Queridos amigos,
É impossível não acompanhar o espírito de determinação que acompanha toda a governação de Oliveira Muzanty, quer sufocar revoltas, conceder perdões, gerar uma atmosfera que garanta a segurança das atividades comerciais, o grande busílis é o imposto palhota, vai de Varela até ao Sul, há protestos, etnias inteiras recusam pagar; o governador sabe que carece de meios para criar postos militares, o ministro limita drasticamente os gastos, só se abrem os cordões à bolsa para a campanha no Cuor, em 1908, nunca se vira na Guiné uma companhia de Macuas, centenas de militares brancos, veio propositadamente de Cabo Verde o fotógrafo José Henriques de Mello que nos deixará imagens interessantíssimas quer da presença destes efetivos, quer imagens do Cuor em chamas; é também neste período que se observa a solidariedade entre Fulas, Abdulai, régulo do Xime, é atacado por Infali e outros régulos Biafadas, os régulos Fulas vêem em seu auxílio, entre eles é figura de muito prestígio na região do Gabu, Monjur. Continuam as peripécias de Graça Falcão, andou a queixar-se em Lisboa de Muzanty, regressa e é-lhe instaurado um processo-crime. Mesmo com toda esta dinâmica das expedições militares, são tempos de expetativa depois do regicídio instalou-se em Lisboa um Governo de acalmação, e persistem as dificuldades financeiras. O novo governador chama-se Francelino Pimentel.
Um abraço do
Mário
O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6)
Mário Beja Santos
O governador Oliveira Muzanty não pára de organizar expedições, não faltam por toda a Guiné atos de sublevação, insubordinação, recusa de pagar impostos de palhota. A situação mais grave é a que se passa em Geba, em novembro de 1907 o governador põe-se à frente de uma expedição para impedir a propagação da rebelião na circunscrição de Geba, são envolvidas duas lanchas canhoneiras; nestas operações vão aparecer rebeldes bem municiados, o que leva a tomar a decisão governamental de proibir o comércio de pólvora, armas e espoletas em toda a província. Em dezembro, a revolta está sufocada, o governador envia o seu relatório ao ministro, dá-lhe conta da extensão do que fora a recusa de pagamento de imposto, era um movimento em que estavam envolvidos vários régulos, tendo à frente Infali Soncó, régulo do Cuor. O régulo do Xime manifestou-se contrário a esse movimento, o governador mandou distribuir armas e munições, régulos Fulas como Monjur, vieram apoiar Abdulai, o régulo do Xime, quem vinha atacar este régulo recua, Muzanty tem consciência de que precisa de fazer uma grande expedição, exemplar, na margem direita do Geba.
O governador teve que atacar noutra frente, no Quínara, havia que repor em funcionamento a linha telegráfica que tinha sido interrompida pelos indígenas Biafadas. A expedição desembarca em S. João, em frente a Bolama, os Biafadas rompem folgo, o gentio é expulso da população, a coluna avança protegida pela artilharia. Mais à frente, a força é recebida por intenso tiroteio, envolvida por todos os lados, os rebeldes usam espingardas Snider; a força vai incendiando povoações e depois regressa, não se atingira o objetivo de reparar a linha telegráfica.
Entretanto, está em formação a maior expedição que até hoje se vira na Guiné, de Lourenço Marques veio uma companhia de Macuas, do continente 10 oficiais, 12 praças de engenharia, 69 de artilharia, 251 de infantaria, 8 de serviço de saúde, 4 administrativos, material sanitário e de bivaque, munições, viveres, etc. Em março, esta expedição como nunca se vira chega a Bissau. Enquanto se organiza esta força expedicionária, havia problemas em Varela a resolver, para ali avançara gente do destacamento de Cacheu e vão várias embarcações em direção ao porto de Bolor. O destacamento está frente a Varela e começam os disparos da peça de artilharia, a resposta é enérgica, mas depois desaparece a resistência, a povoação foi destruída.
Agora sim, vai começar a expedição na região do Cuor, onde o régulo Infali Soncó tinha estabelecido umas verdadeiras fortificações, era dali que partiam ataques às lanchas que pretendiam navegar no rio. Infali contava com várias alianças, terá de combater sozinho. A expedição parte no fim de março, acampam no Xime. O objetivo da coluna era tomar conta do porto de Sambel Nhantá, atravessava-se Bambadinca para o Cuor e procurava-se acabar com a resistência logo em Ganturé. Possuímos boas imagens desta expedição graças à presença como fotografia militar de José Henriques de Mello. Os apoiantes de Infali ainda resistem em Ganturé, a povoação é assaltada pelo corpo auxiliar de indígenas, secundado por cavaleiros turancas, os apoiantes de Infali fogem; na manhã seguinte toma-se Sambel Nhantá, a expedição avança até Madina, o régulo fugiu para o Oio. Fica em construção um posto militar em Caranquecunda. Todos os régulos à volta deram ordens para satisfazer o pagamento do imposto. A região de Geba deixa de ser teatro de operações. Muzanty volta-se para a ilha de Bissau e depois o Quínara. O ministro em Lisboa insistia que se avançasse para o Oio, o governador considerou prioritário uma campanha na ilha de Bissau, os régulos de Intim e Bandim não tinham cumprido a promessa de vassalagem, será uma expedição de peso: 30 oficiais, 486 praças europeias, 148 praças indígenas, muitas dezenas de auxiliares e centenas de carregadores. A coluna começa por ser atacada, a coluna continua a avançar, a povoação é abandonada, incendeia-se um grande número de povoações de Bandim, mas os rebeldes não desistem de atacar, dão pouca luta. O que se passou na ilha não passou de um castigo exemplar, não houve ocupação, foi um bate e foge, de Lisboa reclama o efetivo continental.
Graça Falcão, um ex-alferes que no passado fora considerado um herói, e depois se tornara comerciante e acusado pelas autoridades de muita vilania, anda por Lisboa a lançar na imprensa uma campanha contra a governação de Muzanty, lembra a toda a gente em Lisboa que é um cavaleiro da Torre e Espada muito maltratado; escreve ao ministro a pedir que seja feita justiça, pede a revogação da portaria que limitou os seus movimentos na Guiné. Muzanty responde com energia, publica uma nova portaria determinando nova expulsão de Graça Falcão, o ministro mandou anular a portaria determinando ao promotor civil da auditoria da Guiné que lhe seja instaurado um processo-crime e aplicado o castigo que for de justiça. É episódio que terá continuação. Muzanty vem a Lisboa, fica encarregado do Governo o secretário-geral Joaquim José Duarte Guimarães. Este dá contas ao Governo de cada uma das circunscrições: na circunscrição de Cacine não havia problemas, tinha-se cobrado o imposto, assim como em Buba; a região do Quínara, ocupada por Biafadas, estava insubmissa; parte da circunscrição de Geba estava quase desabitada depois das últimas operações de Oliveira Muzanty; em Sambel Nhantá encontrava-se Abdul Injai, que o encarregado do Governo apelida de homem terrível, mau elemento, comandante de bandidos; o Oio era habitado por gente trabalhadora mas que não pagavam imposto, o mesmo sucedendo com os Balantas; em Bissau, as questões com os indígenas continuavam sem solução, morrera o régulo de Intim e procurava-se agora forçá-los a pedir a paz. Permanece uma grande desconfiança sobre as atividades de Abdul Injai naquela região do Geba, e é nisto que surgem problemas na região dos Balantas, o secretário-geral vai a Caranquecunda e convida Abdul Injai a atacar os Balantas, este aceita, incendei as tabancas Balantas, mata e rouba, o secretário-geral toma a decisão de estabelecer naquele território um posto militar.
Mudando de cenário, temos as constantes reclamações estrangeiras, os pedidos de indeminização dos proprietários das embarcações e das mercadorias roubadas, o encarregado do Governo nega-lhes provimento. Muzanty volta à Guiné, vai ficar por pouco tempo, a sua ação não tinha conseguido resolver os problemas principais da província, nomeadamente as questões do Oio e de Bissau. Muzanty regressa a Lisboa, Duarte Guimarães é novamente nomeado encarregado do Governo, é um período de atritos entre o secretário-geral, o encarregado do Governo e o Chefe de Estado-maior. Já estamos em 1909, o novo governador chama-se Francelino Pimentel.
Armando Tavares da Silva
Oficiais da bateria de artilharia da Guiné, fotografia de José Henriques de Mello
Embarque de auxiliares num batelão, fotografia de José Henriques de Mello
Colecção Jill Rosemary Dias, 1920
Imagem retirada de Casa Comum/Fundação Mário Soares
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Notas do editor:
Vd. post de 6 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26240: Notas de leitura (1752): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (5) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 16 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26272: Notas de leitura (1755): Lavar dos Cestos, José Brás e Chiado Books, 2024 (1) (Mário Beja Santos)