Resumo: Estudo de marcas de canteiro, cantaria histórica e Arqueologia do construído, a partir de trabalhos arqueológicos preventivos realizados, em 2021, na envolvente da Igreja de Santa Maria do Castelo (Lourinhã).
Palavras-chave: Arqueologia preventiva; Arqueologia da Arquitectura; Pedra; Marcas (de canteiro).
Achei por bem dar conta desta minha lembrança que me ocorreu a propósito dos diversos "calões" e também por a eles se terem referido como "códigos".
Assim, também como os chapéus, que há muitos, os códigos também serão de diversa motivação e neste caso concreto, acontecido comigo, aproveitei não só para me lembrar do caso com também, ao dar conta dele, recomendar que os levem a sério, quando vos tocar qualquer coisa do género.
Abraços, Hélder Sousa
Meus amigos, esta memória, de que vou dar testemunho, surgiu depois de ler algumas coisas sobre o calão falado, “por aqui e por ali”, e de também se ter referido a eles como que espécie de “códigos” de comportamento para relacionamento e reconhecimento de grupos.
Ora, tanto quanto vou aprendendo também “por aqui e por ali”, isso dos“códigos” é coisa bem antiga.
Por exemplo, é bem conhecido o facto de que os velhos “construtores de catedrais” tinham códigos (sinais) identificadores para se saber a que Mestres correspondiam as pedras colocadas, quando numa mesma obra existiam mais do que um Mestre e seus operários, para que assim o Dono da Obra pudesse quantificar o trabalho efetuado e remunerá-lo adequada e justamente. Isso pode ser observado em vários monumentos um pouco por todo o País.
Mas o que eu vos queria transmitir é que há uns bons pares de anos atrás, quando retomei os estudos interrompidos, primeiro por incorporação no SMO (Serviço Militar Obrigatório), , depois por dedicar mais tempo à ”vida artística”, cumulativamente pelos tempos do imediato pós-25 de Abril, fiz parceria com um colega de turma para a produção de “trabalhos de grupo”.
Ora esse colega era filho dum senhor que tinha uma oficina de manutenção automóvel, trabalhos de bobinagem e relativos, ali para os lados de Campo de Ourique, em Lisboa, já a chegar ao “Casal Ventoso”, em tempos em que esse local era conhecido como “supermercado da droga” e de consumo da mesma.
Recomendaram-me que, quando para lá me deslocasse, tivesse o cuidado de estender por cima do volante um pano amarelado ou laranja. Que fizesse isso e não fizesse perguntas. E assim procedi sempre e não ocorreu nada de registo que merecesse ser contado.
Acontece também que esse meu amigo e colega morava numa casa, num rés-de-chão ligeiramente elevado em relação ao nível da entrada, ali mesmo ao lado da Igreja de Santa Isabel e onde também era devido utilizar o “código do pano sobre o volante”.
Numa noite em que fui para lá para trabalhar, chegando já um tanto atrasado, com a pressa, não tive o cuidado de colocar o “bendito paninho”, mas como o carro (um Renault 5) ficou estacionado mesmo junto à janela (não ao nível da rua, mas um pouco mais elevada, como disse) do compartimento onde estaríamos a fazer os trabalhos e aí o passeio era bem estreito, menos de 1 metro entre o carro e a janela, não me preocupei quando me lembrei do facto e até achei que não deveria ter importância.
Mas teve!
Quando acabámos e fui para o carro, depois de entrar e ligar o motor, quando fui para ligar o rádio só encontrei o buraco. O rádio tinha desaparecido.
Claro que no imediato fiquei “estragado”. Primeiro por ter sido roubado, depois, culpabilizando-me, pelo esquecimento de assim ter desrespeitado a aplicação do código (o tal pano laranja sobre o volante) para que eventuais “amigos do alheio” soubessem que se tratava de um bem pertencente à comunidade, conforme já tinha percebido.
O que “compensou” foi que o trabalhinho foi efetuado por profissional. Nada partido, nada estragado, “apenas” fiquei sem o rádio…..
Portanto, se houver códigos, são para serem respeitados, não se esqueçam.
Hélder Sousa
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5 comentários:
Hélder, há uma ciência que estuda estas "coisas", os signos e os seus códigos, o mesmo é dizer todas as linguagens com que comunicamos entre nós, indivíduos, grupos, etnias, sociedades, sem esquecermos os outros animais...
Chama-se "semiótica"... Falamos de todos os signos, verbais e não verbais, a começar pela linguagem escrita e pela linguagem corporal...
Comunicar, afinal, é "pôr em comum"... A melhor maneira de entrares num "bairro dito problemático" é sempre através da intermediação (cultural)... Ainda me lembro do tristemente famoso Casal Ventoso... Que chegou a ser, dizia-se, o maior supermercado de droga da Europa (exagero dos portugueses)...
Conhecemos na Guiné excelentes guias, picadores, caçadores... Eram bons a detetar e a ler os sinais no terreno.
Eram "doutores em semiótica"... Sem eles a guerra teria bem mais penosa para os "tugas"...
Como é que um frequentador do Bairro Alto, até aos anos 70, mesmo depois do fecho legal das "casas das Mariquinhas", distinguia uma "sécia" duma "honesta moradora" ? Através dos célebres "aventais de pau", as meias portas no piso térreo... Depois subia-se para o andar de cima, que tinha
"janelas de tabuinhas"... Tudo são signos...
Aí por volta de 1990, quando o supermercado da droga funcionava em pleno e os táxis faziam bicha na Meia Laranja, para lá deixarem os "clientes" ou trazê-los de volta, resolvi uma vez entrar no Casal Ventoso. Ninguém se meteu comigo. Andei à vontade pelo bairro acima e pelo bairro abaixo, enquanto era olhado de soslaio por indivíduos de aspeto patibular encostados às paredes, mas sem me incomodarem. Ali, o consumo de droga fazia-se a céu aberto, como se imagina, com indivíduos a injetarem-se pelos cantos, mas o que mais me chamou a atenção foram as casas. Em completo contraste com a degradação humana que as rodeava, quase todas as casas do Casal Ventoso eram casinhas muito limpas e arranjadas, ainda que de aspeto humilde. Não tinham tabuinhas, mas tinham cortinas e vasos de flores de plástico nas janelas, como em Alfama ou na Madragoa. Dir-se-ia que os verdadeiros moradores do Casal Ventoso eram total e absolutamente estranhos ao corropio de traficantes e de consumidores que inundavam o seu bairro. Um contraste impressionante.
Hélder, quando falaste das marcas dos canteiros medievais, lembrei-me logo da minha bela igreja do séc xiv, a minha "igreja do Castelo", ao cimo da minha rua da infância (foi objeto de uma intervenção / reabilitação)...
As marcas que reproduzo já as conhecia há mais de mais de meio século... Foram agora estudadas por arqueólogos... de Almada.
É a maior igreja gótica do Oeste estremenho. Sempre entendi estas marcas como uma assinatura dos mestres canteiros... Mas pelos vistos teria também uma função contabilística... São em geral sinais antropomórficos. ..
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