sábado, 31 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5187: Histórias de José Marques Ferreira (8): Jornal da Caserna (2)



1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré - 1963/65 -, enviou-nos com data de 31 de Outubro de 2009, o segundo de alguns extractos do "Jornal da Caserna" da sua Companhia.

Os meus cumprimentos para a Tertúlia:

No seguimento da ideia que foi exprimida no primeiro poste (P5171), aqui vai uma pequena história do «Jornal da Caserna», um «órgão de comunicação social» propriedade de ninguém, mas com o apoio de muita gente da CCAÇ 462, cujo primeiro número foi dactilografado com cópias a químico em 1964, ano este em que não haviam ainda as actuais e práticas fotocópias, para reprodução do original ilustrado. O primeiro número foi dado à estampa (que grande definição para aquele tempo), em Fevereiro de 1964.

O número 15 deste periódico foi o último, porque em Outubro de 1964 recebemos ordens de carregar as trouxas e “desacampar”. O acampamento seguinte foi em Bula, como companhia operacional, sendo este o local onde estava centrado o BCAÇ 507 (Ten Cor Hélio Felgas), que, pouco tempo depois, deu lugar ao BCAV 790 sob o comando do Ten Cor Henrique Calado.

Eis a história:

Fogo com tornado em chuvas

“No fundo escuro da morança circular, entorpecida pelo reumatismo, que lhe roía as juntas, gemia a “mulher grande” do chefe da tabanca.

Àquela hora estavam os homens a juntar forças ao terçado para varrer mato, sulcar a terra, enterrar o fruto, para que a mancarra despontasse.

O chefe com os seus vizinhos de morança repetiam e juntavam os esforços, destilavam suor sobre calor abafado, para o trabalho do talhão deste ou daquele; onde cresceriam as suas esperanças em nova campanha de venda. Ora, o velho e resoluto Samba, fula genuíno, era um dos mortais em que a tropa do destacamento perto depositava confiança. Assim era na verdade e nas horas de trabalho ou de calcar mato de lés a lés, espiolhava com os seus homens todos os movimentos suspeitos do pessoal bandido no mato cerrado.

A mulher do fiel Samba lá estava estendida na esteira, suportando a ferrugem dos anos. Era a única alma viva, além de um outro garoto que brincava ou dormia a sesta em sorna doentia à sombra do mangueiro acolhedor. De repente, em surpresa assassina, os bandidos fizeram uma sortida e deitam fogo que se ateia furioso à palha seca dos moranças. Corre apressado o Samba, que ao ver fumo e gritos ao longe – pensa em mau agoiro. Quando corre ofegante passa pelos dedos o chifre e mèzinhos que trás ao pescoço. Aperta-os com força e com raiva.

Com espírito de jambacosse em mau agoiro – pensa no pior. Cansado, fura em corrida a entrada do quartel e conta ao Comandante o acontecido. Este põe o seu dispositivo de guerra em marcha, não atendendo ao tornado envolto em chuvas, que estala à mistura com o ribombar do trovão.

Os elementos facilitam a progressão. Estala um tiroteio de pôr os ouvidos a zunir e abatem-se alguns dos assaltantes em fuga precipitada. Algumas crianças fugiam espavoridas ao fogo crepitante em palha nas coberturas, sem o inevitável de algumas perecerem às chamas que as lambiam em círculo. Mulher grande – morre frente ao ódio excitado e assassino.E só por o velho Samba ser fiel… não aderir à catequização que se promovia. Samba com a lágrima no olho, cheio de dor – olha a sua casa em chamas.

Nada mais há a fazer…

- Enfim, foram mais umas vítimas inocentes desta guerra… - comentou mais alguém para o comandante da tropa, que conformava o velho Fula.

(Do nosso correspondente em Teixeira Pinto – ÓKEY)”

Esclarecimento:

Chamávamos ao nosso periódico da companhia: «Jornal da Caserna». Uma publicação que tinha os seus colaboradores locais e, mais além, “correspondentes” destacados em outras localidades, com resquícios de estrutura física e tudo.

Por isso, nós, já em 1964, utilizávamos e dávamos forma àquilo que hoje se intitula, corriqueiramente, de Comunicação Social, e é aceite pela sociedade como perfeitamente banal e natural.

Veja-se que até tínhamos um correspondente em Teixeira Pinto, que nos enviava, por avioneta, histórias como esta acima publicada e que, posteriormente, eu transcrevia para o “stencyl” (creio que é assim que se escreve).

O pseudónimo ÓKEY, era utilizado pelo Alf Mil Médico Ramiro Fernandes Figueiredo, que embora pertencendo à minha companhia (Ingoré), foi destacado, ou «emprestado», à unidade de Teixeira Pinto.

Foi o mais «destravado» e bem-disposto militar que conheci na minha vida. Penso que era, ou viria a ser, psiquiatra. Mas, o que ele gostava mesmo, era de jogar futebol misturado com toda a rapaziada… um desporto que, na Guiné, permitia a criação de grandes elos de amizade e fraternidade… inesquecíveis!

Aproveito esta oportunidade, para enviar esta foto de uma palhota que não foi incendiada (já que falamos delas na estória), que constituía o meu bur.. ako e que legendo assim: «Isto é uma moradia! Façam favor de entrar. Guiné - Có - Abril de 1965».

Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Sold Ap Armas Pes

Foto e gravura: José M. Ferreira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:


Guiné 63/74 – P5186: Filatelia(s) (9): Envelopes comemorativos do Dia do Selo, de 1 de Dezembro dos anos de 1963, 1968, 1970 e 1971 (Eduardo Ribeiro)

1. Do arquivo pessoal, do Eduardo José Magalhães Ribeiro, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá - 1974, anexam-se neste poste mais quatro envelopes comemorativos de Dia do Selo, de 1 de Dezembro dos anos de 1963, 1968, 1970 e 1971, com selos postais e carimbos alusivos às efemérides.

2. Esta poste dá seguimento ao P5137, onde se apresentam as primeiras 4 peças desta matéria, referentes aos anos de 1967, 1969, 1972 e 1973.

Camaradas,Com a prestimosa colaboração da firma “Filatelia Numismática Simarro, Lda” desta cidade do Porto, apresento-vos mais 4 envelopes dedicados ao Dia do Selo na Guiné, com selos postais da época e os respectivos carimbos do 1º dia de circulação, relativos às efemérides, datados de 1 de Dezembro dos anos de 1963, 1968, 1970 e 1971.

IX Dia do Selo – 1 de Dezembro de 1963

XIV Dia do Selo – 1 de Dezembro de 1968

XVI Dia do Selo – 1 de Dezembro de 1970

XVII Dia do Selo – 1 de Dezembro de 1971

A referida firma, que se prestou, ao inteiro dispor, a colaborar no melhor cumprimento desta série, faz descontos especiais no negócio dos seus produtos, a todos nós que passamos pelo Ultramar.

Um abraço Amigo,
Magalhães Ribeiro
Fur Mil Op Esp/RANGER

Documentos: © Magalhães Ribeiro (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. poste anterior desta série em:

Guiné 63/74 - P5185: Convívios (173): Convívio da CART 3492 & Restante pessoal que passou pelo Xitole (Joaquim Mexia Alves)


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73:
CONVÍVIO

Caros Camarigos

Ora aqui vai uma informação pertinente.

No próximo dia 7 de Novembro a CART 3492, que esteve sediada no Xitole de 1972 a 1974, vai reunir para um almoço em Monte Real, na Pensão Montanha, tal como nos anos anteriores.

O almoço terá um custo de 15,00€ e para verem a ementa fazem o favor de se dirigirem ao XITOLE - http://pontedosfulas.blogspot.com/.

Há também alojamento para quem quiser, sendo obviamente preciso fazer marcação prévia.

Tal como o ano passado o almoço está aberto a todos os que estiveram no Xitole, antes e depois da CART 3492, e posso desde já acrescentar, a título de exemplo, que o David Guimarães da companhia anterior estará presente.

Aqueles que quiserem “morfar” cá ca gente, matando sódades do Xitole só têm que telefonar para o Joaquim Mexia Alves – 962108509 e expressar o seu contentamento e desejo de presença no dia aprazado.

E cá vos esperamos de braços abertos.

Abraço sempre camarigo para todos,
Joaquim Mexia Alves
Alf Mil Op Esp/RANGER

Nota: sugiro que onde digo para se deslocarem ao Xitole coloquem o link para o respectivo blogue utilizando a palavra XITOLE.

Já sei que estou a "ensinar o padre nosso ao vigário"....
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5184: Controvérsias (40): Carta Aberta ao Senhor Ministro da Defesa Nacional (José Martins)



1. Mensagem de José Martins* (ex-Fur Mil, Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos,Canjadude, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2009:



Carta aberta

Exmº. Sr. Ministro da Defesa Nacional
Exmº. Sr. Chefe do Estado-maior General das Forças Armadas
Exmº. Sr. Chefe do Estado-maior do Exército

Com conhecimento:

Exmº. Sr. Presidente da Liga dos Combatentes
Exmºs. Dirigentes das Associações de Combatentes

Excelências
Camaradas de Armas

O nosso País, e disso são os Combatentes prova viva, teve largos períodos em que teve necessidade de mobilizar os seus cidadãos para fazer face a eventuais e efectivas afrontas à nossa soberania como Nação.

Um desse períodos, do qual ainda há sobreviventes, foi o período de 1939/1945, durante o qual se desenrolou a II Grande Guerra Mundial que, pela sua extensão e barbárie, deixou para segundo plano, tudo aquilo que foi considerado “esforço menor” (palavras nossas), face às notícias profusamente difundidas.

Refiro-me à necessidade que as Forças Armadas tiveram de, contra ventos e marés, mobilizar tropas para reforçar as suas guarnições militares locais, das então Províncias Ultramarinas, com o envio de forças expedicionárias, além de ter de prover a defesa do próprio território continental, a chamada Metrópole, face a qualquer contingência da guerra em curso.

Consultando a brochura que contém os Estatutos, o Regulamento e as Disposições Diversas, e editado pela Liga dos Combatentes, e no respeitante à atribuição de medalhas comemorativas, para o período em análise (1939/1945), apenas existe a alusão ao extracto do Decreto nº 568/70 de 20 de Novembro, que estabelece a atribuição de medalha “aos tripulantes dos navios mercantes durante a guerra de 1939-1945 e/ou defesa do ultramar”.

Assim, e dada a inexistência de uma medalha que possa ser atribuída aos participantes, ainda vivos, de tais expedições, e, ao ler o preambulo de Decreto-lei nº 316/2002 de 27 de Dezembro (Regulamento da Medalha Militar e das Medalhas Comemorativas das Forças Armadas), refere, o mesmo, a instituição de uma condecoração “destinada a premiar serviços notáveis nele prestados (MDN) ou em beneficio da Defesa Nacional em geral” e …“a ser atribuída a militares que em circunstâncias de situação de campanha ou em circunstâncias com ela directamente relacionada, bem como noutras missões de serviço em território nacional”… “Neste sentido é criada a medalha de reconhecimento”.

Neste sentido, permitimo-nos, pois, sugerir que seja atribuída a todos os expedicionários para os antigos territórios portugueses, mormente aos que foram destacados para os arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde, cujos territórios ofereciam, face às circunstâncias, maiores riscos, seja atribuída, dizíamos, a MEDALHA DE RECONHECIMENTO.

Este gesto seria, não só o reconhecimento do País àqueles portugueses que, no tempo devido, puseram a sua vida ao serviço da Pátria e, alguns anos mais tarde, seriam eles a entregar os próprios filhos, para defenderem o então Ultramar Português.
Seguidamente, poder-se-ia iniciar o processo de protecção dos combatentes do ultramar, especialmente os que se encontram em situação mais precária, a que muitos chamaram “Os últimos Soldados do Império”.


José da Silva Marcelino Martins
Ex-Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria
Companhia de Caçadores nº 5 do C.T.I. da Guiné
Junho de 1969 a Junho de 1970
josesmmartins@sapo.pt


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Descrição da Medalha de Reconhecimento

Suspensa por uma fita de seda branca, cortada por dois filetes longitudinais de negro, tem pendente uma estrela, em cobre, de cinco pontas, cinzeladas, cada uma terminando por uma pequena esfera armilar pequena, tendo ao centro um emblema nacional, circundado com a legenda RECONHECIMENTO.

O reverso é igual ao anverso, alterando apenas o centro em que tem a legenda A QUEM SE SACRIFICOU PELA PÁTRIA, disposta em seis linhas e cercada por duas vergônteas de louro, frutadas e cruzadas nos topos próximos.

(José Martins)

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Nota de MR:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 - P5183: Notas de leitura (31): Notícias da Pátria e dos que a invocam, em vão ou não (António Matos)

1. Texto do nosso camarada, de cepa transmontana, apreciado e regular colaborador do nosso blogue, ex-IBM, António Matos, ou António Garcia de Matos, ex-Alf Mil, CCAÇ 2790, Bula, 1970/72, onde foi especialista em minas e armadilhas (no TO da Guiné, deve ter visto e manuseados muito mais engenhos explosivos em dias de pesadelo do que carneiros em noites de insónia: 16 mil, contou-as ele, que nem sequer consta do Guiness, no livro dos recordes) (*)... Nota de apontamentos e de leitura a propósito do lançamento do livro de Brandão Ferreira, Em Nome da Pátria (Lisboa, Livros d' Hoje, 2009, 557 pp., c.16 €)(**):


Ainda que esta sempre apaixonante questão de guerra ganha-guerra perdida já tenha sido alvo das opiniões de todos que a quiseram manifestar, a verdade é que, mais ou menos esporadicamente, ela volta à ribalta e presenteia-nos com as habituais cobardias de quem comenta escondido atrás do biombo do anonimato em plena demonstração da falta de hombridade, de verticalidade de respeito por si próprio.

Seja-me permitido também acicatar os ânimos dos que discordam do meu ponto de vista mas direi que há dois momentos absolutamente diferentes nesta discussão que urge chamar a atenção para não estarmos a falar, simultaneamente, de alhos e de bugalhos.
Por um lado, pergunta-se se a guerra estava ou não perdida, ora isso pressupõe uma altura antes da dita guerra acabar. Por outro lado afirma-se que perdemos a guerra e isso dá a guerra já como terminada.

Se quanto ao primeiro ponto sou de opinião que a guerra não estava perdida, já no segundo reconheço que Portugal é que cedeu e aí, a haver a necessária contabilidade, admito que a perdemos.

Continuo, entretanto, a defender que a nós, combatentes, actores vivos dos acontecimentos, não nos cabe fazer a história. Essa será concerteza tema de profissionais ainda que os nossos depoimentos lhes facilitem a tarefa.

Ontem, quarta feira, assisti ao lançamento do livro Em Nome da Pátria (**), escrito por um militar não interveniente naquela guerra (**) mas que nem por isso deixo de lhe reconhecer o direito à opinião com a qual sou livre de concordar ou discordar.

O livro, prefaciado pelo Prof. Doutor Adriano Moreira que abrilhantou a sessão com a frescura do seu pensamento e a clarividência do seu raciocínio, é composto por 551 páginas de texto compacto, estruturalmente bem concebido ainda que o conteúdo possa estar eivado de anti-corpos passíveis de alta contestação.

O ambiente na sala pareceu-me bastante heterogéneo e o modo desabrido e frontal do autor deu azo a vários cruzamentos e descruzamentos de pernas e aos "comprometedores" sons abafados dos rabos a virarem-se nas cadeiras...

Algumas palmas que entrecortaram a sua intervenção pareceram-me demasiado fundamentalistas a darem o ar de contas mal ajustadas com o passado.

Seguiu-se um Porto aquando da sessão de autógrafos durante a qual tive oportunidade de me dar a conhecer ao coronel Coutinho Lima e a quem lhe fiz a pergunta : "Como tem convivido com a sua decisão de então ?", à qual me respondeu "Muito bem, pesem embora as opiniões de oposição, algumas das quais muito violentas".

Mais uma vez tive ocasião de lhe manifestar a minha maneira de ver de que não podemos querer ser senão os relatores da nossa estória para que outros escrevam a História.

[Revisão / fixação de texto / itálicos / título: L.G.]

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3390 Tabanca Grande (95): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2790, Bula (1970/72)

(**) 28 de Outubro de 2009 > Guiné 63/74 - P5173: Agenda Cultural (38): Em Nome da Pátria, de Brandão Ferreira: Hoje, às 18h00, na Academia Militar, em Lisboa

(***) O autor entrou para a Academia Militar em 1971. Foi também comandante de linha aérea. É actualmente Ten Cor Pilav Ref e estudioso de questões de defesa e estratégia, bem como de história militar. Tem 56 anos. A seguir ao 25 de Abril de 1974, esteve nos Estados Unidos em formação.É sócio efectivo da Revista Militar.

"Esteve 27 anos na Força Aérea e foi adido de Defesa na Guiné-Bissau, Senegal e Guiné-Conacri. Nunca combateu na guerra colonial mas os valores que professa no livro (Pátria, um Portugal do Minho a Timor) são os dessa época. Os seus princípios parecem inabaláveis: 'Por aquilo que é secundário, negoceia-se; pelo que é importante, combate-se; pelo que é fundamental, morre-se' " (IOL - Diário > 20-10-2009 > "A descolonização enfraqueceu o país").

A sua editora, a Livros d'Hoje, a acrescenta os seguintes dados biográficos:

"João José Brandão Ferreira é (...) mestre em Estratégia pelo ISCSP.

"Durante toda a sua vida profissional foi colaborador de quase todas as revistas militares portuguesas e de alguns jornais, tendo já publicado mais de 600 artigos e efectuado mais de 50 conferências.

"É ainda autor de vários livros entre eles A Evolução do Conceito Estratégico Ultramarino Português e A Inserção das Forças Armadas na Sociedade".

Guiné 63/74 - P5182: Tabanca Grande (183): Luís Paiva, ex-Fur Mil, Pel Art 15, Guileje e Gadamael (1972/73)

Guiné > Região de Tombali > Guileje > CCAÇ 3325 (Jan/Dez 1971) > Pessoal do Pel Art que guarnecia um das peças 11,4 cm ali existentes, no tempo em que a unidade de quadrícula era a CCAÇ 3325, comandada pelo Cap Jorge Parracho, hoje coronel na reforma. A CCAÇ 3325 foi subtituída pela CCAÇ 3477 (Nov 1971 / Dez 1972) > Os Gringos de Guileje, l a que se seguiu a CCAV 8350 (Dez 1972/Mai 1973) > Os Piratas de Guileje. O Pel Art 15, a que pertenceu o Luís Paiva, esteve em Guileje com estas duas unidades de quadrícula.

Foto: © Jorge Parracho / AD - Acção para o Desenvolvimento, Bissau 2007). Direitos reservados.

1. Mail de, de 24 de corrente, do Luís Paiva:

Caro Luís Graça:

Em viagem meramente acidental acabei por deparar com a publicação de uma parte da história da minha passagem entre 1972 e 1974 por terras da Guiné/Bissau, mais concretamente por Guileje, Cacine e Gadamael, no período que decorreu entre 1972 e 1973.

Embora o texto a que alude o link [abaixo] (*), tenha já sido redigido há quase dois anos, a verdade é que nunca mais o revi nem sequer sabia que tinha sido publicado.

Há pelo menos uma imprecisão no referido texto que desejaria corrigir: no ponto "vi" onde está escrito "Quando chegámos a Gadamael", deveria ter sido escrito "Quando chegámos a Cacine".

Saudações cordiais.

Luís Paiva
Lamego
nop45376@sapo.pt

2. Comentário de L.G. (enviado por mail):

Já está feita a correcção. Mas tu, continuas a não fazer parte da nossa Tabanca Grande. A tua história é uma daquelas que, talvez um dia, venha a ser publicada em livro de antologia do nosso blogue. Preciso me mandes as duas fotos da praxe para eu te apresentar ao resto da malta (já somos quase um batalhão).

Vejo que vives em Lamego. Dá notícias. Obrigado pelo teu mail. Luís Graça

3. Resposta do Luís Paiva, a 26 do corrente:

Caro Luís Graça:

Assunto - Histórias de tempo de guerra

Grato pelo feedack, informo que, logo que possível, procurarei seleccionar no meu arquivo fotográfico as fotos que solicitas, ressalvando porém desde já que a qualidade das mesmas possa não ser a que seria desejável e isto porque, obviamente, não se pode esperar que fotos analógicas com mais de 36 anos tenham uma qualidade óptima. Presumo que as fotos pedidas se refiram ao período da guerra colonial, eventualmente com mais uma foto actual, não?!

Após a selecção que desejo fazer, terei que efectuar um scanner das mesmas e remetê-las por email.

Numa análise superficial que fiz ao blogue não consegui detectar em que zona da Guiné estiveste e em que período. Admito a possibilidade de, numa pesquisa mais exaustiva, lograr obter essa informação mas como o blogue possui demasiada informação, desejaria evitar uma busca demasiado longa.

Quanto à publicação da minha história em livro, acho que não tem grande interesse. A verdade é que não faço parte do número discutível de heróis que a guerra colonial parece ter produzido. Admito perfeitamente a existência de heróis porque, como em todas as guerras, também os houve nas nossas ex-colónias. Porém há sempre um conjunto bastante significativo de homens que, jogando com o factor tempo e com o desconhecimento por parte dos leitores do que então se passou, se aproprie indevidamente de um heroísmo que não teve!

A guerra colonial não é assunto tabu e a mim pessoalmente não reconheço, felizmente, ter deixado traumas e sequelas que tenham perturbado o resto dos meus dias. Infelizmente nem todos tiveram essa sorte e é sabido que houve camaradas nossos que perderam a vida, outros que herdaram deficiências físicas mais ou menos profundas e outros ainda que são hoje vítimas de problemas psicológicos graves.

Sou por natureza um pacifista e um grande crítico dos conflitos mundiais, entendendo que a maioria deles só servem interesses obscuros, sejam eles comércio de armas, sejam outros. Normalmente quem provoca as guerras não é quem mais com elas sofre! Eu diria que o que acontece é que quem as desencadeia ou está na sua origem ou é usualmente quem com elas mais usufrui.

Quando há mais de 36 anos me preparava para ir para a Guiné, um amigo que recentemente foi Director de uma conhecidíssima Instituição do Estado, inquiria-me sobre as razões que me levavam a não me furtar a essa mobilização. Ele era já um forte crítico da guerra colonial e na altura, com os meus 21 anos, eu não tinha qualquer formação política. Esta iniciou-se, quase sem eu dar por isso, já na Guiné, quando numa patrulha ouvi um milícia guineense reprovar a nossa deslocação para aquela ex-colónia, inquirindo-nos sobre as razões da nossa permanência ali.

Foi a partir desse momento que iniciei a minha consciencialização política. E, embora nunca tivesse sido um activista, a verdade é que com o desenrolar do conflito, sobretudo na parte do mesmo em que eu, por força das circunstâncias, acabei por estar envolvido, fui desenvolvendo uma tomada de posição bastante crítica em relação àquela guerra.

A minha posição foi-se aliás definindo nos longos aerogramas e cartas que quase diariamente fui escrevendo à mulher com quem estou casado há 34 anos e que quase religiosamente guardou toda essa correspondência que estou para reler, aínda que parcialmente, relativamente ao período mais conturbado que passei na Guiné. Funcionam quase como peças jornalísticas!

A memória é algo que nos vai traíndo com a idade mas quando existem documentos de suporte torna-se mais fácil reconstituír certos factos, aínda que com a distância a que o tempo e idade necessariamente nos obrigam.

A guerra dos ecrãs de cinema, por muito que procure a reconstituição verídica e genuína dos factos, vale pelo que vale! As guerras nas quais nós somos protagonistas têm menos a ver com estereótipos do que muitos, que não passaram por elas, imaginam.

De uma leitura parcial do teu blogue, pude para já concluír por uma diferença de opiniões e relatos que só vêm provar quanto este assunto é controverso. Parece-me ser notória a polémica que envolve algumas das histórias de guerra e a divisão de pontos de vista muitas vezes antagónicos e dificilmente conciliáveis. Tenho sérias dúvidas que muitos dos relatos feitos tenham efeitos benéficos pois longe de funcionarem como um exorcismo poderão antes reabrir algumas feridas.

Todos nós temos as nossas histórias, umas mais conturbadas do que outras. Cada um foi protagonista à sua maneira de um conflito colonial cujo desencadeamento e prolongamento teve subjacentes razões muito discutíveis. A discussão política levar-nos-ía certamente muito longe e aqui e agora não acho ser o momento oportuno para entrar por essa via.

A terminar esta longa exposição que já te tomou certamente tempo em demasia, desejaria afirmar que é minha convicção, face aos dados disponíveis e ao que me lembro, que a tomada de posição do Major Coutinho Lima (**) me pareceu ter sido a mais adequada e correcta e que foi até, graças a ela, que o número de baixas não foi maior.

Estive um período longo em Guileje com duas Companhias, uma açoreana [CCAç 3477] e a de Cavalaria que se lhe seguiu [CCAV 8350]. Com a Companhia açoreana os ataques ao aquartelamento aconteciam a uma cadência de um por mês, mas após a rendição pela Companhia de Cavalaria os acontecimentos sofreram uma alteração drástica e dramática.

O pelotão de artilharia a que eu estava afecto em rendição individual em Guileje, era comandado - se a memória não me trai - por um alferes que se chamava Luís mas cujo apelido não me recordo. Não eras tu, não? Sabes quem era?! Depois ele foi substituído por outro alferes que, salvo erro, também era Luís! E estavam comigo mais dois furriéis, o Queirós e o Araújo (este de Braga, salvo erro).

O Araújo foi entretanto substituído pelo Santos, de São João da Madeira. Quanto aos Cabos, tenho a impressão que um deles morreu lá em Gadamael e o outro (Oliveira) encontrei-o algumas vezes salvo erro na Café Convívio, junto do Hotel Tuela onde trabalhou alguns anos. Também já não o vejo há algums anos, pois deixou de ali trabalhar, salvo erro. Nunca mais soube nada dos camaradas furriéis e deixei mesmo de ter contactos com o Queirós desde que a Lusalite fechou na Baixa em Lisboa.

Aínda me lembro vagamente, salvo erro dos furriéis, Ramos (o fotocine?!) e o Monteiro que posteriormente viria a trabalhar na Papelaria Fernandes, em Lisboa mas há mais de 30 anos que nada sei deles nem dos restantes.

Um abraço.
Luís Paiva
Lamego

4. Comentário de L.G.:


Meu caro Luís, como vês o mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande. Ao fim de mais de ano e meio, voltas a tropeçar a connosco, na blogosfera. Em boa hora, camarada!...

Começo por satisfazer a tua curiosidade a meu respeito: estive na Zona Leste (Contuboel e Bambadinca), entre Junho de 1969 e Março de 1971, e fui Fur Mil Ap Armas Pesadas de Infantaria (que tive de trocar pela G3...), numa companhia independente de intervenção, a CCAÇ 12, com praças do recrutamento local, que fui ajudar a formar em Contuboel, a norte de Bafatá... Pelo que vês, nunca poderia ter sido o meu homónimo Luís, teu alferes, comandante do Pelotão de Artilharia que retirou de Guileje, juntamente com a CCAV 8350... Esse pelotão, o teu pelotão, era o nº 15 e, na altura, era comandado pelo Alf Mil Mil Pinto dos Santos (**).

As companhias com que estiveste em Guileje foi a CCAÇ 3477 - Gringos de Guileje- e CCAV 8350 - Piratas de Guileje. Temos aqui diversos camaradas do teu tempo, destas duas companhias, e que poderás contactar, por e-mail.

Quanto à publicação do teu depoimento num livro de antologia dos nossos postes, porque não ? É apenas uma hipótese, um cenário que eu ponderei... E não era por seres herói ou deixares de o ser... Não é isso que está em causa...No nosso blogue, não pomos santificamos nem diabolizamos ninguém mas também não impedimos ninguém de escrever histórias de heroísmo...

O risco de alguém se autopromover-se a herói de opereta, é mínima... Ninguém foi herói sozinho, todos os textos aqui publicados são sujeitos a escrutínio, análise crítica, triangulação... Tarde ou cedo, apanham-se os mentirosos, os falsificadores... Há centenas de olhos atentos a eventuais mentiras ou falsificações dos relatos... E, de resto, há um grande pudor, por parte dos nossos camaradas em falar dos seus eventuais feitos valorosos... Cabe sempre aos outros validar a informação que cada um presta no nosso blogue.

Seria uma pena, por outro lado, que não quisesses (ou não pudesses) partilhar alguns dos aerogramas que escreveste à tua futura esposa, e que tu próprio chamas peças jornalísticas, relatando o quotidiano da guerra... Podes ver o tratamento que fizemos de algumas cartas e aerogramas que o ex-Fur Mil J. Casimiro Carvalho, da CCAV 8350, nos confiou (*****).

Quanto às diferenças de leitura e de interpretação dos acontecimentos da guerra, não me parece que seja esse o pecado original do blogue... Bem, pelo contrário, essas diferenças são reveladores do nosso pluralismo, tolerância, liberdade de pensamento e de expressão. Ninguém quer impor a ninguém a sua verdade, todos e cada um têm o direito de contar a sua história, a sua versão... Um dia, a História (com H grande), os historiadores, os vindouros, os nossos filhos, netos e bisnetos nos julgarão... Entre camaradas que estiveram na mesma guerra, evitamo-lo fazer.

Relativamente a eventuais malefícios ou benefícios da nossa blogoterapia... Respeito a tua opinião, mas até data nenhum dos nossos camaradas se queixou de que blogar faz mal à saúde. Humor à parte, és bem-vindo à nossa Tabanca Grande. Manda, quando puderes, uma foto do teu tempo de artilheiro e outra actual. Ficaremos em contacto. Até um dia destes algures por aí, em Lamego, em Lisboa, em Guileje ou... no nosso blogue.

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Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 27 de Janeiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2483: Estórias de Guileje (3): Devo a vida a um milícia que me salvou no Rio Cacine, quando fugia de Gadamael (ex-Fur Mil Art Paiva)

(...) Só sabemos que se chama Paiva, e foi furriel de artilharia, no pelotão de artilharia que estava em Guileje, quando esta unidade foi abandonada por decisão do comandante do COP 5, Major Coutinho e Lima... É um testemunho dramático, de um homem, de fuga em fuga, que atravessou a nada o Rio Cacine, já na fuga de Gadamael, e foi salvo por um milícia de que não se lembra o nome...

Peço ao Paiva que nos contacte de novo e nos dê as suas coordenadas (pelo menos o endereço de –email e eventualmente o número de telemóvel ou telefone), sobretudo para o ajudar a reencontrar os seus antigos camaradas de Guileje e de Gadamael (e a reorganizar as suas memórias, doridas, daquele tempo)... Seria uma pena que este pungente testemunho ficasse escondido sob a forma de comentário a um dos nossos postes ...


Alguns excertos:

(...) desempenhava funções de furriel miliciano afecto à Unidade de Artilharia localizada inicialmente em Guileje, e posteriormente retirada para Gadamael (após o abandono do primeiro daqueles aquartelamentos, [em 22 de Maio de 1973])(...)

Em Guileje, parece-me que o pelotão de artilharia era constituído por 3 secções, cada uma delas sob a chefia directa de um furriel (recordo o furriel Araújo, de Braga, e o furriel Queirós, meus contemporâneos, sendo que o Araújo foi posteriormente rendido, salvo erro pelo furriel Santos, de S. João da Madeira) e comandadas por um alferes, posteriormente substituído por outro. Tenho ainda na minha mente a foto mental de ambos, embora lamentavelmente me não recorde já dos seus nomes. (...)

Este pelotão de artilharia retirou na totalidade para Gadamael quando foi dada ordem de abandono do aquartelamento de Guileje. Para além dos graduados e oficial acima referidos, retiraram ainda os cabos e praças (estes últimos naturais da Guiné).

Em Gadamael, a artilharia passou efectivamente muito maus bocados mas não ficou totalmente inoperacional, tanto quanto me recordo. O seu alferes teve aliás um comportamento de bravura pois foi ferido e continuou a desempenhar as sua funções, embora numa situação bastante precária. (...)

Alguns oficiais, sargentos e praças (acompanhados de parte da população) - nos quais me incluía eu -, iniciaram uma retirada para Cacine que foi efectuada debaixo de fogo e que se processou em botes dos fuzileiros. Já agora poderei acrescentar que a evacuação não foi totalmente conseguida nesse dia porque entretanto as operações de resgate foram suspensas por ter começado a anoitecer.

Curiosamente não ficou junto da população nenhum oficial, mas apenas dois furriéis, eu e outro camarada de armas, que, com a população, lográmos atravessar para o outro lado do rio (após a maré ter baixado) e ali tivemos, com muito custo, que conter a população em silêncio para não sermos detectados pelo PAIGC. Esta tarefa foi dramática já que connosco estavam muitas crianças que pela sua natureza são habitualmente ruidosas. Passámos ali a noite até conseguirmos ser evacuados no dia seguinte.

Essa experiência foi traumatizante porquanto assistimos a cenas dramáticas, com muita gente a precipitar-se para o rio e para o tentar atravessar a nado, antes que a maré permitisse o seu atravessamento quase total, a pé. Dessa precipitação resultaram mortes por afogamento, pois a corrente ainda forte arrastou alguns. (...)

Eu próprio iniciei a travessia antes de se ter completado o vazamento da maré e, porque não era um nadador exímio, e por outro lado com o peso das botas e da G3 e a força da corrente, tive que a meio da travessia me desembaraçar da minha arma (foi para o fundo do rio) para não morrer afogado. E fiquei a dever a minha vida a um milícia guineense que na outra margem do rio - e a partir do lodo onde se encontrava e para onde eu pretendia arrastar-me - me estendeu a coronha da sua arma a que eu, num esforço titânico, consegui agarrar-me. Fiquei a dever-lhe a minha vida e, no meio da confusão e do caos, sem saber a quem concretamente (ainda hoje...).

Por a minha substituição (comummente designada por rendição) se ter processado em regime de rotação individual, não consegui localizar nunca antigos camaradas de armas (quer afectos ao pelotão de artilharia quer às Companhias - duas- com quem estive: à dos Gringos [ CCAÇ 3477, ] (***) e à que se lhe seguiu [ CCAV 8350,] (****) com a última das quais partilhei estes dramáticos acontecimentos que tantas vidas custaram. (...) Gostaria de reencontrar todos esses Camaradas. (...)

(**) Vd. postes de:

18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3910: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (22): Resposta do autor do livro a António Martins de Matos (Parte I)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3932: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (23): Resposta do autor do livro a António Martins de Matos (Parte II)

(***) Vd. poste de:

13 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4333: Convívios (126): 3º Encontro da CAÇ 3477 “Os Gringos do Guileje”, dia 6 de Junho, em Mirandela (Amaro Samúdio)

6 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2815: Tabanca Grande (67): Os Gringos de Guileje: Abílio Delgado, Zé Carioca e Sérgio Sousa (CCAÇ 3477, Nov 1971/ Dez 1972)

(****) Vd. poste de 9 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4489: Convívios (142): Convívio anual da CCAV 8350 “Piratas de Guileje” (1972/74), na Covilhã (Casimiro Carvalho/Magalhães Ribeiro)

(*****)Vd. postes de:

25 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1699: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (1): Abatido o primeiro Fiat G 91

13 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1727: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (2): Abril de 1973: Sinais de isolamento

14 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1759: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (3): Miniférias em Cacine e tanques russos na fronteira

24 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1784: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (4): Queridos pais, é difícil de acreditar, mas Guileje foi abandonada !!!

18 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1856: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (5): Gadamael, Junho de 1973: 'Now we have peace'

25 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3354: Guileje, SPM 2728: Cartas do corredor da morte (J. Casimiro Carvalho) (6): O nosso querido patacão

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5181: Ser solidário (40): Dar a vida sem morrer, Domingo, 1 de Novembro, na RTP1, às 21h30 (Torcato Mendonça)


1. Mensagem de Torcato Mendonça, ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69, com data de 29 de Outubro de 2009:

Queridos Amigos e camaradas,

Diz, a páginas tantas, leia-se Diário de Noticias, que a RTP 1 estreia domingo pelas 21h30, a 2ª parte de DAR A VIDA SEM MORRER.

Catarina Furtado, Embaixadora da Boa Vontade da ONU, vai regressar á Guiné para fazer o documentário e a entrega de 250 mil € de donativos do programa Dança Comigo por uma Causa.

Acrescem mais 250 mil € vindos do IPAD, através do Secretário de Estado da Cooperação Portuguesa, João Gomes Cravinho.

Este apoio destina-se mais á prestação de saúde e parece vir a ter continuidade.

Um abração fraterno do,
Torcato Mendonça
__________
Nota de MR:

Vd. último desta série em:

Guiné 63/74 - P5180: Agenda Cultural (39): “Elites Militares e a Guerra de África”, de Manuel Rebocho: 17 de Novembro, às 18h00, sede da ADFA - Lisboa


1. Mensagem de Manuel Rebocho (*), ex-Sargento Pára-quedista da CCP 123/BCP 12, Guiné 1972/74, com data de 24 de Outubro de 2009:

CONVITE

Camaradas e Amigos,

Junto vos envio um convite para o lançamento da minha obra: “ELITES MILITARES E A GUERRA DE ÁFRICA”.

No próximo dia 17 de Novembro, às 18h00, na sede da A.D.F.A. - Av. Padre Cruz -, em Lisboa.

Esta obra é a minha tese de doutoramento.

Para além do convite pessoal que vos envio, gostaria que publicassem o convite no nosso blogue, pois, como é natural, gostaria de convidar muitos amigos e camaradas, dos quais não tenho qualquer contacto e, como sabemos, o nosso blogue também desempenha essa função: colocar-nos todos em contacto uns com os outros.

Com um abraço,
Manuel Rebocho
Sarg Pára-quedista

Emblema de colecção: Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.

__________

Nota de MR:

Vd. último poste desta série em:

Guiné 63/74 – P5179: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (11): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Operação Jóia I


1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda e autorizou-nos a publicar a 11ª fracção das suas memórias. A série foi iniciada no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Operação Jóia I (realizada em 17 de Janeiro de 1967)

No dia 16JAN67, a seguir ao almoço, o Alferes ordenou que o pessoal se equipasse, porque íamos sair. Pelas 16h00, deixamos Geba a caminho de Banjara e paramos no cruzamento de Sinchá Sutu, à espera da coluna que vinha de Bafatá, com carros de combate e soldados, que ficariam a prestar segurança, enquanto um pelotão que ali se encontrava estacionado, também seguiria connosco para a concretização da Operação Jóia I.

Chegada a coluna, começamos a marcha até Banjara e paramos em Sare Banda, onde subiram para as viaturas alguns Milícias. Continuamos o avanço, sendo a picagem da praxe até Mansaina feita pela Milícia de Sare Banda. Entre Banjara e Mansaina, a picagem passou a ser executada pelo pelotão aí estacionado.

Chegados a Banjara, comemos uma ração de combate e descansamos ao relento. Às 06h00, depois de tomarmos o café, saímos em direcção a Medina Banjara, passando por Tumania, Bantajá e Belel. Até aqui tudo decorreu normalmente. Paramos junto à bolanha e começamos a atravessá-la, a água era abundante e chagava-nos à cintura.

Passamos a bolanha e desviamo-nos para a esquerda, até Madina Banjara. A vegetação era cada vez mais densa e mais alta. Dois ou três quilómetros à frente, eis que surgem umas palhotas desviadas da picada, construídas no meio da floresta densa.

Como eu ia à frente fiz sinal para o pessoal se dividir e cercar as palhotas. Rápidos, eu e a Milícia, entramos de rompante no acampamento. Um soldado da Milícia grita-me: “Meu furriel aliiiiiiii!”

Já eles nos estavam a alvejar, com tiros na minha direcção. Lancei-me imediatamente para o chão e rebolei para trás da árvore mais próxima. Felizmente, safei-me ileso.

Chegou o nosso capitão e contei-lhe o que passou. Mandou-nos revistar as palhotas, mas apenas encontramos um homem, deficiente dos membros inferiores, que não andava, só rastejava, e era transportado em padiola de tabanca, em tabanca. Já o tínhamos encontrado em Dezembro de 1965, em Sambulacunda e tínhamo-lo deixado em paz, mas desta vez não o deixamos escapar, pois segundo as palvaras de alguns prisioneiros ele era o chefe deste sector do PAIGC.

Resultado do tiroteio: dois elementos do IN abatidos. Reunimos o pessoal e regressamos pelo mesmo itinerário. Quando chegamos à bolanha paramos. O capitão disse ao Alferes Soeiro (comandante do meu pelotão), que íamos sempre atrás, quando na verdade nós andávamos era sempre à frente.

Não me deram justificação alguma, mas pensei: “Em todas as emboscadas que temos tido, o meu pelotão tem andado sempre à frente, sendo a minha secção a “testa de ponte”. Até à data temos tido muita sorte, pois nada nos aconteceu de gravidade, apenas sofremos alguns arranhões de estilhaços de granadas”.

O meu pessoal olhou para mim e perguntou-me: “Porquê?”.

Eu respondi: “Não sei de nada são ordens!”

Passou então para a frente o outro pelotão, que era o do Furriel Vaqueiro, comandado pelo Alferes Almeida e começamos a atravessar a bolanha. Passado pouco tempo ouviram-se três tiros que pareciam de uma espingarda Mauser.Pensei eu então: “Os cabrões dos Milícias estão a brincar, pois só eles é que tinham Mauser’s”.

Pouco tempo depois começamos nós a passar, o outro pelotão já tinha passado todo e montou a segurança, para a nossa passagem. Eu ía à frente e quando saí da água surgiu o Cabo Enfermeiro, muito aflito dizendo: “Temos um soldado nativo morto e um soldado branco ferido - conhecido como Alfama.

Exclamei: “Não pode ser!”.

Mas era verdade. Cheguei-me mais adiante, tomando todas as cautelas e certifiquei-me que era verdade. Informei o capitão do sucedido e ele mandou-me arranjar pessoal, para transportar o morto. Como não era do meu pelotão, não devia ser eu a fazê-lo, mas as ordens eram para cumprir e não discutir, nem o momento era o mais adequado discutir ordens.

Os homens diziam que não eram capazes de levar o corpo, devido ao seu mau estado, já que, o mesmo, estava todo ensanguentado. Uma das balas tinha-lhe acertado na testa. Tive de ser eu então a “acarretar” com as despesas de levar o morto, com dois soldados nativos a ajudaram-me (eu a pegar nas pernas e eles em cada um dos braços).

Os tiros haviam cessado, mas quando recomeçamos a marcha, reiniciaram na minha direcção. Deitei-me no chão e disse aos meus 2 auxiliares, para me deitarem o cadáver em cima das costas, com as pernas viradas para os meus ombros. Assim fizeram. Levantei-me então de repente e toca a andar rapidamente.

Via as balas do IN levantarem poeira no chão, à minha frente. Tombo aqui, tombo ali, mas sem temor, tive que cumprir esta missão sem qualquer colaboração dos meus soldados brancos. Não me ajudaram nada!

Milagrosamente consegui sair ileso daquela perigosa zona e continuei mais umas centenas de metros. Depois de fazer uma pequena subida, mais adiante, o capitão mandou tirar-me o morto das costas. Como era de prever eu estava exausto, pois o calor apertava (eram perto da 13h00).

Bebi uma “Perrier” que costumava levar sempre comigo, mas não foi o suficiente pois sentia-me mal. Ao passar pelo Vaqueiro disse-lhe que estava com sede e ainda faltavam uns quilómetros para chegarmos a Banjara. Então este grande Amigo pegou na sua “Perrier” e ofereceu-ma.

Chegados a Bantajá, arranjou-se uma padiola para melhor transportar o morto e continuamos o caminho de regresso, com passagem por Tumania. Pareceu ouvir-se alguma coisa estranha, mas depois de investigarmos a área nada de anormal de detectamos, pelo menos, aparentemente, estava tudo como dantes.

O Capitão pediu dois ou três voluntários para irem à frente e mandarem uma viatura vir à berma da bolanha carregar o corpo. O único voluntário fui eu, pelo que segui sozinho, durante uns quilómetros, até Banjara.

Tinha andado um quilómetro, ou pouco mais, quando senti passos atrás de mim, mas ao longe. Pensei para comigo: “Vai haver “festa”, não pares.”

Quem vinha atrás de mim acelerava, quando eu acelerava também. Pensei que já era gozo de mais. Voltei-me rapidamente e verifiquei que era o Lamin - guarda-costas do nosso capitão -, isto perto da bolanha, onde já tínhamos sofrido várias emboscadas.

Acenei-lhe com a cabeça, dizendo-lhe que me devia ter avisado, pois como ele era negro, quase disparei sobre ele.
Cheguei à estrada perto do pontão, fiz sinal com a G3 para o quartel ainda distante, e logo uma viatura apareceu. Disse-lhes para irem à bolanha buscar um morto.

Chegamos a Banjara por volta das 16h00 e logo preparamos o regresso. Bebemos umas cervejas para refrescar e comemos uma “bucha”, após o que chegamos a Geba, por volta das 18h00.

Foi assim um dos dias mais triste da minha permanência na Guiné. Foi o único morto que tivemos em combate, depois de termos emboscadas com maior intensidade de fogo, incluindo granadas, e foi a minha última operação para os lados de Banjara.
Como na minha viatura ia uma Secção de Milícia de Sara Ganá, tive de ir lá levá-los. Quando lá chegamos o pessoal da Milícia deu a notícia da morte do nativo e relatou que tinha sido eu transportá-lo às costas. Gerou-se uma euforia doida de gritos: “Furriel… Furriel…”, eu estava de pé em cima da cabine da viatura e a população queria subir para me abarcar.

Eu não percebia o que se estava a passar. Perguntei: “O que é que se está a passar?”

“Não é nada de mal furriel, estão a agradecer-lhe por não deixar lá ficar o morto!”

E assim continuamos até Geba, seguido de um merecido banho, jantar e depois descansar. O cansaço era tanto que não houve pachorra para umas cervejas, nem sequer para um whiskiesinho. Dormir!

Seguiram-se mais uns dias que o IN nos deixou descansar, jogar à bola (que era o único divertimento), ou então ir até ao Rio Geba dar umas “cacholadas” na água e apanhar camarão.

Transcrição do Comandante da Companhia - Capitão de Infantaria José Faceira Teixeira - , em relação a Operação Jóia 1:

“A destacar no segundo contacto com o IN a acção do Furriel Miliciano de Infantaria – FERNANDO SILVÉRIO CHAPOUTO porque se comportou de maneira altamente decidida e corajosa quando se encontrava debaixo de fogo, oferecendo-se voluntariamente para transportar o soldado nativo morto, tendo-o feito ainda sob a acção IN, e praticamente sozinho durante distância considerável.
Este seu procedimento obrigou-o a expor-se abertamente ao perigo, mostrando possuir muita serenidade, coragem e presença de espírito, sobrepondo o acto cometido à sua própria vida. É francamente louvável o seu esforço e atitude, símbolos de verdadeira abnegação.”

Secção do Furriel Miliciano Vaqueiro (nossa Camarada tertuliano) - quarto homem de pé, a contar da direita. Em baixo, o primeiro a contar da direita, com um cachimbo na boca está o nativo morto nesta operação - Machado Cumbá.

Louvor averbado na minha Caderneta Militar

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.