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sábado, 11 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27307: Manuscrito(s) (Luís Graça) (275): 50 pequenas coisas que mudaram em 50 anos no Portugal sacro-profano que eram as terras de Candoz, no Marco de Canveses, em Entre-Douro-e-Minho



Marco de Canaveses > circa anos 40 do séc. XX  > O típico carro de bois de Entre Douro e Minho...O boi com a sua "molhelha",,, A mulher, com o seu lenço de cabeça, escondendo o cabelo, ela e o seu "home", cada um no seu lugar... Ela a tanger os bois...Ele de chapéu e varapau...

(Molhela: almofada, geralmente composta de couro, palha e estopa, onde assenta a canga que junge os bois,e que é  colocada no cachaço, protegendo-o do atrito da canga).


Marco de Canaveses > circa anos 40 do séc. XX  >  A vinha de enforcado, a vindima (com recurso a escadas altas), os grandes cestos de verga à cabeça, as mulheres e os seus "cantaréus" (canções de trabalho, cantadas a 3 vozes, exclusivamente femininas, nas "serviçadas", como a vindima, as desfolhadas, etc.)

Fonte: Aguiar, P. M. Vieira de - Descrição Histórica, Corográfica e Folclórica de Marco de Canaveses. Porto: Esc Tip Oficina de S. José. 1947. (Com a devida vénia).



Quinta de Candoz > A matança do porco (c. 1975/80): uma cena que Bruxelas conseguiu banir definitivamente dos nossos campos e aldeias (mas não da nossa memória) em nome de uma conceção ( fundamentalista, dizem os críticos) da saúde pública e de uma Europa securitária, globalizada, normalizada e tecnocrática, matando a etnodiversidade... 

Declaração de interesses: Não sou "vegan", adoro carne de porco, adoro leitao... Claro que eu hoje não queria ver as minhas netas a assistir a uma cena "cruel" como esta (hoje fala-se em "bem-estar" animal)... Na nossa infância tivemos que "ver e ouvir" os gritos lancinantes do pobre animal, mas a seguir comíamos-lhe o sarrabulho, os rojões, as "febras", as bochechas, o presunto, os salpicões, os chouriços... E jogávamos á bola com a bexiga do porquinho!)



Marco de Canaveses > c. 1975/80>   O "toirinho" (sic), vendido na feira do Marco, uma das poucas fontes de receita dos "caseiros" (ou "rendeiros", tínhamos um em Candoz, nessa altura), para além do vinho e do milho... Este era um
 boi de trabalho, não de engorda; a junta de bois puxava a charrua de ferro, e trazia do "monte" uma carrada de lenha. Por sua vez, o porco era o governinho da patroa (que o guardava, com engenho e arte,  na "salgadeira" ou no "fumeiro"). 




Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > O que resta do velho carros de bois...Foi caindo aos pedaços, já com uma bela idade...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2025). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Comecei a ir a Candoz há 50 anos, em 1975... Freguesia de Paredes de Viadores, concelho de Marco de Canaveses, na bacia hidrográfica do rio Douro e do rio Tâmega;  a sul , em frente, ficava/fica a serra de Montemuro, já no distrito de Viseu. 

1975,  em "pleno verão quente", um ano depois do 25 de Abril.  Fui fazer, eu e a Alice, uma viagem pelo "Portugal profundo", "sacro-profano",  que eu não conhecia. Ela sim, tinha começado a trabalhar na instalação do Parque Nacional da Peneda-Gerês. E era nada e criada naquelas terras, donde já se avista o Marão. 

Foi então que descobri a  região do vinho verde, e ainda a tempo de "apanhar em andamento o passado" deste País, a vinha de enforcado, as latadas, o milho, os engenhos (moinhos a água), as histórias do linho e das desfolhadas, as tradições comunitárias como as "serviçadas", a matança do porco,  os carros de bois "a chiar pelos montes acima ou abaixo", a parceria agrícola e pecuária (formas pré-capitalistas de produção) , as feiras de gado, as romarias, as tunas rurais, os bailes mandados, etc.... E, pela primeira vez (e única) na minha vida também ajudei a pisar a uva (tinta) no lagar... Uma tarefa que só podia ser feita pelos homens porque não eram,,, "menstruados".

Casar-nos-íamos, lá, em Candoz, um ano depois. Pelo civil. O primeiro casamento civil do ano, no Marco de Canaveses, segundo nos disse o ajudante de registo civil que foi lá a casa.  Uma heresia, numa família católica e conservadora.

 A 7 de agosto de 1976. Ganhei uma nova família. Fiquei mais rico tendo optado pela exogamia (a lei que manda nunca casar na tua terra...).

As formas de estar, viver, trabalhar, pensar, educar, amar, morrer... até aos anos 60 ainda estavam  ligadas a uma economia agrícola fracamente monetarizada, e em grande parte de autossubsistência... 

Ainda apanhei a tradição e a transição, a mudança, as pequenas mudanças operadas naquelas terras do Norte de Portugal...Em meio século, assisti a muitas mudanças, pequenas e grandes. Naquele microcosmo  (socioantropológico...), no coração de Entre-Douro-e-Minho, aonde dantes ia meia dúzia de vezes por ano (e agora um pouco menos)... E quando digo dantes, ainda era no tempo em que não havia autoestradas (!), e a viagem de Lisboa até lá (400 km), demorava um dia...

Hoje são uma série delas (se eu partir de Alfragide): CRIL A8, A17, A1,CREP, A4... Recorde-se que a autoestrada A1 só ficou completamente concluída em 1991, ligando Lisboa ao Porto. Já a autoestrada A4, que liga o Porto a Amarante, foi concluída em 1995...

2. Aqui vão, por ordem alfabética, sem  qualquer ordem de precedência, importância,  relevância ou cronologia, algumas das 50 (ou mais) pequenas grandes mudanças ali operadas (refiro-me, no essencial, à freguesia de Paredes de Viadores, onde se situa a Quinta de Candoz,  e onde as pessoas precisavam de berrar ou falar alto para comunicarem umas com os outros, porque o povoamento era e é disperso).

***

  • a Água de consortes, as "levadas" (como a água de Covas, que vinha da serra, e de que o meu sogro tinha direito a utilizar, só no solstício do inverno, uma vez por semana, das 10h da manhã às 6h00 da tarde); a construção civil, a abertura de estradões, a abertura de poços e minas, as alterações climáticas, etc.,  levaram... a "levada", a água de Covas, que chegava a Candoz e continuava pela encosta abaixo: era uma alegria para os sentidos, a vista, o ouvido, etc., assistir à rega do milho;
  • o Anho assado com arroz de forno, que hoje é produto... "gourmet" (e tem confraria);
  •  Bacalhau “lascudo” (que ainda não havia no Natal, nem o bacalhau era a pataco, como a República prometia em 1910)
  • o “Baile mandado” com “mandador” e os homens e as mulheres separados, de pé, encostados às paredes da casa; e dançavam-se as danças palacianas e burguesas do passado; a valsa, a mazurca, a contradança, o fado; e o mandador era também o "coreógrafo";
  • cozia-se a Broa de milho e centeio (três partes de milho e uma de centeio), no forno a lenha, e que tinha de durar 8 dias (ou até 15, "duro que nem cornos"!);
  • o Caciquismo político e eleitoral (do regedor, do padre, do comerciante, do professor, do “fidalgo"...);
  • só os homens usavam Calças (!) (e as raparigas, Tranças, que cortavam quando ficavam "comprometidas" ou iam para o Porto estudar, um privilégio);
  • a Canalha, a miudagem,  uma  Cama para três (e às vezes era no Palheiro, o quarto dos rapazes);
  • ouvia-se o Carro de bois a chiar, "com toda a cagança",  pelos estradões (uma verdadeira sinfonia!); 
  • o osso com Carne ("ó pai, chuche e dê  -mo!") no Moado  (caldo);
  • as Cebolinhas do "talho" (de talhão, da horta, provenientes da monda do cebolal...), o Presunto Verde, o Salpicão,  o Verde,  o Arroz de Cabidela, as Papas de Farinha de Pau, a "Aletria", o "Doce da Teixeira", a Regueifa, e outros pequenos manjares da culinária local
  • os grandes Cestos de vime de 50 kg de uva que os “homes” transportavam aos ombros (e as mulheres à cabeça), por leiras e socalcos abaixo (ou acima) até ao “lagar do vinho” (em geral, no piso térreo, da casa, e com chão saibroso por causa da temperatura ambiente: a "loja" onde também ficava a "salgadeira"); 
  • o Compasso Pascal, a Festa de Nra. do Socorro, a Festa do Castelinho (gente de folgar e trabalhar, ou trabalhar muito e folgar pouco);
  • não se conhecia a Contraceção nem o Planeamento familiar (mesmo a “Pílula” chegaria tarde à cidade…) ("porra e lenha é quanto a venha", um provérbio que pode ter uma conotação sexual, mas não tenho a certeza);
  • a Cultura do milho de regadio, exigente em água e mão de obra (escondia-se o milho nas “minas”, as nascentes de água, para escapar à requisição do governo nos anos da II Guerra Mundial e do pós-guerra);
  • as Crianças habituavam-se, cedo, às “Sopas de cavalo cansado” e eram “Sedadas com Bagaço” quando se contorciam com dores, tinham fome ou estavam doentes;
  • andava-se Descalço (ou, tal como em África, se levava os sapatos na mão até à entrada da vila, da escola, da igreja…);
  • a autossuficiência da Economia do pequeno campesinato familiar onde o pai era “pai e patrão” e a “ranchada de filhos” era garantia de mão-de-obra abundante e gratuita;
  • a Electricidade, o Frigorífico a Televisão, etc., só chegariam depois do 25 de Abril (mesmo com a barragem do Carrapatelo a escassos quilómetros de Candoz);
  • Emigração, primeiro para o Brasil (até aos anos 50) e depois para França ( "a salto") e Alemanha, também depois Luxemburgo e Suiça;
  • não havia  Estradões ( e foi com essa promessa de abrir estradões que caciques como o Ferreira Torres ganhavam eleições);
  • a “Esterqueira” (ao pé da porta onde se faziam todos os despejos domésticos e se deitava todo o lixo orgânico que não fosse para a “gamela” de, "com a sua licença", o porco) (já não é do meu tempo, mas da infância da Alice; aliás, da minha infância quando ia casa dos meus tios no Nadrupe, á Quinta do Bolardo,  á casa dos meus parentes do clã Maçarico, em Ribamar);
  •  não havia  Estradões ( e foi com  a promessa de abrir estradões que caciques como o Ferreira Torres ganhavam eleições) ("roubava, mas fazia obra", dizia o povo...);
  • a Estratificação social nos campos: ”fidalgos”, pequenos proprietários, rendeiros…e cabaneiros (gente sem terra nem casa) (e que na igreja também se dispunham pela mesma ordem, com homens e mulheres, socioespacialmente separados);
  • as Feiras anuais e sobretudo as feiras de gado (onde se levava o porquinho e o tourinho para vender, ou onde se ia comprar uma "junta de bois") (era lá que também se fazia, além de negócios, namoros, casamentos, alianças; tal como a igreja, a feira era um importante local de socialização):
  •  a importância das Feiras e romarias como factor de lazer, de socialização, de negócios, de informação, conhecimento e propaganda (ah!, os pregões dos feirantes!);
  • batia-se  forte e feio nos Filhos (em casa e no campo) e nas crianças (na escola) ("quem dá o pão, dá a educação");
  • em que os mais remediados diziam: “criei-os [aos Filhos] fartos e cheios [de pão, que não se escondia na “trave” do telhado de telha vã, fora do alcance dos ratos e… das crianças, isso era sinal de pobreza];
  • o Fumeiro e o Barro vidrado que tanto cancro no estômago provocou;
  • a criação, em cortes, do  Gado bovino (o “tourinho”, mais bem tratado que a “canalha”, a miudagem,  porque rendia dinheiro ao ser vendido na grande feira do Marco de Canaveses);
  • só os Homens usavam calças (!) (e as raparigas cortavam as tranças quando ficavam comprometidas ou iam estudar para o Porto, um privilégio, nos anos 60);
  •  as Juntas de bois lavrando a terra com arados de ferro;
  • só se bebia Leite (de cabra, de vaca era mais raro) quando se estava doente (em geral os adultos);
  •  as Longas caminhadas a pé (para se ir à missa, à romaria, à feira, à repartição de finanças na sede do concelho, mas também ao médico e o hospital da misericórdia... a 13/15 km de distância);
  •  a Luz do candeeiro a petróleo ou querosene;
  • o valor comercial da Madeira de carvalho, castanho, pinho, cerejeira, etc. (madeira nobre hoje destronada pelo eucalipto);
  • a Matança do porco, o fumeiro e a salgadeira (que eram o “governinho da tia Aninhas”, e também uma das principais causas de morbimortalidade por doenças cérebro-vasculares, como a “trombose”):
  • o Médico da vila  ("João Semana") que só se chamava a casa na hora da morte para passar a certidão de óbito;
  • o Medo das trovoadas, das bruxas, dos lobisomens, do mau olhado, das pragas que se rogavam uns aos outros por ódio, vingança,  inveja, intrigas, desamores, etc.; 
  • a escassez de Meios de tração mecânica na lavoura (tratores, motocultivadores, serras mecânicas, etc.) e de transporte automóvel (não me lembro de haver nenhum trator em 1975...);
  • cultivava-se o Milho, o  Centeio... e o Linho (!);
  • a fraca Monetarização da economia (fazia-se algum dinheiro com a venda das uvas, do milho, do tourinho, da cereja e pouco mais; ou trabalhando à jorna, ocasionalmente para o "ramadeiro", para o "construtor civil, etc., que os mais sortudos iam para a polícia e os caminhos de ferro, a CP);
  • os "Montes” (pinhais) que eram “rapados” todos os anos, não só para limpeza e prevenção dos incêndios (não havia incêndios) como sobretudo por causa da importância que tinha o mato para fazer a "cama dos animais” e depois o estrume (fundamental para a cultura do milho ou da batata); 
  • "na casa desta Mulher come-se tudo o que ela der";
  • as grandes Mulheres (ou "Mulheres Grandes") que em geral se escondem(iam) atrás dos seus “homes" (e tinham sempre uma palavra de peso, a última, nos negócios, nas compras de propriedade, nos amores, nos casórios dos filhos, etc.);
  • o Obscurantismo não só político e cultural mas também religioso (como o daquele pároco que mandou cortar as pilinhas dos anjinhos na igreja);
  • a "minha Palavra vale mais do que a minha terra toda" (a palavra dada era lei);
  • as Panelas de ferro, ao lume, na lareira (onde se faziam os "Rojões");
  • as “Parteiras” (que não as havia, diplomadas) eram as “aparadeiras” (sic) (mulheres curiosas, mais velhas, que já tinham sido mães...);
  • jogava-se ao Pião (os rapazes) e  brincava-se às Bonecas de trapos (as raparigas);
  • ó Maria, dá-me o Pito...E Porra e Lenha é quanto a venha (a maneira brejeira, pícara, desta gente do... carago!);
  • as Professoras do ensino primário que se chamavam "regentes escolares"; 
  • fatalismo dos Provérbios populares (“boda e mortalha no céu se talha”, "muita saúde e pouca vida que Deus não dá tudo"...); 
  • as Ramadas e o Ramadeiro (construtor de ramadas);
  • a luta dos Rendeiros, a seguir ao 25 de Abril, contra a parceria agrícola e pecuária, formas pré-capitalistas de exploração da terra, com o pagamento das “rendas” em géneros  (em geral, numa proporção fixa, por exemplo ao terço, a meias, etc.);
  • os Salamaleques da “servidão da gleba”: “com a sua licença, meu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância, num  concelho onde em 1958 mais de metade dos agricultores eram rendeiros;
  • a Salgadeira (onde se guardava o porco, desmanchado) (responsável por muitos AVC);
  • os Salpicões feitos em vinho verde tinto (fundamental na cozinha e nos enchidos, este vinho único no mundo);
  • não havia Saneamento básico, água potável (a não ser o das minas) nem banheiro com duche;
  • a Sardinha “para três” (que chegava de Matosinhos na Linha do Douro até  a estação do Juncal, e depois era transportada à canastra e vendida de porta em porta) (... e os ovos que se vendiam para comprar a "sardinha para três");
  • o Sável e a Lampreia do rio Douro (que as barragens "mataram") (comia-se o sável pela Quaresma,  quando a Igreja proibia o consumo de carne... aos pobres);
  •  as "Serviçadas” como a vindima, a malha do centeio, a desfolhada do milho, a espadelada do linho, a matança do porco, etc., em que os familiares e os vizinhos se ajudavam, uns aos outros;
  • "Ir às Sortes" (à junta médica militar, e ficar apto ou apto para a tropa); (era também um a "ritual de passagem para os "machos", e o início do "home leaving"; quando se regressava, é para para o jovem adulto a começar a governar a sua vida, deixar a casa dos pais, ir para o Porto trabalhar na África, ou para o Brasil, e mais tarde para França, Luxemburgo, Suiça...na construção civil;
  • "na casa deste home quem não Trabalha não come";
  • começava.se a Trabalhar muito cedo (“ o trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco”; "na casa deste home, quem não trabalha não come; e na casa desta mulher, come-se tudo o que ela fizer"):
  •  as “Tunas rurais do Marão” (indispensáveis nos "bailes mandados") (uma rabeca, um violão, uma viola, um cavaquinho, unas ferrinhos, uma voz) ;
  • “Varapau” como símbolo da masculinidade (mas também de violência) (a ponto de ter sido proibido na via pública, nas festas, nas romarias e nos bailes, sendo o seu cumprimento fiscalizado pela GNR):
  • a Venda, o estabelecimento comercial que era mercearia, tasca, casa de comidas (para os de fora), cabine pública de telefone, caixa de correio, palco de mexericos, boatos e notícias, etc. (a da Candoz, ficava no Alto,na estrada real Porto-Régua,   a 3 km de distância por caminho de carro de bois, que agora é estrada municipal e nos leva à albufeira da barragem do Carrapatelo); 
  • o Verde (ou Bazulaque) (é ou era um prato típico da Páscoa, na altura em que se matava o anho; feito com  colaça, o coração, o fígado e rins);.
  • a Vinha de bordadura e de enforcado (e na sua grande maioria, videiras de tinto… jaquê, um híbrido americano de  há muito proibido mas sempre tolerado; de fraca graduação e pior qualidade, o “jaquê” chegava a maio já era intragável; de resto, nas vindimas toda a uva podre ia “para o tinto”; e não havia vinho verde branco, o que se fazia era “para o padre”; e muito do que ia para o "ultramar", a tropa, que tinha poder de compra, era vinho branco leve, de 9 / 10 graus, enviado para os armazéns do Porto e de Vila Nova de Gaia, e depois gaseificado e rotulado como "vinho verde branco");
  • o Vinho verde branco, feito de bica aberta, e que era só para o padre e para a missa (hoje é um dos senhores "embaixadores de Portugal");
  • o Vinho verde tinto, o tal "berdinho", carrascão, bebido da malga de barro vidrado ou da “caneca de porcelana”;
  • a Virgindade (feminina) antes do casamento (e ai da rapariga que fosse "rejeitada" pelo rapaz...); ou tivesse a desgraça de ser "mãe solteira";
  • ... e quando a gente (a nossa geração) nasceu, por volta de 1945, no fim da II Guerra Mundial, ainda morriam 120 crianças em cada mil nados-vivos.

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Nota do editor LG:

domingo, 19 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24864: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (21): Os sinais de código da estrada é para... respeitar, e os dos códigos comportamentais ainda mais... (Hélder Sousa, Setúbal)


GONÇALVES, Gerardo Vidal; PEREIRA, Dina; LOPES, Gonçalo e LISA-FREIRE, David (2021) – “Marcas de Canteiro, Cantaria Histórica e Arqueologia do Construído: a Igreja de Santa Maria do Castelo, na vila da Lourinhã”. Al-Madan Online. Almada: Centro de Arqueologia de Almada. 24 (2): 130-142. Em linha. Disponível em https://issuu.com/almadan. (Com  a devida vénia...)

Resumo: Estudo de marcas de canteiro, cantaria histórica e Arqueologia do construído, a partir de trabalhos arqueológicos preventivos realizados, em 2021, na envolvente da Igreja de Santa Maria do Castelo (Lourinhã).

Os autores apresentam a metodologia de registo e os resultados, que incluem 29 marcas de canteiro distribuídas por vários elementos arquitectónicos, maioritariamente em zonas baixas e pouco visíveis. O seu agrupamento tipológico sugere pelo menos três oficinas, mestres ou canteiros diferentes. Há ainda uma inscrição aplicada no pórtico principal, virado a Oeste, provavelmente datada de finais do século XIV.

Palavras-chave: Arqueologia preventiva; Arqueologia da Arquitectura; Pedra; Marcas (de canteiro).



1. Mensagem de ontem` às  15h45, do  Hélder Sousa,  foto à direita: colaborador permanente do nosso blogue, provedor da Tabanca Grande;  tem  193 referências no blogue, tendo ingressado em 11/4/2007 (é, portanto, um "vê-cê-cê", velhinho como o c...); ribatejano, de nascimento (Vale da Pinta, Cartaxo) e formação (Vila Franca de Xira), português, cidadão do mundo, amigo do seu amigo; ex-fur  mil trms TSF (Piche e Bissau, Nov 70 / Nov 72);  engenheiro técnico electrotécnico, pelo ISEL;  consultor em segurança no trabalho; empresário em nome individual; vive em Setúbal; tem página do Facebook aqui.

Caros amigos

Achei por bem dar conta desta minha lembrança que me ocorreu a propósito dos diversos "calões" e também por a eles se terem referido como "códigos".

Assim, também como os chapéus, que há muitos, os códigos também serão de diversa motivação e neste caso concreto, acontecido comigo, aproveitei não só para me lembrar do caso com também, ao dar conta dele, recomendar que os levem a sério, quando vos tocar qualquer coisa do género.

Abraços, Hélder Sousa


OS CÓDIGOS COMPORTAMENTAIS

por Hélder Sous

Meus amigos, esta memória, de que vou dar testemunho, surgiu depois de ler algumas coisas sobre o calão falado, “por aqui e por ali”, e de também se ter referido a eles como que espécie de “códigos” de comportamento para relacionamento e reconhecimento de grupos.

Ora, tanto quanto vou aprendendo também “por aqui e por ali”, isso dos“códigos” é coisa bem antiga.

Por exemplo, é bem conhecido o facto de que os velhos “construtores de catedrais” tinham códigos (sinais) identificadores para se saber a que Mestres correspondiam as pedras colocadas, quando numa mesma obra existiam mais do que um Mestre e seus operários, para que assim o Dono da Obra pudesse quantificar o trabalho efetuado e remunerá-lo adequada e justamente. Isso pode ser observado em vários monumentos um pouco por todo o País.

Mas o que eu vos queria transmitir é que há uns bons pares de anos atrás, quando retomei os estudos interrompidos, primeiro por incorporação no SMO (Serviço Militar Obrigatório), , depois por dedicar mais tempo à ”vida artística”, cumulativamente pelos tempos do imediato pós-25 de Abril, fiz parceria com um colega de turma para a produção de “trabalhos de grupo”.

Ora esse colega era filho dum senhor que tinha uma oficina de manutenção automóvel, trabalhos de bobinagem e relativos, ali para os lados de Campo de Ourique, em Lisboa, já a chegar ao “Casal Ventoso”, em tempos em que esse local era conhecido como “supermercado da droga” e de consumo da mesma.

Recomendaram-me que, quando para lá me deslocasse, tivesse o cuidado de estender por cima do volante um pano amarelado ou laranja. Que fizesse isso e não fizesse perguntas. E assim procedi sempre e não ocorreu nada de registo que merecesse ser contado.

Acontece também que esse meu amigo e colega morava numa casa, num rés-de-chão ligeiramente elevado em relação ao nível da entrada, ali mesmo ao lado da Igreja de Santa Isabel e onde também era devido utilizar o “código do pano sobre o volante”.

Numa noite em que fui para lá para trabalhar, chegando já um tanto atrasado, com a pressa, não tive o cuidado de colocar o “bendito paninho”, mas como o carro (um Renault 5) ficou estacionado mesmo junto à janela (não ao nível da rua, mas um pouco mais elevada, como disse) do compartimento onde estaríamos a fazer os trabalhos e aí o passeio era bem estreito, menos de 1 metro entre o carro e a janela, não me preocupei quando me lembrei do facto e até achei que não deveria ter importância.

Mas teve!

Quando acabámos e fui para o carro, depois de entrar e ligar o motor, quando fui para ligar o rádio só encontrei o buraco. O rádio tinha desaparecido.

Claro que no imediato fiquei “estragado”. Primeiro por ter sido roubado, depois, culpabilizando-me, pelo esquecimento de assim ter desrespeitado a aplicação do código (o tal pano laranja sobre o volante) para que eventuais “amigos do alheio” soubessem que se tratava de um bem pertencente à comunidade, conforme já tinha percebido.

O que “compensou” foi que o trabalhinho foi efetuado por profissional. Nada partido, nada estragado, “apenas” fiquei sem o rádio…..

Portanto, se houver códigos, são para serem respeitados, não se esqueçam.

Hélder Sousa
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Nota do editor;

domingo, 24 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24694: Manuscrito(s) (Luís Graça) (235): o fim do verão, o princípio de outono, as vindimas da nossa alegria... E o que nós andámos para aqui chegar!...



















Quinta de Candoz, fim de verão, princípio de outono, 21, 22 e 23 de setembro de 2023, as últimas vindimas, a alegria do (re)encontro, da festa, da partilha... E pela primeira vamos fazer um vinho, com apoio de enólogo , e que será de homenagem à nossa querida "Nita", a Ana Carneiro (faz hoje meio ano que nos deixou mais sós e tristes)...


Fotos (e legendas): © Luís Graça (2023). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
(Imagens HDR - High Dynamic Range, tiradas sem tripé)


O que nós andámos para aqui chegar…

  

Há quase cinquenta anos (vai fazer em  2025) que venho a Candoz, lembrei  eu há dias no poste P24676 (*).  E deixei, por outro lado,  algumas reflexões avulsas sobre "mudanças" no nosso país, de que fomos todos sujeitos e objetos, atores e espetadores, nomeadamenmte no campo (por oposição à cidade). 

Respondendo de resto ao meu desafio, o despretensioso texto mereceu alguns calorosos comentários de alguns amigos e camaradas, a quem fico reconhecido, porque vieram valorizar o tema, complexo, das transformações (económicas, sociais, culturais, mentais, etc.) por que passou a nossa geração, grande parte dela de origem rural... (Na década de 50, metade da população portuguesa ainda vivia dependente do setor primário da economia e, segundo o censo de 1960, um em cada três portugueses ainda era analfabeto!)

E, como eu disse, "foram muitas, essas transformações", para não dizer "profundas, radicais, estruturantes", em todos os domínios, a nível do indivíduo, da família, do habitat, do território, da economia, da sociedade, das organizações e instituições, etc. Da saúde à educação, do trabalho aos transportes, do lazer à cultura, da sexualidade à religiosidade, da política ao futebol,  etc., etc.

Utilizei Candoz, por mera conveniência,  como ponto de observação e de reflexão, por estar situado a 400 km de Lisboa a capital deste país que ainda é macrocéfalo); longe do litoral, a 340 km da minha terra natal, Lourinhã, a 70 km do Porto; enfim,  no “país profundo”, onde o povoamento era (e ainda é) disperso e a predomina(va) o minifúndio,  e onde eu ainda apanhei tantas “coisas do antigamente” (ou que ainda estavam frescas na memória das gentes do vale do Tâmega, que pega com o vale do Sousa, berço do velho Portugal, e por onde passa uma fabulosa rota do românico, que poucos portugueses conhecem)…

E cito ainda Candoz porque a elegi também como minha segunda terra... E por aqui andou o Zé do Telhado... E está rodeada de serras, com o rio Douro a fazer fronteira entre o distrito do Porto e o distrito de Viseu: Montedeiras, Aboboboreira, Montemuro, Meadas, Marão, Alvão...

Listo apenas algumas dessas "coisas do antigamente" que, umas felizmente já desapareceram (ou são  "peças de museu"), outras ainda estão enraizadas nos nossos "usos e costumes"... São umas cinquenta (para arredondar) as que me acorreram, ao sabor do teclado e no decurso desta época de vindimas (em que vim passar 18 dias a Candoz,   já tendo hoje regressado ao Sul). 

Aqui váo, de 1 a 50, sem qualquer ordem de precedência, importância ou relevância;

(1) a luta dos rendeiros contra a parceria agrícola e pecuária, formas pré-capitalistas de exploração da terra, com o pagamento das “rendas” em géneros (em em geral, numa proporção fixa, por exemplo ao terço, a meias, etc.);

(2) a estratificação social nos campos:”fidalgos”, pequenos proprietários, rendeiros…e cabaneiros (gente sem terra nem casa) (e que na igreja também se dispunham pela mesma ordem, com homens e mulheres, socioespacialmente separados);

(3) os salamaleques da “servidão da gleba”: “com a sua licença, meu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância;

(4) as juntas de bois lavrando a terra com arados de ferro;

(5) a criação, em cortes, do gado bovino (o “tourinho”, mais bem tratado que a “canalha”, porque rendia dinheiro ao ser vendido na grande feira do Marco (de Canaveses);

(6) a cultura do milho de regadio, exigente em água e mão de obra (escondia-se o milho nas “minas”, as nascentes de água, para escapar à requisição do governo nos anos da II Guerra Mundial e do pós-guerrra);

(7) a vinha de bordadura e de enforcado (e na sua grande maioria, videiras de tinto… jaquê, um híbrido americano de há muito proibido mas sempre tolerado; de fraca graduação e pior qualidade, o “jaquê” chegava a maio já era intragável; de resto, nas vindimas toda a uva podre ia “para o tinto”; e não havia vinho verde branco, o que se fazia era “para o padre”; e muito do que ia para o "utramar", a tropa, que tinha poder de compra, era vinho branco leve, de 9 / 10 graus, enviado para os armazéns do Porto e de Vila Nova de Gaia, e depois gazeificado e rotulado como "vinho verde branco");

(8) o vinho verde tinto, o tal "berdinho",  bebido da malga de barro vidrado ou da “caneca de porcelana”;

(9) as “serviçadas” como a vindima, a malha do centeio, a desfolhada do milho, a espadelada do linho, a matança do porco, etc., em que os familiares e os vizinhos se ajudavam, uns aos outros;

(10) os grandes cestos de vime de 50 kg de uva que os “homes” transportavam aos ombros (e as mulheres à cabeça), por leiras e solcalcos abaixo (ou acima) até ao “lagar do vinho” (em geral, no piso térreo, da casa, e com chão saibroso por causa da temperatura ambiente);

(11) a matança do porco, o fumeiro e a salgadeira (que eram o “governinho da tia Aninhas”, e também uma das principais causas de morbimortalidade por doenças cérebro-vasculares, como a “trombose”):

(12) o valor comercial da madeira de carvalho, castanho e pinho (madeira nobre hoje destronada pelo eucalipto);

(13) a água de consortes,  as "levadas" (como a água de Covas, que vinha da serra, e  de que o meu sogro tinha direito a utilizar, só no solstício do inverno, uma vez por semana, das 10h da manhã às 6h00 da tarde);

(14) os “montes” (pinhais) que eram “rapados” todos os anos, não só para limpeza e prevenção dos incêndios (não havia incèndios) como sobretudo por causa da importância que tinha o mato para fazer a "cama dos animais” e depois o estrume (fundamental para a cultura do milho ou da batata);

(15) a “esterqueira” (ao pé da porta onde se faziam todos os despejos domésticos e se deitava todo o lixo orgânico que não fosse para a “gamela” de, "com a sua licença", o porco);

(16) as longas caminhadas a pé (para se ir à missa, à romaria, à feira, à repartição de finanças na sede do concelho,  mas também ao médico e o hospital da misericórdia);

(17) a escassez de meios de tração mecânica na lavoura (tratores, motocultivadores, serras mecânicas, etc.) e de transporte automóvel;

(18) a “venda” que era mercearia, tasca, casa de comidas (para os de fora), cabine pública de telefone, caixa de correio, palco de mexericos, boatos e notícias, etc. (a da Candoz, ficava no Alto, a 3 km de distância por caminho de carro de bois, que agora é estrada municipal e nos  leva à albufeira da barragem do Carrapatelo);

(19) a sardinha “para três” (que chegava de Matosinhos na Linha do Douro até ao Juncal, e depois era transportada à canastra e vendida de porta em porta) (... e os ovos que se vendiam para comprar a "sardinha para très");

(20) o caldo moado, as cebolinhas do talho, os salpicões feitos em vinho tinto verde, o anho com arroz de forno, as papas de farinha de pau, o arroz de cabidela, o bacalhau “lascudo” no Natal, a aletria, etc.

(21) só os homens usavam calças (!);

(22) a virgindade (feminina) antes do casamento;

(23) o medo das trovoadas, das bruxas, dos lobisomens, do mau olhado, das pragas que se rogavam uns aos outros por ódio, vingança, desamores, etc.;

(24) a importância das feiras e romarias como factor de lazer, de socialização, de negócios, de informação, conhecimento e propaganda (ah!, os pregões dos feirantes!);

(25) as “tunas rurais do Marão” (indispensáveis nos "bailes mandados");

(26) a luz do candeeiro a petróleo ou querosene;

(27) o caciquismo político e eleitoral (do regedor, do padre, do comerciante, do professor, do “fidalgo"...);

(28) o “varapau”  como símbolo da masculinidade (mas também de violência) (a ponto de ter sido proibido na via pública, nas festas e nos bailes, sendo o seu cumprimento fiscalizado pela GNR):

(29) a fraca monetarização da economia (fazia-se algum dinheiro com a venda das uvas, do milho, do tourinho, da cereja e pouco mais; ou trabalhando à jorna, ocasionalmente para o "ramadeiro", para o "construtor civil, etc., que os mais sortudos iam para a polícia e os caminhos de ferro);

(30) a autossuficiência da economia do pequeno campesinato familiar onde o pai era “pai e patrão” e  a “ranchada de filhos”  era garantia de mão de obra abundante e gratuita;

(31) a emigração, primeiro para o Brasil (até aos anos 50) e depois para França (muitas vezes "a salto") e Alemanha, também depois Luxemburgo e Suiça;

(32) o obscurantismo não só político e cultural mas também religioso (como o daquele pároco que mandou cortar as pilinhas dos anjinhos na igreja);

(33) as “grandes mulheres” que em geral se escondem(iam) atrás dos seus “homes" (e tinham sempre uma palavra de peso, a última, nos negócios, nas compras de propriedade, nos amores, nos casórios dos filhos,  etc.);

Mais mudanças

Era tempo em que ainda…

(34) se andava descalço (ou, tal como em África, se levava os sapatos na mão até à entrada da vila, da escola, da igreja…);

(35) se batia forte e feio nos filhos (em casa e no campo) e nas crianças (na escola) ("quem dá o pão, dá a educação");

(36) se começava a trabalhar muito cedo (“ o trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco”; "na casa deste home, quem não trabalha não come; e na casa desta mulher, come-se tudo o que ela der"):

(37) havia o “baile mandado” com “mandador” e os homens e as mulheres separados, de pé, encostados às paredes da casa;

(38) ouvia-se o carro de bois a chiar pelos estradões (uma verdadeira sinfonia!);

(39) se cultivava o milho e o centeio;

(40) se cozia a broa de milho e centeio (três “quartos” ou partes de milho e um de centeio), no forno a lenha, e que tinha de durar 8 dias (ou até 15, "duro que nem cornos"!);

(41) em que os mais remediados diziam: “criei-os [aos filhos] fartos e cheios [de pão, que não se escondia na “trave” do telhado de telha vã, fora do alcance dos ratos e… das crianças, isso era sinal de pobreza];

(42) as crianças se habituavam, cedo, às “sopas de cavalo cansado” e eram “sedadas com bagaço” quando se contorciam com dores, tinham fome ou estavam doentes;

(43) as “parteiras” (que não as havia, diplomadas) eram as “aparadeiras” (mulheres curiosas, mais velhas, que já tinham sido mães...);

(44) não se conhecia a contraceção nem o planeamento familiar (mesmo a “pílula” chegaria tarde à cidade…) ("porra e lenha é quanto a venha", um provérbio que pode ter uma conotação sexual, mas não tenho a certeza);

(45) só se bebia leite (de cabra, de vaca era mais raro) quando se estava doente (em geral os adultos);

(46) o fatalismo dos provérbios populares (“boda e mortalha no céu se talha”, "muita saúde e pouca vida que Deus não dá tudo"...);

(47) se jogava ao pião (os rapazes) e se brincava às bonecas de trapos (as raparigas);

(48) não havia saneamento básico, água potável (a não ser  o das minas) nem banheiro com duche;

(49) a electricidade, a televisão, etc., só chegariam depois do 25 de Abril (mesmo com a barragem do Carrapatelo a escassos quilómetros de Candoz);

(50) e quando a gente (a nossa geração) nasceu, por volta de 1945, no fim da II Guerra Mundial, ainda morriam 120 crianças em cada mil nados-vivos.

É bom não esquecer, para a gente dar valor ao esforço (individual e coletivo) dos portugueses na melhoria das suas condições de vida, de saúde, de alimentação, de trabalho... 

Parafraseando, a canção do Zé Mário Branco, acrescentamos: "o que nós andámos para aqui chegar!"...

E dito isto, continuo a gostar de cá vir, em épocas emblemáticas, festivas, do Natal à Páscoa, da festa da Senhora do Socorro às vindimas... Claro, aos batizados, casamentos, festas da família, enterros… (E há perdas recentes, que nos deixam dor profunda e eterna saudade.)

E gosto de continuar a fotografar Candoz, ao longo das quatro estaçõesm e de preferència com a luz matinal... E em particular nesta época do ano em que aparecem as primeiras cores outonais e os primeiros cogumelos (os "sentieiros").

E continuo a eleger Candoz como tema da minha escrita (em prosa ou em verso, e nomeadamente nos meus/nossos blogues) (**). Afinal, sou um pobre "citadino"...

Que o leitor desculpe esta obsessão... É como a Guiné: estivemos lá menos de dois anos, e o blogue do Luís Graça & Camaradas da Guiné já vai a caminho dos vinte.  (**)

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(...) Comentrários;

(i) Luís Graça;

Fico triste quando oiço "açularem os cães" do nortismo contra o sulismo ou vice-versa...

Afinal este país velhinho que herdámos dos nossos avoengos, e de que nos orgulhamos, não tem fronteiras internas a não ser as "metereológicas" como o sistema Montejunto-Estrela ou o anticiclone dos Açores...

20 de setembro de 2023 às 08:22

(ii) Eduardo Estrela:

(...) Felizmente que algumas das coisas que mencionas acabaram. Felizmente que outras ainda se mantêm e hão-de continuar a fazer feliz quem as aprecia.

Cá em baixo no Sul também era assim. Lembro-me bem de ver há muitos anos os serrenhos ( quem vivia a norte do Barrocal algarvio era assim apelidado ) virem ao Algarve como eles diziam, montados nos seus burros e mulas e trocarem favas, ervilhas, cebolas, batatas e outros produtos agrícolas, por peixe e marisco. Faziam-no pelo menos 2 vezes por mês percorrendo caminhos que à época eram pior que maus. (...) 

20 de setembro de 2023 às 13:03

(iii) Valdemar Queiroz:

(...) Luís, quando em 1956 vim a "escorregar por uma tábua abaixo"(*) até Lisboa, em Afife era assim a vida como muito bem descreves.

E sobre: "os salamaleques da “servidão da gleba” (também do tempo da outra senhora): “com a sua licença, eu senhor e meu amo”, dizia o caseiro para o “fidalgo”, desbarretando-se a 10 metros de distância"... Fernando Namora escreve no livro "Retalhos de um Médico" que a grande diferença entre o homem do norte e o do sul (alentejano) é que o do sul não atravessa a rua para cumprimentar o padre por o não conhecer de lado nenhum.

Faltou o ir descalço pra escola, que mesmo assim, quem me dera ter sete anos e o cabelo grande encaracolado e estar à espera do 7 de Outubro. (porquê a escola começava a 7 de Outubro?) (...)


20 de setembro de 2023 às 13:55


(iv) António Carvalho:

(..,) Sendo tu um homem do centro, tiveste, desde que conheceste a Alice, essa sorte de conhecer uma aldeia da região durimínia condimentada de todas as características, desde a economia, religiosidade, estrutura fundiária predisposições sociais. Aliás, sendo tu formado academicamente na área das ciências sociais, tens assim uma vantagem supletiva, quando mergulhas nas tuas reflexões sobre os espaços que habitas.

Um grande abraço, com votos de que possas abandonar, brevemente os empecilhos das muletas. (...)

20 de setembro de 2023 às 14:58

(v) António Graça de Abreu:
 
(...) Também conheço razoavelmente o Douro, o meu rio de menino e de rapaz mais espigado,(nasci e cresci no Porto) e as terras do Marco de Canaveses. Tenho um amigo arquitecto, Paulo Machado, com uma casa fantástica debruçada sobre o Tãmega, quase meu meio irmão, somos da mesma criação portuense, que já me emprestou o seu pedaço de Paraíso para estadias de espantar. São dos lugares mais bonitos de Portugal. Aí nasceu a tua Alice.

Aproveita Luís, e logo que possível atira essas muletas ao rio Tâmega, ou afunda-as nas águas do Douro. (...)

(vi) José Teixeira:

(...) Fizeste-me voltar aos meus tempos de criança. Com cinco /seis anos descobri que a sopa do caseiro que vivia a trezentos metros do monte onde vi a luz que me alumia, apesar de pobre, porque o dono das terras lhe comia o grosso do seu trabalho, tinha sempre um courato de porco na tijela, enquanto o meu, tinha couves, feijão, batata e um "pirilau" muito pequenino de azeite. 

Um dia em que minha mãe foi para lá fazer a sacha do feijão, apercebi-me do manjar e feito "xico esperto" ofereci-me para lhe guardar as ovelhas ao fim da tarde. Assim ganhei o direito ao petisco- um simples bocado de carne de porco gorda, com um coirato duro de roer que me sabia tão bem!
Assim me fiz o homem que sou. (...)


20 de setembro de 2023 às 18:34

(viii) Luís Graça:

E grande homem, Zé Teixeira, mesmo que a Pátria, ingrata, madastra, nunca to tenha dito...

Sei que tiveste uma duríssima infància, tinhas razões de sobra para te insurgires contra Deus e os homens... Porquê eu, meu Deus ?!...

Não foi fácil a nossa infància, adolescência e juventudem em geral... Alguns, creio que poucos, da nossa geração, terão vergonha em dizè.lo em público... que também comeram o pão que o diabo amassou... E a guerra ajudou a nivelar as diferenças,,,

Mas fizémo-nos homens, e isso é que importa sublinhar. E temos orgulho emm dizê-lo aos nossos filhos e netos. Tu bem podes tè-lo, tanto quanto eu sei de ti e da tua história de vida! (...)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22893: Notas de leitura (1407): Um livro que é "serviço público": "Aldeia Nova de São Bento: Memórias, Estórias e Gentes", José Saúde, Edições Colibri, 2021 (Prefácio de David Monge da Silva)



Capa do livro "Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes",de José Saúde. Lisboa, Edições Colibri, 2021, 299 pp. (*)

Para encomendas com oferta de 10% de desconto sobre o PVP + portes de envio para Portugal: encomendas@edi-colibri.pt

O escritor e jornalista José Saúde, ex-fur mil op esp, CCS/BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), é membro da nossa Tabanca Grande, com mais de 210o  referências no nosso blogue, Natural de Aldeia Nova de São Bento, vive em Beja. Prefácio de David Monge da Silva que aqui reproduzimos com a devida vénia  (**).


Prefácio

por David Monge da Silva


Quando o Zé Saúde me convidou para prefaciar esta obra aceitei imediatamente e sem qualquer hesitação. Temos, na infância e adolescência, um passado comum na nossa aldeia, e uma posterior ligação ao desporto, ele como praticante de futebol e depois como jornalista e escritor, e eu como profissional da educação física e do desporto. Mas aquilo que mais nos liga é o amor à nossa terra, à nossa aldeia, e o orgulho que sempre mostrámos quando dizemos que somos de Aldeia Nova de São Bento.

Apesar de estarmos fisicamente afastados contactamos muitas vezes usando as novas tecnologias. O tema de que habitualmente falamos é a nossa terra, os seus costumes e as suas gentes. Partilhamos alguma informação, sobretudo fotografias e documentos antigos, que tenho vindo a coletar e a publicar nas redes sociais. Aprendemos um com o outro somando memórias e linhas de investigação.

Ao ler as suas deliciosas crónicas regresso de imediato à minha infância e adolescência, a um tempo de felicidade em que todos os nossos familiares e amigos estavam connosco para nos ajudarem a crescer e descobrir, sem sobressaltos, o mundo e a vida.

O Zé tem uma escrita muito própria que o identifica de imediato. Ao descrever um facto ou um personagem utiliza muitos adjetivos portadores de sentimentos e emoções, que imediatamente despertam a minha sensibilidade adormecida.

Quando o leio surge em mim um inevitável sorriso de alegria e felicidade, volto a ser quem fui, os meus familiares e amigos voltam a acompanhar-me na escola, nas coletividades, nas brincadeiras de rua, nas súcias e nas futeboladas intermináveis. Estou a escrever estas simples linhas e estou a sorrir.

Quando volto à minha e nossa terra natal, o que cada vez é menos frequente, fico sempre triste, não consigo encontrar a aldeia da minha infância. A casa onde nasci está fria e abandonada, os meus amigos emigraram para a periferia de Lisboa ou para o estrangeiro. Todos partiram levando consigo o ambiente onde cresci e fui feliz.

Tudo hoje é diferente. O passado apenas subsiste na minha memória, nas minhas recordações. Somos as nossas memórias. Somos quem fomos. É a nossa história que nos caracteriza e define.

O que explica, muito sumariamente, a minha aldeia e, por extensão, todo o Baixo Alentejo é a enorme emigração, a perda continuada de população. É uma região cada mais deserta, cada vez mais envelhecida, cada vez mais esquecida.

Mas nem sempre foi assim.

Se olharmos para os dados disponíveis nos recenseamentos da população entre 1747 e 2011, encontramos longos períodos de aumento populacional e de posterior diminuição.

Tentemos compreender o fenómeno olhando rapidamente para esses números.


Da observação destes dados podemos destacar os seguintes pontos:

  • Foi em 1950 que Aldeia Nova atingiu o maior número de habitantes (8842). No último recenseamento, em 2011, tinha apenas 3072, o que significa uma redução populacional de 65%. 
  • É preciso recuar mais de 140 anos para encontrar, em 1878, um número inferior (2839) 

  • De 1747 a 1950 verificou-se um continuo e gradual crescimento com uma nítida aceleração a partir de 1900/1910, data em que as glebas da Serra de Serpa foram distribuídas pela população de Aldeia Nova. Esta desintegração do maior baldio do país, com cerca de 40.000 hectares, iniciou-se em1906, mas a população de ANSB protestou, como já o havia feito em 1755, por não concordar com a metodologia seguida pela Câmara de Serpa, o que atrasou o processo. Estas sortes, como o povo lhe chamava, tinham 16 hectares e foi algo de muito positivo o que permitiu e suportou um rápido aumento da população. Houve um grande incremento da cultura cerealífera, principalmente do trigo, o que deu trabalho a muita gente, sobretudo na monda e na ceifa. Contudo, a pobreza dos terrenos e a sua continuada exploração levou a um rápido esgotamento dos solos e ao seu progressivo abandono. Muitos possuidores de glebas viram-se obrigados a vende-las aos grandes proprietários que acabaram por ser os maiores beneficiários. Os montes abandonados espelham esta triste realidade. A progressiva mecanização da agricultura reduziu a oferta de trabalho. Só lhes restava partir. 
  • De 1950 até aos dias de hoje verificou-se uma contínua perda de população com os valores mais altos de decréscimo nas décadas de 50 (menos 1164 habitantes) e de 60 (menos 2450). Em apenas 20 anos houve uma diminuição populacional de 40,8%. 

Eu e o Zé Saúde vivemos a nossa infância e juventude nas décadas de 50 e 60, conhecemos a nossa aldeia com a sua população máxima, e acompanhámos o seu progressivo decréscimo.

Como exemplo, verificámos que actualmente há somente 40 rapazes a frequentar os quatro anos do 1º ciclo do ensino obrigatório, sendo apenas dez no primeiro ano. Nos pretéritos anos 50, no meu 1º ano, com a excelente professora D. Ermelinda Calvinho Grilo, éramos 52 rapazes, as meninas tinham uma outra professora, já que não havia ensino misto. Houve, comparando aqueles números do 1º ano, um decréscimo de 80%, muito superior ao decréscimo total da população que no mesmo período é de 65%, o que mostra o envelhecimento dos actuais residentes. Não se vêem rapazes a brincar nas ruas, o que nos anos 50 era uma exuberante realidade.

 Destes 52 saudosos colegas só um ou dois permaneceram na aldeia. Todos os outros partiram e constituíram família longe do seu berço natal, tal como eu e o Zé. Alguns não tiveram tempo de o fazer, morreram na guerra colonial.

As memórias que nos são trazidas nesta obra situam-se, sobretudo, nestas duas décadas, trazem-nos personagens, profissões, modos de vida, relações sociais e formas de convívio que não voltarão mais. Há que ler atentamente para que os mais idosos recordem as suas vivências e os mais novos conheçam um pouco do que foi a vida dos seus pais e avós.  

Este livro é serviço público.

David Monge da Silva

Nota final - Para além das razões que, muito brevemente, apresentámos para explicar a fuga dos nossos conterrâneos, há muitas outras de natureza sócio política que conduziram a uma sobre exploração da classe trabalhadora e a uma enorme degradação da sua qualidade de vida.

Como não cabe num simples prefácio a análise desse problema proponho a leitura deste poema em que pretendo mostrar o percurso de vida do trabalhador alentejano e as razões que o levaram à emigração.






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Notas do editor:

(*) Vd. poste de:


25 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 – P22844: Agenda cultural (794): General Manuel Monge na apresentação do meu último livro (José Saúde)

5 de dezembro de 2021 > Guiné 61/74 – P22783: Agenda cultural (793): Aldeia Nova de São Bento - Memórias, Estórias e Gentes, 10º livro do José Saúde: sessão de lançamento, 11/12/2021, 15h00, Vila Nova de São Bento. Apresentação do prof David Monge da Silva.

(**) Último poste da série > 7 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22886: Notas de leitura (1406): CCAÇ 1550 - Quando a história de uma unidade militar ajuda a perceber a evolução da guerra da Guiné (Mário Beja Santos)