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segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27333: Notas de leitura (1853): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte IV: de Figo Maduro a Bissalanca "by air", e depois de LDG até Bolama para a estopada da IAO (Luís Graça)




Guiné > Zona Oeste >  Região do Cacheu , Có > 2ª C/BART 6521/72 (1972/74) > Messe da caserna do 2º pelotão. O autor em primeiro plano à direita. (Foto, com devida vénia, retirada da pág. 135 e reeditada por LG).



Crachá da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74)


Capa do livro 

1. Continuando a leitura do livro do Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025, il., 184 pp,) 
(ISBN 978-989 -33.7982-0) (*). (Revisão / fixação de texto:  J. Pinto de Carvalho.)


Com a especialidade de auxiliar de enfermeiro feita em Coimbra, no RSS (Regimento de Serviços de Saúde) (jan/mai 1972), o Luís é mobilizado para a Guiné, indo formar batalhão, o BART 6521/72, no RAL 5,  Penafiel (jun / set 1972). 

No seu livro de memórias (elaborado sem recurso a fontes em papel), ele começa por perguntar como se formara aquele batalhão. 

O Luís, chegado a Penafiel, com mais dois camaradas que vieram com ele do quartel da Carregueira, Sintra,  não conhecia mais ninguém. Os três, munidos da respetiva "guia de marcha", acabavam de se apresentar de manhã no RAL 5, a unidade mobilizadora do seu batalhão. 

Chegaram às 3h00 da manhã. Tinham saído da Carregueira  às 11h00 do dia anterior, num dia de junho de 1972. Claro, aproveitaram para pôr o sono em dia, até ao toque de alvorada.  A cama foi improvisada: foram as pedras da calçada, com o saco da roupa a servir de travesseiro.

(pág. 39)


Achámos piada ao termo da gíria de caserna, "atiruense", forma engraçada mas irónica de designar, afinal,  a grande maioria dos militares que iam para o CTIG. Em 1969/71, eram também conhecidos como "amanuenses de gatilho",  enfim a derradeira especialidade que o diabo quereria ter ali, naquele "cu de Judas", a Guiné (hoje, Guiné-Bissau). 

Por outro lado, repare-se na observação sobre o médico e os quatro auxiliares de enfermeiro que em princípio deveriam seguir na 2ª C/BART 6521/72. 

 Médico não havia, e dos quatro 1ºs cabos da secção sanitária só seguia o Luis e o Faleiro. A solução "ad hoc" encontrada,  mais tarde, chegados a Có, foi fazer dois auxiliares de enfermeiro, "de aviário", à pressa, para suprir as faltas. 

Enfim, mais um exemplo do "desenrascanço" à portuguesa (pág. 40).

Estava-se, de resto, numa época em que já ninguém  ligava à qualidade, mas à quantidade. Um país pequeno, com menos de 9 milhões de habitantes e forte emigração (um milhão e meio de portugueses, sobretudo jovens, vão sair de Portugal no período da guerra colonial, entre 1960 e 1975), e que já de si tinha fraca capacidade de recrutamento.

E a prova estava ali, o Luís vai conhecer os seus novos camaradas, os militares da 2ª C/BART  6521/72. Verifica que só tem um militar profissional, em 160 homens: é um graduado do QP (Quadro Permanente), o 1º srgt  António José do Ó, e que era de todos obviamente o mais velho (e respeitado, acrescente-se). 

Era o único, afinal, "que sabia das coisas da tropa" (pág. 42).

A maioria dos militares eram jovens, na casa dos 21/22/23 anos. O capitão nem sequer era do QP, era um miliciano,  com mais cinco ou seis anos do que os restantes. Todos, ao fim ao cabo, iam mal preparados (e por certo contrariados) para aquela guerra e aquele território, do capitão aos quatro alferes, dos furriéis aos cabos. 

Foram de autocarro, de noite, a caminho do aeroporto militar de Figo Maduro, em Lisboa. Para o autor, só podia ser intencional, por parte do exército, a opção pela viagem de noite.  Quase furtiva. "Iam acabrunhados nos seus bancos. antevendo as posições futuras nos seus abrigos de guerra na Guiné" (pág. 43).  Fizeram uma pausa em Pombal, na bomba de gasolina, para a malta se "aliviar". (Ainda não se falava em "áreas de serviço", e a estrada nacional nº 1 era um pesadelo.)

Foi a primeira viagem de avião que o autor fez na vida. Aqueles de nós que foram de barco para a Guiné,  não sabem, naturalmente, "o que perderam"... Em meia dúzia de linhas,  o Luís descreve, com um leve toque de ironia,  o ambiente que viveu nesse já longínquo dia 22 de setembro de 1973, por sinal uma sexta-feira.  Nem sequer iam de camuflado, levavam o uniforme de passeio, mais cinzento e discreto.

(pág. 449

O saco ou mala de viagem não podia ultrapassar os 25 kg. Lá teve que se desembaraçar de alguns livros, uma navalha de marinheiro e uma faca de mato. Em contrapartida, teve a sorte de viajar junto à janela. E, por pouco tempo embora,  conseguir desviar o seu pensamento, o "de que estava a caminho do mais perigoso palco de guerra que o nosso governo nos conseguira arranjar"  (pág. 45).

A meio da viagem , os passageiros especiais daquele Boeing 707 recebem ordens para despirem "o blusão de burel", que serviria para o próximo "desafortunado"  ou iria parar à Feira da Ladra.

A bordo teve direito a um copo de água.

A título de curiosidade, ficamos a saber que os dois Boeing 707 dos TAM, encomendados em 1970 e entregues em finais de 1971, "transportaram nos 3 anos seguintes cerca de 318 mil passageiros do Exército (78%), Marinha (7%) e Força Aérea (15%), além de muitas toneladas de carga. sem que tenham falhado uma missão". Uma história exemplar, os TAM, ao que parece.

Mas o Luís é sincero, quando  escreve, fazendo o resumo dessa viagem, nos TAM, que o pôs no mesmo dia à porta da guerra;

(...) "Gostei da sensação que senti quando o Boeing, de bico empinado, começou a ganhar altitude. (...) Gostei de me sentir por cima das nuvens (...). A viagem decorreu dentro daquilo que julgo ser normal; por mim, não tenho nada a assinalar e gostei tanto que estava prontinho para no mesmo avião fazer a viagem de regresso!" (...) (pág. 45).

Julgo que o Luís interpretava bem o estado de espírito dos restantes passageiros. Ia a "guerra do ultramar" no seu 11º ano...

Na chegada a Bissalanca, e com a abertura das portas da aeronave, o Luís não levou a tempo a dar-se conta de que estava nos trópicos: "entrou um bafo de tal modo quente que, de imediato, começámos a transpirar e a sentir o incómodo que nos iria acompnhar ao longo de dois anos - o tempo que durou a nossa comissão de serviço na Guiné" (pág. 46).

Além desta sensação de calor e humidade extremos,  que todos experimentámos à chegada a Bissau, o Luís dá conta de uma segunda experiência sensorial, "a intensidade dos odores da terra que resulta  das fortes chuvadas sobre os solos sobreaquecidos" (pág. 46).

Foi tudo muito rápido. e já temos os recém-chegados a caminho do Cumeré,  a 30 km a sudeste de Bissalanca. Com o batalhão completo, lá seguiriam,  três dias depois, em LDG, a caminho de Bolama para mais um período de instrução e de adaptação, a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional)... Enfim, estações do calvário por que todos (ou quase todos) tivemos que passar.

Sentado no chão da LDG, em cima dos seus pertences, o Luís faz um trocadilho que diz muito do estado de espírito daqueles jovens a caminho de um futuro incerto, e longe de pensar que a guerra teria um fim um ano e meio depois:

 (...) "saboreando as primeiras gotas de um fel que nenhum de nós na metrópole saboreara, ante os sonhos justos e devidos de mel que os jovens  (...) de 20 anos esperavam "(pág. 47).

Quatro horas de depois, de noite, "em mar chão e a maré cheia" (pág.47),  chegam a Bolama através do grande canal do Geba.

Vale a pena acompanhar a leitura deste livrinho, singelo e serôdio, mas nem por isso menos interessante (pela capacidade de ajudar a reavivar as nossas próprias memórias da tropa e da guerrra: "Os Có Boys: nos trilhos da memória".

(Continua)


Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça). 
É membro da Magnífica Tabanca da Linha. 
E esperemos que aceite o nosso convite para se sentar, connosco,
à sombra do poilão da Tabanca Grande

  • nasceu em 2 de março de 1950, mas só  foi registado  seis meses depois, em 4 de outubro;
  • de alcunha o "Beatle", quando jovem;
  • profissionalmente já estava ligado à restauração, antes de ir para a tropa,  tendo trabalhado em diversos estabelecimentos conhecidos da Linha, e nomeadamente em Cascais, a começar pelo famoso  Muchaxo (Guincho).
  • foi trabalhador-estudante;
  • na tropa e na guerra, foi 1º cabo aux enf, tendo sido mobilizado para o CTIG, integrado na 2ª C /BART 6521/72 (Có 1972/74);
  • o  batalhão estava sediado no Pelundo; regressaram a  casa já em finais de agosto de 1974;

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

_______________

Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 17 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27326: Notas de leitura (1852): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (2) (Mário Beja Santos)



terça-feira, 16 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22722: A nossa guerra em números (5): o Vera Cruz, o Niassa e o Uíge foram, de um frota de 15 navios, requisitados à marinha mercante, os que asseguraram o transporte de 3/4, da tropa mobilizada para o Ultramar

 

Lourinhã > Zambujeira e Serra do Calvo > 25 de fevereiro de 2018 > "Homenagem da Zambuejira e Serra do Calvo aos seus combantentes"... Monumento inaugurado em 5 de outubro de 2013, numa iniciativa do Clube Desportivo, Cultural e Recreativo da Zambujeira de Serra Local.

Desconhece-se o autor do painel de azulejos que representa a partida, no T/T Niassa, no Cais da Rocha Conde de Óbidos, em Lisboa, de um contingente militar que parte para África. Ao canto inferior esquerdo a quadra: "Adeus, terras da Metrópole / Que eu vou pró Ultramar /, Não me chorem, mas alegrem [-me], / Que eu hei-de regressar"... No chão, em calçada portuguesa, lê-se: "Em defesa da Pátria". Abaixo do painel, há um livro metálico com os nomes de todos os nossos camaradas, naturais das duas povoações, que combateram no Ultramar.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Lisboa > Cais da Rocha Conde de Óbidos > N/M Niassa > 24 de maio de 1969 > O cruzeiro das nossas vidas... Uma imagem repetida até à exaustão ao longo da guerra colonial; o transporte de tropas era feito em navios mistos, de carga e passageiros, adaptados... As condições a bordo eram inumanas... Neste caso foram transportadas 13 companhias independentes. num total de 1735 homens. As praças eram acomodadas em beliche, nos porões, como animais. Com capacidade para 3 centenas de passageiros, além de cerca de 130 tripulantes, o N/M Niassa, de 10 mil toneladas de arqueação bruta, a caminho do TO da Guiné aumentava a "carga humana" 5,4 vezes mais (!)...

O Niassa era um dos navios da marinha mercante que foram requisitados para transporte de tropas para a guerra de África, e em especial para o TO da Guiné. Foi o navio, com o Uíge,  que mais viagens fez para a Guiné. Os grandes paquetes, como o Vera Cruz (com capacidade para transportar mais de 2000 passageiros), não podiam operar no Porto de Bissau. O T/T Vera Cruz fazia viagens para Angola e Moçambique.

Foto do livro "Histórias da CCAÇ 2533" [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



N/M  Carvalho Araújo a caminho da Guiné. A 26 de abril de 1970, avistámos à ré o N/M  Vera Cruz (a caminho de Angola ou Moçambique, presumivelmente).

Foto (e legenda): © António Tavares (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

  1. E se tivessem ido ao fundo, por acidente, ataque  ou sabotagem, estes três navios que eram a espinha dorsal da frota de navios requisitados à Marinha Mercante para o transporte de tropas durante a guerra do ultramar / guerra de África / guerra colonial?

Recorro, mais uma vez,  ao nosso "enciclopédico" Pedro Marquês de Sousa, "Os números da Guerra de África" (Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, pp. 3906 e ss.), que tem informação preciosa sobre esta matéria no seu capítulo IV (As despesas da guerra).(*)

Escreveu ele: "Estes três navios que asseguraram 75% das viagens de ligação de Lisboa para África realizaram 146 viagens para Angola, 50 para a Guiné e 30 para Moçambique" (pag. 306). 

Analisando o período entre 1965 e 1970 (seis anos), o autor apurou que o número médio anual de viagens foi 18, 8 e 5, para Angola, Guiné e Moçambique, respetivamente (pág. 307).  A média de militares transportados (ida e volta), por ano foi a 70 mil: mínimo, 54 mil em 1966, máximo, 74,9 mil em 1969.

Discriminam-se a seguir os navios que transportaram tropas enter 1961 e 1975, por ordem descrescente do nº de viagens, com destaque para o Vera Cruz, o Niassa, o Uíge e o Ana Mafalda, com mais de duas dezenas de viagens:

Vera Cruz: 85;
Niassa: 66;
Uíge: 47; 
Ana Mafalda: 22;
Índia: 13;
Cuanza: 11;
Império: 9;
Pátria:7;
Carvalho Araújo: 5;
Total=265.

Estes nove  seriam os principais navios afetos ao transporte de tropas... Mas o autor fala num frota de 15... Há outros que fizeram viagens esporádicas: Arraiolos (em 1961, para Angola, e depois em 1974, para a Guiné); Sofala (em 1963, para a Guiné)...Cita ainda o Timor: 2 viagens para a Guiné em 1967;  outra, em 1969, para a Guiné; em 1970, para Angola; em 1971, outra para Angola e Moçambique,

Mas há mais: em 1974, os navios Bragança, Cabo Bojador e Alcobaça, fizeram uma viagem para a Guiné; e em 1975 realizaram uma viagem a Angola e Moçambique os navios Lendas, Beiras, Amarante,  Infante D. Henrique, e o Serpa Pinto. E ainda em 1975, mas só para Angola, viajaram o Papacostas, o Panarrange (duas viagens), o Lobito, o Novo Redondo e o Leixões (pág. 309), nomes de navios de que nunca tinha ouvido falar...

Mas, no caso de transportes de tropa para a Guiné (e da Guiné), há omissões, não sendo referidos o N/M Angra do Heroísmo, o N/M Rita Maria e o N/M Alenquer. O N/M Lima não sei se alguma vez foi à Guiné. Mas há ainda o N/M Alfredo da Silva (que viajava para a Guiné, era da SG / CUF)... e se calhar outros que não nos vêm à memória.

Vejam-se aqui as referências todas que temos no blogue aos navios N/M (, às vezes designados por T/T no texto), por ordem decrescente de referências:

N/M Uíge (54)

Segundo a fonte que  temos vindo a citar (Sousa, 2021, pág. 309),  o Uíge (com lotação de 571 passageiros e 139 tripulantes)  fez mais viagens (28) para a Guiné do que o Niassa (22). O Ana Malfada também fez muitas viagens para a Guiné, "sobrelotado com unidades dos Açores e da Madeira, chegando a levar duas companhia (cerca de 300 homens), apesar de a sua lotação ser apenas de 52 passageiros e 47 tripulantes".

O N/M Funchal nunca transportou tropas que eu saiba, era um navio de cruzeiro... Transportou, sim, em fevereiro de 1968,  o alm Américo Tomás, e sua comitiva na visita presidencial à Guiné, ainda no tempo do gen Schulz. Daí ter uma referência no nosso blogue.

Nunca, ao longo da nossa história secular, recrutámos, mobilizámos e transportámos tantos combatentes, para teatros de operações,  distantes, em milhares de quilómetros, em África, como durante o período de 1961/74. Basta recordar que nos três teatros de operações (Angola, Guiné e Moçambique) estiveram empenhados cerca de 800 mil militares portugueses: cerca de 70% provenientes da metrópole, e sendo os restantes do recrutamemto local (pág. 199).

Nessa época Portugal tinha uma belíssima  frota da marinha mercante, à qual podia requisitar navios para transporte de tropas, material de guerra e outros meios logísticos. Em 1971, o país aumentaria a sua capacidade de transporte por via áerea, com a aquisição de dois aviões Boeing 707, por parte dos TAM - Transportes Aéreos Militares. Começaram a operar na ligação Lisboa-Luanda, trajeto que faziam em 10 horas (, enquanto o Vera Cruz demorava 10 dias). 

É bom recordar aqui a demora média das viagens para os três teatros de operações, por via marítima:  9/10 dias, Lisboa-Luanda; 5/6 dias, Lisboa-Bissau; 19/22 dias, Lisboa-Moçambique (dependendo do porto de desembarque) (pág. 307). 

Vinheta de propaganda da ARA,
referente à sabotagem do navio
de mercadorias Cunene, Lisboa,
em 26 de outubro de 1970.

Mas, fazendo aqui um parêntesis: felizmente que nunca ocorreu nenhum acidente, ataque ou sabotagem
aos navios de transporte de tropas, entre 1961 e 1975... O que podia perfeitamente ter ocorrido, dada as enormes distâncias, a percorrer, nos oceanos Atlântico e Índico, entre Lisboa, Guiné, Angola e Moçambique, a par do contexto geopolítico hostil a Portugal durante esse período.

O único navio que foi alvo de sabotagem, quando atracado no porto Lisboa, foi o Cunene, em 26 de outubro de 1970. Mas o alvo inicial, ao que parece,  seria o Vera Cruz, atracado ao lado.  O Cunene sofreu um rombo, no costado, atrasando a sua partida por alguns dias. Não era um navio de transporte de tropas, era um navio de carga, de 16 mil toneladas, construído na Polónia, e que se preparava para partir para África, com material de guerra e outros meios logísticos, Era considerado o mais moderno cargueiro das linhas de África, e pertencia à SG - Sociedade Geral, do grupo CUF.

Houve ainda, por parte da ARA,  duas ações,  contra navios, o Muxima e o Niassa, que transportariam também material de guerra para a África. Mas as cargas explosivas foram detonadas no sítio errado.  

Entretanto, a sabotagem, com maior impacto, mediático e político (, pela ousadia e os avultados prejuízos materiais) foi a levada a efeito pela ARA contra a Base Aérea nº 3, em Tancos, em 8 de março de 1971. Não afetou, porém, a capacidade de transporte aéreo entre Portugal e os territórios ultramarinos. 

A Acção tinha como nome de código "Aguia Real". Resultados: num total de 28 aeronaves atingidas, 12 ficaram totalmente destruídas: dois helicópteros Puma (SA-330) e outros quatro Alouettes III; e seis aviões de vários modelos (quatro Cub, um Auster e três Dornier DO-27); um outro aparelho ficou “irrecuperável”, havendo mais 15 atingidos, ainda que recuperáveis, segundo balanço feito, no dia seguinte, por um relatório secreto da Secretaria de Estado da Aeronáutica,

Há ainda notícia de uma acção das Brigadas Revolucionárias (BR), a  9 de Abril de 1974, contra o navio Niassa, que se preparava para sair de Lisboa com tropas para a Guiné. "A bomba foi colocada no porão adaptado a dormitório dos soldados e estava preparada para explodir às 18 horas. Uma hora e quinze minutos antes, as Brigadas telefonaram para o Porto de Lisboa a reivindicar a colocação da bomba e a alertar para o navio ser evacuado, o que permitiu que não houvesse acidentes maiores ou danos mortais. Os danos acabaram por ser apenas materiais e depois de reparado o rombo provocado, o navio partiu para a Guiné. Poucos dias depois dá-se o 25 de Abril." (Fonte: Ana Sofia Matos Ferreira, "Luta Armada em Portugal (1970-1974)", Tese de doutoramento em História Contemporânea. Lisboa: Universidade NOVA de Lisboa, 2015, pág. 300).

2. Excerto extraído da página CD25A / UC - Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra, relativamente aos transportes de tropas, marítimos e aéreos, durante da guerra colonial (com a devida vénia...) (P1299)(**)

(...) As guerras de África implicaram a manutenção da maior força armada no exterior, que Portugal alguma vez formou ao longo dos seus oito séculos de história. (...) O seu simples transporte e apoio logístico era problema de grande envergadura para um país das dimensões de Portugal e com os seus recursos, mas sem esse problema ser resolvido não podia haver guerras de África.

Podemos dizer que a solução começou a ser pensada logo após a Segunda Guerra Mundial. Em 1939-45, tornou-se evidente que um dos pontos que criavam maiores dependências do país em relação ao exterior, em alturas de crise, era a falta de uma marinha mercante e de ligações regulares com o império. Durante a guerra, por exemplo, os produtos de Angola apodreciam nos portos e, embora fosse possível comprar petróleo, não se conseguia assegurar o seu transporte.

O Governo decidiu dar prioridade à resolução desse problema. Logo em 1945 foram aprovadas duas medidas que implicaram vultosos investimentos nesse sentido. A primeira foi o despacho de 10 de Agosto do ministro da Marinha, onde se previa a ampla renovação da marinha mercante nacional por meio da construção de 70 navios, com apoio do Estado, entre os quais nove grandes paquetes. A segunda foi a decisão de criar uma companhia aérea do Estado (a TAP), com a prioridade de iniciar as operações da chamada linha imperial, de ligação regular com Angola e Moçambique.

Em finais dos anos 50, depois de investimentos públicos de grande envergadura, a marinha mercante portuguesa teve o seu desenvolvimento máximo. Contava, nomeadamente, com 22 paquetes, no total de 167 000 toneladas. Entre eles estavam os quatro gigantes: Santa Maria, Vera Cruz, Príncipe Perfeito e Infante D. Henrique, com cerca de 30 000 toneladas cada, capazes de transportar mais de 1000 passageiros ou mais de 2000 soldados.

Muitos destes paquetes foram requisitados em diversas ocasiões para transporte de tropas, muito especialmente na fase inicial da guerra, e as restantes unidades da marinha mercante seriam essenciais para manter o esforço em África. Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíge.

O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano. Em 1961, efectuaram-se 19 travessias por nove paquetes em missão militar e o ritmo aumentou à medida que a força expedicionária em África crescia (...).

Até 1974, o mar era a grande via de ligação ao império, tendo mais de 90 por cento da carga e de 80 por cento do pessoal metropolitano empenhado na guerra sido transportado em navios.

A linha aérea imperial começou a funcionar em 1947, mantida inicialmente pelos velhos Dakotas da TAP, que asseguravam a ligação a Luanda e a Lourenço Marques (5). Em 1948, os bimotores foram substituídos pelos quadrimotores DC-4 Skymaster, com os quais se conseguiu, pela primeira vez, a ligação semanal regular com o império.

Mais tarde, os DC-4 foram substituídos pelos Constellation e, desde, 1955, pelos Super Constellation, que transportavam 83 passageiros para Luanda em menos de 24 horas. Só em 1965 estes aparelhos foram substituídos na TAP pelos Boeing 707, os primeiros aviões a jacto de longo curso usados por Portugal.

O esforço de guerra não podia ser mantido só com a linha da TAP e assim a Força Aérea, desde muito cedo, tentou desenvolver os transportes aéreos estratégicos, missão entregue aos TAM (Transportes Aéreos Militares), que começaram a operar na primeira metade dos anos 50 a partir do AB1, em Lisboa, para o que usaram dois C-54 (o equivalente do Skymaster), cedidos pelos americanos para uso nos Açores. Em 1955, os TAM contavam já com uma frota de 11 C-54 ou DC-4, mas todos antiquados.

Quando a luta armada rebentou em Angola, os Constellation da TAP foram requisitados e fizeram viagens como transportes de tropas, enquanto os C-54 dos TAM tentaram manter a ligação regular com Luanda, em voos que demoravam 22 horas. As dificuldades eram muitas para os velhos aviões e quatro deles perderam-se em acidentes. (...)

Fonte: Centro de Documentação 25 de Abril, Universidade de Coimbra (2006)



Ministério do Eército > Direção do Serviço de Transportes > Ordem de Transporte nº 20, de Lisboa para o CTIG... Total de militares: 1735. Cópia de documento gentilmente cedida pelo nosso camarada Manuel Lema Santos, 1º ten RN 1965/72, Guiné, NRP Orion, 1966/68.



3. Diz o ten cor (na reserva), doutorado em história e ex-professor da Academia Militar, Padro Marquês de Sousa, no livro supracitado, que no transporte de militares,  "era sempre excedida a lotação de passageiros dos navios" (pág. 306), o que todos nós sabemos pro dura experiência própria... 

E dá, como exemplos o Vera Cruz e o Niasssa. Este, com lotação de 322 passageiros e 132 tripulantes). "chegou a transportar oito companhias e outras unidades mais pequenas, o que implicava cerca de 1500 homens"... 

Na realidade, em 24 de maio de 1969 partiram de Lisboa, com destino a Bissau, 1538 militares, conforme relação  da Companhia Nacional de Navegação (, referente à viagem nº 101), que a seguir se transcreve... Mas, no Funchal, no dia 26, de manhã, embarcou mais um companhia, a CCAÇ 2529 / BII 19, ou seja, mais 158 homens, como aliás estava previsto na Ordem de Transporte nº 20, já atrás reproduzida. (**)

Em resumo, a "lata de sardinhas" viu aumentada em 5,4 vezes mais a sua "lotação", passando dos habituais 322 passageiros para os 1739 (!).(***)

E lá fomos nós, "cantando e rindo", com partida de Lisboa, do Cais da Rocha, no dia 24 de maio de 1969, às 11h05, e chegada da a Bissau a 29, às 22h50... O navio esteve fundeado nessa noite e só atracou no dia seguinte, às 8 da manhã...

Garante-nos o Manuel Lema Santos que  T/T Niassa foi escoltado na ida (e na volta), entre Bissau e o Farol do Caió, pela LFG Cassiopeia.




Companhia Nacional de Navegação > N/M "Niassa > Viagem nº 101 > Relação dos militares embarcados em Lisboa, com destino a Bissau > Cópia de documento gentilmente cedida pelo nosso camarada Manuel Lema Santos, 1º ten RN 1965/72, Guiné, NRP Orion, 1966/68. (**)



Alguns dos nossos T/T... Cortesia de Carlos Pinheiro (2012) /  Sítio Navios da Marinha (que não já existe, alojado no Sapo).

Ver aqui o Álbum dos Navios da Marinha Mercante Portuguesa
Publicado pela Junta Nacional da Marinha Mercante em Junho de 1958


(...) No final da década de 60 do século XX a Marinha Marcante Nacional atingia o seu apogeu, quer em número de navios existentes (mais de 100), em construção e em compra a outras marinhas e/ou estaleiros, quer em transporte de passageiros (com uma capacidade superior a 8.000) quer ainda de carga (com uma arqueação total superior a 1 milhão de T.A.B) o que fazia dela, Marinha Mercante, mas apenas de per si, uma das melhores da Europa e das mais reconhecidas, quer pelas qualidades dos seus profissionais, quer pela apresentação e qualidade dos seus navios.

Logo no início da década de 70 do século passado, o crescimento abrupto, inesperado, mas eficiente e ultra rápido do transporte aéreo de passageiros, com a ocorrência dos motores a jacto, tornaram o transporte marítimo de passageiros rapidamente obsoleto, quer em tempo (7 dias de Lisboa a Luanda via marítima contra 7 horas via aérea) quer em preço, conseguindo as companhias aéreas oferecer valores de transporte aéreo inferiores aos do marítimo. 

Assim e de uma assentada, ainda antes da fracturante data de 1974, praticamente todos os paquetes foram vendidos (“Santa Maria”, “Vera Cruz”, “Pátria”, “Império”, “Uíge”, “Angola”, “Moçambique” “Índia “, “Timor”, Angra do Heroísmo”, “Amélia de Melo”, ficando a agonizar os “flâmulas” “Infante FDom Henrique”, “Príncipe Perfeito” e “Funchal” (este o último e único existente, mas de duvidoso futuro…) (...).

___________

(**) 21 de novembro de  2006 > Guiné 63/74 - P1299: Antologia (54): Transporte de tropas, por via marítima e aérea (CD25A / UC)

sexta-feira, 12 de março de 2021

Guiné 61/74 - P21996: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IV: O embarque, as 'hospedeiras'… e África Minha


Guiné > Região de Tombali > CCV 8351 (1972/74) > Zona deintervenção (, círuclo a azul) dos Tigeres de Cumbijã. Guileje e Gadamael são referidos apenas pelos efeitos colaterais.

Infografia: Joaquim Costa (2021)



Guiné > Região de Quínara > Buba > Chegaa em LDG... Foto do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné., com a devida vénia...


Guiné > Região de Quínara > Buba > O magnífico pôr de sol em Buba > Foto António Murta / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Com a devida vénia



Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa (Quebo) >  A nossa primeira casa no teatro de operações. Foto do António Murta / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné., com a devida vénia..



Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondamar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte IV (*)


O embarque, as 'hospedeiras'….e África Minha!

 
Por estranho que pareça tenho muita pouca memória do dia do embarque (como eu compreendo o Zeinal Baba !). 

Lembro-me de alguns familiares a despedirem-se dos filhos, maridos e namorados, todos chorosos e tristes, mas longe das cenas que conhecia pela televisão, do cais de Lisboa (Gare Marítima da Rocha Conde de Óbidos), com desmaios, gritos, muito “ranho” no nariz e muitos lenços acenar.

Nunca tinha andado de avião pelo que a expectativa era grande. Ouvia falar das hospedeiras... e do tratamento VIP que todos recebiam nas viagens de avião...

As hospedeiras eram... soldados!... E na aparelhagem sonora do avião eram difundidas as instruções de segurança, com uma linguagem ao nível da do amigo Gil em França e em Veneza (o vernáculo puro e duro do Norte). 

Junto de cada banco um panfleto com as mesmas instruções mais ou menos assim: quem fumar dentro do avião está F...; Não se esqueçam de apertar a M… dos cintos…; e por aí fora.

 Tratamento VIP! Era obviamente um avião dos TAM - Transportes Aéreos Militares...

Chegados a Bissau (depois de uma escala em Cabo Verde para reabastecer), retirado o cinto de segurança e abertas as portas, logo nos entra no avião...  a ÁFRICA TODA (!), com toda a sua força: o calor, a humidade, os cheiros os sons...

A viagem de Berliet até ao Cumeré, não obstante os receios e muita ansiedade, consolidou e confirmou toda a informação colhida através de filmes e revistas sobre África, mas agora (com todos os meus sentidos em alvoroço) com o calor, a humidade, os cheiros, os grupos de mulheres com os seus filhos às costas e seios desnudados na beira da estrada e os sons característicos de África (que nenhum filme ou revista nos proporciona), várias vezes me belisquei à espera de acordar. 

Em meia dúzia de horas, passamos do centro de Lisboa com 13 graus, para o interior da Guiné, na África profunda, com 40º.

A passagem pelo Cumeré onde fizemos a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional), local de adaptação (fundamentalmente aos mosquitos e à rede mosquiteira) e preparação para as tarefas que nos estavam reservadas no teatro de operações, decorreu de forma tranquila.

Contudo, sentia-me anestesiado, como que vivendo um sonho e que logo pela manhãzinha acordaria na minha cama, no verde Minho, como sempre ouvindo os cães, os galos e os pardais.

Não era propriamente um pesadelo, de onde queria muito sair, acordando. Por estranho que pareça tudo fazia para prolongar o sono, pois que me sentia inebriado pelo calor, que me agradava, pelos cheiros que inalava com sofreguidão, com os sons que me soavam a música melancólica e doce.

E que dizer das gentes? Diferentes, mas desconcertantes na sua calma, como suspensos na atmosfera sem gravidade e muito, muito gentis. Ainda hoje me vem à memória as crianças, que quase habitavam o quartel, rodeando-nos entusiasmadas com a chegada dos novos inquilinos.

Parecia a peça que faltava para o quadro ser perfeito, infelizmente logo contrariado pela sofreguidão com que comiam as bolachas que lhe davamos,  denunciando tudo o que não queríamos ver e confirmado pela fila que faziam, cada um com a sua lata na mão, à espera das sobras da cozinha...

Ainda hoje não encontro explicação para o facto de toda aquela miudagem, com 2 dias de Cumeré nos tratarem pelo nosso próprio nome!!!

Passados os 15 dias de adaptação e após o discurso de boas vindas de Spínola (menos dramático do que o do Sargento Redondeiro em Portalegre), lá chegou a hora da verdade com o embarque, numa LDG (Lancha de Desembarque Grande), rio acima (grande Fausto, uma obra prima este LP - Esta viagem está ao nível das muitas descritas por Fernão Mendes (M)Pinto na Peregrinação)...

E lá fomos até Buba, com a companhia de alguns elementos da população local que se faziam acompanhar com toda a “família”, nomeadamente: cabras, galinhas, porcos, etc.,

Em Buba (local deslumbrante. ideal para umas boas férias) lá subimos para as Bierliets que nos conduziram, em coluna, até ao nosso destino:  Aldeia Formosa (hoje Quebo). Esta coluna, que se realizava, creio que semanalmente, tinha como função principal o transito de militares e o abastecimento de todos os produtos, alimentícios, e outros, para toda a região de Aldeia Formosa.

Era uma picada difícil de vencer, em particular na época das chuvas, onde religiosamente avariava sempre uma ou duas viaturas, mas que nunca ficavam para trás (homens e máquinas o mesmo lema!), implicando uma viagem de um dia para vencer umas dezenas de quilómetros.

À frente da coluna seguia a “arrastadeira”, viatura carregada com sacos de areia, onde só lá ia o condutor, geralmente alguém já “cacimbado” que se oferecia para tão arriscada tarefa de limpar o caminho de minas para o resto da coluna. Situação que acontecia com alguma frequência.

Geralmente dois grupos de combate faziam a proteção da coluna e vários grupos eram colocados na mata, ao longo da picada, por forma a reduzir ao mínimo a possibilidade de contacto com o IN.

Não obstante todos estes cuidados era recorrente o rebentamento de minas ou contactos com o IN.

Com o desembarque em Buba deu para constatar que já estávamos na considerada zona vermelha (não confundir com red light district!). Eram evidentes os contrastes:

  • os nossos camaradas que nos recebiam com uma cara de felicidade por nos ver chegar e as nossas de susto e medo;
  • as suas fardas já sem cor de tantas lavagens e rotas, e as nossas ainda com cheiro a goma;
  • os seus corpos tisnados pelo sol e a nossa brancura de lençol a corar ao sol.

Com um sorriso na cara e nas almas iam-nos mimando com a canção mil vezes cantada na Guiné: "Piriquito vai no mato, Olélélé velhice vai no Bissau olélélélé!".... Sacanas!

Ao chegarmos a Aldeia Formosa por todo o lado se ouvia: "Piriquito vai no mato, olélélé velhice vai no Bissau olélélélé".

Fomos recebidos, calorosamente, com direito a banho e rancho melhorado. Depois do banho fomos conduzidos ao bar para limpar as goelas do pó da viagem.

Alguns colegas “velhinhos” pediam ao soldado que servia no bar cervejas para ele e para os novos companheiros: para ele o soldado servia uma cerveja fresca para o periquito uma quente. Reclamamos, ao que o soldado nos diz que fresca só para os “velhinhos”, com o encolher de ombros do dito “velho”.

Como estávamos intimidados e assustados com todo aquele ambiente,  ninguém mais reclamou.

Convidados para o jantar, aos “velhinhos” era servido, com deferência pelos soldados, uma sopa com aspeto agradável, aos periquitos era servida uma água turva, com grandes pedaços de capim e com gestos bruscos do soldado,  entornando a mesma nas nossas calças. 

Aqui a coisa “piou mais fino” e alguns de nós reagiram com alguma violência. Antes que a coisa descambasse, os soldados que serviam no bar,  identificaram-se como colegas furriéis, e que tal não passava de uma praxe habitual aplicada aos periquitos. 

Com tudo esclarecido ... a farra foi até às tantas com direito a cerveja fresca.

Dormimos como justos no chão em colchões insufláveis... ainda vazios…

 _________

Nota do editor:

(*) Postes anteriores  da série:


(...) Foi aqui que me tornei um exímio jogador de lerpa (jogo de cartas a dinheiro) graças aos mestres do ofício - os velhinhos sargentos do quartel. No dia em que fazia serviço aos telheiros (instalações fora do quartel onde dormiam os soldados da companhia) era sempre uma noite sem ir à cama já que o casino se montava no final do jantar e fechava as portas já com os soldados formados em parada para regressarem ao quartel para mais um dia de instrução. Sempre que fazia serviço aos telheiros no dia seguinte seguia carta para casa a pedir mais uma mesada adiantada…

Aqueles sargentos eram tramados. (...)

13 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21893: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte II: A minha passagem pela maravilhosa cidade de Chaves depois do martírio de Tavira

(...) De manhã cedinho, depois de um bom pequeno almoço com pão sempre quentinho e muita manteiga a derreter-se no mesmo, formado o grupo, lá fomos nós, todos catitas, a marchar até ao forte de S. Francisco.

Chegados à porta de armas, um soldado aparece ao portão, com um leve sorriso nos olhos brilhantes, e, baixinho diz-me ao ouvido:

– O seu colega Ferreira pede para aguardar só uns segundos.

Achei estranho, geralmente nestes casos já todo e pessoal costumava estar à porta “mortinho” por se ir embora depois de 24 horas passadas naquele buraco. Aproximo-me mais um pouco do portão e vejo o Ferreira ainda a vestir as calças e uma loira a esgueirar-se, escondendo-se por trás dos soldados. Logo a seguir aparece o Ferreira, com um sorriso de felicidade, com um malmequer bravio, colhido no forte, colocado na orelha e a cantarolar a celebre canção, hino do movimento hippie e do amor livre: “Se vais a San Francisco, leva flores no teu cabelo…”(...) 

3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21844: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 3851, 1972/74) - Parte I: Caldas da Rainha (A chegada às portas da tropa: um fardo pesado); Tavira (Amor, ódio e... trampa)

(...) Já na altura, a tropa estava muito à frente! – eram distribuídas as especialidades de uma forma cientificamente infalível, através de testes ditos psicotécnicos que na altura, creio eu, só o exército utilizava.

Era recorrente ouvirmos que escriturários iam para mecânicos, mecânicos para escriturários, enfermeiros para transmissões e técnicos de rádio para enfermeiros... Dado este rigor científico, tinha a expectativa, dada a frequência do 3.º ano em engenharia eletromecânica (Curso de Eletrotecnia e máquinas), que me sairia em sortes, no mínimo, a especialidade de transmissões!

Enfim: Armas Pesadas!... e "ala" para Tavira. (...)

sábado, 18 de novembro de 2017

Guiné 61/74 - P17983: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 5 e 6: Partida nos TAM, com destino ao inferno:




José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74. Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo hoje autor, com dois livros publicados (um de poesia e outro de ficção). Senta-se debaixo do poilão da Tabanca Grande no lugar nº 756.




Aerograma do José Claudino da Silva para a namorada, com data de 26 de junho de 1972,


Fotos (e texto): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Prosseguimos a pré-publicação do próximo livro do nosso camarada José Claudino Silva:

Sinopse (*):


(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972, no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depiois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74).


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capºs 5  (A partida para o inferno) e 6 (A viagem para o inferno)


[O autor faz questão de não corrigir as transcrições das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, que o criou. ]


5º Capítulo > A PARTIDA PARA O INFERNO


Ainda fui à noite de São João de 1972. Fui a Castelo de Paiva! Levei comigo o Jorge, o 1º cabo Operador Cripto. Fomos na minha Sachs Lebre artilhada. Já a tinha vendido ao Henrique “Ferreiro”, irmão do falecido Fernando. Ele não ia ser militar, em virtude da morte do irmão. Entreguei-lha no dia 25 de junho. Foi a última coisa de que me despedi. Da família, dos amigos e da namorada, tinha-me despedido horas ou até dias antes.

Constato agora que se eu tivesse morrido na guerra colonial, o meu irmão Zé e o meu irmão Chico não seriam militares; éramos filhos da mesma mãe. Mas o Aníbal, o Fernando e o Luís não teriam essa sorte. Esses eram meus irmãos, apenas de pai e eu não tinha sido perfilhado.

Quando a bordo do comboio rumo a Lisboa, passámos sobre a ponte Dona Maria, na linha do norte. Ainda pude ouvir a música “Quero que vá tudo pró inferno”, canção de Roberto Carlos, que soava nos altifalantes dos carrosséis, nas Fontainhas. Afinal, quem ia para o inferno era a 3ª Companhia do Batalhão de Artilharia 6520.

Julgo não estar muito longe da verdade se disser que um Batalhão é composto por quatro companhias, comandadas por um tenente coronel. Uma companhia é composta por quatro pelotões, comandados por um capitão. Um pelotão não tendo um número fixo de militares; é hierarquicamente composto por um alferes, quatro furriéis, cabos e soldados, divididos em quatro secções, num total aproximado de 30 elementos. Da companhia, fazem ainda parte dois sargentos, sendo um denominado 1º Sargento.

Como já referi, eu pertenci à 3ª Companhia de Artilharia.

Tínhamos deixado o RAL 5 de Penafiel, exactamente às 07h40 dessa longínqua mas, constantemente presente nos meus pensamentos, manhã de 25 de junho de 1972. Chegáramos às 17h45 a Lisboa. Percorrer 330 quilómetros, demorara dez horas e cinco minutos, a maioria de nós nunca tinha ido tão longe.


6º Capítulo > A VIAGEM PARA O INFERNO


“26 de Junho de 1972

A bordo do Boeing 707 dos T.A.M. (Transportes Aéreos Militares).

Minha querida:

Encontro-me neste momento a cerca de onze mil metros de altitude e como vez não deixo de pensar em ti. Devo dizer-te que descolei do aeroporto da Portela às nove horas em ponto e já venho a voar há duas horas. É simplesmente impressionante o avião em que viajo, eu, e juntamente comigo, cerca de duzentos passageiros. Às dez horas em ponto, foi-nos servido o pequeno-almoço e chegaremos à Guiné dentro de duas horas.

Estamos a sobrevoar uma ilha, cujo nome não te sei dizer e confesso que vista daqui; desta altitude, se assemelha a um simples monte de terra. A impressão que sinto dentro deste monte de ferro, é difícil de explicar, mas o que digo, é que nunca estive tão nervoso na minha vida. Não imaginas o que é estarmos tão longe do solo. Que neste caso é mar, irmos a uma velocidade de 900 km hora e termos a sensação que estamos a flutuar parados no ar. É de facto de tal maneira inexplicável que até eu não sei bem definir, confesso que me sinto completamente atordoado.

Cada vez me afasto mais de ti e dos meus entes queridos e me aproximo da terra africana. Meu amor como irei suportar todos estes meses, todos os dias, todas as horas e todos os minutos longe de ti? Como poderei resistir ao desejo de te ter sempre junto de mim? Prefiro morrer a saber que te possa perder.

Do teu DINO."

1º Cabo 158532/71 S.P.M. 2478.


(Continua)

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:



sexta-feira, 29 de maio de 2015

Guiné 634/74 - P14677: Manuscrito(s) (Luís Graça (58): Cais de partida(s): Porto de Lisboa (Parte I): Gare Marítima de Alcântara: os painéis de Almada Negreiros

















Lisboa > Gare Matítima de Alcãntara > 10 de maio de 2015 >painéis de Almada Negreiros


Fotos: © Luís Graça  (2015). Todos os direitos reservados





Cais de partida(s)

Sempre detestei os cais de partida,
as estações ferroviárias,
as gares marítimas,
os aeroportos que nos levam aos céus,
as linhas de todas as cores do metro
que vão até ao centro do inferno,
as paragens dos elétricos,
no inverno,
os terminais de autocarro,
em todo o ano,
e mesmo as praças de táxis,
tudo sítios onde há gente vulgar,
apressada, ou mal dormida,
ou com lágrima fácil ao canto do olho
e até pombos ou gaivotas
debicando restos de comida.

São sombrios e tristes os ares das gares,
como é sombrio e triste qualquer lugar
onde se parte e reparte
e há sempre alguém
que fica com a melhor parte (...)

´
(Excerto)

v11 28abr 2015


1. A modernização do porto de Lisboa é relativamente recente. As primeiras grandes obras remontam ao ano de 1887, no reinado de D. Luís. Até 1907 não havia cais acostável para os navios de passageiros, de maior tonelagem. Ficavam ao largo do Tejo, fazendo-se o transbordo de  passageiros e bagagens, "à moda antiga"...

 Datam dos finais da monarquia, os trabalhos de dragagem, na margem norte do rio, a oeste do cais de Alcântara. Em 1918 começaram a poder atracar no porto de Lisboa os transatlânticos de maior arqueação bruta. A atracação de navios de passageiros passou a ser obrigatória em 1927.

O cais de Alcântara e o molhe oeste do cais de Santos ficaram reservados para as companhias de navegação estrangeiras. Os navios nacionais, com destino às ilhas adjacentes e a África,  partiam do cais da Fundição, Terreiro do Trigo (junto a Santa Apolónia) e molhe leste do cais de Santos.

É no âmbito do “plano de melhoramentos do porto de Lisboa: margem norte do Rio Tejo”, da iniciativa do Estado Novo, que vão ser construídas as gares marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos. Era então ministro das Obras Públicas e Comunicações, o eng Duarte Pacheco (1901-1943).

O projeto destas gares marítimas com 2 pisos, é do arquiteto Pardal Monteiro (1895-1957), um dos grandes aruitetos estadonovistas (autor também do edífício do Instituto Nacional de Saúde dr. Ricardo Jorge e Escola Nacional de Saúde Pública). A gare marítima de Alcântara será inaugurada ainda em plena II Guerra Mundial (7 de julho de 1943), quando afluíam a Lisboa dezenas de milhares de refugiados de um continente devastado pela tragédia da deriva totalitária e da guerra.

A gare marítima da Rocha de Conde de Óbidos (chamava-se assim em virtude do cais estar próximo do palácio do Conde de Óbidos, hoje edifício  da Cruz Vermelha) só foi inaugurada em 1948. É aqui se localiza. o estaleiro naval que, em  1936,  é concessionado a um empresa do grupo CUF,  a
primeira do país a construir navios com casco de aço.

Para muito de nós, ex-combatentes da guerra colonial, o cais da Rocha de Conde de Óbidos Pimeiro foi o local de embarque para a guerra colonial... Vínhamos, geralmente de noite, de comboio, das unidades de mobilização (. no meu caso, vim diretamente do Campo Militar de Santa Margarida, se não erro). Mas não havia tempo sequer para passar pelo Salão Almada Negreiros e admirar os seus paineis (ou frescos), hoje famosos...





Lisboa > Gare Marítima de Alcântara (arq. Pardal Monteiro), inaugurada em 1943 > 10 de maio de 2015 > O cais e a gare, vistos do navio-escola "Sagres".

Fots (e legenda): © Luís Graça (2015). Todos os direitos reservados


Lisboa > 22 de Março de 2009 > Cais e Gare Marítima de Alcântara, vistas da Ponte 25 de Abril... > Não, não foi o nosso cais de partida...A nossa "porta de saída" para Áfrca foi o Cais da Rocha do Conde Óbidos, que fica mais para leste,,. Às vezes confundimos os dois cais e as duas gares (que são do mesmo aqruiteto). (Não sei se o cais de Alcântara também foi utilizado para o embarque e desembarque de tropas; é possível que sim, já vi isso por aí escrito; mas era o cais da Rocha do Conde de Óbidos que estava destinado a esse fim)...

Foto: © Luís Graça (2009). Todos os direitos reservados



Lisboa > Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos > Arquiteto Pardal Monteiro, foi inaugurada em 1948... Foi daqui que partimos, muitos de nós,  para a Guiné... Nos últimos anos da guerra, o transporte já se fazia por via aérea, através dos TAM - Transportes Aéreos Militares. (LG)

Foto do domínio público. Cortesia de Wikipedia.

2. No portal do Porto de Lisboa pode ler-se, 
(...) "São de 1939 e 1940 os diplomas que autorizaram a celebração dos contratos para a construção das estações marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbidos, sendo entregue ao Arquitecto Pardal Monteiro a tarefa de executar o traçado das mesmas. No hall do 2º piso das Gares podem admirar-se os catorze painéis sobre o Tejo, representando lides ribeirinhas e cenas portuárias, executados segundo a técnica da pintura mural a fresco, pelo pintor José de Almada Negreiros." (...)

Ao que parece o artista, terá levado dois anos e meio de estudos e setenta dias de execução: (i) em 1945,  na Gare Marítima de Alcântara, oito pinturas, que se distribuem por dois trípticos e duas composições isoladas; (e (ii) em 1949, na Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, seis pinturas  distribuídas por dois trípticos.

Na entrada da Wikipédia sobre Almada Negreiros pode ler-se, seguindo nomeadamente o historiador e crítico de arte José Augusto França ("A Arte em Portugal no Século XX, 1911-1961". Lisboa: Bertrand Editora, 1991):

(...) "Na Gare Marítima de Alcântara, Almada faz ainda um compromisso com certa "ideologia decorativa" e socorre-se de formas de representação e de uma espacialidade mais ancoradas na tradição. Este ciclo de obras divide-se em dois trípticos – no primeiro é abordada a lenda da Nau Catrineta; no outro, a vida da Lisboa ribeirinha –, e duas composições isoladas, onde representa uma festa de romaria e a lenda de D. Fuas Roupinho. De modo diferente e mais moderno, em sintonia com a evolução da linguagem cubista que então se registava no Ocidente, na Rocha do Conde de Óbidos Almada fala-nos, num dos dois trípticos, da partida dos emigrantes; no outro centra-se num imaginário de domingo lisboeta à beira rio. (...)  .
"Considerados por muitos como as melhores pinturas murais portuguesas e o trabalho mais importante da pintura de Almada, o conjunto de painéis da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos é significativo de uma espécie de diluição involuntária das fronteiras entre pintura e ilustração. Estes painéis reúnem, em síntese, a sua atividade plástica anterior. Essa síntese ocorre a nível formal, com a frontalidade e fragmentação cubistas a fundirem-se com reminiscências da espacialidade tradicional, perspética, e a acentuação da teatralidade das poses e da ação; e narrativo, com a recorrência de imagens provenientes de trabalhos anteriores (...) . 
(...) "Em Almada, as citações, as transposições e as redefinições são aliás frequentes, e não se restringem ao universo das artes plásticas (segundo Rui Mário Gonçalves, Almada aproxima-se de um processo explorado por Picasso na pintura, por Diaghilev nos seus bailados, por Stravinsky na música, por Jean Cocteau na poesia e teatro). 'Muitas vezes, as diversas artes que ele praticou foram-se citando umas às outras e a si próprias, retomando desenhos antigos em novas composições' (...) . Os elementos narrativos e formas que atravessam a sua obra são sobretudo as pessoas, dos saltimbancos e arlequins às mães com os filhos, às mulheres do povo; são também os lugares que todos eles habitam, a cidade com os seus cafés e tascas, as zonas ribeirinhas de Lisboa e os seus portos, povoados de guindastes, escadas, navios." (...)  .


3. Confesso que também gosto mais dos painéis da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, pela sua modernidade e ousadia (temática e estética). De qualquer modo,  escrevi ontem, em comentário a um poste do José Martins (*) o seguinte:
(...) "Mas já agora diz-me porque é que tu partiste do Cais da Rocha do Conde Óbidos e não do Cais de Alcântara (...). Tu saberás a resposta, mas, olha, eu só a descobri há tempos... E há malta que faz confusão com as duas gares marítima, a "nossa!", a da Rocha de Conde de Óbidos, e a de Alcãntara... Tenho aqui fotos, tiradas há dias, no Salão Almada Negreiros, da Gare Marítima de Alcântara...Há uns anos atrás tambémn andei a (re)visitar a Gare Marítima da Rocha (de) Conde de Óbidos... 
"Maldita sorte, que nem direito tivemos a uma 'visita guiada'  aos painéis do mestre Almada Negreiros, hoje famosos, obras-primas da pintura portuguesa do séc. XX... Só me lembro de ter chegado, de camboio, ainda de noite, ou pela madrugada, e nos terem enfiado no navio... Ou talvez não: ainda tivemos, os graduados pelo menos, umas horitas para beber um copo e, alguns, mais afoitos, para 'mudar o óleo', na estação de serviço mais próxima, que era o cais do Sodré" (...).

E prometi publicar dois postes sobre os painéis do Almada Negreiros...Um deles aqui está. As duas gares marítimas fazem parte do nosso património (e do nosso imaginário). E merecem uma visita, sentimental (em memória do 'cruzeiro das nossas vidas'...) e cultural (por causa da arquitetira do Pardal Monteiro e sobretudo pelos painéis do grande Almada Negreiros). De preferência, uma visita guiada... (**)...
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Notas do editor