Mostrar mensagens com a etiqueta Mancaman Biai. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Mancaman Biai. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16772: (De)Caras (54): Em homenagem ao António Vaz (1936-2015), que nos deixou há um ano na véspera de natal: "os guias e picadores do Xime: Seco Camará 'versus' Mancaman Biai"


Leiria > Monte Real > Hotel Palace Monte Real > VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 21 de abril de 2012 > Da esquerda para a direita, o António José Pereira da Costa, o António Vaz, o Acácio Correia e o Jorge Araújo (ex-fur mil op esp, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74). Entre o António Vaz (ex-cap mil art, cmdt CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) e os restantes, graduados da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/74), há duas outras subunidades pelo meio, a CART 2520 e a CART 2715...

Como antes da CART 1746, tinha havido a CCAÇ 1550, e como depois veio a CCAÇ 12 render a CART 3494...

Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Leiria > Monte Real > Hotel Palace Monte Real > VII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 21 de abril de 2012 >  O ex-alf mil João Mata (à esquerda) e o ex-cap mil António Vaz, à direita, ambos da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69).  O João Guerra da Mata foi o último comandante do destacamento da Ponta do Inglês, um dos míticos topónimos da guerra da Guiné, retirado pelas NT em outubro de 1968... 

Conheci ambos, tal como ao Manuel Moreira, no nosso VII Encontro Nacional, em 2012. E a propósito, lembro-me da história que o António Vaz contava do João Guerra da Mata, no dia em que o Spínola, ainda periquito, "aterrou" na Ponta do Inglês:
– Não tenho a certeza de ter aterrado no sítio certo… –  disse, ao aterrar, o brigadeiro Spínola.
–  Saiba V. Exa. que está na Ponta do Inglês – respondeu o alf mil João Mata que usava na ocasião calções, barba, tronco nu e uma extraordinária boina de cor verde alface com uma estrela de metal.


Foto (e legenda): © Luís Graça (2012) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados


1. O António Vaz (19936-2015) já não está entre nós. Morreu vai fazer um ano, na véspera de Natal. (*)

Deixou-nos muitas saudades. Tinha uma grande vontade de viver, e era um belíssimo contador de histórias. Algumas estão connosco no nosso blogue,, infelizmente não tantas quantas ele gostaria ter podido contar.

Penso que a última vez que o vi,  fora numa manife, no Terreiro do Paço, contra a troika e a política de austeridade, em data  que já não posso precisar, talvez em finais de 2013/princípios  de 2014. 

Tinha superado um ACV, achei-o combativo e otimista. "Agora vou a todas"!, garantia-me ele, referindo.se às manifes. De vez em quando telefonava-lhe, umas vezes respondia-me, outras não... . Na véspera do Natal de 2015, talvez até no próprio dia em que morreu, tive o pressentimento de o seu telemóvel calara-se de vez... Foi uma estranha premonição. Sabia que ele estava de novo doente, com uma neoplasia,,, 

O António Vaz entrara para a Tabanca Grande em 31/3/2012, e timha cerca de 25 referências no nosso blogue. Era lisboeta e, se não erro, trabalhara na antiga Direção Geral das Alfândegas. Casado, tinha pelo menos uma filha e netos, de quem não temos, infelizmente, nenhum contacto.

Quase um ano depois, apetece-me convocá-lo para as nossas fileiras e para as nossas conversas intermináveis, sob o poilão da Tabanca Garnde, versando a Guiné, o Xime, a guerra, o blogue... Fui repescar um poste antigo em que ele evoca a figura do pequeno Seco Camará, ostracizado pela elite mandinga do Xime, e contrapondo-a à figura, mais ambígua e distante, do Mancaman Biai, filho do chefe da tabanaca. Um e outro disputavam a liderança da equipa de guias e picadores do Xime. É interessante seguir o raciocínio do António Vaz e ver como ele toma partido por um deles, 

Nunca soube ao certo a etnia do Seco Camará... Sempre o considerei mandinga, mas não tenho a certeza, dada a rivalidade com o clã Mancaman Biai. Ele morreu em 26/11/1970 e está sepultado em Nova Lamego. Os mandingas, no início de 1970, estavam longe de ser a maioria da população do regulado do Xime, sob nosso controlo: no que restava daquele martirizado regulado, estavam recenseados 872 habitantes (745 fulas e 127 mandingas), distribuídos por 4 tabancas: Xime: 250; Amedalai: 160; Taibatá, sede de Regulado do Xime: 228; Demba Tacó: 234. Julgo que os mandingas viviam todos os no Xime. (Fonte: História da Unidade - Bart 2917, BambadincA, 1970/72).

Do nosso blogue o António Vaz disse palavras que  nos enchem de orgulho e reforçam a nossa motivação  para continuar a trilhar a difícil picada que é este projeto de partilha de memórias (e de afectos):

Seco Cmará em Mansambo (c. 1969).
Foto de Torcato Mendonça (2007)
"A Tabanca Grande é um fenómeno que eu, que não sou bloguista, me deixa abismado e de certo modo surpreendido, porque,  que eu saiba,  não tem paralelo com outras formas de depoimento escrito sobre outros teatros de operações nem outras actividades. Para todos que erigiram e alimentaram com contribuições várias este blogue presto aqui as minhas merecidas homenagens. (...)


2. Memórias de um capitão miliciano (António Vaz, cmdt da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) (1): os meus picadores e guias, Seco Camará e Mancaman Biai (**)

Quando cheguei ao Xime, em janeiro de 1968, na "passagem do testemunho" que a CCAÇ 1550 [1966/67] fez da situação material e do pessoal adstrito (Pel Caç Nat, milícia e picadores), foi-me dito que o picador Seco Camará era o melhor da zona e que, nessa época, já levava 56 minas detectadas, o que para mim, nessa altura, era um número respeitável pois até à data, vindo de Bissorã, não tinha tido contacto frequente com tais engenhos.

Fiquei sabedor e considerei que a chefia do grupo de picadores estava, continuaria, bem entregue. Assim sucedeu durante alguns meses e o Seco era sempre convocado para as operações que pareciam mais complicadas.

Numa delas, em julho de 68, talvez a Op Golpear, com a paragem da coluna veio-me a informação:
 – MINA!!!

Ao chegar-me aos ouvidos, avancei para junto do Seco pois fora ele que a tinha detectado e operava. Aproximei-me dele com o cuidado requerido e fiquei a observar o seu procedimento. (Será que  a adrenalina que se liberta tem cheiro? O mato molhado parecia-me sempre adocicado mas naquela altura tinha mudado.)

Estava o Seco semideitado no chão e com a "pica" fazendo perfurações quase horizontais no terreno pois achava que este estava mais brando que o normal. Os gestos comedidos, o cuidado imenso e a tensão elevada ao máximo contagiaram-me. Tentava perceber se aquela textura do terreno correspondia ao que pensava ser uma "caminha" de mina.

Não mais esqueço a transformação que nele se operou: o seu semblante e a própria cor mudaram; o Seco estava cinzento de tão pálido que estava. Levantou-se,  lentamente dizendo:
– É mesmo mina, capitão!

A minha norma foi sempre "Mina rebenta-se, não se levanta". Arriscava contudo a perca do segredo da progressão mas era assim. Assim se procedeu mas o Seco teve o seu prémio pecuniário.

Vieram mais operações e num delas um alferes nomeado veio dizer-me que havia problema com a escala dos picadores, não queriam que o Seco fosse naquele dia e nos subsequentes porque não o queriam como chefe.
– Grande berbicacho – pensei eu.

As razões que me apresentaram não me convenceram: invocavam que aquele posto – chefe dos picadores –  devia ser desempenhado por alguém superior na hierarquia tribal. Prometi que resolveria o assunto depois daquela operação pois não era altura de estar com mais conversa.

O Seco foi como estava determinado mas com os resmungos dos outros picadores que acalmaram, talvez por eu ir nessa operação. Esta como outras foi "sem contacto, com vestígios" e,  num dos dias seguintes,  falei com o Seco que me disse que ele próprio não estava interessado em viver no Xime e preferia ir para outro lado.

(Eu à época não estava a par de eventuais "trabalhos sujos", já invocados neste blogue, que Seco desempenhara anteriormente. O comandante que me antecedeu [, da CCAÇ 1550,]  nada me referiu, embora quando arrumava as minhas coisas tivesse encontrado, na secretária a mim atribuída, um objecto formado por um cabo de madeira com 40 ou 50 centímetros ao qual estavam presos 3 ou 4 pedaços de arame farpado de idêntico comprimento formando um sinistro chicote. Destruí-o, pois não tinha como conduta torturar prisioneiros e achei que tal objecto prefigurava situações que sempre repudiei por princípio. Nos primeiros meses da comissão, em Bissorã, tive de travar, nem sempre com êxito, atitudes condenáveis por parte de milícias que facilmente se propagavam pelo pessoal da companhia.)

Quanto ao Seco, não consegui arrancar-lhe mais explicações e, falando no comando do Batalhão, em Bambadinca [, BCAÇ 2852], consegui arranjar-lhe um sítio para ele morar e que ele seria o "picador do capitão" e que seria convocado de vez em quando,  por mim, coisa que lhe agradou. 

Depois, falando com os picadores, vim a saber que, embora já desconfiasse, o chefe por eles desejado era o filho do chefe da tabanca, o Mancaman Biai, que desempenhou o papel até ao fim da comissão.

O Mancaman foi sempre uma pessoa reservada, discreta, embora entre o pessoal existisse certa desconfiança que me foi transmitida por diversas maneiras. O mesmo se passava com o chefe da tabanca que, na noite do ataque ao Xime, na passagem do ano de 1968 para 1969, que foi o mais forte da minha época, foi trazido para dentro do "quartel" por haver fortes suspeitas a seu respeito (não esquecer que a morte do furriel Dias, o vaguemestre da CART 1746,  e os muitos feridos na emboscada,  passara-se um mês antes). As coisas serenaram mas a desconfiança [manteve-se] com altos e baixos.

No dia da minha retirada, já com a LDG atracada no Xime, veio o Mancaman ter comigo,  se eu não lhe deixava uma recordação:
– Não, Mancaman, não tenho nada para te dar, mas já dei a ti e ao teu pai a possibilidade de não terem sofrido represálias que, numa certe altura, pareciam mais que prováveis.

Compreendia que as populações estavam divididas com a guerra e que era natural que familiares ou antigos amigos seus vivessem naquilo que à época eram bases IN e que isso era agora a realidade.
– Adeus, Mancaman.
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 30 de dezembro de  2015 > Guiné 63/74 - P15553: In Memoriam (243): António [Gabriel Rodrigues] Vaz (1936-2015), ex-cap mil art, cmdt CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69); nosso saudoso grã-tabanqueiro nº 544, desde 2012

(**) Vd. poste de 20 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11429: Memórias de um capitão miliciano (António Vaz, cmdt da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) (1): os meus picadores e guias, Seco Camará e Mancaman Biai

Vd. também postes de:

26 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16764: Efemérides (241): a Op Abencerragem Candente foi há 46 anos: lembrando os nossos mortos, incluindo o Joaquim Araújo Cunha, e evocando aqui a figura do valoroso guia e picador das NT, Seco Camará (Bambadinca), rival do Mancaman Biai 

sábado, 26 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16764: Efemérides (241): a Op Abencerragem Candente foi há 46 anos: lembrando os nossos mortos, incluindo o Joaquim Araújo Cunha, e evocando aqui a figura do valoroso guia e picador das NT, Seco Camará (Bambadinca), rival do Mancaman Biai (Xime)...



Caldas da Rainha > RI 5 > 1968 > O futuro furriel miliciano David Guimarães, de minas e armadilhas [, CARt 2716, Xitole, 1970/72], está a tocar viola, rodeado de camaradas que, como ele, estavam a fazer a recruta no RI 5 das Caldas da Rainha, no CSM - Curso de Sargentos Milicianos. Lá ao fundo, à direita e em último plano, uma carinha pequenina, é o Joaquim Araújo Cunha (assinalado com um círculo a vermelho).... Era de Viana do Castelo. Viria a morrer em combate, na região do Xime, na Op Abencerragem Candente, em 26 de Novembro de 1970; pertencia à CART 2715, unidade de quadrícula do Xime, que integrava o BART 2917, chegado há poucos meses ao Setor L1 (Bambadinca)

Foto (e legenda): © David Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guiné > Zona Leste > Xime > CCAÇ 536 (Xime e Bambadinca, 1963/65) >  Manifestação de portuguesismo dos mandingas do Xime, ostentando a bandeira das quinas,,,  "O homem do chapéu colonial era nosso guia e morava junto ao quartel. O mais alto, acho que era o chefe da tabanca. Ia connosco para o mato e, devido à sua altura, salvou-me de morrer afogado numa bolanha perto do Xime, num dia para esquecer."

Segundo o "menino do Xime",  José Carlos Mussá Biai, o picador não era o Seco Camará, que irá mais tarde, em 1969, mudar-se para Bambadinca. O chefe da tabanca era o  tio do Zé Carlos, pai do Mancaman Biai, "rival" do Seco Camará.


Foto (e legenda): © Libério Candeias Lopes (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de José Carlos Mussá Biai , com data de ontem

Data: 25 de novembro de 2016 às 13:39
 Assunto: Seco Camará e Mancaman Biai


Olá, Luís, viva


Do meu tio Mancamam [Biai]  e sobre aquela época não sei nada, porque,  como sabes,  na altura eu era criança e não entendia nada..., só sei que havia guerra que estava a ceifar vidas, mais nada...

Quanto ao Seco Camará,  do que ouvi dizer, não sei se foi assim ou não, foi ele quem fez falsas denúncias de que havia colaboradores do PAIGC na população de Xime.

Esta foi provavelmente a razão porque os meus irmãos e primos se alistarem no exército, como prova de lealdade,  e que nada do que o Seco dizia era verdadeira.

Também ouvi dizer que ele acusou algumas pessoas de o querem envenenar.

Suponho que foram algumas destas questões que o fizeram mudar-se para Bambadinca, porque ninguém quererá viver numa terrinha como o Xime onde deixou de ter amigos.

Um abraço e bom fim de semana,

Zé Carlos


2. Comentário do editor LG:

Faz hoje 46 anos que o Seco Camará morreu, juntamente com uma secção quase inteira, 5 camaradas da  CART 2715, subunidade de quadrícula do Xime , com seis meses de Guiné, numa operação em que participei, no subsetor do Xime (Op Abencerragem Candente) (*)... 

Foram os 6 primeiros homens abatidos de uma enorme coluna apeada, composta por 2 destacamentos, cada um com 3 grupos de combate, ou seja, no total cerca de 180 homens... Ajudei a recolher os seus restos mortais... alguns tão reduzidos que cabiam embrulhados num dólmen (como foi o caso do Seco Camará)...

Fez connosco (CCAÇ 12) diversas operações ao longo da nossa comissão, fez operações com a CART 2339, do Torcato Mendonça, da CART 2520, do  José Nascimento,  e com outros camaradas que estão aqui na Tabanca Grande, e que passaram pelo Setor L1 em diferentes épocas...

Aquela operação foi-lhe fatal... a ele que tinha guiado milhares e milhares de homens pelas matas do Xime e do Corubal, desde os primeiros anos de guerra, e detectado e levantado dezenas e dezenas de minas... 

Morreu, à roquetada, no dia 26/11/1970...

O seu nome também não consta na lista dos "nossos" mortos (, pelo menos na lista da Liga dos Combatentes)... Um primeiro pensamento que me ocorre, é de espanto e de indignação, esperando que no entanto que isto não tenha passado de um lapso ou de falha da máquina burocrática do exército...

Afinal, o Seco Camará nem sequer era milícia.  Os milícias, por sua vez,  não eram militares, mas foram combatentes... E que combatentes, muitos deles!... O Seco Camará não era nem podia ser um simples civil: era considerado o melhor (ou mais leal) dos nossos guias, e um exímio e corajoso picador. Usava  a farda camuflada do exército português e tinha uma G3 distribuída. 

No  Xime não havia milícias, os outros guias e picadores  não gostavam dele. Daí talvez a sua transferência para Bambandinca, ao tempo ainda da CART 1746 e do BCAÇ 2852.

2. Excertos sobre a figura do picador e guia das nossas tropas, Seco Camará, morto faz hoje 46 anos, no decurso da Op Abencerragem Candente (**), subsetor do Xime, Setor L1 (Bambadinca), em 26/11/1970, 4 dias depois da invasão de Conacri (Op Mar Verde)... Começamos hoje com um apontamento do Torcato Mendonça, alf mil da CART 2339 (Mansambo, 1968/69):


(i) Torcato Mendonça:

(...) A mim contaram-me que esta emboscada pode ter sido um erro de alguém. O furriel Xico Carvalho, da CART 2715, meu amigo do peito, em conversa (ou foi por escrito?),falou-me da morte do Seco Camará, mandinga e um velho amigo de muitas operações por aqueles lados.

Parece ter havido um erro de um graduado... Não sei, e, para o caso, é agora irrelevante. A emboscada, com essas características, tinha o comando de um ou mais internacionalista cubanos. Um deles, precisamente numa nossa destruição, com a CART 1746 ao Poindon fugiu, perdeu o boné com fotos, mas muito,mas muito lamentávelemte levou a cabeça. O Seco, se lhe fosse entregue metade do valor de cada mina detectada e paga justamente pelas NT, era um mandinga rico. (...)

Eu não participei desta operação [, já tinha regressado há à metrópole quase uma no antes]. mas passei muitas vezes por lá [, pelo subsetor do  Xime] e o Seco era meu amigo. Em operações trocávamos a ração de combate... "Rabo de rato, rabo de rato",  dizia ele ao ver a lata de conserva de polvo ou lulas. Eu dizia: "Toma lá sardinhas"... Porco, não,...coisas entre ele e o Alá. (...)


(ii) Excerto do desenrolar da acção (Op Abencerragem Candente, 25-26 de Novembro de 1970)


(...) Três horas depois, pelas 8.50h, [do dia 26], já perto da Ponta do Inglês, o IN desencadearia uma violenta emboscada em L sobre a direita, precedida por um tiro isolado que foi confundido com um sinal de aviso duma eventual sentinela avançada, e que apanhou na zona de morte os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12].

Os primeiros tiros do IN, especialmente de LRockets, atingiram mortalmente o picador e guia do Agr B [CCÇ 12], Seco Camará, que ia na frente, e os quatro homens que o seguiam, incluindo um graduado [furriel miliciano Cunha], tendo ferido gravemente outro [Agr C].

Com rajadas sucessivas de LRockets e armas automáticas o IN, fixando as NT, lançou-se ao assalto sobre os primeiros homens, mortos ou gravemente feridos, conseguindo apanhar-lhes as armas, e só não os levando devido a pronta reacção das NT.

É de destacar aqui a acção heróica dos soldados Soares (CART 2715), que veio a ser mortalmente ferido, Sajuma (apontador de bazuca do 4º Gr Comb/CCAÇ 12) que ficou ferido numa perna, e Ansumane (apontador de dilagrama, também do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, ferido ligeiramente nas costas), que se lançaram ao contra-ataque, juntamente com outros camaradas e alguns graduados, a fim de quebrar o ímpeto do IN e de recolher os mortos e feridos.

0 ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r que incidiram sobre a estrada, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (l° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores.

(...) Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (l Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector Ll).

Sob a protecçãodo helicanhão (que seguia para Mansambá no momento em que foi pedido o apoio aéreo), os 2 Agr regressaram ao Xime, com 2 Gr Comb do Agr B [1º e 2º da CCAÇ 12] a abrir caminho por entre a mata densa, 1 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] a manter segurança à rectaguarda e os restantes empenhados no transporte dos feridos e mortos, tendo as helievacuações sido feitas numa clareira já perto de Madina Colhido e depois de percorridos mais de 5 Km, em condições extremamente penosas [No helicóptero vinha uma ou mais enfermeiras-paraquedistas].

Notícias posteriores [ não se indica a fonte...] admitiam que nesta emboscada o IN tivesse sofrido 6 mortos. Entretanto, desta reacção do IN contra a penetração das NT num dos seus redutos, concluiu-se que aquele foi excepcionalmente bem comandado porque:

(i) escolheu um local que por ser muito fechado dificultava a manobra;

(ii) utilizou pessoal em cima de árvores para ter uma melhor visão e comandamento sobre as NT;

(iii) tinha a retirada preparada com armas colectivas (morteiro, canhão s/r) que só se revelaram na quebra de contacto;

(iv) fez fogo de barragem, especialmente de LRockets, sobre o Gr Comb que seguia na vanguarda, permitindo lançar-se ao assalto. (...) (**)
_________________


Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de novembro de 2016  >  Guiné 63/74 - P16762: Efemérides (240): a Op Abencerragem Candente, 6 mortos, 9 feridos graves... Faz hoje 46 anos... Msn do antigo cmdt da CART 2715, Vitor Manuel Amaro dos Santos (1946-2014), em 2/3/2012, dois anos antes de morrer, dizendo: "Ando a viver o inferno do Xime"...

(**) Vd. postes de:

26 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10726: A minha CCAÇ 12 (27): Novembro de 1970: a 22, a Op Mar Verde (Conacri), a 26, a Op Abencerragem Camdente (Xime)...(Luís Graça)

11 de maço de 2010 > Guiné 63/74 - P5974: Ao correr da bolha (Torcato Mendonça) (3): O velho picador, Seco Camará

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16759: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (107): meninos do Xime: a Sene Sancó era minha prima porque a irmã mais nova da minha mãe era madrasta dela e a tia dela (irmã mais nova do pai dela) era minha madrasta (José Carlos Mussá Biai, engenheiro florestal, Lisboa)



1. Mensagem do José Carlos Mussá Biai, "menino do Xime" em 1970, hoje engenheiro florestal radicado em Lisboa, membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora:

Data: 25 de novembro de 2016 às 13:39

Assunto: fotos de José Nascimento e Domingos Fonseca

Olá, Luís, viva
Foto nº 1

O pai da minha prima Sene Soncó, chamava-se Ansu Soncó, nunca foi picador, era mais ou menos da idade do meu pai.

O meu pai tinha um irmão (do mesmo pai e mãe),  de nome Mancaman,  e um primo-irmão (os pais é que são dois irmãos) com o mesmo nome. Foi este último que era picador, o Mancaman Biai.

A Sene era minha prima porque a irmã mais nova da minha mãe era madrasta dela e a tia dela (irmã mais nova do pai dela) era minha madrasta.

O meu irmão que casou com ela era o Fodé Biai,  o primeiro a contar da direita para esquerda nesta foto do Domingos Fonseca [foti nº 1].

Um abraço e bom fim de semana,
Zé Carlos

Foto nº 2 

2. Pergunta anterior do editor:

Zé Carlos:
O pai da tua prima Sené Sancó era o picador e guia que aparece na foto [nº 2]? Se sim, era o teu tio Mancaman Biai ? Ou a Sene era tua prima pelo lado materno, da tua mãe? Donde lhe vinha o apelido Sancó? E qual dos teus irmãos casou com ela ? [oto nº 1]... 

sábado, 19 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16737: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (10): A música das nossas vidas: "Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle, mon amour"... ou o braço de ferro entre o fur mil Renato Monteiro e o nosso primeiro Vaz, cuja amada esposa se chamava Isabel e vivia a 5 mil km de distância, em Vila Real, Portugal...


Foto nº 1A > Xime > CART 2520  > c. 1970 > Furriéis, à direita Renato Monteiro, seguindo-se o Oliveira, o José Nascimento e  o Fernandes


Foto nº 1


Foto nº 2 A > Xime > CART 2520 > c. 1970 > Da esquerda paar a direita, fur Renato Monteiro,  um dos picadores e  o fur José Nascimento


Foto nº 2


Foto nº 3A  > Xime > CART 2520 > c. 1970 > 1º. srgt  Vaz à direita, a seguir furriéis Nascimento e Soares...

Foto nº 3 


Foto nº 4


Foto nº 4 A A>  Xime > CART 2520 > c. 1970 > Da direita para a esquerda:  sentados, fur Monteiro, fur Durão e 2º. srgt  Zé do Ó. De pé, também da direita para a esquerda, fur Costa, fur Nascimento e Mancaman, filho do chefe dos picadores [, Mancaman Biai].

Guiné > Zona leste > Setor L1 >  Xime | CART 2520 (1969/71)

Fotos (e legendas): © José Nascimento (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem, com data de 11 do corrente,  do nosso amigo e camarada algarvio José  Nascimento (ex-fur mil art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71):

Caro amigo e camarada Carlos Vinhal,

Aqui vai a história de um pequeno episódio passado entre o fur mil Renato Monteiro e o 1º. srgt Vaz,  da minha Cart 2520.

Já tive a felicidade de me encontar algumas vezes com o Renato Monteiro [, hoje escritor e fotógrafo,], mas o 1º. sgrt Vaz nunca mais o encontrei, creio até que já faleceu, gostava de o ter encontrado para lhe dar um grande abraço, isto apesar de ter havido algumas divergências entre nós, contudo existiu sempre muito respeito e sã camaradagem.

Um grande abraço,
José Nascimento 


2.  Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (10) > A música das nossas vidas: "Isabelle, Isabelle, Isabelle, mon amour"... ou o braço de ferro entre o fur mil Renato Monteiro e o nosso primeiro Vaz

por José Nascimento


Isabelle era a música preferida do furrriel Renato Monteiro e esta com alguma frequência dava umas voltas no pequeno gira-discos que morava no balcão do pequeno bar de sargentos no Xime.

Isabel vivia em Vila Real, ou nas suas proximidades, na longínqua Metrópole, amada esposa do 1º. sargento Vaz a quem já tinha dado dois rebentos, um na pré adolescência, o outro alguns anos mais novo. Já com alguns meses de Guiné,  a saudade do 1º. Vaz pela sua Isabel roía-lhe a alma.

Sempre que se proporcionava, o Renato Monteiro saltava para dentro do balcão do bar e punha às voltas a sua Isabelle preferida. Só que de tanto ouvir "chamar" por Isabelle,  a do Charles Aznavour, o 1º. sargento Vaz lembrava-se da sua Isabel, a que tinha ficado a milhas de distância,  e a sua cabeça também começava às voltas, girava, girava, ou melhor, entrava em parafuso.

Até chegou ao ponto de tentar proibir que o Monteiro ouvisse a sua música preferida, fazendo uso do maior número de divisas amarelas que ostentava sobre os seus esqueléticos ombros.

"Monteiro, não quero ouvir essa música",  vociferava o 1º. sargento.

"Mas se eu gosto?!," retorquia o furriel.

Normalmente ou era um, ou era outro que cedia e quando era o 1º sargento, refugiava-se na secretaria, batendo com alguma violência a já carcomida porta que a separava do bar de sargentos.

Até que um dia...

Mais uma vez o Monteiro liga a pequena máquina e entra em rotação a sua Isabelle, Isabelle, Isabelle mon amour (**).

De repente salta de dentro da secretaria, qual fera enfurecida,  o 1º. sargento Vaz.

"Outra vez Monteiro?!",  berrou.

Dirige-se ao pequeno gira-discos, saca a Isabelle do rotativo prato e exclama furioso:

"Agora só vai ouvi-lo no fim da comissão".

Enraivecido, enfia-se na secretaria e mete o pequeno disco no cofre aí existente e fecha-o à chave.

Não sei qual foi o destino desta Isabelle, se foi libertada ou se ficou prisioneira no cofre da CART 2520,  mesmo sem ter ido a julgamento. (***)

Um grande abraço para esta Tabanca que cada vez será maior.

José Nascimento
______________


(**) Letra da canção de Charles Aznavour (c. 1965/66):

Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle
Isabelle Isabelle Isabelle mon amour

Les heures près de toi
Fuient comme des secondes
Les journées loin de toi
Ressemblent à des années
Qui donnent à mon amour
Un goût de fin du monde
Elles troublent mon corps
Autant que ma pensée

Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle
Isabelle Isabelle Isabelle mon amour

Tu vis dans la lumière
Et moi dans les coins sombres
Car tu te meurs de vivre
Et je me meurs d'amour
Je me contenterais
De caresser ton ombre
Si tu voulais m'offrir
Ton destin pour toujours

Isabelle Isabelle Isabelle Isabelle
Isabelle Isabelle Isabelle mon amour

[Letra reproduzidas com a devida vénia, a partir daqui:
http://www.paroles.net/charles-aznavour/paroles-isabelle#OXimuDIQg7WdWApW.99]

[Vd. também oágina oficial do cantor: Charles Aznavour (n. 1924),  O cantor francês, de origem arménia, vai atuar em Lisboa no próximo dia 10 de dezembro de 2016...Aos 92 anos!!! ]

Tradução (rápida) de LG:

As horas perto de ti
fogem como segundos,
os dias longe de ti
parecem  anos,
dando ao meu amor
um gosto de fim do mundo,
e perturbando tanto o meu corpo
como o meu pensamento

Isabel Isabel Isabel Isabel
Isabel Isabel Isabel,  meu amor

Tu vives na luz
e eu em cantos escuros,
porque tu morres de vida
e eu morro de amor.
Contentar-me-ia
em acariciar a tua sombra
se tu quisesses oferecer-me
o teu destino para sempre.

Isabel Isabel Isabel Isabel
Isabel Isabel Isabel,  meu amor

(***) Vd. poste de 6 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12684: Memória dos lugares (263): O Xime, ao tempo da CART 2520 (1969/71), comandada pelo cap mil António dos Santos Maltez, natural de Aveiro (Renato Monteiro)

sábado, 20 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11429: Memórias de um capitão miliciano (António Vaz, cmdt da CART 1746, Bissorã e Xime, 1967/69) (1): os meus picadores e guias, Seco Camará e Mancaman Biai




Guiné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > António Fernando Marques e Arlindo Teixeira Roda, dois camaradas. furrieis,  da 1ª geração da CCAÇ 12 (1969/71), junto ao monumento da CCAÇ 1550 (1966/68), unidade de quadrícula do Xime que antecedeu a CART 1746 (1968/69), a CART 2520 (1969/70), a CART 2715 (1970/71), a CART 3494 (1972/73) e a CCAÇ 12 (1973/74)... A CCAÇ 12 conheceu bem e duramente, o subsetor do Xime, entre 1969 e 1974, primeiro como  subuniddae de intervenção ao setor L1 e depois, no final da guerra, como subunidade de quadrícula...  Não sei se a CCAÇ 1550 foi a primeira  subunidade de quadrícula do Xime: estivera antes em Farim,  era comandada pelo cap mil inf Agostinho Duarte Belo; no monumento estão inscritos os lugares (de diferentes setores) por onde passou: Binta, Guidage, Xime, Ponta do Inglês, Galomaro, Candamã, Taibatá, Farim, Dembataco, Samba Silate, Bissau... (LG)


Foto: © Arlindo Roda (2010)/ Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos 



reservados.

1. Texto enviado pelo nosso camarada António Vaz, ex-cap mil, cmdt da CART 1746 (Bissorã e Xime, 1967/69), com data de 18 do corrente:

 Assunto: Seco Camará

Olá,  Camaradas Tertulianos

Depois da minha ausência prolongada,  já contada anteriormente,  e ao reler páginas antigas do Blogue,  nomeadamente o poste P5578 (*), ocorreu-me relatar o seguinte:

Quando cheguei ao Xime, em Janeiro de 1968,  na "passagem do testemunho" que a CCAÇ 1550 fez da situação material e do pessoal adstrito (Pel Caç Nat, Milícia e picadores), foi-me dito que o picador Seco  Camará era o melhor da zona e que, nessa época, já levava 56 minas detectadas,  o que para mim, nessa altura, era um número respeitável pois até à data, vindo de Bissorã, não tinha tido contacto frequente com tais engenhos.

Fiquei sabedor e considerei que a chefia do grupo de picadores estava, continuaria, bem entregue. Assim sucedeu durante alguns meses e o Seco era sempre convocado para as operações que pareciam mais complicadas.

Numa delas, em Julho de 68, talvez a Op Golpear, com a paragem da coluna veio-me a informação:  MINA!!!

Ao chegar-me aos ouvidos,  avancei para junto do Seco pois fora ele que a tinha detectado e operava. Aproximei-me dele com o cuidado requerido e fiquei a observar o seu procedimento. (Será que que a adrenalina que se liberta tem cheiro? O mato molhado parecia-me sempre adocicado mas naquela altura tinha mudado).

Estava o Seco semideitado no chão e com a "pica" fazendo perfurações quase horizontais no terreno pois achava que este estava mais brando que o normal. Os gestos comedidos, o cuidado imenso e a tensão elevada ao máximo contagiaram-me. Tentava perceber se aquela textura do terreno correspondia ao que pensava ser uma "caminha" de mina.

Não mais esqueço a transformação que nele se operou:  o seu semblante e a própria cor mudaram; o Seco estava cinzento de tão pálido que estava. Levantou-se lentamente dizendo:
– É mesmo mina,  Capitão!

A minha norma foi sempre "Mina rebenta-se, não se levanta". Arriscava contudo a perca do segredo da progressão mas era assim. Assim se procedeu mas o Seco teve o seu prémio pecuniário.

Vieram mais operações e num delas um Alferes nomeado veio dizer-me que havia problema com a escala dos picadores, não queriam que o Seco fosse naquele dia e nos subsequentes porque não o queriam como chefe.
– Grande berbicacho –  pensei eu.




[Foto à esquerda: Seco Camará, em Mansambo. Foto:  ©Torcato Mendonça (2007) ]

As razões que me apresentaram não me convenceram, invocavam que aquele posto - chefe dos picadores - devia ser desempenhado por alguém superior na hierarquia tribal. Prometi que resolveria o assunto depois daquela operação pois não era altura de estar com mais conversa. O Seco foi como estava determinado mas com os resmungos dos outros picadores que acalmaram, talvez por eu ir nessa operação. Esta como outras foi "sem contacto, com vestígios" e num dos dias seguintes falei com o Seco que me disse que ele próprio não estava interessado em viver no Xime e preferia ir para outro lado.

(Eu à época não estava a par de eventuais "trabalhos sujos", já invocados neste blogue, que Seco desempenhara anteriormente. O comandante que me antecedeu nada me referiu, embora quando arrumava as minhas coisas tivesse encontrado,  na secretária a mim atribuída,  um objecto formado por um cabo de madeira com 40 ou 50 centímetros ao qual estavam presos 3 ou 4 pedaços de arame farpado de idêntico comprimento formando sinistro chicote. Destruí-o,  pois não tinha como conduta torturar prisioneiros e achei que tal objecto prefigurava situações que sempre repudiei por princípio. Nos primeiros meses da comissão, em Bissorã, tive de travar, nem sempre com êxito, atitudes condenáveis por parte de milícias que facilmente se propagavam pelo pessoal da Companhia.)

Quanto ao Seco, não consegui arrancar-lhe mais explicações e,  falando no Comando do Batalhão, em Bambadinca [, CCAÇ 2852], consegui arranjar-lhe um sítio para morar e que ele seria o Picador do Capitão e que seria convocado de vez em quando por mim, coisa que lhe agradou. Depois,  falando com os picadores,  vim a saber que, embora já desconfiasse, o chefe por eles desejado era o filho do Chefe da Tabanca,  o Mancamam Biai, que desempenhou o papel até ao fim da comissão.

O Mancaman foi sempre uma pessoa reservada, discreta, embora entre o pessoal existisse certa desconfiança que me foi transmitida por diversas maneiras. O mesmo se passava com o Chefe da Tabanca que na noite do ataque ao Xime,  na passagem do ano 68 para 69, que foi o mais forte da minha época, foi trazido para dentro do "quartel" por haver fortes suspeitas a seu respeito (não esquecer que a morte do Furriel Dias e os muitos feridos na emboscada passara-se 1 mês antes). As coisas serenaram mas a desconfiança com altos e baixos.

No dia da minha retirada, já com a LDG atracada no Xime, veio o Mancamam ter comigo se eu não lhe deixava uma recordação:
 –Não, Mancamam,  não tenho nada para te dar, mas já dei a ti e ao teu pai a possibilidade de não terem sofrido represálias que numa certe altura pareciam mais que prováveis.

Compreendia que as populações estavam divididas com a guerra e que era natural que familiares ou antigos amigos seus vivessem naquilo que à época eram bases In e que isso era agora a realidade.
 –  Adeus,  Mancamam.

Ele percebeu.

Um abraço do
António Vaz
________________

Nota do editor:

(*) 2 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5578: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (7): Mancaman, mandinga, filho do chefe da tabanca do Xime, um homem de paz
(...) era um homem algo complexo e não facilmente transparente aos nossos olhos europeus, atraindo mesmo algumas suspeitas, para as nossas tropas, de que mantinha contactos com o «outro lado» e dizendo-se, até, que tinha «arroz turra» a vender na tabanca.

Nunca galgou a graduado de 2.ª linha; negou-se, certa vez, a ir numa operação para além de Ponta Varela; odeia os militares portugueses que maltrataram prisioneiros «turras» para obter declarações; condena com grande revolta as chacinas praticadas pelas tropas prtuguesas nos primeiros anos da guerra; e sempre que os oficiais de artilharia fazem fogo para o acampamento do Poidon, que ele deu a entender estar muito fraco e já não ser o que foi em tempos atrás, ele olha-os com uns olhos de fúria, o que poderia sugerir a presença de membros da tabanca ou mesmo de pessoas de família naquela área.

(...) não aprecia Amílcar Cabral nem Sekou Touré, da Guiné ex-Francesa. Tem consideração, porém, por Senghor, do Senegal, porque «ele não quer um Estado só de pretos, mas tem muitos brancos a ajudá-lo», referiu.

(...) Para Mancaman, certamente com uma dose de idealismo, mas não sem uma visão, na essência, válida e humana, o processo para a consecução da paz na Guiné passava pelas conversações directas com os turras - importante para ele, que se realizassem através de elementos da população da mesma etnia - e a aplicação de tácticas defensivas, evitando todas as acções violentas e arrasadoras da parte do exército e das forças portuguesas. (...)