldeia, e o orgulho que sempre mostrámos quando dizemos que somos de Aldeia Nova de São Bento.

Apesar de estarmos fisicamente afastados contactamos muitas vezes usando as novas tecnologias. O tema de que habitualmente falamos é a nossa terra, os seus costumes e as suas gentes. Partilhamos alguma informação, sobretudo fotografias e documentos antigos, que tenho vindo a coletar e a publicar nas redes sociais. Aprendemos um com o outro somando memórias e linhas de investigação.

Ao ler as suas deliciosas crónicas regresso de imediato à minha infância e adolescência, a um tempo de felicidade em que todos os nossos familiares e amigos estavam connosco para nos ajudarem a crescer e descobrir, sem sobressaltos, o mundo e a vida.

O Zé tem uma escrita muito própria que o identifica de imediato. Ao descrever um facto ou um personagem utiliza muitos adjetivos portadores de sentimentos e emoções, que imediatamente despertam a minha sensibilidade adormecida.

Quando o leio surge em mim um inevitável sorriso de alegria e felicidade, volto a ser quem fui, os meus familiares e amigos voltam a acompanhar-me na escola, nas coletividades, nas brincadeiras de rua, nas súcias e nas futeboladas intermináveis. Estou a escrever estas simples linhas e estou a sorrir.

Quando volto à minha e nossa terra natal, o que cada vez é menos frequente, fico sempre triste, não consigo encontrar a aldeia da minha infância. A casa onde nasci está fria e abandonada, os meus amigos emigraram para a periferia de Lisboa ou para o estrangeiro. Todos partiram levando consigo o ambiente onde cresci e fui feliz.

Tudo hoje é diferente. O passado apenas subsiste na minha memória, nas minhas recordações. Somos as nossas memórias. Somos quem fomos. É a nossa história que nos caracteriza e define.

O que explica, muito sumariamente, a minha aldeia e, por extensão, todo o Baixo Alentejo é a enorme emigração, a perda continuada de população. É uma região cada mais deserta, cada vez mais envelhecida, cada vez mais esquecida.

Mas nem sempre foi assim.

Se olharmos para os dados disponíveis nos recenseamentos da população entre 1747 e 2011, encontramos longos períodos de aumento populacional e de posterior diminuição.

Tentemos compreender o fenómeno olhando rapidamente para esses números.


Da observação destes dados podemos destacar os seguintes pontos:

  • Foi em 1950 que Aldeia Nova atingiu o maior número de habitantes (8842). No último recenseamento, em 2011, tinha apenas 3072, o que significa uma redução populacional de 65%. 
  • É preciso recuar mais de 140 anos para encontrar, em 1878, um número inferior (2839) 

  • De 1747 a 1950 verificou-se um continuo e gradual crescimento com uma nítida aceleração a partir de 1900/1910, data em que as glebas da Serra de Serpa foram distribuídas pela população de Aldeia Nova. Esta desintegração do maior baldio do país, com cerca de 40.000 hectares, iniciou-se em1906, mas a população de ANSB protestou, como já o havia feito em 1755, por não concordar com a metodologia seguida pela Câmara de Serpa, o que atrasou o processo. Estas sortes, como o povo lhe chamava, tinham 16 hectares e foi algo de muito positivo o que permitiu e suportou um rápido aumento da população. Houve um grande incremento da cultura cerealífera, principalmente do trigo, o que deu trabalho a muita gente, sobretudo na monda e na ceifa. Contudo, a pobreza dos terrenos e a sua continuada exploração levou a um rápido esgotamento dos solos e ao seu progressivo abandono. Muitos possuidores de glebas viram-se obrigados a vende-las aos grandes proprietários que acabaram por ser os maiores beneficiários. Os montes abandonados espelham esta triste realidade. A progressiva mecanização da agricultura reduziu a oferta de trabalho. Só lhes restava partir. 
  • De 1950 até aos dias de hoje verificou-se uma contínua perda de população com os valores mais altos de decréscimo nas décadas de 50 (menos 1164 habitantes) e de 60 (menos 2450). Em apenas 20 anos houve uma diminuição populacional de 40,8%. 

Eu e o Zé Saúde vivemos a nossa infância e juventude nas décadas de 50 e 60, conhecemos a nossa aldeia com a sua população máxima, e acompanhámos o seu progressivo decréscimo.

Como exemplo, verificámos que actualmente há somente 40 rapazes a frequentar os quatro anos do 1º ciclo do ensino obrigatório, sendo apenas dez no primeiro ano. Nos pretéritos anos 50, no meu 1º ano, com a excelente professora D. Ermelinda Calvinho Grilo, éramos 52 rapazes, as meninas tinham uma outra professora, já que não havia ensino misto. Houve, comparando aqueles números do 1º ano, um decréscimo de 80%, muito superior ao decréscimo total da população que no mesmo período é de 65%, o que mostra o envelhecimento dos actuais residentes. Não se vêem rapazes a brincar nas ruas, o que nos anos 50 era uma exuberante realidade.

 Destes 52 saudosos colegas só um ou dois permaneceram na aldeia. Todos os outros partiram e constituíram família longe do seu berço natal, tal como eu e o Zé. Alguns não tiveram tempo de o fazer, morreram na guerra colonial.

As memórias que nos são trazidas nesta obra situam-se, sobretudo, nestas duas décadas, trazem-nos personagens, profissões, modos de vida, relações sociais e formas de convívio que não voltarão mais. Há que ler atentamente para que os mais idosos recordem as suas vivências e os mais novos conheçam um pouco do que foi a vida dos seus pais e avós.  

Este livro é serviço público.

David Monge da Silva

Nota final - Para além das razões que, muito brevemente, apresentámos para explicar a fuga dos nossos conterrâneos, há muitas outras de natureza sócio política que conduziram a uma sobre exploração da classe trabalhadora e a uma enorme degradação da sua qualidade de vida.

Como não cabe num simples prefácio a análise desse problema proponho a leitura deste poema em que pretendo mostrar o percurso de vida do trabalhador alentejano e as razões que o levaram à emigração.






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Notas do editor:

(*) Vd. poste de:


25 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 – P22844: Agenda cultural (794): General Manuel Monge na apresentação do meu último livro (José Saúde)

5 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 – P22783: Agenda cultural (793): Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes, 10º livro do José Saúde: sessão de lançamento, 11/12/2021, 15h00, Vila Nova de São Bento. Apresentação do prof David Monge da Silva.

(**) Último poste da série > 7 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22886: Notas de leitura (1406): CCAÇ 1550 - Quando a história de uma unidade militar ajuda a perceber a evolução da guerra da Guiné (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21764: (De)Caras (168): Maria Ivone Reis, major enfermeira paraquedista reformada, faz hoje 92 anos e é uma referência para outras outras mulheres e para nós, seus camaradas: excertos de um seu depoimento, publicado em 2004 na Revista Crítica de Ciências Sociais - Parte I


[Imagem reproduzida com a devida vénia, de Margarida Calafate Ribeiro, "Dois depoimentos sobre a presença e a participação femininas na Guerra Colonial", Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 68 | 2004, p. 158.]



Angola > 1961 > A bordo de um Nord Atlas, com tropas paraquedistas.  A Maria Arminda à esquerda, a e Ivone Reis à direita (**).

Foto (e legenda): © Maria Arminda (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. A Maria Ivone Reis, major enfermeira paraquedista reformada, faz hoje a bonita idade de 92 anos. Infelizmente, é doente de Alzheimer, ao cuidado do IASFA - Instituto de Ação Social das Forças Armadas, há já uns largos anos, não nos podendo, por isso,  ler nem comunicar connosco. Mas isso não nos impede de lembrar a sua data de nascimento, 13 de janeiro de 1929 (*), e dar a conhecer o seu exemplo de pioneirismo, dedicação e camaradagem. (**)

Ela é, de resto, membro da nossa Tabanca Grande, com 25 referências no nosso blogue. Conheceu o TO da Guiné e ficou com uma relação muito especial com as as suas gentes!...

Sabemos,por outro lado,   do respeito e admiração que todas as antigas enfermeiras paraquedistas, mais novas, têm por esta nossa camarada, que é para elas uma referência. E também o é para nós, razão porque fomos buscar  um seu antigo depoimento, publicado em 2004 na Revista Crítica de Ciências Sociais (, editada pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra).

Com a devida vénia à editora e à autora (Margarida Calafate Ribeiro), tomamos a liberdade de selecionar e reproduzir aqui alguns excertos do longo depoimento da nossa camarada Maria Ivone Reis (***) , que pode ser lido na íntegra aqui:

 Margarida Calafate Ribeiro, "Dois depoimentos sobre a presença e a participação femininas na Guerra Colonial", Revista Crítica de Ciências Sociais [Online], 68 | 2004, colocado online no dia 01 outubro 2012, criado a 19 abril 2019. URL : http://journals.openedition.org/rccs/1212 ; DOI : 10.4000/ rccs.1212

 

Depoimento de Maria Ivone Reis (2004) (Excertos)

 

[Nascida em Sintra, há 92 anos]


(...) Nasci em Venda Seca, Belas, concelho de Sintra, em 1929. Éramos quatro irmãos, sendo eu a terceira. Lembro-me do nosso Pai, doente em casa; às vezes levava-me à rua a passear. Faleceu, tinha eu cinco anos. A nossa Mãe era doméstica. Após a morte do Pai, fomos para casa dos nossos avós maternos.

Dois anos depois, a Mãe faleceu, tinha eu sete anos. A causa da morte de ambos foi tuberculose pulmonar.

Os nossos avós maternos tiveram nove filhos. Viviam da agricultura e dos produtos lácteos dos animais. A minha Avó acolheu-nos, quatro netos, com carinho, mas muito exigente, sobretudo comigo, a rebelde!  

(…) A Avó, “analfabeta”, foi a minha grande catequista, ensinando-nos a fazer o bem e “nunca” o mal. O meu Avô nunca mandou os filhos estudarem. Logo, aos netos também não. Assim, os tios após a primária, se a fizessem ou não, trabalhavam na terra.


[Juventude: trabalhar para poder estudar]

(...) Na minha juventude, procurei trabalho, acompanhando crianças, desde que me facilitassem o tempo para estudar. Estive em três famílias, todas  extraordinárias no acolhimento que me deram.

A primeira família era de um diplomata americano. (…). A segunda família era muito agradável. Eram franco-belgas e tinham três filhos. Tratavam-me por “mademoiselle” (…) 

Passados quatro anos, conheci outra família, próxima de amigos comuns, que me desafiou para acompanhar uma criança de dois anos. Teria assim mais tempo para estudar. (...)


[Escola de enfermagem, 1958]

(...) Assim continuei até que, em 1958, conclui o Curso de Enfermagem Geral na Escola das Franciscanas Missionárias de Maria.

O terminar deste curso foi para mim a realização de um sonho que desde sempre alimentei. Quando era criança tinha estado num sanatório, em Francelos, perto de Espinho, porque naquela altura havia a primo-infecção e aquelas outras doenças do foro respiratório. 

Foi lá que conheci uma senhora, Guilhermina Suggia, que era violoncelista e era mundialmente conhecida, fazia concertos na Rússia e pelo mundo fora. Ela ia lá passar as férias, e contava muitas coisas das suas viagens, dos seus concertos e nós ficávamos todas espantadas… são coisas que para as crianças parecem sonhos. Pensei logo que queria ser pianista, mas foi no sanatório que percebi que queria mesmo era ser enfermeira. (…)


[Enfermeira no Hospital da CUF, 1959 e convite para enfermeira paraquedista em 1961]

(...) Comecei a trabalhar em 1959, no hospital da CUF e foi aí que fui abordada por uma colega da Escola para integrar uma equipa de enfermagem na Força Aérea, mais concretamente nos Pára-quedistas, para actuar em Angola, onde a guerra tinha estoirado, em 1961. 

O convite seduziu-me de imediato, disse logo: “Olhe, conte comigo, mas eu amanhã confirmo”. Eu tinha que dar uma satisfação à família com quem vivia, mas a minha decisão estava tomada. (…)

Quando me contactaram pensei que a minha ida como enfermeira era útil, e o importante era atenuar o sofrimento daquele que não tinha culpa nenhuma e que estava na frente de guerra. Não pensei na estratégia de guerra, o porquê da guerra. Achava que aquilo seria uma situação temporária e depois voltávamos. 

(...) Na verdade, nunca tinha pensado trabalhar em África. Quando as notícias da guerra em Angola chegaram, para mim, como para muita gente, foi uma surpresa. Tínhamos uma opinião desinformada e uma população que também não estava esclarecida, muito menos sobre o que se passava em África.

E aceitei o desafio, embora o vencimento fosse menor do que na CUF. Na verdade, eu nem perguntei nada, não perguntei quais eram as condições (…).. 

Fomos o princípio de um quadro de enfermeiras graduadas militares na Força Aérea. A nossa missão específica era de, a bordo, assistir e tratar os feridos ou doentes, combatentes ou população civil, e conduzi-los para o hospital indicado.

O pára-quedismo despertou em nós a consciência do medo, desenvolvendo, simultaneamente, a audácia de agir, com segurança, no risco e na adversidade. Na “retaguarda” da guerra, as equipas de evacuação aérea, pilotos e enfermeiras, estavam sempre prontas a responder à chamada, viesse ela das zonas de combate ou dos mais “esquecidos” aquartelamentos das tropas. Era uma vida intensa.


[Curso de enfermeira paraquedista em Tancos,  junho-agosto de 1961]

(...) Mas a nossa preparação tinha sido cuidada. Quando se reuniu o grupo de voluntárias – éramos 11, uma fracção de uma companhia – fomos convocadas para fazer testes de adaptação e de capacidade. Naquele tempo a mulher não estava ginasticada, não havia a prática de ginástica que temos hoje. Mas estes testes iniciais não eram eliminatórios. No curso que se seguiu as pessoas desenvolviam-se ou não, cumpriam as metas fixadas ou não.

Começámos onze e só ficámos seis, porque as outras não aguentaram os treinos. A guerra tinha começado em Março e nós fomos convocadas em fins de Maio. Fomos para Tancos fazer os testes a 25 ou 26 de Maio, e depois fomos para lá iniciar o curso no dia 6 de Junho, que é o dia do desembarque da Normandia, o dia mais longo, o dia D, como eu digo sempre.

Era um curso adaptado a nós, à nossa capacidade física, que não era igual à dos homens, tínhamos que fazer tudo numa dimensão adaptada à nossa resistência física. O primeiro salto foi a 2 de Agosto e fizemos todos os outros saltos até 8 de Agosto, data em que fomos brevetadas.

Na Força Aérea, nos pára-quedistas, já havia mulheres, civis, na parte administrativa. A nossa relação com os pára-quedistas era muito cordial.

Claro que eles tinham sido advertidos das circunstâncias em que nós íamos, porque é que íamos e portanto o estatuto que nos deram – e que lhes deram a eles – também acautelou o nível de relação que se propunha que houvesse e tudo correu muito bem.  . (…) No fim do curso estávamos envolvidas numa afectividade muito grande, porque realmente os pára-quedistas são excepcionais, são pessoas muito abertas, muito solidárias e amigos. E isso foi muito importante para nós vivermos a nossa missão.


[Partida para Angola, em 23 de agosto de 1961, com a Maria Arminda]

A 23 de Agosto fomos duas enfermeiras para Angola, como teste. Estávamos ainda a fazer fardas em Lisboa, quando foi anunciado que ia haver uma operação especial dos pára-quedistas no norte de Angola, na Serra da Canda e eles gostavam da nossa presença.

Era tudo à experiência: ver como é que nós nos dávamos, ver como é que os pára-quedistas reagiam à nossa presença. Mas não foi nada de especial porque aqueles pára-quedistas que nós fomos encontrar no avião para a Serra da Canda, tinham estado em Tancos em Junho,quando nós tínhamos ido para lá. Eles tinham embarcado para Angola em Julho. (…)

Em Luanda onde inicialmente aterrámos e onde ficávamos – tínhamos a messe e os alojamentos lá – vimos que as pessoas, os africanos e os europeus que estavam lá radicados tinham uma relação humana boa. Eram pessoas muito abertas a uma relação e, mesmo com a população local, não há dúvida nenhuma de que havia uma relação rica de sensibilidade e de vivência.

É claro que a situação de guerra veio alterar as coisas em todos os sentidos. E nós, a nossa presença militar também alterava tudo, mas nunca senti fricções. (...)

(Continua)

[Seleção / subtítulos / revisão e fixação de texto, para efeitos de publicação neste blogue: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de13 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21763: Parabéns a você (1922): Major Enfermeira Paraquedista Reformada Maria Ivone Reis (FAP, 1961/74)


(**) 13 de janeiro de  2012 > Guiné 63/74 - P9348: Parabéns a você (367): Maria Ivone Reis, 83 anos: enfermeiras, paraquedistas, amigas, companheiras de aventura e camaradas para sempre! (Maria Arminda)

quinta-feira, 15 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18419: Agenda cultural (633): Colóquio: Refugiados em Portugal - História e Atualidade | Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro, Telheiras, Lumiar, Lisboa, hoje, das 14h às 18h




1. Chegou-nos, "just in time", a notícia deste evento que se divulga.  A iniciativa é de um grupo de moradores de Telheiras,  com o apoio da Junta de Freguesia do Lumiar. Entrada Livre. Inscrição prévia em vidaculturaarte@gmail.com

Obrigado à nossa amiga Luísa Tiago de Oliveira e ao Gabinete de Comunicação e Planeamento do CIES - Centro de Investigação e Estudos de Sociologia) / ISCTE - IUL













Avenida das Forças Armadas,
Edifício Sedas Nunes, Sala 2W10,
1649-026 LISBOA Portugal

Tel.: 210 464 018 / 210 464 192 (ext. 291802)

www.cies.iscte-iul.pt | www.mundossociais.com

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18394: Agenda cultual (632): Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, 10 de março, às 14h30: comemorando o Dia Internacional da Mulher, com vozes no feminino, plurais e lusófonas, na arte e na música

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18048: Agenda cultural (615): Lisboa, Casa do Alentejo, hoje, 5 de dezembro, 19h00: apresentação do livro "Cantar no Alentejo" (organizado por Rosário Pestana e Luísa Tiago de Oliveira)... Atuação, no final, do Grupo Coral Cantadeiras de Essência Alentejana, de Almada


Capa do livro, edição da Estremoz Editora


Convite


1. Mensagem da Maria Luísa Tiago Oliveira, com data de 3 do corrente:

Car@s amig@s:

Convido-vos para uma sessão no próximo dia 5 de Dezembro na Casa do Alentejo, [Rua Portas de Santo Antão, 58,] em Lisboa, pelas 19h00, de apresentação do livro Cantar no Alentejo. A terra, o passado e o presente, coordenado por Maria do Rosário Pestana e Luísa Tiago de Oliveira

Este livro partiu de uma Conferência realizada no âmbito das Festas do Cante em Monsaraz, que reuniu estudiosos de diferentes áreas disciplinares (Antropologia, Etnomusicologia, História e Sociologia), com cantadores, letristas, autarcas e outros interessados no Cante Alentejano.

Prefaciado por Salwa Castelo-Branco, o livro divide-se em duas partes. Na primeira, contém capítulos escritos por Fernando Oliveira Baptista, Ema Pires e Daniel Rodrigues, Dulce Simões, Susana Mareco, Maria José Barriga, Maria do Rosário Pestana,Luísa Tiago de Oliveira e Paulo Ferreira da Costa. A segunda parte do livro consta de uma mesa-redonda, marcada pela espontaneidade e pela multiplicidade de perspectivas, com intervenções de cantadores, de decisores e de alguns dos autores anteriores. Neste debate, moderado por Jorge Freitas Branco, participaram Ana Paula Amendoeira, Anabela Caeiro, António Caixeiro, David Pereira, Dulce Simões, Joaquina Margalha, José Pedro Fernandes, José Pereira, Luís Caixeiro, Luís Filipe Marcão, Maria Antónia Zacarias, Maria José Barriga, Paulo Costa, Pedro Mestre, Maria do Rosário Pestana, Serafim Silva e Susana Mareco.

No seu conjunto, o livro permite uma abordagem nova e multi-situada da questão da terra, da memória e do património que, hoje, se encontram numa encruzilhada.

A apresentação contará com a actuação do Grupo Coral Cantadeiras de Essência Alentejana, de Almada.

Teria muito gosto em vos ver por lá. Até breve,

Luísa Tiago de Oliveira
ISCTE-IUL


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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18038: Agenda cultural (614): Lisboa, dia 12, 3ª feira, 18h00, Instituto de Defesa Nacional: sessão de lançamento do livro "...Da descoloniização: do protonacionalismo ao pós-colonialismo", do maj gen Pedro Pezarat Correia. Apresentação a cargo dos prof dout Luís Moita e Carlos Lopes

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17017: Inquérito 'online' (103): Um novo desafio aos nossos leitores: "Estás reformado? E sentes-te bem?"... Resposta até ao dia 9, às 7h52.. Precisamos de, pelo menos, 100 respostas... É para o nosso Livro Branco sobre a Reforma dos Ex-Combatentes....






Uma amiga minha, e minha doutoranda, que eu muito estimo, e com quem já trabalhei num projeto de investigação, ofereceu-me por ocasião dos meus 70 anos, um livro de atas com a seguinte etiqueta: "Sociologia da reforma"... A Rosa P (omito o apelido, por razões óbvias...) não só define o conceito de reforma, como me propõe um plano de trabalho, incluindo a exaustiva revisão de literatura, desenho metodológica e trabalho de campo, que seguramente me vai dar água pelas barbas: vou estar ocupado pelo menos durante três anos, que é o prazo normal que a universadade  dá para se realizar uma tese de doutoramento... O livro só tem duas folhas escritas... o resto é para o sociólogo da (e não na...) reforma.

Por se tratar de uma prenda muito original, bem humorada, inteligente e  irreverente, não posso deixar de partilhá-la aqui, com os nossos leitores do blogue... Acho que só vou conseguir  escrever esta "tese" com o contributo..., empenhado, ativo, produtivo e saudável de todos vocês, a começar pelos mais velhos, os veteranos... Acabo de chegar aos 70, ainda sou "perito"... 

Para a Rosa P vai um beijinho fraterno: adorei o desafio, a prov(oc)a(ção)... Daqui a até ao fim do verão, quero a sua (dela) tese de doutoramento pronta para eu a poder ler, rever, criticar e eventualmente melhorar...Afinal, estou jubilado, mas trouxe TPC (trabalho para casa)... Ainda tenho doutorandas para acompanhar, o que farei com todo o gosto... E uma delas é a Rosa P... Boa sorte, Rosa. (LG)

Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2017)


A.
Novo inquério 'on line', no nosso blogue 

(vd. canto superior direito)::

"Estás reformado ? E sentes-te bem ?"

6 hipóteses de resposta (escolher só uma)



1. Estou reformado e sinto-me muito bem 
2. Estou reformado e sinto-me bem
3. Estou reformado e sinto-me assim-assim,
nem bem nem mal
4. Estou reformado e sinto-me mal 
5. Estou reformado e sinto-me muito mal
6. Ainda não estou reformado

Resposta até ao dia 9, às 7h52



Agora aqui está uma pergunta a que toda gente, os nossos leitores (basicamente, os camaradas e amigos da Guiné), podem responder... Quase toda a gente, da nossa Tabanca Grande, pelo menos os ex-combatentes, já deve estar reformada, ou em vias de atingir  a idade da reforma...Também  quem que nos lê, está em condições de emitir a sua opinião sobre este tema (delicado)...

Precisamos, peço menos, de 100 (cem) respostas, nº redondo...


B. Reflexões/comentários sobre o tema da reforma



(i) Juvenal Amado (**):

Luís,  ninguém gosta de fazer 70 anos,  dizes a certa altura. Mas convirá que não os fazer será pior
Agora que os fizeste, estás melhor ou pior? Felizmente não somos como os iogurtes, que são retirados do consumo no dia que ultrapassam a data limite.


(ii) Joaquim Luís Mendes Gomes (**)

Luís, com muito gosto te dou as boas vindas ao meu clube de reformados. Acabaram-se as obrigações exógenas. As seguintes brotarão da tua vontade. Senhor total do teu tempo. Sei que não vais ter problema algum em gerir esta boa responsabilidade. Tens muitas capacidades. Nos diversos domínios. Agora é que vais poder chegar ao cume delas, conforme te aprouver. Quero desejar-te que os tempos que aí vêm sejam repletos de saúde e muita paz.

(iii) Jorge Picado (**)

Luís, com grande surpresa acabo de tomar conhecimento do teu aniversário, em que comemoraste a bonita soma de 70 anos e a consequente entrada para o Clube dos Aposentados. Espero que me perdoes esta falta, que não é de educação, mas apenas como refiro foi involuntária, já que desde uns certos tempos venho sendo um visitador menos assíduo da Nossa Tabanca. Não a abandonei, nem muito menos reneguei e não a esqueci, mas apenas outras ocupações diárias me roubaram algum tempo.

Desde que se me meteu na cabeça "conhecer as minhas origens", passo a maior parte do "tempo livre" a cansar a vista mergulhado nos registos paroquiais de Ílhavo existentes, referentes a baptismos,casamentos e óbitos, que anteriores a 31 de Março de 1911 já se encontram no Arquivo Distrital de Aveiro e a maioria de consulta até na Net. 

Esta a razão da minha passagem apenas, uma ou outra vez por semana, pelo Blogue. E assim me passou essa tua efeméride. Desejo-te as maiores felicidades nesta tua nova etapa da vida, mas sei que agora vais ter muito mais tempo para novos afazeres, sobre os quais até aqui não podias debruçar-te.

PS - Espero voltar a encontrarmo-nos primeiro em Monte Real. Quanto aos antepassados, já descobri até ao casamento do meu tetravô, mas isso agora já me obriga a deslocar-me ao Arquivo.

(iv) Luís Graça: 

(...) A reforma é, para muitos, também a perda de estatuto,
de referências, de colegas de trabalho,
e sobretudo de trabalho.
Em contrapartida, ganha-se a ilusão
de se ser dono do tempo,
das 24 hora do dia
a que se resume a nossa vida,
já que somos seres circadianos. (...)


(v) Tony Levezinho (***):

Quem assim ultrapassa o Km 70 só tem boas razões para continuar a viagem com aquele sorriso de quem sabe que não é viajante solitário.


(vi) Francisco Baptista (****);

Um abraço de parabéns, bem forte, grande camarada, e que a tua vida se prolongue por muitos e bons anos. Tu com a tua lucidez, a tua energia, a tua criatividade, a tua arte e a tua solidariedade nunca serás velho por muitos anos que vivas. Além da tua família próxima tens também esta grande família, fora de portas, de amigos e camaradas que tu criaste, a quem tens dado ânimo e voz que te estima muito e que não pode dispensar o calor da tua amizade e do teu incentivo. Ergo o meu copo à saúde do grande homem que tu és, Luís Graça!


(viii) Hélder Sousa (****)

Muitos comentários fazem referência à bondade da iniciativa que tiveste em criar condições para a existência e desenvolvimento do que chamamos a "Tabanca Grande". Com ela, e por ela, já milhares de fotos, de recordações, de memórias, de textos, de reconciliações, de conhecimentos foram feitos.
Dezenas, ou centenas, de amizades foram criadas. Reencontros foram possíveis. E isto não é de somenos. Isto é "obra"!