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sexta-feira, 27 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26962: Notas de leitura (1814): O fotógrafo Alfredo Cunha, a Guiné, o 25 de Abril no mais antigo museu português (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
São coisas que nos acontecem, se bem que fortuitamente, vem-se com uma missão, alcança-se a dobradinha de forma inesperada. Num folgado vestíbulo, em duas salas, o Museu Militar de Lisboa expõe fotografias de Alfredo Cunha, lembrança certamente das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, tudo de portas abertas para aquele amplo espaço conhecido por Pátio dos Canhões. O que deixo aqui é um mero chamariz para que antigos combatentes venham conhecer ou recordar, não só os talentos de Alfredo Cunha mas o conjunto de alto prestígio de obras de arte que este museu acolhe, os maiores nomes da pintura do fim do século XIX e o princípio do século XX aceitaram a encomenda de um diligente diretor do museu, o capitão Eduardo Ernesto Castelbranco que transformou este edifício num património sem rival.

Um abraço do
Mário



O fotógrafo Alfredo Cunha, a Guiné, o 25 de Abril no mais antigo museu português

Mário Beja Santos

Importa dar uma explicação prévia. Munido de um livro intitulado "Museu Militar, Pintura e Escultura, de José-Augusto França, uma edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1996", saí no metro de Santa Apolónia e dirigi-me ao Museu Militar de Lisboa para captar imagens que me ajudassem a ilustrar um artigo para uma colaboração periódica que mantenho no jornal "O Templário", de Tomar. 

O antigo Largo dos Caminho de Ferro está no verdadeiro estaleiro e o Museu Militar sofre-lhe as consequências: não há acesso ao pórtico da entrada principal, mesmo o pórtico da fachada oriental está encerrado, era por aqui que eu entrava quando vinha fazer consultas no Arquivo Histórico Militar, agora transferido para um ponto ermo de Alfama, no Largo do Outeirinho da Amendoeira. Seguindo uma indicação entre tapumes, tem-se uma entrada provisória e o vestíbulo acolhe uma pequena, mas bela exposição de fotografias de Alfredo Cunha, que andou nas ruas no dia 25 de Abril, e bateu depois às portas de um império a caminho da independência.

Se a todos recomendo uma visita a este museu que acolhe o mais importante conjunto de pinturas dos fins do século XIX académico com as assinaturas de Columbano Bordalo Pinheiro, José Malhoa, Carlos Reis e Veloso Salgado, isto para já não falar da eloquência dos quadros de Sousa Lopes expostos na Sala da Grande Guerra (entrada gratuita para antigos combatentes), julguei oportuno matar dois coelhos de uma só cajadada, estas fotografias de Alfredo Cunha, por mais conhecidas que sejam, possuem o talento de um grande observador, faz parte do pequeno grupo de eleitos que têm o dom para o disparo no momento certo, só imagens que retém um ambiente histórico que apraz sempre relembrar. Mais um bom motivo para os antigos combatentes vir a recordar ou reconhecer aquele que é historicamente o primeiro dos museus portugueses.


Fachada oriental do Museu Militar de Lisboa, no antigo Largo dos Caminhos de Ferro, hoje Santa Apolónia
Em cima, Gabu, Guiné, 1974, A Bandeira Branca.
Em baixo, monumento do tempo colonial apeado na independência de São Tomé e Príncipe
Em cima, reunião em Bafatá, 1974
Em baixo, cemitério militar português em Bissau, sem data
A Revolução dos Cravos: 25 de Abril de 1974.
No Largo do Município, instruendos da Escola Prática de Cavalaria, pertencentes ao 5.º Pelotão de Atiradores, esperar de armas na mão, as forças leais do Governo. (Cartazes de propaganda colonial, promessas de uma sociedade pluricontinental e multirracial num império que se estende de Minho a Timor).

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Nota do editor

Último post da série de 24 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26953: Notas de leitura (1813): O livro do Jaime Bonifácio Marques da Silva, "Não esquecemos os jovens militares do concelho da Lourinhã mortos na guerra colonial" (2025) (235 pp.) - Parte II: apresentação de Joaquim Pinto Carvalho

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26893: Notas de leitura (1805): "Crepúsculo do Império, Portugal e as guerras de descolonização", coordenação de Pedro Aires Oliveira e João Vieira Borges; Bertrand, 2024 (Mário Beja Santos)



Obra de referência sobre os últimos anos do colonialismo português

Mário Beja Santos

Publicado em novembro de 2024, pela Bertrand, "Crepúsculo do Império, Portugal e as guerras de descolonização", coordenado por Pedro Aires Oliveira e João Vieira Borges, este volume de quase oitocentas páginas, que reúne a colaboração de mais de três dezenas de autores, destina-se a familiarizar o público com algumas das investigações mais inovadoras acerca das guerras coloniais de Portugal. Beneficia, naturalmente de avanços historiográficos facilitados pela abertura dos arquivos portugueses.

“Instituições como o Arquivo Histórico Militar e o Arquivo da Defesa Nacional têm recebido, nos últimos anos, significativas incorporações, e funcionam segundo normas que, em geral, se alinham com as políticas de acesso arquivístico mais abertas no plano internacional. 

Como a história das guerras coloniais não se cinge apenas à sua dimensão militar e operacional, outros arquivos têm sido procurados pelos investigadores, com destaque para os acervos depositados nos Arquivos Nacionais Torre do Tombo e nos Arquivos Histórico-Diplomático e Histórico-Ultramarino. 

A isto teremos também de acrescentar toda uma pletora de arquivos internacionais, que tanto inclui os antigos aliados ocidentais de Portugal como os de vários ex-satélites da URSS que a partir de 1990 adotaram regras mais abertas no tocante aos acervos dos seus serviços diplomáticos e de inteligência (como a República Checa), ou a constelação de países do agora chamado Sul Global que desempenharam papel de relevo na solidariedade e apoio aos movimentos independentistas das colónias portuguesas”.

Vejamos, em síntese, a estrutura da obra:

A primeira parte intitula-se “Enquadramento”, aqui se procura estabelecer um quando contextual das guerras coloniais portuguesas em termos políticos, estratégicos e militares; 

a segunda parte denomina-se “Economia e Sociedade”, aqui explora-se a dimensão económica das guerras e os seus impactos sociais; 

a terceira parte obedece ao mote “Mobilização, Luta e Propaganda”, procura familiarizar os leitores com diversos aspetos da conduta do conflito, numa visão que procura conciliar uma abordagem analítica e algum sentido cronológico;

 “Dor e Sofrimento” é a quarta parte, aqui se enunciam os aspetos mais dolorosos do conflito, aqueles que resultam das baixas em operações militares, atrocidades, situações de cativeiro. 

A quinta e última parte é “Fim do Império”, são duas sínteses sobre as vicissitudes deste processo, primeiro na metrópole e em África, e depois nos territórios onde o nível de empenhamento militar português foi comparativamente menor do que em África, mas nem por isso menos gerador de consequências dramáticas, basta recordar Timor.

Sendo totalmente inviável alargar comentários a todos os diferentes comentários, vejamos, a título meramente ilustrativo o modo como os investigadores abordaram certos temas:

“Insistir na tese da vitória traída pode ser politicamente conveniente ainda hoje, mas é insistir em não querer perceber que uma guerrilha não ter por objetivo uma vitória convencional. Ela aposta na atrição prolongada da vontade de combater de um inimigo à partida muito mais forte. As guerrilhas independentistas sabiam não ser realista, nem tiveram como objetivo marchar sobre Lisboa, Paris ou Londres, pois não precisavam disso para atingir o seu objetivo estratégico: transformar o colonialismo num ativo tóxico na política internacional e demasiado custoso em vidas e despesas para ser viável a prazo na política interna das potências colonizadoras.”

“Ponto determinante foi a incapacidade de o poder político transmitir às suas Forças Armadas o que pretendia delas, isto é, o que considerava uma vitória e qual o seu objetivo. Esta incapacidade está plasmada nas cartas de comando entregues pelo Governo aos generais quando os nomeava comandantes-chefes. São todas elas idênticas e do tipo de ordens gerais: manter a ordem no território, colaborar com as autoridades civis e assegurar a relação pacífica entre os habitantes. Com esta latitude de objetivos cada general deduziu a sua missão. E daí cada um ter agido de acordo com a sua análise.

A perda da vontade de combater é uma das condições para o fim de uma guerra. Os capitães preferiram derrubar o regime, antes que o regime fizesse deles os bodes expiatórios da sua incapacidade, como acontecera na Índia. Preferiram defender o seu povo antes que o regime levasse o povo à exaustão.

O 25 de Abril de 1974 também resulta do sentimento de desconfiança dos militares relativamente ao poder político da ditadura do Estado Novo e dos seus dirigentes.”


No ensaio dedicado à estratégia e liderança do Conselho Superior de Defesa Nacional, abordando-se a situação na Guiné no período que vai de novembro de 1969 a maio de 1973, escreve-se:

“A situação na Guiné era a mais crítica. Na reunião de maio de 1971, Spínola deixou claro não ser possível vencer militarmente, levantando forte oposição dos ministros da Defesa e do Ultramar, que preconizavam a possível solução política teria de ter uma vitória no campo militar. Para Spínola, a solução ultrapassava largamente a possibilidade de uma vitória militar, e apenas no quadro de uma plataforma diplomática e política era possível encontrar uma solução de fundo para a Guiné. Qualquer solução que fosse orientada para a vitória militar tinha apenas como consequência e exaustão de recursos humanos, materiais e financeiros. Sem demonstrar aberta concordância com Spínola, Caetano considerava que o esforço financeiro suportado era muito elevado e não tinha a certeza de que a economia do país pudesse continuar a suportá-lo por muito mais tempo.”

Abordando a condição em que ficaram os combatentes africanos que tinham sido leais a Portugal, vejamos o que se escreve sobre a Guiné:

“O elevado número de guineenses ao serviço de Portugal, a sua reconhecida destreza militar, e a própria notoriedade alcançada por muitos deles num território com aquelas dimensões, tornava o PAIGC particularmente receoso quanto à desmobilização daqueles elementos. O seu desarmamento começou a ser feito a partir de 19 de agosto, imediatamente após o acordo de independência, sob a supervisão do Brigadeiro Carlos Fabião. Esse processo deveria ter lugar contra o pagamento de seis meses de salário e uma guia de marcha que habilitaria os antigos combatentes a apresentarem-se ao serviço nas Forças Armadas do Novo Estado, a partir de janeiro de 1975.

A possibilidade de os militares guineenses das Forças Armadas portuguesas, na qualidade de cidadãos da República da Guiné-Bissau, serem elegíveis para o pagamento de pensões de sangue, invalidez e reforma por parte do Estado português estava previsto no Acordo de Argel, mas nos anos seguintes nenhum programa completo para concretizar essa promessa seria implementado. 

A queda em desgraça do setor spinolista da Revolução, na sequência dos acontecimentos do 11 de março de 1975 em Lisboa, trouxe graves consequências para estes elementos, particularmente para os que se tinham distinguido em unidades de operações especiais.

 Os serviços de segurança do novo Estado, organizados por elementos formados na URSS, RDA e Checoslováquia, terão sido instrumentais na identificação e eliminação de vários ex-comandos. Dados revelados em 1980, mencionam 53 fuzilamentos ocorridos em 1965, mas as matanças conheceriam um novo pico em 1978, a propósito de rumores que apontavam para o envolvimento de antigos elementos do Exército colonial num alegado golpe de Estado liderado por Malam Sanhá, um ex-comando.”

Livro essencial, portanto.

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Nota do editor

Último post da série de 2 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26875: Notas de leitura (1804): "A Independência da Guiné-Bissau e a Descolonização Portuguesa", por António Duarte Silva; Afrontamento, 1997 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26773: Agenda cultural (882): Convite para a inauguração da exposição "Imaginários da Guiné-Bissau: o Espólio de Álvaro de Barros Geraldo": amanhã, dia 8, das 18h00 às 20h00 no Museu Nacional de História Natural e da Ciência (As curadoras Catarina de Castro Laranjeiro e Inès Vieira Gomes)


A exposição vai estar de 8 de maio a 31 de agosto de 2025, no  Museu Nacional de História Natural e da Ciência, R. da Escola Politécnica 56, 1250-102 Lisboa



1. Mensagem da Catarina de Castro Laranjeiro, investigadora do Instituto de História Contemporânea, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / Universidade NOVA de Lisboa:


Data - 6 mai 2025 19:15
Assunto - Convite: Inauguração da exposição Imaginários da Guiné-Bissau (8 de maio)


Caro Luís Graça


Na próxima quinta-feira, 8 de maio, entre as 18h e as 20h, inaugura-se, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, a exposição Imaginários da Guiné-Bissau: O Espólio de Álvaro de Barros Geraldo, com curadoria minha e da Inês Vieira Gomes. (*)

A exposição parte do espólio de Álvaro de Barros Geraldo para questionar o argumento de "manutenção de paz" num território em guerra. Através de imagens de emboscadas, cerimónias e iniciativas militares e sociais, propõe-se uma leitura crítica desse discurso e dos seus legados pós-coloniais, no ano em que se assinalam os 50 anos das independências das antigas colónias portuguesas.

Gostaríamos muito de contar com vocês — com a vossa presença, mas também com o vosso olhar atento e crítico sobre o nosso trabalho curatorial.


Um abraço, Catarina e Inês

2.  Comentário do editor LG:

Obrigado, Catarina e Inês. Desejo o maior sucesso para este evento, organizado sob a vossa competente e entusiástica curadoria. Fico impressionado como, em tão pouco tempo, planearam, organizaram e montaram esta exposição. Espero que o nosso blogue vos tenha dado alguma ajuda ou pista, mesmo que pequena.  Temos poucas referência ao antigo fotógrafo oficial do gen Spínola, enquanto governador e comandante-chefe na antiga Guiné Portuguesa (1968-1973) (**)

O Álvaro de Barros Geraldo só era conhecido de alguns de nós como fotógrafo "etnográfico", o A. B. Geraldo de alguns postais ilustrados que compravamos em Bissau. Sabemos que também colaborou com o jornal "Voz da Guiné", assinando algumas reportagens fotográficas. Desconhecíamos completamente a existência de um tão vasto espólio fotográfico, seguramente relevante para o estudo do(s) nosso(s) imaginário(s) da Guiné-Bissau.

Obrigado pelo convite. Não estarei em Lisboa a essa hora, mas espero que algum dos nossos coeditores ou colaboradores permanentes possa representar a Tabanca Grande. E até ao fim de agosto, terei oportunidade de conhecer e apreciar o vosso trabalho. Parabéns.

3. Sinopse da exposição:


(...) "Esta exposição parte de um acervo do Arquivo Histórico Ultramarino de cerca de 82.000 negativos (bem como um conjunto de slides e provas de contacto) da Guiné-Bissau e Lisboa — um espólio inédito, nunca antes estudado, exposto ou devidamente catalogado. 

As imagens são da autoria de Álvaro de Barros Geraldo (1922-1993), fotógrafo de trajetória enigmática, cuja biografia fragmentada exige uma leitura crítica do seu legado.

Imaginários da Guiné-Bissau, investiga o papel da fotografia na construção do argumento de “manutenção de paz” num território em guerra. 

Através de fotografias de emboscadas, cerimónias protocolares e iniciativas militares e sociais, procura-se analisar criticamente como esse discurso legitimou e perpetuou tensões pós-coloniais ao longo dos séculos XX e XXI. 

No ano em que se assinalam os 50 anos das independências das antigas colónias portuguesas, esta exposição questiona os legados dessa narrativa e as suas implicações no presente e no futuro.

A exposição é produzida no âmbito do Programa «Arte pela Democracia», uma iniciativa da Comissão Comemorativa 50 anos do 25 de Abril em parceria com a Direção-Geral das Artes." (,,..)

Fonte: Cortesia de Buala (Excerto)
________________

(**) Vd. poste de 22 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26179: O Nosso Blogue como fonte de informação e conhecimento (107): alguém conheceu Álvaro de Barros Geraldo, o fotógrafo oficial do gen Spínola, no período da guerra colonial, na Guiné-Bissau ?(Catarina Laranjeiro, investigadora no Instituto de História Contemporânea da NOVA/FCSH)
 

domingo, 23 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26608: Os 50 Anos do 25 de Abril (37): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte III


De acordo com a legenda, esta imagem é a reprodução de um postal de c. 1906 (Fonte: João Loureiro: "A Sociedade Angolana de há 100 anos", pref. António Barreto.  Lisboa: Maisimagem, 2008. pág. 94).


Painel II . "Missão Civilizadora" e "Progresso" > 3. O trabalho indígena: modalidades, violência e denúncias.


Exposição > “Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. 
O Colonialismo Português em África: 
Mitos e Realidades”

 Lisboa, Belém,
30 out 2024 / 2 nov 2025


1. Continuamos a "visita resumida"  desta exposição, que pode ser vista até 2 de novembro de 2025. (Há visitas guiadas, tem que se reservar.)

Requer "tempo, vagar e... distanciamento crítico"! ... Merece pelo menos duas visitas, para se lidar com tanta informação. 

Para já é uma oportunidade única para se conhecer uma tão vasta e rica  documentação fotográfica, que ilustra os diferentes painéis, e que é proveniente de diversos arquivos, públicos e privados, incluindo o Arquivo Histórico-Militar, o Arquivo Histórico Ultramarino e o Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Sem esquecer a notável coleção de postais antigos do dr. João Loureiro (ou João M. Loureiro:): uma das suas obras, "Postais Antigos da Guiné", já foi aqui, oportunamente objeto de recensão em quatro postes do nosso crítico literário, Mário Beja Santos. "Uma relíquia", este trabalho, de um grande colecionador que percebeu o valor iconográfico de um simples bilhete-postal... 

De resto, desde cedo, no blogue, fizemos um esforço por recolher e salvaguardar os nossos velhos postais ilustrados (temos meia centena de referências).

Por outro lado, estamos a falar de um período da nossa história (e da história africana) mal conhecido de todos nós. antigos combatentes: grosso modo, vai do último quartel do séc. XIX até à descolonização.

Quem é que no nosso tempo de escola (incluindo o liceu), nos anos 50/60,  ouviu falar em "trabalho forçado", "imposto de palhota". "assimilados", "colonialismo",   "código do trabalho indígena", "acto colonial", "luso-tropicalismo", "nacionalismo africano", etc. ?!... 

Eu não ouvi, nem me perguntaram nada disso no exame de admissão ao liceu, em 1958... Era lá coisa para uma criança de 10 anos ter que saber!.. Perguntaram-me, isso sim, os nomes e cognomes de todos os reis de Portugal... (Felizmente, sabia-os, na ponta da língua!)

Nós já somos do tempo, em que as "colónias" passaram a "províncias"... Mas não sabíamos que só em 1962 fora"abolido legalmente o trabalho forçado", era então ministro do ultramar  o professor Adriano Moreira (1922-2022)... Tinha eu 15 anos.  

O  objetivo desta exposição pretende ser  "pedagógico e didático",  resultando da colaboração de 3 dezenas de especialistas mas não deixando de ter o cunho muito pessoal, profissional, metodológico e teórico-ideológico da sua curadora, Isabel Castro Henriques (vd. aqui a entrevista que deu à RTP África). 

A exposição é organizada pelo CEsA Centro de Estudos sobre África e Desenvolvimento (do ISEG / UL)  e pelo Museu Nacional de Etnologia, com curadoria da historiadora Isabel Castro Henriques. Integra as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril.


2. Recorde-se que, de acordo com a folha de sala, a "narrativa da exposição" centra-se em dois  eixos:

(i) um primeiro eixo baseado  "em painéis temáticos, nos quais texto e imagem se articulam, pondo em evidência as linhas de força do colonialismo português dos séculos XIX e XX, e dando a palavra ao conhecimento histórico"; 

(ii) e um  segundo eixo que "pretende 'fazer falar' as   [139] obras de arte africanas", quase todas do espólio do Museu Nacional de Etnologia (que, acrescente-se,  não é um museu do colonialismo...)  como "evidências materiais do pensamento e da cultura africanas, evidenciando a complexidade organizativa dos sistemas sociais e culturais destas sociedades, permitindo mostrar a criatividade, a vitalidade, a sabedoria, a racionalidade, a diversidade identitária e as competências africanas e contribuindo para evidenciar e desconstruir a natureza falsificadora dos mitos coloniais portugueses."

Ainda não visitámos a exposição toda que, se não erramos, tem oito painéis (sendo o último dedicado à descolonização e o legado colonial).



3. O segundo painel  (*) tem como subtemas os seguintes (pelo menos, os que eu registei na minha máquina fotográfica), e que são profusamente ilustrados com imagens da época (mais de Angola, Moçambique e São Tomé, e muito menos da Guiné, que não era uma "colónia de povoamento"):

(i) a criação do "indígena" e o "grémio da civilização";

(ii) a obra civilizadora da Igreja: evangelização e instrução:

(iii) o trabalho indígena: modalidades, violência e denúncias;

(iv) o imposto indígena: caracterização e significado histórico.

Seguem-se alguns conteúdos (reproduzidos aqui com a devida vénia, e a pensar sobretudo nos nossos leitores fora de Lisboa que dificilmente terão oportunidade de se deslocar ao Museu Nacional de Etnologia, no Restelo, de entrada gratuita para os antigos combatentes)... 

A exposição é muito rica do ponto de vista documental, com se pode aferir pela pequena amostra que apresentamos (seleção de c. de 220 imagens que fiz de metade dos painéis):



























"Sacralização da vida: objetos e rituais" (Uma das diversas vitrines com objetos de arte africana , na sua maioria espólio do Museu Nacional de Etonologia)






















(Imagens obtidas da exposição "in situ",  sem flash, com a devida vénia, e aqui reproduzidas com propósito meramente informativo...)


(Fotos, seleção, edição: LG)

(Continua)

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Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores:


15 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26499: Os 50 Anos do 25 de Abril (36): Lisboa, Belém, Museu de Etnologia, até 2/11/2025: Exposição "Desconstruir o Colonialismo, Descolonizar o Imaginário. O Colonialismo Português em África: Mitos e Realidades" - Parte II

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26294: Notas de leitura (1756): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
É impossível não acompanhar o espírito de determinação que acompanha toda a governação de Oliveira Muzanty, quer sufocar revoltas, conceder perdões, gerar uma atmosfera que garanta a segurança das atividades comerciais, o grande busílis é o imposto palhota, vai de Varela até ao Sul, há protestos, etnias inteiras recusam pagar; o governador sabe que carece de meios para criar postos militares, o ministro limita drasticamente os gastos, só se abrem os cordões à bolsa para a campanha no Cuor, em 1908, nunca se vira na Guiné uma companhia de Macuas, centenas de militares brancos, veio propositadamente de Cabo Verde o fotógrafo José Henriques de Mello que nos deixará imagens interessantíssimas quer da presença destes efetivos, quer imagens do Cuor em chamas; é também neste período que se observa a solidariedade entre Fulas, Abdulai, régulo do Xime, é atacado por Infali e outros régulos Biafadas, os régulos Fulas vêem em seu auxílio, entre eles é figura de muito prestígio na região do Gabu, Monjur. Continuam as peripécias de Graça Falcão, andou a queixar-se em Lisboa de Muzanty, regressa e é-lhe instaurado um processo-crime. Mesmo com toda esta dinâmica das expedições militares, são tempos de expetativa depois do regicídio instalou-se em Lisboa um Governo de acalmação, e persistem as dificuldades financeiras. O novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6)

Mário Beja Santos

O governador Oliveira Muzanty não pára de organizar expedições, não faltam por toda a Guiné atos de sublevação, insubordinação, recusa de pagar impostos de palhota. A situação mais grave é a que se passa em Geba, em novembro de 1907 o governador põe-se à frente de uma expedição para impedir a propagação da rebelião na circunscrição de Geba, são envolvidas duas lanchas canhoneiras; nestas operações vão aparecer rebeldes bem municiados, o que leva a tomar a decisão governamental de proibir o comércio de pólvora, armas e espoletas em toda a província. Em dezembro, a revolta está sufocada, o governador envia o seu relatório ao ministro, dá-lhe conta da extensão do que fora a recusa de pagamento de imposto, era um movimento em que estavam envolvidos vários régulos, tendo à frente Infali Soncó, régulo do Cuor. O régulo do Xime manifestou-se contrário a esse movimento, o governador mandou distribuir armas e munições, régulos Fulas como Monjur, vieram apoiar Abdulai, o régulo do Xime, quem vinha atacar este régulo recua, Muzanty tem consciência de que precisa de fazer uma grande expedição, exemplar, na margem direita do Geba.

O governador teve que atacar noutra frente, no Quínara, havia que repor em funcionamento a linha telegráfica que tinha sido interrompida pelos indígenas Biafadas. A expedição desembarca em S. João, em frente a Bolama, os Biafadas rompem folgo, o gentio é expulso da população, a coluna avança protegida pela artilharia. Mais à frente, a força é recebida por intenso tiroteio, envolvida por todos os lados, os rebeldes usam espingardas Snider; a força vai incendiando povoações e depois regressa, não se atingira o objetivo de reparar a linha telegráfica.

Entretanto, está em formação a maior expedição que até hoje se vira na Guiné, de Lourenço Marques veio uma companhia de Macuas, do continente 10 oficiais, 12 praças de engenharia, 69 de artilharia, 251 de infantaria, 8 de serviço de saúde, 4 administrativos, material sanitário e de bivaque, munições, viveres, etc. Em março, esta expedição como nunca se vira chega a Bissau. Enquanto se organiza esta força expedicionária, havia problemas em Varela a resolver, para ali avançara gente do destacamento de Cacheu e vão várias embarcações em direção ao porto de Bolor. O destacamento está frente a Varela e começam os disparos da peça de artilharia, a resposta é enérgica, mas depois desaparece a resistência, a povoação foi destruída.

Agora sim, vai começar a expedição na região do Cuor, onde o régulo Infali Soncó tinha estabelecido umas verdadeiras fortificações, era dali que partiam ataques às lanchas que pretendiam navegar no rio. Infali contava com várias alianças, terá de combater sozinho. A expedição parte no fim de março, acampam no Xime. O objetivo da coluna era tomar conta do porto de Sambel Nhantá, atravessava-se Bambadinca para o Cuor e procurava-se acabar com a resistência logo em Ganturé. Possuímos boas imagens desta expedição graças à presença como fotografia militar de José Henriques de Mello. Os apoiantes de Infali ainda resistem em Ganturé, a povoação é assaltada pelo corpo auxiliar de indígenas, secundado por cavaleiros turancas, os apoiantes de Infali fogem; na manhã seguinte toma-se Sambel Nhantá, a expedição avança até Madina, o régulo fugiu para o Oio. Fica em construção um posto militar em Caranquecunda. Todos os régulos à volta deram ordens para satisfazer o pagamento do imposto. A região de Geba deixa de ser teatro de operações. Muzanty volta-se para a ilha de Bissau e depois o Quínara. O ministro em Lisboa insistia que se avançasse para o Oio, o governador considerou prioritário uma campanha na ilha de Bissau, os régulos de Intim e Bandim não tinham cumprido a promessa de vassalagem, será uma expedição de peso: 30 oficiais, 486 praças europeias, 148 praças indígenas, muitas dezenas de auxiliares e centenas de carregadores. A coluna começa por ser atacada, a coluna continua a avançar, a povoação é abandonada, incendeia-se um grande número de povoações de Bandim, mas os rebeldes não desistem de atacar, dão pouca luta. O que se passou na ilha não passou de um castigo exemplar, não houve ocupação, foi um bate e foge, de Lisboa reclama o efetivo continental.

Graça Falcão, um ex-alferes que no passado fora considerado um herói, e depois se tornara comerciante e acusado pelas autoridades de muita vilania, anda por Lisboa a lançar na imprensa uma campanha contra a governação de Muzanty, lembra a toda a gente em Lisboa que é um cavaleiro da Torre e Espada muito maltratado; escreve ao ministro a pedir que seja feita justiça, pede a revogação da portaria que limitou os seus movimentos na Guiné. Muzanty responde com energia, publica uma nova portaria determinando nova expulsão de Graça Falcão, o ministro mandou anular a portaria determinando ao promotor civil da auditoria da Guiné que lhe seja instaurado um processo-crime e aplicado o castigo que for de justiça. É episódio que terá continuação. Muzanty vem a Lisboa, fica encarregado do Governo o secretário-geral Joaquim José Duarte Guimarães. Este dá contas ao Governo de cada uma das circunscrições: na circunscrição de Cacine não havia problemas, tinha-se cobrado o imposto, assim como em Buba; a região do Quínara, ocupada por Biafadas, estava insubmissa; parte da circunscrição de Geba estava quase desabitada depois das últimas operações de Oliveira Muzanty; em Sambel Nhantá encontrava-se Abdul Injai, que o encarregado do Governo apelida de homem terrível, mau elemento, comandante de bandidos; o Oio era habitado por gente trabalhadora mas que não pagavam imposto, o mesmo sucedendo com os Balantas; em Bissau, as questões com os indígenas continuavam sem solução, morrera o régulo de Intim e procurava-se agora forçá-los a pedir a paz. Permanece uma grande desconfiança sobre as atividades de Abdul Injai naquela região do Geba, e é nisto que surgem problemas na região dos Balantas, o secretário-geral vai a Caranquecunda e convida Abdul Injai a atacar os Balantas, este aceita, incendei as tabancas Balantas, mata e rouba, o secretário-geral toma a decisão de estabelecer naquele território um posto militar.

Mudando de cenário, temos as constantes reclamações estrangeiras, os pedidos de indeminização dos proprietários das embarcações e das mercadorias roubadas, o encarregado do Governo nega-lhes provimento. Muzanty volta à Guiné, vai ficar por pouco tempo, a sua ação não tinha conseguido resolver os problemas principais da província, nomeadamente as questões do Oio e de Bissau. Muzanty regressa a Lisboa, Duarte Guimarães é novamente nomeado encarregado do Governo, é um período de atritos entre o secretário-geral, o encarregado do Governo e o Chefe de Estado-maior. Já estamos em 1909, o novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Armando Tavares da Silva
Oficiais da bateria de artilharia da Guiné, fotografia de José Henriques de Mello
Embarque de auxiliares num batelão, fotografia de José Henriques de Mello
Colecção Jill Rosemary Dias, 1920
Imagem retirada de Casa Comum/Fundação Mário Soares

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 6 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26240: Notas de leitura (1752): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26272: Notas de leitura (1755): Lavar dos Cestos, José Brás e Chiado Books, 2024 (1) (Mário Beja Santos)