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terça-feira, 10 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20140: Controvérsias (135): as duas noites de terror, em Farim, as de 1 e 2 de novembro de 1965, para as vítímas (mais de uma centena) do atentado terrorista, e para os indivíduos (mais de sessenta, o grosso da elite económica local) detidos e interrogados pela tropa pela PIDE, por "suspeita de cumplicidade"...


Cabeçalho do jornal "O Democrata", Guiné-Bissau, edição de 13 de novembro de 2014




Guiné > Região do Oio > Mapa de Farim (1954) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Farim, Nema e Morocunda, bairros de Farim, e Bricama.

Infografias: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


1.  Reproduzimos, agora em texto,  excertos  da História da Unidade - BART 733 (Farim,  1964/66), págs. 116/118, relativos ao massacre da noite do dia 1 de novembro de 1965, em Morocunda, à evacuação imediata dos feridos graves, por um Dakota (que aterrou em Farim em plena noite, à luz de archotes e de faróis de viaturas automóveis,  facto então inédito no CTIG), bem como à subsequente detenção e interrogatório pela PIDE e pelos militares de mais de 60 indivíduos da população local, suspeitos de envolvimento no atentado, representando o grosso da "elite económica" de Farim, na época: nada menos do que 8 comerciantes,  4 industriais,  4 escriturários da administração local,   3 enfermeiros, 2 gerentes,  2 empregados comerciais e 2 empregados dos CTT, entre outros (*)

(...) Período de 1 a 30 de novembro [de 1965}:

Secções da CART 731 [mais]  secções da CCS do BART 733] transportaram feridos e mortos devido ao rebentamento de um engenho explosivo lançado por elementos subversivos durante um batuque, que se realizava no bairro da Morocunda [, no original, Morucunda,] pelas 21h30

O rebentamento do engenho causou a morte de 27 indivíduos, 70 feridos graves e vários feridos ligeiros, todos civis.

As NT sofreram um ferido grave que assistia ao evento, o qual foi evacuado com os civis mais graves num Dakota no dia [ seguinte,] 2 [ de novembro,] pelas 1h30 para Bissau e 3 feridos ligeiros, sendo dois da CART 731 e um da CCS.

Em virtude deste atentado, foram logo detidos pelas NT 12 indivíduos considerados suspeitos.

(…) O atentado no bairro de Morocunda [, no original, Murucunda,] em Farim, de características inéditas na Província, foi puro acto de terrorismo visando a população civil a fim de suster o regresso da população refugiada no Senegal e fazendo debandar a já existente, ferindo a economia da Província e tornando difícil a vida às NT nas quais se espelharia um estado de confusão que, convenientemente explorado, espalharia o ódio e a desconfiança entre a população que permanecesse em Farim e as NT.

A pequena percentagem de baixas sofridas pelas NT reside no facto de, [na véspera,] no dia 31 de outubro [ de 1965,] se ter realizado a “Operação Canhão” e a maioria do pessoal já estar recolhido na hora do atentado.

Das primeiras averiguações efectuadas pode concluir-se o seguinte: foram lançadas duas granadas de mão, acopladas com duas cargas explosivas, constituindo um único bloco ao qual tinha[m] sido adicionado[s] pregos e lâminas.

O engenho foi fabricado com o fim de ser lançado num batuque ou ajuntamento festivo por um nativo que prestava serviço na Companhia de Milícias [nº 5] [, o soldado Issufe Mané], e que se prontificou a fazer tal trabalho a troco de 14.000$00 [,o equivalente hoje a 5.485,20 €, ou tratando-se de escudos da Guiné, 4936,68 €, dado a diferença cambial real de 10% entre o escudo da metrópole e o "peso" local].

O planeamento para o lançamento do engenho teve lugar na primeira quinzena de setembro [de 1965], quando esteve em Farim, vindo de Conacri, um emissário do Partido, transmitindo então ao Júlio Lopes Pereira, gerente da sucursal da Casa Ultramarina em Farim, instruções para o seu lançamento.

Duas granadas vieram de Conacri, na segunda quinzena de outubro [de 1965], com destino a Bricama, e trouxe-as Paulo Cabral, preso a 28 de outubro na sua canoa com um carregamento de coconote. O mesmo Paulo Cabral deveria trazer, mais tarde, outras duas, para continuar a série de atentados.

O autor da manufatura e composição do engenho foi [o] Júlio Lopes Pereira, chefe na zona, que, juntamente com Jorge João Campos Duarte, dirigia e concentrava as atividades do PAIGC, re que se encontrava diretamente dependente do diretório do PAIGC em Conacri, donde recebia instruções e para onde enviava os seus relatórios.

Foram apreendidos pela PIDE 18500$00, destinados ao PAIGC, donde sairiam os 14000$00 para o autor do lançamento que não [os] chegou a receber porque após o incidente [sic] foram as prisões dos indivíduos suspeitos.

Há muito que o Comando do Batalhão vinha insistindo superiormente para a substituição, a casa Ultramarina, do autor moral do crime, Júlio Lopes Pereira, em virtude de factos ocorridos e relatados que o tornavam fortemente suspeito. Os factos presentes vieram confirmar que a opinão , várias vezes expressa pelo Comando, a respeito do indivíduo referido, não era produto de facciosismo ou animosidade injustificada para com este.

No dia 2(…), um 1 Gr Comb da CART 731 patrulhou a vila de Farim. Na manhã deste dia encontravam-se já detidos 60 indivíduos [, no aquartelamento de Nema] , na sua maioria já de há muito referenciados como colaboradores do IN. Na prisão dos referidos indivíduos colaborou com as NT o agente da PIDE [, de apelido Prosídio (?), e que não era "bafa meigo", segundo o nosso camarada António Bastos, do Pelotão de Caçadores 953, que o conheceu, e que estava em Farim nessa noite, em trânsito para Canjambari], numa atuação rápida e eficiente digna de registo. 

De salientar o facto de a maioria dos presos serem civilizados (sic: leia-se, gente de origem europeia e cabo-verdiana), servindo-se das suas atividades normais para propagar a subversão do meio da população nativa (sic). (...)


2. Nas páginas 117/118, vem a lista dos indivíduos detidos, por nome e profissão… Não era "normal" as histórias de unidade, no CTIG, trazerem listas nominais de civis, "suspeitos de atividades subversivas" (**)...

Do total dos 64 detidos, listados, apuramos o seguinte, por  profissão e género: 

(i) A grande maioria eram homens (91%), mas havia 6 mulheres, 4 domésticas, 1 costureira, e uma Maria da Conceição dos Reis Cabral (, pelo apelido, seria eventualmente esposa de Paulo Cabral, já preso dias antes, em 28 e outubro de 1965);

(ii) a maioria dos detidos eram lavradores (14), comerciantes (8), industriais (4), escriturários da administração de Farim (4) enfermeiros (3), gerentes (2), empregados comerciais (2), empregados dos CTT (2), gente "civilizada" (sic), uma boa parte talvez de origem metropolitana ou cabo-verdiano, como o José Maria Jonet, com exceção dos "lavradores", que tinham nomes "nativos"… [os gerentes eram de duas das casas comerciais mais importantes do território: a Casa Ultramarina, o Júlio  Lopes Pereira, e a Casa Gouveia, o Henrique Morais Silva Lopes Ribeiro];

(iii) mas também havia nativos, maioritariamente de etnia mandinga, a avaliar pelos nomes: além dos lavradores (14), foram detidos gilas (4), furadores (2), sapateiros (2) e carpinteiros (2);

(iv) e ainda outros, de diversas profissões: além do soldado milícia (, de seu nome Issufe Mané, acusado de ser o autor material do atentado), um tingidor de panos, um auxiliar de mecânico, um ajudante de motorista, um pintor, um bailarino, um pescador, e ainda um cidadão estrangeiro, senegalês, ou residente em território do Senegal, de nome Iussufe Sané.

Tudo indica que, para estes civis, o dia seguinte, 2 de novembro de 1965 também terá sido de pesadelo. A vida económica de Farim deve trer ficado seriamente afetada por uns tempos. E, muito provavelmente, as  vidas destes homens e mulheres não terão sido  mais as mesmas. Conseguimos apurar alguns elementos informativos sobre alguns destes detidos... Alguns seriam nacionalistas, simpatizantes ou até militantes, de 2ª ou 3ª linha,  do PAIGC. Mas a maioria terá sido a "apanhada a jeito e a eito"... Qual terá sido o seu destino ? Há rumores de que alguns terão sido torturados até à morte ou simplesmente executados pela tropa ou pela PIDE:

(i) José Maria Jonet,  comerciante: 

Nascido em São João Baptista, Ilha Brava, Cabo Verde, em 26 de dezembro de 1906: falecido em outubro de 1966, em Bissau, com 59 anos de idade [, repare-se: menos de um ano depois da sua prisão, em Farim]: era casado com Georgina do Livramento Quejas, deste 1937. 

Fonte: página de Barros Brito, "Genealogia dos cabo-verdianos com ligações de parentesco a Jorge e Garda Brito, a seus familiares e às famílias dos seus descendentes"

(ii) Dionísio Dias Monteiro, comerciante:

(...) "Amílcar Cabral nos dizia que devíamos trabalhar como uma pirâmide. Isto é, o núcleo principal e de contactos permanentes seria pequeno, mas cada um devia ter a sua "Célula". Eu, por exemplo, tendo como Célula a Zona Velha da Cidade de Bissau (pois morava nessa zona), nunca tive contacto com Rafael Barbosa. Só mais tarde vim a saber dele, como sendo um dos principais activistas políticos desde anos 40 e um dos mentores da criação do Partido.

Para além das Células, estabeleceram-se pontos focais, ou seja elos de ligação no interior do País. Por exemplo, o elo de ligação em Farim era o Dionísio Dias Monteiro; em Bolama era Carlos Domingos Gomes (Cadogo Pai); em Catió era Manuel da Silva" (...)

Fonte: Depoimento de Elisée Turpin, cofundador do PAIG.

  
(iii) Pedro Tertuliano Ramos Salomão, comerciante: encontrámos um nome igual, a única informação disponível é de que terá morrido na Amadora, por volta de 2009; em 2014, constava, em aviso da CM da Amadora, o seu nome, indo-se proceder à exumação dos seus mortais, uma vez ultrapassado o prazo legal da inumação. Fonte: CM da Amadora

(iv) Júlio Lopes Pereira, gerente da Casa Ultramarina, sucursal de Farim, considerado o "autor moral" do atentado, e que terá morrido em novembro de 1965, às mãos da PIDE de Farim:

(...) "Desaparece uma jornalista em Angola, desde Junho de 2012, chamada Milocas Pereira e até hoje, ninguém sabe do seu paradeiro. Tudo indica que o seu desaparecimento esteja estritamente ligada a questões políticas e ligações entre o governo de Angola e governo então deposto na Guiné-Bissau. Desde o seu desaparecimento existiu, um silêncio total por parte das duas entidades, e nunca nenhum deles se pronunciou sobre o desaparecimento desta figura, docente numa Universidade em Luanda, analista de assuntos políticos e filha de um activo militante da luta contra o regime colonial português, morto em Farim nas celas da DGS/PIDE em Novembro de 1965. Os dados sobre a morte de Júlio Lopes Pereira, seu combate e desaparecimento, constam dos arquivos da Torre do Tombo em Portugal" (...). 

Fonte: blogue de Paté Cabral Djob, "Conosaba do Porto" > 22 de maio de 2014 > Celina Tavares: "Onde está adra. Milocas Pereira?"]

3. Este será um dos mais tristes e negros episódios da história da guerra do ultramar, da guerra colonial, ou da "guerra de libertação" , como se queira (conforme o  "lado da barricada"). Não nos honra como seres humanos, não honra ninguém que tenha estado envolvido nos acontecimentos. Passados mais de 50 anos, ainda é um acontecimento que ninguém quer lembrar. Raramente é referido pelas "cronologias" da guerra, e pelos historiógrafos, de um lado e do outro. Do lado do PAIGC, há um estranho silêncio sobre esse episódio. Do lado do exército português, também há pudor em evocá-lo. O horror ficou, indelevelmente marcado na memória das vítimas, na altura crianças, que lhe sobreviveram. "Mártires do terrorismo": há um monumento e um largo, hoje em Farim, que nos deixam apagar a memória...

Cite-se, por exemplo, o testemunho do sobrevivente e vítima do "ataque terrorista" (sic), Carlos Malam Sani [ou Sané ?], recolhido ainda há três anos atrás pelo jornal de Bissau, 'O Democrata':

(..:) "Um dos momentos marcantes da referida sessão foi quando o velho Carlos Malam Sani, um dos sobreviventes e vítima “do ataque terrorista” de Morkunda de 1 de Novembro de 1965, na altura com doze anos de idade, com uma voz trémula e emocionado, começou a narrar para os estudantes [da Universidade Lusófona de Bissau], na primeira pessoa, como tudo acontecera há 51 anos durante uma manifestação cultural da etnia mandinga “festa de Djambadon”, que decorria no coração de Farim, provocando mais de trinta mortos e vários feridos 
graves. (...). 

Fonte: O Democrata, Guiné-Bissau > Sene Camará > 2/5/2016 > Universidade Lusófona da Guiné resgata história de Farim.

Algo misterioso (mas abrindo pistas para outras leituras do que se  terá passado nessa trágica noite de 1 de novembro de 1965, em Farim), é o comentário, em crioulo, o único de resto até agora,  deixado por um tal  Romaru, em 16/11/2014 às 00:05, na caixa de comentários à supracitada reportagem de Filomeno Sambú, em 'O Democrata', de 13/11/2014: 

(...) lamento, e foi bom para relembrar d mumentos d trestes, ataque saiu d farim bedju a 3 a 4 klrs de morucunda para kem conhese farim sabe aonde fika farim bedju, ataki foi grande inganu, i ponto final cabu aqui ponto final. storia verdadeira; homem sorou quando splicou me mais sorou mesmo foi unico e grande ero que ele cometeu e nunca vai squeser, diz o homem com plavra dele que ele sorou mais e criancas e irmaos civils que tva n este tarde d disgaca" (...)

Este "Romaru" [, pseudónimo de alguém que, cinquenta anos depois (!) ainda não quis dar a  cara...] insinua que o autor material do crime (, o soldado milícia da Companhia de Milícia nº 5, um tal Issufe Mané, a crer na versão das autoridades militares, o comando do BART 733), terá agido por engano, ou ter-se-á precipitado, que o alvo não era a população civil mas os militares portugueses, de acordo com as instruções do(s) mandante(s) do crime: "o homem chorou quando me explicou, mas chorou mesmo, foi o único e grande erro que ele cometeu, e que nunca vai esquecer, disse o  homem com palavras dele, o que ele chorou mais foram as crianças e os irmãos civis que estavam lá nessa tarde [noite] de desgraça"...

Estranha-se, em todo o caso, que este antigo milícia (, que terá "confessado tudo" à PIDE e aos militares) tenha "sobrevivido aos acontecimentos", admitindo-se que o clima em Farim,  de dor, revolta e luto, nessa altura, fosse mais propício ao linchamento do que à justiça...

Enfim, não podemos também ignorar o comentário (, ao poste P 20130),  do nosso camarada Manuel Luís Lomba, contemporâneo dos acontecimentos (ex-fur mil, CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66).

(...) "Na altura encontrava-me em Nova Lamego em 'consulta externa' e na messe dizia-se que os dois fornilhos foram mandados lançar por dois comerciantes brancos, que a tropa os liquidou e até se dizia o nome dum sargento do QP que rachou um deles com o machado da sua loja. "
____________


Notas do editor:

(*) Último poste da série > 9 de setembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20135: Controvérsias (134): os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, em 1 de novembro de 1965: a memória das vítimas e o risco de falsificação da história... Excertos de reportagem do jornal "O Democrata", Bissau, 13/11/2014

(**) Vd. também postes de:

7 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20135: Controvérsias (134): os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, em 1 de novembro de 1965: a memória das vítimas e o risco de falsificação da história... Excertos de reportagem do jornal "O Democrata", Bissau, 13/11/2014


Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > 2015 > Memorial e largo Mártires do Terrorismo >  Alguns dos sobreviventes do massacre de Morocunda (ou Morcunda), em 1 de novembro de 1965. Foto de Armando Conte, um dos organizadores da homenagem às vítimas. Cortesia de TV Guiné-Bissau (*)


1. Parece que ainda há, na Guiné-Bissau, e em especial em Farim, quem pense, mais de meio século depois, que os trágicos acontecimentos do dia 1 de novembro de 1965, em Morocunda, Farim (**), foram provocados pelos "colonialistas portugueses"... 

Nessa noite teria havido "uma série de rumores que indicavam que um avião militar 'Dakota' (sic) iria efetuar uma rusga para perseguir e consequentemente prender pessoas nos bairros de Morcunda, Nema, Sintcham, Gã-sapo e Praça." (**)

Consequentemente, "o massacre de Farim" terá resultado de um "bombardeamento", indiscriminado, efetuado por um Dakota (!)... Indiscriminado, não, digamos... cirúrgico!... As vítimas, sobretudo mulheres e crianças, terão sido apanhadas "no meio da dança do 'Djamdadon' uma das manifestações culturais da etnia Mandinga"... Mas também houve, entre os militares presentes, um ferido grave e vários feridos ligeiros..., o que é omitido na reportagem do jornal 'O Democrata'.

Alguns dos sobreviventes, entrevistados em 2014 pelo jornal 'O Democrata' (**), admitem honestamente que são incapazes de atribuir responsabilidades ao PAIGC ou aos "colonialistas"... O próprio jornalista [,Filomeno Sambú,] reconhece que até agora [, 2015,] não há informações concretas sobre a verdadeira origem do ataque. 

Mas outros são perentórios: "Sobreviventes ilesos e testemunhas reclamam que se tratou de um ato bárbaro e premeditado perpetrado pelos colonialistas portugueses devido às perseguições contra certas pessoas ligadas ao partido PAIGC. (...) Ao mesmo tempo {que] pedem a intervenção do Governo guineense junto de Portugal para indemnizar todas as vítimas do atentado que ceifou as vidas de dezenas de pessoas e cerca de cem feridos."

Há óbvias contradições nos depoimentos: Malam Sané, um dos sobreviventes, diz que "depois do bombardeamento, na mesma noite do dia 1 de novembro, o primeiro grupo dos feridos foi evacuado de imediato para Bissau num avião" [, avião esse que sabemos que foi um Dakota, a única aeronave da FAP que estava em condições de voar à noite]. A explosão do engenho, lançado para a fogueira, terá sido tão violenta que algumas testemunhas tê-la confundida com a de um "bombardeamento aéreo"..., o que nos parece totalmente inverosímil. O 'Dakota', o avião de transporte (e não propriamente um "bombardeiro"),  que aterrou nessa noite em Farim, veio fazer as evacuações dos feridos mais graves... Na memória de alguns sobreviventes, na altura crianças, poderá ter ficado a imagem aterradora de um Dakota que provavelmente nunca tinha visto antes, muito menos à noite...

Naturalmente  também temos sérias reservas em relação à versão "oficiosa" dada na altura pelas autoridades portuguesas, neste caso o comando do BART 733 (***)... Bom seria que, ainda hoje, passados estes anos todos, o exército português fizesse uma investigação independente ao ocorrido em 1 de novembro de 1965. Alguns camaradas nossos, como o António Bastos e o Virgínio Briote, estavam lá, em Farim, nesse fatídico dia, mas não exatamente em Morocunha (antigo bairro, afastado do centro da vila).

O segundo grupo de feridos, onde se incluía Malam Sané, foi evacuado "de Farim em direção a Bissau às 8 horas do dia seguinte".

Que foi um ato de terrorismo, hediondo, foi, estamos todos de acordo. Perpetrado por quem, não sabemos. O PAIGC nunca o reivindicou. AS NT, por sua turno, acusam elementos locais,  como o comerciante Julio Lopes Pereira, de estarem por detrás deste atentado, que vitimou sobretudo mulheres e crianças, vítimas inocentes.

2. Aqui vão alguns excertos da reportagem de Filomeno Sambú (**), com a devida vénia:

(...) Depois de quarenta e nove (49) anos do Massacre de Morcunda, uma tabanca situada nos arredores da cidade de Farim, no norte do país, um grupo de pessoas decidiu trazer à memória os acontecimentos ocorridos a 1 de novembro de 1965 com registros de mais de trinta vítimas mortais e cerca de cem feridos, na sua maioria mulheres e crianças.


Na cerimónia de homenagem às vítimas deste bombardeamento de 1965, foi depositada uma coroa de flores em memória dos falecidos. O Governo central, a administração local e os deputados da nação eleitos em Farim nas últimas eleições legislativas de abril fizeram-se representar na cerimónia.


Segundo informações de testemunhas, o atentado que matou civis inocentes, aconteceu à noite, no meio da dança do “Djamdadon”, uma das manifestações culturais da etnia Mandinga.



A dança ocorria ao ritmo de sons de tambores tocados pelos “Djidius” com a multidão à volta do local. Dados recolhidos no terreno pelo Jornal 'O Democrata' revelaram ainda que o número das vítimas poderá não ter sido o que consta dos documentos coloniais [27 mortos e 70 feridos graves, todos civos, mais um ferido grave entre os militares portugueses] .

Depois do bombardeamento houve pessoas que tentaram resistir aos ferimentos, mas acabariam por morrer, ficando fora dos dados oficiais disponíveis nos boletins de informações coloniais.



A equipa de 'O Democrata' que se deslocou a cidade de Farim,  viu o local e pôde ainda constatar a tristeza e as lágrimas a caírem dos olhos de crianças depois de vários depoimentos de testemunhas ainda em vida. Este facto revela que o que aconteceu foi muito doloroso e que ainda abala a memória dos cidadãos daquela terra.



Os organizadores pretendem que no futuro a iniciativa seja institucionalizada como dia de Farim, porquanto é um dos maiores massacres da história do povo local.



Malam Sané, um dos sobreviventes do ataque, recorda de 1 de novembro de 1965 com muita tristeza e mágoa. O sobrevivente disse que estava inconsciente e que apenas se lembra dos momentos ocorridos antes do ataque.



Depois do Bombardeamento, na mesma noite do dia 1 de novembro, o primeiro grupo dos feridos foi evacuado de imediato para Bissau num avião [, um Dakota}. A segunda equipa que incluía Malam Sané saiu de Farim em direção a Bissau às 8 horas do dia seguinte.



Malam Sané informou ainda que antes do rebentamento, estava ainda em casa com a sua mãe e que de repente chegaram-lhes uma série de rumores que indicavam que um avião militar 'Dakota' iria efetuar uma rusga para perseguir e consequentemente prender pessoas nos bairros de Morcunda, Nema, Sintcham, Gã-Sapo e Praça.


Mas sobretudo Gã-Sapo e Praça, não especificando contudo as razões porque os dois últimos bairros foram sublinhados. Poucas horas depois de chegar no local, por volta das 22 horas, aconteceu o ataque que vitimou civis inocentes e feriu perto de cem pessoas, explicou Malam Sane com lágrimas nos olhos: “não posso prosseguir, chega” – concluiu.

Sadjo, também uma das sobreviventes do atentado, conta a sua versão na primeira pessoa. Disse que foi atingida por um estilhaço de granada que lhe cortou a barriga e que, em consequência dos ferimentos, não conseguiu comer nem beber água durante um mês. E enquanto recuperava desses ferimentos foi ajudada por médicos que administraram um soro. “Até agora padeço de dores devido aos ferimentos na barriga. Não consigo fazer nada nem jejuar”, notou a vítima.

Ela fez parte do primeiro grupo evacuado para Bissau. Referiu que depois da detonação que ouviu, nada mais soube e não pode avançar com explicações se foi algo preparado internamente ou pelos colonialistas, porque “estava no ponto da morte”, assinalou.


Armando Conté, um dos membros da organização [da cerimónia de homenagem aos 'mártires do terrorismo'], referiu que o motivo fundamental da comemoração do dia é solidarizar-se com todas vítimas e também informar as pessoas que não tinham nascido, quando o triste acontecimento sucedeu em Farim, para poderem se informar daquilo que realmente se passou no sítio do monumento. ainda em construção.


Lembra que é um primeiro passo apenas para que agora em 2015, quando se completam 50 anos, que o Governo central declare o dia 1 de novembro, curiosamente dia dos fiéis defuntos, como um dia de “ reflexão de Farim”, referiu.

“Penso que o Governo vai estar na posição de nos ver, ouvir e dar a voz a quem não tem voz. Acredito que esse ato vai ser o princípio de muitas coisas que virão para Farim e com a iminência da exploração do fosfato local”, disse.

Armando Conté disse ainda que, em 2015, a organização está construindo um monumento com nomes de todas as vítimas, para que sirva de informação aos mais novos e as gerações vindouras.

Entretanto, até agora não há informações concretas sobre a verdadeira origem do ataque. Vítimas sobreviventes do atentado dizem desconhecerem por completo a proveniência desse bombardeamento e os seus motivos específicos.

Sobreviventes ilesos e testemunhas reclamam que se tratou de um ato bárbaro e premeditado perpetrado pelos colonialistas portugueses devido às perseguições contra certas pessoas ligadas ao partido PAIGC.

As vozes que se levantaram agora atribuem o ataque aos portugueses. Ao mesmo tempo pedem a intervenção do Governo guineense junto de Portugal para indemnizar todas as vítimas do atentado que ceifou as vidas de dezenas de pessoas e cerca de cem feridos.

O registo do atentado está nas duas páginas deste livro [, história da unidade, BART 733 ?] que 'O Democrata' conseguiu fotografar, com a solidariedade de um dos elementos da equipa de reportagem da RTP-África em Bissau. (...)

[Essas imagens das supracitadas páginas não constam da edição eletrónica desta reportagem, de que reproduzimos o essencial. LG]
____________

Notas do editor:

(*) TV Guiné-Bissau > Memória: Farim e o massacre de 1965. Reprodução de texto de Filomeno Sambu, jornal "O Democrata", 13/11/2014

(**) Vd. O Democrata, Guiné-Bissau > 13/11/2014 > Filomeno Sambú > Reportagem: Farim recorda o massacre de 1965 com mágoa.


domingo, 8 de setembro de 2019

Guné 61/74 - P20133: Em bom português nos entendemos (23): Morocunda, topónimo mandinga = Moro (o que se converteu ao islamismo) + Cunda (localidade ou habitação) (Cherno Baldé)

1. Comentário de Cherno Baldé ao poste P20130 (*)

Um pouco de história e etnografia da Guiné e/ou da Senegâmbia:

Morcunda, Morocunda ou Moricunda é a designação em mandinga, do Bairro ou localidade (assentamento) de mandingas de confissão muçulmana, assim como Fulacunda significa assentamento de Fulas, na mesma lingua. 


Estas terminologias teriam sua origem no império de Kaabu ou Gabu, em meados do séc. XIX, com o aparecimento das guerras santas [Jiade] e dos primeiros reinos teocráticos fundados por marabus fulas e saracolés no território do actual Senegal, Mali e Guiné-Conacri.

O prefixo Moro ou Mori faz referência aquele que deixou a religião tradicional dos soninquês (idólatras) e se converteu à religião dos Mouros ou Maures (Mauritanos e Marroquinos) e aprendeu alguns versículos corânicos e sua escrita em Árabe.

Cunda, como se pode notar nos topónimos de muitas aldeias da Guiné [Bajocunda, Cancunda, Colicunda, Faracunda, Fulacunda, Iracunda, Massacunda, Sissaucunda, Tienecunda ...], significa localidade ou habitação em Mandinga.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de setembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves

(**) Último poste da série >  15 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P19981: Em bom português nos entendemos (22): nas grandes ocasiões, como o nosso léxico pode ser tão.. pequeno!

sábado, 7 de setembro de 2019

Guiné 61/74 - P20130: Controvérsias (133): Os trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965, um brutal ato de terrorismo, cuja responsabilidade material e moral nunca foi apurada por entidade independente: causou sobretudo vítímas civis, que estavam num batuque: 27 mortos e 70 feridos graves


Guiné > Região do Oio > Mapa de Farim (1954)  > Escala de 1/50 mil > Posição de Morocunda, bairro de Farim.



Guiné- Bissau > Região de Oio > Farim > Março de 2008 > Cádi ou Cati, uma sobrevivente dos trágicos acontecimentos de 1 de novembro de 1965. O António Paulo Bastos conheceu-a, ma Missão Católica, na altura da sua 3ª viagem à Guiné-Bissau.

Fotos (e legenda): © António Paulo Bastos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Excerto de relatório sobre o período de 1 a 30 de novembro de 1965,  inserido na história do BART 733, Bissau e Farim, 1964/66). Cortesia do nosso camarada e grã-tabanquerio António Paulo Bastos,
ex-1º Cabo do Pelotão de Caçadores 953 (Cacheu, Bissau, Farim, Canjambari e Jumbembem, 1964/66) (*).

1.  Ainda está envolta em controvérsia a responsabilidade material e moral dos trágicos acontecimentos de 1 de novembro de 1965, em Morocunda [e não Morucunda...], nas imediações de Farim (**), aqui relatados em primeira mão pelo António Bastos, em 2009, em 3 postes (*) mas já referidos antes pelo Virgínio Briote (***)... 

Só conhecemos a versão da PIDE e do BART 733,  atribuindo a responsabilidade do atentado a "elementos subversivos"... Tanto quanto sabemos, o PAIGC nunca reivindicou a autoria deste horrendo atentado, que teve um balanço trágico, segundo o documento acima reproduzido: 27 mortos e 70 feridos graves, além de feridos ligeiros, entre a população civil; um ferido grave, entre as NT. 


(i) Poste P5203, de 3 de novembro de 2009:

CARNIFICINA EM FARIM

1 de Novembro de 1965

Camaradas,

No passado dia 1 [de novembro de 2009]  completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.

Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morocunda.

Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.

27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora atualmente em Farim e, em março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias.

Como tudo aconteceu: eu pertencia ao Pelotão Caçadores 953 e estava nesse dia de passagem por Farim, a caminho de Canjambari. No momento da explosão,  eu estava junto à porta da caserna do pelotão de morteiros. Logo de seguida, começaram a passar viaturas com corpos em cima, a caminho das enfermarias civil e militar.


A maioria das vítimas eram crianças e, entre elas,  estava a Cáti. Foi chamado um Dakota e recorreu-se à iluminação da pista de aterragem, com os faróis das viaturas, para se evacuar aquela gente toda.

Agora, passados estes anos, fui encontrar uma das sobreviventes e, como não podia deixar de ser, estivemos a falar do assunto, tendo ela permitido que eu obtivesse as 2 fotos do seu cicatrizado corpo. (...)

(ii) Poste P7205, de 1 de novembro de 2010:

 (...) Neste fatídico Dia 1 de novembro de 1965, pelas 21:30, horas estava eu de passagem por Farim esperando transporte para Canjambari, quando se dá um rebentamento no Bairro da Morocunda em Farim que causou a morte a 27 pessoas, 70 feridos graves e vários ligeiros, todos civis. As NT sofreram 1 ferido grave e um ligeiro.

O engenho, duas granadas reforçadas com explosivos, pregos e lâminas, foi lançado para o meio do batuque onde era suposto estar muita tropa, o que não aconteceu, porque se tinha feito uma operação e o pessoal estava ainda a descansar.

Pela primeira vez na Guiné um Dakota levantou de noite para proceder à evacuação dos feridos.

No dia seguinte já se encontravam presos na 1.ª Companhia de Caçadores em Nema (Farim), 60 indivíduos entre eles: Pedro Mendes Fernandes, Bernardo da Cunha, Raul Teixeira Barbosa, José Maria Jonet, Dionísio Dias Monteiro, Pedro Tertuliano, Dionísio da Silva Pires (este empregado dos CTT)  e muitos mais, todos empregados das repartições públicas e casas comerciais.

As prisões foram feitas pelo agente da Pide, de nome Prodízio e militares da CCS do BART 733. (...)



(...) No relatório falam de um agente da PIDE. O seu nome era Prodísio (nunca mais me esqueci) e, em conversa com a Cáti (ou Cádi,  não me lembro exactamente), ela confirmou-me que, depois de recuperada dos graves ferimentos que sofreu, regressou a Farim, tendo sido empregada na casa dele.
No mês de narço de 2008, ao passear com a Cáti em Farim, ela disse-me onde tinha morado o tal PIDE e onde trabalhava.

Sobre relatórios, tenho em meu poder, ainda, os do BART 733 e do BCAV 490, pois foram os batalhões onde estive adido. (...)


Em 2007, o Virgínio Briote já se te tinha referido a este ato de terrorismo,  citando o testemunho de um preso político entrevistado pela historiógrafa Dalila Cabrita Mateus (**): Pedro Pinto Pereira, nascido em Bissau, em 1926, preso e desterrado para São Nicolau, Angola (1966-1969), libertado no tempo do Spínola. Será mais tarde preso depois da independência da Guiné-Bissau, acusado de colaboracionismo.

O Virgínio Briote também estava lá nessa altura, em Farim (***)
______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


4 de novembro de  2009 > Guiné 63/74 - P5211: Efemérides (32): 1 de Novembro de 1965 – Relatório Oficial da Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)

(...) Que assistira ao fabrico de uma bomba. Quando eles (PIDE) é que tinham deitado uma bomba em Farim, onde mataram muita gente,

(...) (quem lançou a bomba?) Foi a PIDE que mandou, tenho a certeza disso. Lançou a bomba para depois dizer que nós até matávamos africanos. Ali não havia quartéis, só havia casas comerciais, onde era fácil lançar bombas e fugir. Porque é que não lançavam as bombas nos quiosques, frequentados pelos militares portugueses? E iam deitar onde só estava a população? Queriam arranjar pretexto para fazer prisões. Havia, então, uma festa numa tabanca e morreram mais de cem pessoas. Isto passou-se no dia 1 de Novembro de 1965. (...)

(...) Nota da historiadora: Confirmado o incidente, a PIDE, em mensagem por rádio existente nos arquivos de Salazar, afirma que, no dia 1 de Novembro de 1965, cerca das 20 horas, fora lançado um engenho explosivo para o meio dos africanos que se encontravam num batuque em Farim. A explosão teria provocado 63 mortos e feridos, na sua maioria mulheres e crianças.

Foi detida meia centena de pessoas. Confissões obtidas levaram à detenção de um tal Issufo Mané, que declarou pretender atingir militares (?). Para o fazer, teria recebido 14 contos de Júlio Lopes Pereira, o qual, por seu lado, actuara por indicação do chefe da Alfândega de Farim, Nelson Lima Miranda. E este teria vindo a declarar que a bomba fora lançada a mando da direcção do PAIGC.

(AOS/CO/UL- 50-A, Informações da PIDE, 1965-1966, 86 subdivisões, pasta 2, fls. 636, 637, 638, 641 e 642).

Guiné 61/74 - P20129: O nosso livro de visitas (202): O nosso amigo e grã-tabanqueiro, Nelson Herbert Lopes, dos EUA, a "partir mantenhas" e a pedir informações sobre postes relativos aos trágicos acontecimentos de Morocunda, Farim, de 1 de novembro de 1965 (Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Herbert Lopes [, jornalista, nascido em Bissau, filho da antiga glória do futebol cabo-verdiano e guineense, Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill; vive nos EUA, onde trabalha ou trabalhou na VOA - Voice of America; tem mais de meia centena de referências no nosso blogue]: 

Data - segunda, 19/08, 20:28

Assunto - Só pra falar Mantenha!

 Luís e Carlos:

Antes de mais para saber de notícias dos meus amigos... pelo que faço votos, desde já, que estejam ambos desfrutando de uma boa saúde.

Mas, é também propósito deste email recorrer a um préstimo vosso... o aceder aos postes do blogue referentes às mortes/ataques/acontecimentos registados em 1965 na Tabanca de Morkunda [, Morocunda,] em Farim.

 Li no blog, e já faz tempo, alguns postes alusivos ao acontecido. E como voltar a aceder a esses “postados” ?

 Um abraço aos dois.

Nelson Herbert Lopes

 PS - Luís, a esta hora quem sabe os nossos “Mais Velhos” já tenham se encontrado lá no Céu e a “rememorar” as peripécias e experiência de ambos na ida década 40 do século passado como integrantes da força expedicionária portuguesa em São Vicente, Cabo Verde. E que meu pai faleceu em Dezembro último (2018) em Cabo Verde, tendo sido sepultado no seu Mindelo Natal. Mantenhas e um rijo abraço aos “Tabanqueiros”... da nossa, porque minha também, Tabanca Grande.


2. Resposta do nosso coeditor Carlos Vinhal:

Caro Nelson Herbert:

Não sei se o Luís já lhe deu resposta. Em todo o caso aqui está a minha ajuda. Pode aceder à informação que pretende através do descritor Morocunda [, um bairro de Farim, na altura, em 1965].

 Quem fala dessa tragédia é o António Bastos (**).

Lembro que ao navegar na página, encontrará no rodapé ao lado direito, uma ligação para os posts (mensagens) mais antigos. Fará sempre isso até receber a informação de voltar à página inicial.
Com respeito à saúde, tudo bem, tirando um ou outro sobressalto próprio da "septuagenidade". Obrigado pelo cuidado.
Esperando que esteja tudo bem consigo, deixo-lhe um abraço em meu nome pessoal e do resto da malta que ainda sobrevive por aqui. (***)

(**) Vd. postes de:


segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7205: Efemérides (54): O fatídico dia 1 de Novembro de 1965 (António Bastos)

1. Mensagem do nosso camarada António Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç Ind 953, Teixeira Pinto e Farim, 1964/66, com data de 1 de Novembro de 2010:

Companheiro Carlos e toda a Tabanca Grande, bom dia.

Companheiro, vou escrever aqui umas linhas, pois este dia ficou-me gravado para sempre. Se entenderes que deves publicar, podes avançar, mas também agradecia que alteres alguns erros e o que entenderes pois sou um analfabeto nestas tecnologias e tenho a 4.ª classe feita a martelo.

Sou o António Paulo S. Bastos,  do Pel Caç Ind 953.

Neste fatídico Dia 1 de Novembro de 1965, pelas 21:30, horas estava eu de passagem por Farim esperando transporte para Canjambari, quando se dá um rebentamento no Bairro da Morocunda em Farim que causou a morte a 27 pessoas, 70 feridos graves e vários ligeiros, todos civis.
As NT sofreram 1 ferido grave e um ligeiro.

O engenho, duas granadas reforçadas com explosivos, pregos e lâminas, foi lançado para o meio do batuque onde era suposto estar muita tropa, o que não aconteceu, porque se tinha feito uma operação e o pessoal estava ainda a descansar.

Pela primeira vez na Guiné um Dakota levantou de noite para proceder à evacuação dos feridos.

No dia seguinte já se encontravam presos na 1.ª Companhia de Caçadores em Nema (Farim), 60 indivíduos entre eles: Pedro Mendes Fernandes, Bernardo da Cunha, Raul Teixeira Barbosa, José Maria Jonet, Dionísio Dias Monteiro, Pedro Tertuliano, Dionísio da Silva Pires (este empregado dos C.T.T.) e muitos mais, todos empregados das repartições públicas e casas comerciais.

As prisões foram feitas pelo agente da Pide de nome Prodízio e militares da CCS do BArt 733.

Passados 43 anos, na minha terceira viagem a Farim, vou encontrar uma sobrevivente do massacre que na altura tinha 7 anos, a Cadi ou Kati, que como vêem ainda carrega as cicatrizes.

Ainda me recordo de ver o saudoso Capitão Silva Marques, comandante da 1.ª CC,  a fazer, nos dias seguintes, o interrogatório aos presos em conjunto, com o Prodízio, diga-se que não era nada meigo.

Companheiros, tinha muito mais a publicar sobre este ataque mas fica para outra ocasião.

Um abraço para todos os camaradas da Tabanca Grande e um bom Feriado.

António Paulo,
Ex-1.º Cabo
Pel Caç Ind 953
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7115: Efemérides (53): Recordando os camaradas mortos na emboscada do Infandre no dia 12 de Outubro de 1970 (Jorge Picado)

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5211: Efemérides (32): 1 de Novembro de 1965 – Relatório Oficial da Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)


1. O nosso Camarada António Paulo Bastos, que foi 1º Cabo do PEL CAÇ 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66), recebemos a seguinte mensagem, em 29 de Outubro de 2009:

Camaradas,

Como prometi e respondendo às solicitações, que me foram enviadas, envio então o relatório referente à “Carnificina de Farim”, de que resumidamente vos havia falado, no poste P5203.

Recordo que tudo aconteceu no dia 1 de Novembro de 1965, no decorrer de uma festa na tabanca do Bairro da Morocunda, tendo provocado 27 mortos e 70 feridos graves.

Creio que deve ter sido um dos graves incidentes do género, que se registaram em tempo de guerra, entre 1961 e 1974.

Este envio é a rogo, à minha sobrinha, pois eu sou um analfabeto em coisas de computadores e, por isso, completamente dependente nesta matéria.

No relatório falam de um agente da PIDE. O seu nome era Prodízio (nunca mais me esqueci) e, em conversa com a Cáti (ou Cádi não me lembro exactamente), ela confirmou-me que, depois de recuperada dos graves ferimentos que sofreu, regressou a Farim, tendo sido empregada na casa dele.

No mês de Março de 2008, ao passear com a Cáti em Farim, ela disse-me onde tinha morado o tal PIDE e onde trabalhava.

Sobre relatórios, tenho em meu poder, ainda, os do BART 733 e do BCAV 490, pois foram os batalhões onde estive adido.



Clicar nos documentos para permitir a sua leitura

Sempre ao dispor, com um abraço,
António P. Bastos,
1º. Cabo Pel Caç 953

Documentos: António Paulo Bastos (2009). Direitos reservados.

___________


Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Vd. também poste, que contém extractos sobre esta matéria do livro “Memórias do Colonialismo e da Guerra da autoria de Dalila C. Mateus, em:


(...) Que assistira ao fabrico de uma bomba. Quando eles (PIDE) é que tinham deitado uma bomba em Farim, onde mataram muita gente (**).

(...) (quem lançou a bomba?) Foi a PIDE que mandou, tenho a ceteza disso. Lançou a bomba para depois dizer que nós até matávamos africanos. Ali não havia quartéis, só havia casas comerciais, onde era fácil lançar bombas e fugir. Porque é que não lançavam as bombas nos quiosques, frequentados pelos militares portugueses? E iam deitar onde só estava a população?Queriam arranjar pretexto para fazer prisões. Havia, então, uma festa numa tabanca e morreram mais de cem pessoas. Isto passou-se no dia 1 de Novembro de 1965.

(**) Confirmado o incidente, a PIDE, em mensagem por rádio existente nos arquivos de Salazar, afirma que, no dia 1 de Novembro de 1965, cerca das 20 horas, fora lançado um engenho explosivo para o meio dos africanos que se encontravam num batuque em Farim. A explosão teria provocado 63 mortos e feridos, na sua maioria mulheres e crianças.

Foi detida meia centena de pessoas. Confissões obtidas levaram à detenção de um tal Issufo Mané, que declarou pretender atingir militares (?). Para o fazer, teria recebido 14 contos de Júlio Lopes Pereira, o qual, por seu lado, actuara por indicação do chefe da Alfândega de Farim, Nelson Lima Miranda. E este teria vindo a declarar que a bomba fora lançada a mando da direcção do PAIGC.

(AOS/CO/UL- 50-A, Informações da PIDE, 1965-1966, 86 subdivisões, pasta 2, fls. 636, 637, 638, 641 e 642).

O interessante é que Pedro Pinto Pereira, um adepto do regime e admirador de Salazar, atribua o incidente à própria PIDE. Aliás, fazendo-se eco da versão que, na altura, circulou entre a população africana, como o reconhece a própria Polícia (DCM).

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5203: Efemérides (30): 1 de Novembro de 1965 - Carnificina em Farim (António Paulo Bastos)


1. O nosso Camarada António Paulo Bastos, que foi 1º Cabo do PEL CAÇ 953 (Teixeira Pinto e Farim, 1964/66), recebemos a seguinte mensagem, em 29 de Outubro de 2009:



CARNIFICINA EM FARIM

1 de Novembro de 1965

Camaradas,

No passado dia 1 completaram-se 44 anos, sobre um ataque que me marcou profundamente. Tenho duas fotos de uma das sobreviventes e lembrei-me de enviar para serem publicadas no blogue.

Tudo aconteceu em Farim, resultante do rebentamento de um engenho explosivo, em pleno batuque na tabanca do Bairro da Morocunda.

Eram 21h30, quando um elemento da milícia lançou um fornilho (uma granada embebida em pregos, lâminas e bocados de ferros), para o meio do pessoal presente.

27 mortos e 70 feridos graves, uma deles era uma senhora que podem ver nas fotos e que, nessa altura, era ainda uma criança de 10 anos. Chama-se Cáti, mora actualmente em Farim e, em Março de 2008, fui encontrá-la numa festa na Missão Católica em homenagem a um grupo de turistas “tugas”, que por ali passaram 2 dias.

Como tudo aconteceu:

Eu pertencia ao Pelotão Caçadores 953 e estava nesse dia de passagem por Farim, a caminho de Canjambari. No momento da explosão eu estava junto à porta da caserna do pelotão de morteiros. Logo de seguida, começaram a passar viaturas com corpos em cima, a caminho das enfermarias civil e militar.

A maioria das vítimas eram crianças e entre elas estava a Cáti. Foi chamado um Dakota e recorreu-se à iluminação da pista de aterragem, com os faróis das viaturas, para se evacuar aquela gente toda.

Agora, passados estes anos, fui encontrar uma das sobreviventes e, como não podia deixar de ser, estivemos a falar do assunto, tendo ela permitido que eu obtivesse as 2 fotos do seu cicatrizado corpo.

P.S. - Tenho em meu poder o Relatório Confidencial de tudo o que se passou nessa noite e o nome dos prisioneiros, posso emprestar à Tabanca Grande se acharem que é relevante.

Um abraço,
António P. Bastos,
1º. Cabo Pel Caç 953

Fotos: © António Paulo Bastos (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em: