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sábado, 12 de novembro de 2011

Guiné 63/74 - P9028: Blogpoesia (167): K3, de Nuno Dempster: excerto: "Capitão, meu capitão, não nos deixes sós!"


Guiné >  Região do Oio > Carta de Farim  (1/50000) > 1954 > Pormenor: localização de Saliquinhedim / K3, entre o Olossato e Farim (Não confundir com o verdadeiro Olossato, que fica a sudoeste de Farim, e que está localizado na carta de Binta)


Fonte:© Humberto Reis / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006). Todos os direitos reservados




Excerto (*)  do longo poema K3, publicado em livro, pelo nosso camarada Nuno Dempster (**). Capa do livro, reproduzida em cima. 




(...) Não encontrar ninguém
endurece-me a vista,
é um sinal de alarme
que acorda o cérebro
e ilumina o lugar onde se arquivam
os ficheiros secretos,


até que no poema eu tente
a redenção,
ou o vírus da morte
vá destruindo as células
e não haja memória.


Talvez porque os ficheiros
se mostrem
com todo o seu espólio irrevogável,
eu tenha descoberto
tristeza semelhante
no cemitério nazi de La Cambe,
tantos anos passados sobre o dia D:


uma mulher sozinha, de joelhos,
rezava no vazio, vasto campo
de lápides deitadas entre a relva
com nomes de ninguém
que vi gravados, data a data,


inúmeros
com dezoito anos e um com dezassete,
vencidos por quem foi vencido,
como é uso passar-se
com inocentes mandados para a morte,


para aquele fornilho
que ergeu como um vulcão a GMC,
velha da Grande Guerra,


eram quinze soldados
e o capitão
arrancado a um liceu,
e os soldados, a cerros e vielas
de cidades decrépitas,
todos subiram no ar,
os corpos de lava acesa,


e caíram no meu peito, recordo
o fragor que deixaram
e que ficou guardado,
para que hoje o livrasse,


entre o estupor das caras e o vaivém
dos helicópteros,
as macas e o pousar das moscas
que sorviam o sangue
e, por cima dos gemidos,
aquele rouquejar:
"Água, água, traz-me água",
era a sede final das veias secas,


e alguns de nós acorriam com cantis,
sem escutar mais nada,
do que a voz dos pulmões arruinados,


na insegurança do ar que respirávamos,
as nuvens de mosquitos em redor,
e o cheiro das acácias e explosivos
vomitados de angústia,


éramos todos órfãos:


Senhor, dizei uma só palavra
e a minha vida será salva,


e o senhor não dizia nada,
e todos insistiam em crer nele,


um talismã que trazem ao peito,
e que segura o mundo,
com as suas fronteiras proibidas,
embora não a morte,
a morte constitui-se
em limite vital a quem maneja
os deuses tripartidos, e os singelos
como é hoje a Senhora de Fátima,
com os três pastorinhos de alumínio
à entrada do barco,


que de nada serviram aos que foram cuspidos
em sangue incandescente
e que depois caíram entre fumo e pó,


"Capitão, meu capitão, não nos deixes sós",
ouvi no poema alguém.


Djariato não é mais a princesa
e chora com as outras raparigas negras
quando nos vê passar,
e os velhos respeitados têm um ar grave
como se fossem áugures no fim da validade. (...)


In: Nuno Dempster - K3. Lisboa: & etc. 2011, pp. 36-39 (Reproduzido com a devida vénia. O livro está disponível nas livrarias. Preço de capa: 12 €)


_______________


Notas do editor:


(*) Último poste desta série > 1 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P8978: Blogpoesia (166): Azar... (Manuel Maia)





(**) Sobre o nosso camarada Nuno Dempster [ foto à esquerda, retirada da sua página no Facebook]:


(i) nasceu em São Miguel, Açores (donde é originária a família paterna, enquanto a família materna é de Amarante)


 (ii) mora em Viseu; 


(iii) É engenheiro técnico agrícola (trabalhou em cooperativas, é hoje empresário); 


 (iv) tem três livros de poesia publicados: Londres, Dispersão, K3; 


(v) é um dos nossos quatro poetas (juntamente com o  Cristovão de Aguiar, o José Brás o Manuel Bastos) que estão representados na Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial


 (vi) pertence à nossa Tabanca Grande desde 9/2/2011.


O Nuno Dempster foi Fur Mil SAM, ou seja, vaguemestre, da CCAÇ 1792 (1967/69), a companhia dos lenços azuis, que andou, pela região do Oio,  por Farim e Saliquinhedim/K3 [, "durante seis meses, ainda o aquartelamento era semi-subterrâneo",]    mas também pela região de Tombali (Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa)... Pertenceu ao BCAÇ 1933 (Nova Lamego, Bissau, S. Domingos). 


A CCAÇ 1792 teve 3 comandantes:  


- Cap Mil Art Antóno Manuel Conceição Henriques (que ficaria sem as pernas numa mina A/C); 
-  Cap Art Ricardo António Tavares Antunes Rei, 
- Cap Inf Rui Manuel Gomes Mendonça. 


A companhia foi mobilizada pelo RI 15, tendo partido para a Guiné em 28 de Outubro de 1967 e regressado à Metrópole em 20/8/1969.


Sobre estes comandantes, o Nuno Demspster escreveu o seguinte, em mails que trocámos em tempos:


(...) Recordei, no link que enviaste, o capitão Rei, de carreira, que teve a ideia dos lenços e que substituiu o capitão miliciano, cujo nome já não recordo, um homem lúcido, vítima de um fornilho, na estrada de Farim, uma das passagens mais intensas do poema [, Cap Mil Art António Manuel Conceição Henriques]. Isso sucedeu dentro dos seis primeiros meses do início, quando estávamos no K3. Até sairmos de lá, o aquartelamento ficou entregue ao alferes miliciano, segundo comandante, bem como em Mampatá e Colibuia, penso. O Cap [Art  Ricardo António Tavares Antunes] Rei chegou já no tempo de Quebo. (...)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8423: Agenda cultural (135): Lançamento da Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, hoje, às 19h00, em Lisboa, Fórum Picoas Plaza





Agenda cultural: Lançamento da Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial,  hoje, às 19h00, em Lisboa, no Fórum Picoas Plaza.

Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial é hoje apresentada em Lisboa,  pelo jornalista Joaquim Furtado, no âmbito do colóquio/debate "Os Filhos da Guerra Colonial: pós memória e representações", organizado pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (UC).


Segundo notícia da Agenda Lusa, de ontem, publicada nos jornais, a antologia,  organizada pelos investigadores Margarida Calafate Ribeiro e Roberto Vecchi, é constituída por 600 poemas, de 180 autores.

A obra junta autores consagrados, alguns  inesperados (como Jorge de Sena, Paulo Quintela e até Fernando Pessoa, com "O menino de sua mãe") que se inspiraram no temática da guerra colonial, ou que a viveram (Fernando Assis Pacheco e Manuel Alegre, por exemplo, que estiveram  em Angola, logo no início); e muitos outros, desconhecidos do grande público,  que têm poemas dispersos pela imprensa regional, revistas, publicações militares (como a da Liga dos Combatentes), blogues, etc., ou que os divulgaram nas quase sempre obscuras e limitadas edições de autor.


Na perspetiva da investigadora e co-organizadora da antologia,  Margarida Calafate Ribeiro, em declarações à Lusa, tratar-se-ia de "um grande documento da fragilidade humana", nele sendo “expressos sobretudo sentimentos de dor da guerra, mas também de impossibilidade de partilha, incompreensão, nas mais variadas formas poéticas”.

Editada pelas  Edições Afrontamento (Porto, 2011), a antologia  nasceu  no âmbito de um projecto de investigação do CES/UC.





Página de rosto do Projecto Poesia da Guerra Colonial, CES/UC... Projecto com o qual, de resto, o nosso blogue deu a sua melhor e mais franca colaboração, colaborando nomeadamente com um das assistentes de investigação, a Cristina Néry Monteiro bem bem como na conferência de 30 de Março de 2009, realizada em Coimbra, em que participaram o Vasco da Gama e o Zé Manel Lopes.


Além de  outros poetas consagrados  como Casimiro de Brito (n. 1938) ou Gastão Cruz (n. 1941), é de destacar  ainda a existência de um número significativo de mulheres a escrever sobre um tema predominantemente masculino (e quase diríamos... falocrático), como é o caso das poetisas Fiama Hasse Pais Brandão, Sofia de Melo Breyner Andresen, Luíza Neto Jorge, Olga Gonçalves, Maria Teresa Horta e Rosa Lobato Faria, além de outras  desconhecidas do grande público.

A antologia, com c. 650 pp.,  está organizada por áreas temáticas:


Partidas e regressos (pp. 33-86)
Quotidianos (pp. 87-164)
Morte (pp. 165-222)
Guerra à guerra [poemas contra a guerra] (pp. 223-311)
O Dever da Guerra (pp. 313-337) (onde figuram poetas como António Manuel Couto Viana, Pedro Homem de Mello)
Pensar a  Guerra (pp. 339-378)
Memória da Guerra (pp. 379-424)
Cancioneiro [onde se incluem, por exemplo, as letras de alguns fados, como os do Cancionerio do Niassa, mas também o nosso conhecidíssimo Adeus, Guiné", de Mário Ferreira] (pp. 425-483)
Cancioneiro Popular (pp. 485-545)...

Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial será apresentada hoje em Lisboa pelo jornalista Joaquim Furtado, no âmbito do colóquio/debate "Os Filhos da Guerra Colonial: pós memória e representações", organizado pelo CES/UC.

O nosso camarada José Brás comprometeu-se a fazer um apontamento do evento. Da nossa Tabanca é, segundo julgo saber, um dos quatro representantes, juntamente com o Manuel Bastos, autor de Cacimbados (2008), que também é membro da nossa Tabanca Grande, embora tenha feito a guerra no TO de Moçambique onde foi ferido. (Nasceu em Aguim, Anadia, 1950; é dirigente da ADFA, de Coimbra); o Nuno Dempster (que entrou para o nosso blogue em Fevereirossado; é autor do livro de poemas K3; nasceu em Ponta Delgada, 1944); e o Cristóvão de Aguiar (outro açoriano, nascido em 1940).


Também estão representados outros nomes nossos conhecidos como o Armor Pires Mota (que, embora convidado por mim,  não é ainda formalmente membro da nossa Tabanca Grande), o Carmo Vicente (ex-pára-quedista, do BCP 12), o Gustavo Pimenta, o Ruy Cinatti, e outros que reconheci de uma rápida leitura ao índice. Tenho pena que o nosso Joaquim Mexia Alves tenha declinado o convite dos organizadores para figurar na antologia com a letra do seu belíssimo Fado da Guiné...

A selecção (sempre discutível...) dos organizadores baseou-se numa recolha de muitos milhares (sic) de textos poéticos... Pela sua qualidade e autenticidade, alguns dos nossos blogpoetas, ex-combatentes,  como o Josema (José Manuel Lopes) ou o Manuel Maia, podiam e deviam figurar também na antologia... Mas haveremos de fazer... a nossa, a da Tabanca Grande, onde matéria-prima não falta. (LG)
_______________

Nota do editor:

Último poste da série > 15 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8420: Agenda Cultural (134): Lançamento do livro Nha Bijagó, de António Júlio Estácio, dia 20 de Junho de 2011, pelas 18 horas no Palácio da Independência (António Estácio)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7757: (Ex)citações (130): A saudade imprecisa de África ou... não sei se tenho saudades da Guiné, se da minha juventude (Nuno Dempster)

1. Comentário de Nuno Dempster [, também bloguista, A Esquerda da Vírgula,], com data de ontem, ao poste P7747 (*):
  
Luis Graça & Camaradas, antes de mais obrigado por existirem e por me ver junto de vós. Depois quero agradecer ao Luís Graça o belíssimo post que me apresentou a todos. Já vinha aqui desde o início de Março, quando comecei a avivar a memória para o poema [, K3,]  que iria escrever.


Penso publicar convosco alguns textos de memória em prosa, à medida que os for escrevendo. Pergunto-me muitas vezes se tenho saudades da Guiné, se da minha juventude. Creio que a juventude é inseparável do cenário real por onde andamos. Com a dúvida de me perguntar, chamo no poema a essa saudade a saudade imprecisa de África.


Tenho orgulho, não por mim, mas por nós todos em ter escrito esse poema. Era preciso que alguém falasse também desse modo, já que a pátria nunca tratou bem os soldados anónimos como nós que lutaram por ela, no séc. XX e nos séculos para trás. 


O livro é mais nosso do que de ninguém, e isso alegra-me e põe-me em paz comigo mesmo em relação a esse nosso passado. Quando o livro saiu, senti ter cumprido um velho dever que estava por pagar a quantos, antes e depois de mim, deram às armas o melhor da sua juventude.

[Fixação / revisão de texto / bold a cor / título: L.G.]
____________


Nota de L.G.:


(*) V d. poste de 

 9 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7747: Tabanca Grande (266): Nuno Dempster, autor do poema K3, agora publicado em livro, ex-Fur Mil SAM, CCAÇ 1792 (Saliquinhedim/K3, Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa, 1967/69)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7747: Tabanca Grande (266): Nuno Dempster, autor do poema K3, agora publicado em livro, ex-Fur Mil SAM, CCAÇ 1792 (Saliquinhedim/K3, Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa, 1967/69)






Capa do livro de poesia, K3, de Nuno Dempster (Lisboa: &etc, 2011, 63 pp). Sinopse: "Nuno Dempster (autor de Londres, ed. & etc) revisita o Horror. Felizmente para elas, as jovens gerações (também de poetas) desconhecem esse Horror que foi, para quem o sofreu nos ossos e no que houvesse de alma, a Guerra Colonial. Algures na Guiné e algures num quartel subterrâneo: o K 3. Nossa palavra: não conhecemos, na literatura sobre o tema, tão fundo, tão magistral testemunho desse Horror. Elegia, catarse, contrição, K 3 combate o esquecimento".


Dedicatória do autor à nossa Tabanca Grande: "Para o Luís Graça &  Camaradas da Guiné, todos meus companheiros nesta guerra que em muitos ainda está por digerir, com o afecto e a camaradagem do Nuno Dempster. 3/2/2011. Na Guiné, de [1967-1969,], no K3, Mampatá, Colibuía e Quebo (Aldeia Formosa), por esta ordem".






Um excerto do belíssimo longo poema K3 que se lê de um fôlego...

Fotos: © Nuno Dempster (2011). (Com a devida vénia...)






Guiné > Zona Leste > Gabu > Canjadude > CCAÇ 5 (1973/74) > Canjadude, a Ilha dos Amores. Ou: os tugas e a psico... E no meio, uma bajuda fula, linda de morrer, objecto de desejo... Sob o olhar vigilante da mamã, e rodeada dos manos mais pequenos... Repare-se como os tugas, passada a primeira surpresa da exposição ao nu étnico, se apoderaram rapidamente do termo psico e deram-lhe uma outra conotação... mais épica, mais erótica, mais camoniana...

Foto: © João Carvalho (2006). Direitos reservados

1. Mensagem, de 1 do corrente, do nosso camarada Nuno Dempster, que mora em Viseu [ foto à esquerda, retirada da sua página no Facebook]... O Nuno Fur Mil SAM, ou seja, vaguemestre, da CCAÇ 1792, a companhia dos lenços azuis, que andou por Farim, Saliquinhedim/K3, a norte, mas também, Mampatá, Colibuía e Aldeia Formosa, a sul... Pertenceu ao BCAÇ 1933 (Nova Lamego, Bissau, S. Domingos). A CCAÇ 1972 teve 3 comandantes:  Cap Mil Art Antóno Manuel Conceição Henriques (que ficaria sem as pernas numa mina A/C);  Cap Art Ricardo António Tavares Antunes Rei, Cap Inf Rui Manuel Gomes Mendonça. A companhia foi mobilizada pelo RI 15, tendo partido para a Guiné em 28 de Outubro de 1967 e regressado à Metrópole em 20/8/1969.

O Nuno tem três livros de poesia publicados: Londers, Dispersão, K3. É engenheiro técnico agrícola (trabalhou em cooperativas, é hoje empresário). Nasceu em São Miguel, Açores (donde é originária a família paterna, enquanto a família materna é de Amarante). Vive em Viseu. E vem pedir para se sentar sob o poilão da nossa Tabanca Grande.

Caro Luis Graça:

Além de eu ter estado também na Guiné, em [1967-69], na CCaç 1792 / BCAÇ 1933 (no K3  durante seis meses, ainda o aquartelamento era semi-subterrâneo, e depois em Mampatá, Colibuia e Quebo), julgo termos algo mais em comum. Uma amiga minha, que está a doutorar-se com uma tese sobre a obra do meu avô paterno Armando Côrtes-Rodrigues [1891-1971], de S. Miguel, Açores, onde também nasci, disse-me que tinha notícia de que Luis Graça (que pode ser outra pessoa) recebera das mãos do meu avô dois livros da sua autoria quando da partida para a Guiné.



Se assim for é uma razão acrescida para o que aqui me trouxe. Se for outra pessoa, o objectivo permanece intacto, que é o de solicitar-lhe que me envie uma direcção para lhe oferecer o meu livro K3, constituído por um só poema, em que abordo a minha experiência da guerra em que estivemos. 


O livro foi publicado pela &etc,  uma editora de referência em poesia, caso a não conheça já. Estará disponível a partir do próximo dia 3 nas livrarias do país, incluindo as da cadeia da FNAC e da Bertrand. Julgo que também será do interesse dos nossos camaradas que escrevem no seu blogue. 


O motivo deste email não é material, pois já recebi o que tinha a receber, em livros, que entretanto vão já chegando ao fim, nenhum vendido, só oferecidos. Por outro lado, a editora não faz mais edições que a primeira de cada obra. Quero com isto significar que o meu interesse é partilhar com os meus camaradas de guerra a minha experiência e esperar que seja um testemunho da guerra colonial, de resto até hoje único em livro de poesia, sobre o nosso sacrifício, que o foi para muitos de nós.


Se, caso aceitar receber o livro e depois de o ler, achar pertinente a sua divulgação no blogue, ficar-lhe-ei agradecido. Gostaria entretanto que me confirmasse por favor se é a mesma pessoa que refiro acima.

Mando a imagem da capa do livro em anexo, cuja ilustração é da autoria da pintora Maria João Fernandes. De algum modo já aponta o que está nas páginas. Envio igualmente um link sobre a editora, no caso de o Luis Graça a não conhecer.

http://bibliotecariodebabel.com/blogosfera/eles-etc/


 
Com os meus cumprimentos e na expectativa de uma resposta,
Nuno Dempster



2. Resposta de L.G., com data de 3 do corrente:

Nuno: Antes de mais os meus parabéns pela coragem de editar um livro de poesia sobre a experiência da guerra da Guiné. E em segundo lugar pelo teu gesto, "camarigo", de me mandares um exemplar do teu livro (e já agora com uma dedicatória, autografada, a todos os membros, que já vão a caminho dos 500, do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné). 

Tomo a liberdade de te tratar por tu por termos, para além da geração, mais duas coisas em comum: a Guiné e a poesia. Infelizmente não conheci o teu avô, a não ser de nome. Há mais pessoas com o nome Luís Graça, na nossa praça: o Luís Graça, obstetra e ginecologista, director  do  departamento de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital Santa Maria, e meu colega da Faculdade de Medicina; o Luís Graça, escritor, jornalista, cronista, crítico literário,  também bloguista (que não conheço pessoalmente)...

Aqui tens o meu endereço: Prof Dr Luís Graça, Gabinete 3A 42, Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa, 1600-560 Lisboa

Telefone (gabinete): 21 751 21 93 / telemóvel: 93 141 5277.

Tomei boa nota do teu blogue, que prometo revisitar com mais atenção. Gostaria de ter o teu nome na lista alfabética dos membros do nosso blogue. Votos de bom sucesso para o teu livro e a tua poesia... Logo que receba um exemplar, farei a devida rencensão... e divulgação.

Um Alfa Bravo (ABraço)
Luis Graça

PS - Infelizmente ainda não temos ninguém da tua antiga companhia... Mas há referências, no nosso blogue, ao teu batalhão.

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/BCA%C3%87%201933

3. Resposta do Nuno, em 3 de Fevereiro de 2011 14:06:

Obrigado, Luis. A divulgação do livro entre os meus camaradas da infortunada guerra em que estivemos era o que eu mais desejava dele. Em muita coisa se hão-de rever, embora, forçosamente, a posição não seja em todos próxima da expressa no livro. O certo é que alguém nos deve esse tremendo sacrifício. O meu modo de receber esse crédito incobrável foi escrever o poema de que te dou no link abaixo uma das primeiras manifestações públicas, sendo embora do meu editor, Vitor Silva Tavares, que nunca vi expressar-se assim. De resto, deve ser raríssimo nele publicamente. É um jovem de 73 anos, vertical nas suas posições, com quem é muito grato estar a conversar e mais ainda a escutá-lo. É um homem mais que conhecido no meio, além de estimado e respeitado, de grande prestígio e também temido por não ter papas na língua. Enfim, um homem sério de que este país deveria orgulhar-se, através dos seus governos, coisa impensável, sei-o bem.

http://editoraetc.blogspot.com/2011/01/k3.html


Acho óptimo tutearmo-nos. Afinal era assim que nos trataríamos, se nos encontrássemos no tempo comum a ambos na Guiné.


Há uma referência à CCaç  1792 no teu / nosso blogue, que em boa hora descobri quando da busca de dados esquecidos sobre a Guiné, isto desde Março de 2010. Tenho-o nos meus favoritos, e continuo a visitá-lo com regular frequência. Vou hoje pô-lo nos meus links. Essa referência refere-se à importância do cabo mecânico, com quem me dava. Mais que a dele, porém, era a do furriel Ferreira. Era ele que desenrascava tudo, orientando a secção com inimaginável competência e inventividade. Morreu há uma dúzia de anos ou mais com uma cirrose alcoólica. Não se aguentou. Éramos amigos de petiscos e cervejão, e também de uma sortida a Bissau para calar, num corpo alugado, o nosso vigor de jovens.

Tenho muita honra em que conste o meu nome entre os quinhentos camaradas. O outro Luís Graça deve ser último que citaste.

O livro deve estar a manhã na direcção dada, segue hoje por correio verde, que tem a prioridade do azul. Ainda bem que me lembraste da dedicatória colectiva, pois seguiria apenas com o teu nome. Assim vai melhor, devo e julgo que todos devemos muito uns aos outros

Um Alfa Bravo, lembro-me bem, do grato

Nuno Dempster

P.S. Não tenho nem uma foto desse tempo, nem sequer minha, e tive muitas, que o cabo Simões tirava, com que juntou 400 contos no fim da comissão, o que daria para comprar 8 carros novos como o meu primeiro (um Fiat 850 http://www.netcarshow.com/fiat/1968-850_special/800x600/wallpaper_01.htm). Perdi-as nos trambolhões que a vida muitas vezes dá.

4. Segundo mail do L.G.:

Nuno: Posso, desde já tratar-te como "camarigo", um neologismo, nosso, que quer dizer camarada e amigo... Fico à espera do teu livro para fazer a devida apresentação, da obra e do autor... Confirma: afinal és da CCAÇ 1792 ("Os Lenços Azuis) e não da CCAÇ 1972 (como consta do teu 1º mail)... É isso ? Um abraço. Luís



5. Resposta do Nuno:

Data: 3 de Fevereiro de 2011 20:11

Assunto: Re: Ainda o k3 (precisando dados)


Camarigo, então. É a [CCAÇ] 1792, a dos lenços azuis, sim, e no blogue fala-se da coluna que trouxe os três obuses, que o poema, perto do final cita, sem pormenores. Demorou dois dias.

Recordei, no link que enviaste, o capitão Rei, de carreira, que teve a ideia dos lenços e que substituiu o capitão miliciano, cujo nome já não recordo, um homem lúcido, vítima de um fornilho, na estrada de Farim, uma das passagens mais intensas do poema [, Cap Mil Art António Manuel Conceição Henriques]. Isso sucedeu dentro dos seis primeiros meses do início, quando estávamos no K3. Até sairmos de lá, o aquartelamento ficou entregue ao alferes miliciano, segundo comandante, bem como em Mampatá e Colibuia, penso. O Cap [Art  Riacrdo António Tavares Antunes] Rei chegou já no tempo de Quebo.

Errei nos anos em que estive na Guiné, foram os de 1967-69, e não os de 1968-1970, infelizmente o que pus na dedicatória do livro, que já seguiu. De qualquer modo fica aqui a rectificação para eventual emenda. Em 1970 casei-me eu, em Março, e os meus três filhos nasceram quase sem descanso da mãe e foram feitos de propósito. Era o baby boom do fim da minha guerra.

Pouco tempo antes de partir para Bissau, para prepararmos a peluda, é que veio aquela tropa toda para Quebo (Aldeia Formosa, que de formoso nada tinha), com o pouco gramado Major Azeredo, braço do Spínola. Ainda me lembro do ar desasado dos periquitos da CCaç 2382 que nos rendeu. Metiam verdadeira pena.

Faltou-me dizer que o livro, que é barato (12 €), vi agora o preço, já está anunciado em algumas livrarias online, nomeadamente a Wook.


Não tenho foto do tempo da guerra, como disse, mas tenho uma mais ou menos recente, que é pública.

Alfa Bravo,
Nuno

6. Comentário de L.G.:

Nuno, estás apresentadíssimo. És bem vindo à nossa Tabanca Grande. Já falámos duas ou três vezes ao telefone. Teremos seguramente de nos conhecermos ao vivo, em carne e osso, um dia destes. Até lá, convido os nossos amigos, camaradas e camarigos da Guiné a ler, de um trago (como eu fiz), esta litania de seis dezenas de páginas, onde o poeta revisita, em viagem dorida e dolorosa, mas sempre alucinante, como se fora uma via sacra, os lugares onde sofreu e viu sofrer, matar e matar, do K3 ao Quebo... K3 é o poema que todos escrevemos, com sangue, suor e lágrimas.

Tudo começa estes três versos, com a evocação do alto navio negro que levou para a guerra (p. 7):

Que sabia eu do cais de Alcântara
que não tivesse lido
em romances de guerra ? (---)

Um poste com notas de leitura deste livvro será publicado oportunamente.

______________

Nota de L.G.:

Último poste desta série > 8 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7745: Tabanca Grande (265): José Figueiral, ex-Alf Mil da CCAÇ 6 (Bedanda, 1970/72)