sábado, 28 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25990: Os nossos seres, saberes e lazeres (647): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (172): Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
A sorte não só favorece os audazes, há os simples acasos com consequências felizes. Não me saiu a sorte grande mas a dita pôs-me em regresso seja a uma ilha que amo profundamente e acabo por conhecer outra, a mais pequena do grupo oriental, que já me enche de saudades para lá voltar. Fora do prémio que me bafejou, quis pôr o pezinho na Ribeira Grande, por ali passei várias vezes de raspão e só conheço as Cavalhadas de S. Pedro por imagem. Os meus intentos foram conseguidos, nem tudo se viu, fica sempre como razão dada para voltar. Do conjunto de museus, vi dois patrimónios singularíssimos: o Museu da Imigração Açoriana e a Casa do Arcano, os outros ficarão para a próxima. Voltei ao Salão Nobre onde vivi uma bela peripécia em janeiro de 1968, José Medeiros Ferreira e Melo Bento, dois ativistas culturais, empurraram-me para uma conferência que decorreu ali, seria obrigatório voltar, já que aquele teto tanto me impressionara. E como ir à Ribeira Grande sei se banhar na Caldeira Velha é como ir a Roma e não ver o Papa, também fui premiado na itinerância. Mas sobre a Ribeira Grande ainda há muito que contar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (172):
Regresso aos Açores, às ilhas do grupo oriental – 1


Mário Beja Santos

A vida tem destas coisas, vai um indivíduo visitar a Bolsa de Turismo de Lisboa, 3 de março, dia de encerramento, já se percorreram aqueles pavilhões com promessas de mundos e fundos, as excursões com descontos fabulosos, tão fabulosos que já estão esgotados desde a primeira hora do evento, entra-se no espaço português, assim que se vê o nome Açores a curiosidade é a mãe de todas as causas, bisbilhotam-se as imagens de alto a baixo, é nisto que uma senhora, solícita, pergunta se não quero uma senha de sorteio, uma viagem com dois destinos, faça favor de pôr aqui o seu primeiro e último nome e número de telemóvel, guarda-se na carteira, entra-se em casa ao fim da tarde, enquanto se prepara o jantar, toca o telemóvel, é o senhor que tem a senha 448? - que sim, então dou-lhe os parabéns, tem direito a três dias em Vila Franca do Campo e mais três em Sta. Maria, convém agora negociar as datas, comece por contactar Vila Franca do Campo. Ajustadas as datas, pede-se licença para dois dias suplementares à conta do turista, há uma forte lembrança da Ribeira Grande, no Salão Nobre da Câmara, num dia que não se pode precisar de janeiro de 1968, empurrado por Medeiros Ferreira e Melo Bento, aqui proferi conferência sabe Deus como me preparei, umas leituras lambuzadas sobre um conjunto de escritores ditos católicos, Claudel, Chesterton, Graham Greene, Sophia de Mello Breyner, o seu olhar sobre o mundo contemporâneo, parece que não correu mal, guardei na memória as belezas do teto, injustamente esqueci as belezas azulejares de Jorge Colaço, trabalho brilhante; e há também as caldeiras, sabe bem uma banhoca com água a mais de 30ºC. E há aquela envolvência de espinhaços altos, onde prepondera a Serra da Água de Pau, sabe bem voltar.

Aterra-se em Ponta Delgada, tenho à espera o meu amigo Mário Reis, salivo por uns filetes de abrótea na Lagoa, havia os filetes de peixe-porco, vi passar uma espetada de choco, a decisão estava tomada. Findo o repasto, em pouco tempo chega-se à Ribeira Grande, arrumam-se os trastes, tive a sorte de poder trazer uma daquelas malas até 23kg, deu para trazer uma fornada de livros para distribuir por bibliotecas, o primeiro lote já foi entregue em Ponta Delgada, o segundo será aqui, na Biblioteca Daniel de Sá.

Começa a exploração, a Ribeira Grande tem história, chegou aqui gente vinda da Povoação e Vila Franca do Campo no século XV, D. Manuel I elevou-a a vila em 1507, houve terríveis cataclismos, o maior ocorreu entre 1563 e 1564, e já houvera anteriormente a devastação pela peste. Há informação fundamentada sobre o povoamento da região, tudo graças a Gaspar Frutuoso (1522-1591), fica-se a saber que esta Ribeira Grande fora o celeiro da ilha graças ao caudal da Ribeira que fornecia energia aos inúmeros moinhos. Aqui houve tecelagem, atividades agroindustriais, caso da cultura do chá, do tabaco, do maracujá, da beterraba sacarina. E o património cultural e o edificado deixaram marcas de incontestável beleza.
A caminho de uma igreja com uma extraordinária fachada barroca, depara-se esta fonte que têm a marca de água das cores que distinguem a arquitetura açoriana, a alvura do branco com todos estes relevos do acinzentado das linhas, um contraste inigualável que desemboca na harmonia e nos faz sentir serenidade.
Chama-se Igreja da Misericórdia, mas leio também que é conhecida pela Igreja do Senhor dos Passos, trata-se de uma reconstrução que ocorreu no século XVIII com esta fachada tardo-barroca, é um exemplo raro de edifício religioso com frontaria simétrica, mas bipartida, à qual correspondem, no interior, duas naves desiguais. Cada vez que aqui venho, cresce o deslumbramento.
Em frente dos Paços do Concelho, num largo que tem nome de proeminente político do fim da Monarquia, Hintze Ribeiro, destacam-se esplendorosos metrosideros, dão um peculiar aconchego à praça, têm o condão de tornar todo este espaço íntimo, ali com a ribeira a correr tão perto, ornada de belos jardins, e o oceano lá ao fundo.
Poucos edifícios camarários me deslumbram mais do que este. Os Paços do Concelho datam dos séculos XVII e XVIII, há um edifício constituído por um corpo principal, arco e Torre do Relógio, fica-se de boca aberta com a resplandecente harmonia deste desequilíbrio de formas.
Há obras em curso no Salão Nobre, pede-se licença só para tirar umas fotografias, licença dada, percebe-se que já foi feita a intervenção no teto e está impecável o lambril de azulejos da autoria de Jorge Colaço, o mesmo artista que deixou o seu génio legado a diferentes estações da CP, edifícios como o mercado de Santarém, e tantíssimo mais. Os temas são vincadamente do local como estes moinhos de água que ainda hoje deixam lembrança, ver-se-á adiante que se constrói habitação por cima do caudal da ribeira. Momentos há em que não é displicente a analogia com Veneza. Atenda-se também aos azulejos que falam da cultura do chá e as multiseculares cavalhadas de S. Pedro, uma das mais singulares festas que se realizam em S. Miguel.
Sai-se dos Paços do Concelho e tem-se em frente, do outro lado da ribeira, o imponente edifício do Teatro Ribeiragrandense, abriu pela primeira vez ao público em 1922, foi reinaugurado em 2000. Ver-se-á adiante como esta monumentalidade se projeta no equilíbrio do seu interior, aqui se realizam congressos e conferências, espetáculos de música, tertúlias literárias e até formação profissional.
O dia encaminhava-se para o ocaso, era forte a tentação de captar as colorações com o mar ali tão perto escudado pela Serra da Água de Pau, e veio-se depois até ao centro da vila, dos tons prateados e dourados até ao lápis-lazúli ocorreu este embelezamento entre a terra e o céu.
Assim se compreende melhor o que Jorge Colaço fixou naqueles azulejos do Salão Nobre, a correnteza da ribeira em prédios de habitação.
Quando o novo dia nascer, irei até à Biblioteca Daniel de Sá fazer a entrega de alguns livros, pois ali à porta está uma viatura que me fez recordar as bibliotecas itinerantes da Gulbenkian que levavam a cultura aos lugares mais ínvios, é, pois, esta a missão da Biblioteca sobre Rodas, o concelho tem as suas dimensões, divide-se em 14 freguesias, sendo a freguesia mais populosa a de Rabo de Peixe. A biblioteca serve as freguesias urbanas, caso da Ribeira Seca, onde se situa a belíssima Lagoa do Fogo até às freguesias rurais, caso de Pico da Pedra, terrunho berço de Cristóvão de Aguiar, que escreveu sobre a guerra da Guiné, escrita de muito boa qualidade.

(continua)

_____________

Nota do editor

Último post da série de > Guiné 61/74 - P25963: Os nossos seres, saberes e lazeres (646): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (171): As mulheres carregam o mundo, exposição de Lekha Singh, Museu Nacional de Etnologia (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25989: O melhor de... A. Marques Lopes (1944-2024) (10): evacuado numa maca, no Dakota, para Lisboa, com mais 4 feridos graves, ao lado de umas senhoras de "altas patentes", que não nos nos ligaram puto...

 

Interior de um Douglas C-47 Skytrain ou Dakota. Imagem do domínio público. Cortesia de Wikimedia Commons.



1. Estamos a reproduzir alguns excertos do melhor que o A. Marques Lopes escreveu, nomeadamennte no seu livro de memórias "Cabra Cega" (*).

Seguimos o texto, respeitando a seleção que ele próprio fez na sua página do Facebook, na postagem de 9 de agosto de 2019.
  
Aqui a narrativa é já feita na 1ª pessoa do singular, assumindo o autor que o "Aiveca" do livro (edição de 2015) era o seu "alter ego", ou seja, o alferes Lopes (pp.  439-442).



Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015,  582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).



Evacuado numa maca, no Dakota, para Lisboa, com mais 4 feridos  graves, ao lado de umas senhoras de "altas patentes", que não nos nos ligaram puto... 
 

por A. Marques Lopes (1944-2024)


Três dias depois de ter chegado ao hospital  [HM 241, em Bissau ], passou pela minha cama um velho amigo e conhecido. Era o Herculano Carvalho, do mesmo pelotão que eu nos primeiros meses do COM.

− O que é que te aconteceu?  −  perguntou-me.

Expliquei-lhe que tinha ido ao ar com uma mina. O Herculano disse-me que estava ali porque tinham descoberto que era hemofílico e que no dia seguinte seria evacuado para a metrópole.

 E não descobriram isso logo quando foste para os comandos?

 − Parece que não sabes como é. Alguma vez os gajos se preocupam com isso? Lembras-te bem que, em Mafra, além da injeção cavalar, que diziam dar para todos os males, não se preocupavam em saber mais nada. Menos, é claro, em ver aqueles que tinham cunhas para os serviços auxiliares. Serves para o que queremos e toca a andar, era assim.

 
− É verdade, eu sei bem. Mas como é que descobriram isso agora?

−  Por acaso, foi sorte. Tive um pequeno ferimento aqui na perna durante uma operação  
− arregaçou um bocado a calça e mostrou a perna direita ligada.  − O enfermeiro viu que o sangue não estancava e topou logo.

A conversa derivou. Contei-lhe a história toda da mina e por onde andara e ele contou-me do Cantanhez onde acabara por ser ferido.

Ele foi no dia seguinte e eu foi no fim dessa semana evacuado para o HMP , para Lisboa.

Fui só com as calças e uma camisa, era o que tinha quando rebentara a mina. Nunca me lembrara quando estava a comprimidos mas ocorreu-me quando estava a entrar para o Dakota.

− Eu tinha uma mala…

 
− Não há mala nenhuma  −  disse-me um dos pilotos.

Estava a ver. O pessoal da companhia nunca mais lhe tinha ligado depois daquilo. Podia ter-lhes exigido que lhe mandassem a mala que tinha debaixo da cama lá do quarto. Eram coisas pessoais que lá estavam mas era sobretudo o livro da escola do PAIGC e a  Kalashnikov da professora que queria ter. Eram recordações minhas que iriam ser agarradas por um outro qualquer. Fiquei lixado.

Mais fiquei quando já estava dentro do avião. Iam também outros feridos. Os bancos que estavam à frente, logo após a cabina dos pilotos, foram ocupados por umas senhoras, não soube quem eram, mas os cinco feridos foram esticados em macas no corredor. Ainda disse que não estava assim tão mal e que podia ir sentado. Que não, disseram-me, tinha de ir numa maca. Quando o avião já estava alto,  comecei a deitar sangue pelos ouvidos, era o meu ferimento principal.

Ninguém me 
ligou, teve que se ir limpando com um lenço.

As mulheres cavaquearam durante a viagem. Por entre os roncos do avião uma dizia que o meu marido é isto, outra que o marido tinha feito aquilo, outra que o dela comandava o batalhão tal, uma loura gabava-se de o marido ser amigo do governador [gen Arnaldo Schulz].

Eu não ouvia quase nada, ia limpando o sangue que me pingava dos ouvidos. O que estava ao meu lado, o que tinha ficado sem uma perna numa armadilha, é que comentava o que elas diziam. Cada um deles também disse porque é que vinha ali. Esforcei-me por ouvi-los. Era o que tinha caído na armadilha, o que estava mais perto de mim, um que tinha apanhado uma roquetada e estava todo ligado, um que tinha apanhado bilharziose, um que tinha apanhado uma rajada que lhe fodera um pulmão e o quinto ia com uma hepatite aguda. No meio deles, vi que ainda era o que estava melhor.

Contavam o seu caso em voz alta mas as senhoras nunca viraram a cara, não se perturbaram. Aquele era outro mundo, estranho àquele das boas relações em que elas se moviam. Ainda pensei que lhes ficaria bem chegaram-se ao pé das macas para saber o que cada um tinha e desejarem melhoras. Mas nem isso, não se interessaram puto. Elas, senhoras das altas patentes, iam agora meter-se com a soldadesca... Nem pensar, até parecia mal ao seu estatuto.

Ao fim de cinco ou seis horas, não soube bem, não me deu para contar o tempo, chegámos ao aeroporto militar de Las Palmas. Foi o que disse um piloto, e que quem quisesse podia sair para descontrair.

– Empresta-me a tua perna 
  rosnou o que caíra na armadilha.

Deles só eu é que saí. As mulheres também, mas não soube para onde foram. Estava cheio de fome porque não lhes tinham dado nada, nem as queridas rações de combate. Vi vários militares e olhei para uma porta que me pareceu a entrada para um bar. Fui até lá e entrei.

Olharam para mim mas ninguém pareceu espantado, já deviam estar habituados a estas visitas. Pedi uma cerveja e uma sandes. Devorei-as, era a fome. No fim fiquei atrapalhado porque dei que não tinha dinheiro. Nem escudos, nem pesos da Guiné, muito menos pesetas. 

Baixei a cabeça e fui-me afastando devagar até à porta. Ninguém reparou em mim, pareceram distraídos. Já fora, zarpei o mais rápido que pude para o Dakota. Já esticado na maca e enquanto o avião arrancava para Lisboa, ainda pensava, na dúvida, se fora eu que tinha sido esperto ou se tinham sido eles que, compassivos, me deixaram sair sem me agarrarem para pagar.

Ao fim de não soube quantas horas chegámos a Figo Maduro. Os meus pais e a minha irmã, bem como familiares dos outros feridos, estavam lá à espera. Só lhes tinham dito que vinham evacuados, não como vinham. 

Expetativa geral, angústia nos olhares e corações de os poder ver sem pernas ou sem braços, cegos ou meio mortos. Foram lágrimas e abraços aos que conseguiam estar de pé, beijos e mais lágrimas para os que continuavam nas macas. Os meus ficaram contentes por me verem de pé. Durou pouco tempo o encontro porque nos meteram, quase logo, em ambulâncias em direcção à Estrela.

(Seleção, revisão / fixação de texto, título: LG)
______________

Nota do editor:

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25988: Notas de leitura (1730): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1876) (22) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
O que há de mais significativo neste ano de 1876 são as continuadas guerras interétnicas que abarcam Cacheu e Farim, há uma permanente instabilidade à volta do presídio de Geba, o quadro sanitário conhece altos e baixos, não fica claro quais as razões que impedem a vacinação, o médico de saúde pública diz que os chefes de família terão temores ou preconceitos. O Governador da Guiné, Cabral Vieira, tem sido pendular em enviar os seus relatórios para a cidade da Praia. Deverá pretender tranquilizar o Governador de Cabo Verde, fala repetidamente na tranquilidade pública em todo o território, isto a despeito de hostilidades que também ocorrem na Península de Bissau. Estranha-se o silêncio sobre tudo quanto se podia estar a passar em Bolama e não há uma só palavra quanto à questão do Casamansa, para quem folheia estes números do Boletim Oficial (não é demais referir que as coleções não estão completas) é um enigma sem solução, mesmo que se publiquem notícias sobre o movimento marítimo, nomeações para as alfândegas ou chegadas e partidas militares e até as receitas decorrentes das alfândegas, Bolama já tem algum peso. Como é evidente, um Boletim Oficial vale pelo que vale, é uma fonte documental entre outras, só o seu cruzamento é que permite uma clara iluminação dos factos em presença.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1876) (22)


Mário Beja Santos

Estamos em meados do ano de 1876, temos novo Governador Geral de Cabo Verde e da Costa da Guiné, o senhor Conselheiro Guilherme Quintino Lopes de Macedo, é ele a quem agora o Governador da Guiné Cabral Vieira se dirige, tudo isto é matéria do Boletim Official de 17 de junho, o governador Cabral Vieira dirige-se assim para quem governa na cidade da Praia:
“Tenho a honra de participar a V.ª Ex.ª que à saída do cutter Cabo Verde deste porto para a cidade da Praia, é regular o estado alimentício, bem como o comercial, sendo anormal o estado sanitário em consequência da epidemia varíola que se tornou extensiva a todos os três concelhos de que se compõe o distrito. A tranquilidade pública não tem sido alterada, apesar de continuarem as guerras entre os gentios. No dia 26 de maio deu-se um caso de desordem entre dois gentios Papéis que brigavam nesta vila e os soldados de patrulha que os pretendia apartar. Aqueles, desobedecendo à voz de prisão, insultaram e bateram nos soldados e estes indignados lhes aplicaram pranchadas com as espadas baionetas de que se achavam armados. Em resultado, são feridos três soldados, não só pelos gentios desordeiros, mas por outros que se aglomeraram no local da desordem, arremessando pedradas contra os mesmos soldados, bem como três gentios, mas creio que sem perigo de vida. Os soldados vão responder a conselho para ilibarem a sua conduta; e quanto aos gentios feridos nem sequer pôde conseguir que levantasse o auto de exame e corpo de delito, por isso se invadiram com receio talvez de serem presos.
Para prevenir que não houvesse interrupção de relações para os gentios, mandei chamar o respetivo régulo, fazendo-lhe ver quanto andara mal a sua gente, e a conveniência de serem reprimidos e castigados os delinquentes, no que concordou, e se despediu, prometendo fazer justiça, e assegurando que por esse facto não suspenderia as relações de amizade com o Governo.
Em Cacheu houve no dia 12 deste mês princípio de incêndio no quartel do destacamento, que felizmente foi extinto pelos habitantes da Praça, que voluntariamente ali se aglomeraram, não deixando prejuízo a lamentar.”


O Boletim Official n.º 32, de 5 de agosto, traz informação sobre o estado do distrito:
“É regular o estado comercial e sofrível o alimentício, havendo, todavia, escassez de mantimentos nos mercados, em consequência de se acharem os gentios entretidos no serviço das sementeiras. Não é ainda lisonjeiro o estado sanitário por se darem ainda alguns casos de varíola.
A tranquilidade pública conserva-se inalterada, continuando, contudo, as guerras entre os Fulas e Mouros ou Mandigas. As chuvas têm caído regularmente durante o mês. O administrador do concelho de Cacheu, em seu ofício de 14 deste mês, diz que se achava paralisada a guerra dos gentios limítrofes, em consequência da grande derrota que sofreu uma das partes beligerantes, os Mouros.”


O Boletim Official n.º 39, de 23 de setembro, comporta informações do Governador da Guiné, continua a ser Cabral Vieira, e do delegado de saúde em Bissau, Pedro Nicolau da Câmara Santa Rita. Assim começa o governador a sua informação:
“Saindo deste porto com destino ao da cidade da Praia o cutter Cabo Verde, tenho a honra de participar a V.ª Ex.ª que continuam infecionados de varíola os pontos deste distrito. O estado comercial é regular, e sofrível o alimentício, havendo, contudo, alguma escassez de mantimentos nesta vila. A tranquilidade pública continua em todo o distrito, achando-se paralisadas as guerras gentílicas.
Houve em Cacheu um roubo na loja de José António Rodrigues Tavares, no valor de 500$000 réis, aproximadamente. Descobriu-se que o autor do mesmo roubo foi um súbdito inglês que foi preso e entregue ao poder judicial. As chuvas continuam com regularidade, havendo esperanças de uma abundante colheita. Junto encontrará V.ª Ex.ª o boletim sanitário desta vila em referência ao mês de julho findo.”


E efetivamente segue-se o boletim sanitário:
“Varíola – esta epidemia continuou a desenvolver-se nesta vila até ao dia 26 do corrente, e depois começou a declinar, não se tendo dado mais caso algum até o último mês; no chão do gentio Papéis continua a epidemia a reinar, e na povoação dos Grumetes desapareceu completamente. As febres palustres continuam a desenvolver-se de carácter benigno, não se tendo manifestado caso algum de febre biliosa hematúrica; na clínica civil houve alguns ferimentos de pequena importância que foram convenientemente atendidos por esta delegação de saúde.
Vacinação – apenas foram vacinados durante este mês 22 indivíduos de ambos os sexos e diferentes idades, e maior número podia ter recebido a vacinação se os chefes de família apresentassem os seus filhos para este fim, mas é sempre com grande dificuldade que se pode passar a vacina de braço a braço, porque ocultam o seu desenvolvimento só para não transmitir a linfa vacínica aos outros indivíduos.
Doenças tratadas e observadas no hospital militar: bobão inguinal, cardialgia, conjuntivite aguda, edema das extremidades inferiores, febre intermitente quotidiana, bronquite crónica, disenteria, pneumonia aguda, ingurgitamento do baço e fígado, reumatismo articular…”


Caminhamos para o fim do ano. No Boletim Official n.º 50, de 9 de dezembro, o governador Cabral Vieira envia pela escuna Senhora Argot informações para a Praia:
"É regular o estado comercial do distrito, bem como o alimentício; o estado sanitário é sofrível; conta apenas que se dão alguns casos de varíola nas povoações nos gentios vizinhos. Por participação do administrador do concelho de Cacheu, consta que se realizou a paz entre os Fulas e Mandigas limítrofes de Farim – oxalá que seja verdadeira e não fantástica a mesma paz que há muito se deseja. Para os lados de Geba acontece, porém, o contrário, a guerra ateia-se cada vez mais, estando preparado entre os Fulas e Mandigas-Mouros nas imediações daquele presidio, segundo me participou o respetivo chefe, um grande e extraordinário combate".

O Boletim Official n.º 53, de 30 de dezembro, é expedido ao cuidado de Boa Ventura Martins, o secretário-geral da província de Cabo Verde, "comunica-se que se agravou o estado sanitário do distrito, pois reapareceu um caso de varíola. O estado alimentício é satisfatório e o comercial vai tomando incremento com a chegada de alguns navios internacionais e estrangeiros com mercadoria. Continuam as guerras entre os gentios, nas proximidades de Geba.”
Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796

(continua)

_____________

Notas do editor

Vd. post de 20 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25961: Notas de leitura (1728): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1875 e 1876) (21) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 23 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25973: Notas de leitura (1729): "A Guerra Colonial: realidade e ficção" (livro de actas do I Congresso Internacional), organização do professor universitário e escritor Rui de Azevedo Teixeira; Editorial Notícias, 2001, com o apoio da Universidade Aberta e do Instituto de Defesa Nacional (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25987: O nosso álbum de memórias de... Taviráfrica - Parte I: quase todos nós, "tavirenses", temos uma relação de amor-ódio em relação àquela terra e àquele quartel...


Foto nº 1 > Tavira > CISMI > Julho de 1968 > A chegada ao quartel da Atalaia dos novos instruendos do 1º Ciclo do CSM, vindos de todo o país, num comboio ronceiro. Fila do pessoal para receber fardamento. Foto do Fernando Hipólito, gentilmente cedida ao César Dias e ao nosso blogue.

Esta cena podia passar-se também à porta do RI 5, nas Caldas da Rainha. Esta rapaziada, chamada pela Pátria para cumprir o serviço militar obrigatório (em tempo de guerra...), em finais da década de 1960 já tem um outro "look", a começar pelo vestuário... Tem outras habilitações literárias, outra  postura...

Presume-se que as belas cabeleiras, à moda dos "Beatles", já tinham ficado ingloriamente no chão do barbearia lá da terra ou, "in extremis",  de Tavira... Muitos fotam tosquiados à máquina zero, suprema humilhação para um jovem da época!... Não, já não é a mesma malta que parte, de caqui amarelo e mauser, para defender as Índias & as Angolas, uns anos antes ... O velho Portugal onde tínhamos nascido, estava a mudar, lenta mas inexoravelmente. E a nova geração, a nossa geração, nascida no pós-II Guerra Mundial,  já não estava disposta a suportar os mesmos sacrifícios dos seus pais e irmãos mais velhos.


Foto (e legenda). © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem complementar: logue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 2 > Tavira > Quartel da Atalaia > CISMI > Parada > Outubro de 1968 >"Os 'galardoados' com a especialidade de atirador de infantaria que tinham acabado a recruta integrados no 6º Pelotão da 3ª Companhia" > Da esquerda para a direita, de pé:

(i) Estrela (1), Fonseca (2), Pereira (3), João (4), Torres (5), Chichorro (6) e Joaquim Fernandes (7) (futuro fur mil, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71);

(ii) Santos (1a), Chora (2a), Salas (3a), Paulo (4a), Loureiro (5a), Saramago (6a)

Foto (e legenda): © Eduardo Francisco Estrela (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 3 > Bilhete de identidade militar do César Vieira Dias, sold do CSM nº 197356/68, emitido em 16/7/1968. Ao alto do lado esquerdo,  há um nº, o 847,  escrito a lápis, que deveria  corresponder ao  número interno do CISMI, atribuído ao César Dias na recruta...

Foto (e legenda): © César Dias (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Foto nº 4 > Tavira >  CISMI >  1972 >  António Alves da Cruz,  em farda nº 3, junto às salinas, tendo o antigo Convento das Berrnardas ao fundo....


Foto nº 5 > Tavira > CISMI >  4ª Companhia >  3º Pelotão >  16/6/1972 >  Salinas... O antigo Convento das Bernardas ao fundo... O António Alves Cruz, atirador de infantaria, em farda nº 2


Foto nº 6 > Tavira > CISMI > 4ª Companhia > 3º Pelotão > 16/6/1972 > Salinas... O antigo Convento das Bernardas ao fundo... Um pelotão com 38 elementos...


Fotos (e legendas): © António Alves da Cruz  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Foto nº 7 > Tavira > CISMI > 1968 > O César Dias, natural de Torres Novas (á esquerda) e o António Branquinho, filho de Évora (à direita)... Ambos foram parar à Guiné... O Branquinho à CCAÇ 2590 (mais tarde, em 18/1/1970, CCAÇ 12) (Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

Foto: © César Dias (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 8 > Tavira >  CISMI > 1968 > 3ª companhia (instrução de especialiade: Atirador de infantaria) > O Branquinho é o 3º da primeira fila a contar da direita... O Levezinho é o 3º da 2ª segunda, a contar também da direita. Não consigo identificar o Fernando Hipólito.



Foto nº 8A > Tavira >  CISMI> 1968 > 3ª companhia (instrução de especialidade: Atirador de infantaria) > Lado esquerdo do grupo


Foto nº 8B >Tavira > CISMI> 1968 > 3ª companhia (instrução de especialidade: Atirador de infantaria) > Lado direito do grupo > O Branquinho é o 3º da primeira fila a contar da direita... O Levezinho é o 3º da segunda fila, a contar também da direita. "Na foto 8B quase identifico todos, foram meus camaradas na recruta no 7º. Começando á direita o aspirante Coelho que tinha sido nosso também na recruta, depois um desconhecido, depois o Levezinho, depois o Hipólito e mais um desconhecido. Em baixo:à direita o Simões Santos (já falecido), depois o Freitas, depois o Branquinho, e o Quarteira. Estes que identifiquei foram do 7º pelotão da 3a companhia incluindo o Aspirante Coelho que conseguiu granjear a simpatia de todos." (César Dias).

Fotos: © Fernando Hipólito (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 9 > Tavira > CISMI > 1968 > Pormenor do jantar do dia  do juramento de bandeira. (1)... O Tony Levezinho, visto de perfil, tendo em frente (lado direito da foto, a olhar para a máquina) o César Dias, que por sua vez tem à sua direita o Fernando Hipólito... Os três tiveram destinos diferentes: o Hipólito foi para Angola, o Levezinho e o Dias para a Guiné, um para Bambadinca e outro para Mansoa


Foto nº 9A >Tavira > CISMI > 1968 > Pormenor do jantar do dia  do juramento de bandeira... (2)
 


Foto nº 10 >Tavira > CISMI > 1968 > 3º Turno > Desfile do juramento de bandeira...  3ª Co,mpanhia (identificou o Humberto Reis)



Foto nº 10A >Tavira > CISMI > 1968 > Desfile do juramento de bandeira... "2º Pelotão da 3ª Companhia do 3º turno de 1968.Eu estou na 3ª fila, em 1º plano, com óculos escuros que usava desde 1965. Alguém consegue identificar mais algum elemento? Agradeço a ajuda" (Comentário de Humberto Reis)


Foto nº 10B >Tavira > CISMI > 1968 > Desfile do juramento de bandeira > "Humberto Reis, deves estar a fazer confusão, na foto nº 10 assinalado a amarelo é o Filipe pois o pelotão que está a desfilar é o 7º, ele também usava óculos." (César Dias)

Fotos (e legendas): © César Dias (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 11> Tavira > CISMI > Quartel da Atalaia > 1968 >  "Há 49 anos dava entrada no CISMI - 4.ª companhia. Deixo de lado as coisas menos boas para olhar com ternura o tempo de juventude. Foto: regresso da Semana de Campo. À excepção do cabo miliciano (...) todos os recrutas são naturais de S. Miguel - Açores. 

Da esquerda para a direita: Carlos Alberto Pereira Rangel; José Luís Vasconcelos Botelho; cabo miliciano; Domingues e eu, Carlos Cordeiro [saudoso membro da nossa Tabanca Grande, 1946-2018; fez a sua comissão em Angola, como fur mil at inmf, no Centro de Instrução de Comandos, 1969/71 ].

Fonte: Facebook > Grupo dos Antigos Militares do CIQ-CISMI, Tavira e QG Évora > Carlos Cordeiro > 17 de janeiro de 2017 (com a devida vénia..:)






Foto nº 12 > Guiné > Zona Leste > Setor L1 > CCAÇ 12 (1969/71> c. 1970 > 2º Grupo de Combate > Estrada Bambadinca-Xime > Destacamento da Ponte do Rio Udunduma > Da esquerdapara a direita: oTony (Levezinho) e o Humberto (Reis) sentados na "manjedoura"... Era ali, protegidos da canícula, por uma chapa de zinco, à volta de uma tosca mesa de madeira, entre duas árvores, com vista sobre o espelho de água do rio Udunduma, afluente do Geba..., era ali que tomavámos em conjunto as nossas refeições, escrevíamos as nossas cartas e aerogramas, jogávamos à lerpa, bebíamos um copo, matávamos o tédio e os mosquitos... Já ninguém se lembrava que tudo começara, para os "infantes",  em Tavira ou Caldas da Rainha..

Na imagem, o Tony (Levezinho), à esquerda, segurando uma granada de LGFog de 3.7. À direita, o Humberto Reis, o nosso "ranger"... e fotógrafo. O 2º Gr Comb ficou, cedo, entregue aos dois furriéis, Levezinho e Reis... O alf mil António Carlão, oriundo do CSM, foi destacado... para a equipa de reordenamento de Nhabijões ( a gigantesca tabanca, ou aglomerado de tabancas, de maioria balanta, onde a rapaziada do PAIGC se dava ao luxo de entrar e sair quando lhe apetecia...).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]-



1. Pediu-me o Humberto Reis algumas fotos de Tavira, e nomeadamente do CISMI, onde ele fez recruta (a especialidade foi tirada em Lamego). O meu vizinho de Alfragide e antigo camarada da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), e colaborador permanente do nosso blogue (mais: um dos históricos do nosso blogue), passa agora uma boa parte do ano no Algarve. E há dias calhou passar por Tavira e vieram-lhe... as "saudades".


Fiz-lhe uma primeira seleção de fotos (e de postes) sobre Tavira, com destaque para o CISMI (Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria) que funcionava no Quartel de Atalaia. (O CISMI foi criado em 1939 e extinto em 1989.)

Ninguém sabe ao certo quanto sargentos milicianos formou aquele centro de instrução durante a guerra do ultramar / guerra colonial. Muitos e muitos milhares, a maior parte atiradores de infantaria.  Muitos de nós passámos por lá. E quase todos temos uma relação de amor-ódio em relação àquela terra e àquele quartel.

Como em tudo na nossa vida, houve coisas boas e más...Cada um de nós fará o balanço, o deve e o haver... A verdade é que alguns de nós já voltaram lá, em "romagem de saudade", ao "local do crime"... Masoquistas ? Nem por isso,  a Taviráfrica também foi uma aventura... (Por analogia com a "Máfrica", Mafra, EPI, a grande fábrica de oficiais milicianos de infantaria, chamo Taviráfrica a Tavira...).

Para o Humberto (e os demais leitores) fizemos uma primeira seleção dos inúmeros postes que temos no blogue sobre Tavira (n=77) e o CISMI (n=58)...  

Temos muitos "tavirenses" na Tabanca Grande, o quer dizer que Tavira (ou a Taviráfrica) era uma boa porta de entrada para a Guiné.... O nosso convite para revisitar Tavira, o CISMI, o quartel da Atalaia, a carreira de tiro, e os arredores,  é também uma forma de avivar memórias, coisa que só faz bem aos nossos neurónios. 

Todos os comentários serão bem vindos, Será uma pena a malta levar para o outro mundo as lembranças desse tempo e lugar...


Lembranças de Taviráfica, do CISMI e do quartel da Atalaia  -  
Parte I


Listagem de postes: data, númeiro, título, autor(es), link

15 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25746: (De)Caras (301): Quem seria o instruendo nº 821, do 3º turno de 1968, 3ª Companhia de Instrução, Centro de Instrução de Sargentos Milicianos (CISMI), Tavira ? Pergunta ao César Dias, que era o nº 847/3ª, desse turno (Eduardo Estrela, ex-fur mil, CCAÇ 14, Cuntima e Farim, 1969/71)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2024/07/guine-6174-p25746-decaras-301-quem.html


28 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24595: Álbum fotográfico do António Alves da Cruz, ex-fur mil at inf, 1ª C/BCAÇ 4513/72 (Buba, 1973/74) (1): Das salinas de Tavira ao CTIG


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2023/08/guine-6174-p24595-album-fotografico-do.html

27 de abril de 2021 > Guiné 63/74 – P22145: Estórias avulsas (105): Pequeno almoço às 2 horas da manhã (Joaquim Ascenção, ex-Fur Mil Arm Pes Inf, CCAÇ 3460, Cacheu, 1971/73)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2021/04/guine-6374-p22145-estorias-avulsas-105.html

31 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21719: (Ex)citações (382): Tavira, CISMI, por quem nenhum de nós morreu de amores... (João Candeias da Silva / Carlos Silva / Luís Graça)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2020/12/guine-6174-p21719-excitacoes-382-tavira.html


28 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21702: (De)Caras (167): o ten inf Esteves Pinto (1934-2020), que foi instrutor de alguns de nós no CISMI, em Tavira, e que morreu no passado dia 18, com o posto de cor inf ref



14 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20732: Memória dos lugares (402): Tavira, o CISMI, e Cacela A Velha... (Eduardo Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71)


13 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20728: Em busca de... (302): instruendos do CISMI, Tavira, a tirar a especialidade de atiradores de infantaria, 6º Pelotão / 3ª Companhia, outubro de 1968: "Eu, o Torres, o Joaquim Fernandes, o Loureiro e o Saramago fomos todos para o CTIG...mas dos outros gostava de saber do paradeiro"... (Eduardo Francisco Estrela, ex-fur mil at inf, CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71; vive em Cacela)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2020/03/guine-6174-p20724-em-busca-de-302.html

2 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19736: (Ex)citações (352): In illo tempore, o Alferes José Cravidão, no CISMI de Tavira (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil da CCAV 703 / BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2019/05/guine-6374-p19736-excitacoes-352-in.html

1 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17532: O nosso livro de visitas (191): Américo Santos, ex-Fur Mil TRMS, retratado, enquanto recruta do CSM, em foto publicada no nosso Blogue (Américo Santos, Fur Mil TRMS / César Dias, Fur Mil Sap Inf)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2017/07/guine-6174-p17532-o-nosso-livro-de.html

25 de junho de 2014 > Guiné 63/74 - P13330: In Memoriam (191): António Manuel Martins Branquinho, natural de Évora (1947-2013), ex-fur mil at inf, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71)... Para que a sua memória não fique na "vala comum do esquecimento"


3 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12673: Manuscrito(s) (Luís Graça) (18): Gostei de voltar a Tavira (Parte I): A estação da CP

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/02/guine-6374-p12673-manuscritos-luis.html


24 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12770: CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria, Tavira, 1968: Guia do Instruendo (documento, de 21 pp., inumeradas, recolhido por Fernando Hipólito e digitalizado por César Dias) (5) : Quinta e última parte (pp. 19-21): O jornal "Atalaia" , a rádio "CISMI"... e as 29 capelas e igrejas de Tavira

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/02/guine-6374-p12770-cismi-centro-de.html


5 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12678: Manuscrito(s) (Luís Graça) (19): Gostei de voltar a Tavira (Parte II): O quartel da Atalaia (ex-CISMI -Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria)


https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/02/guine-6374-p12678-manuscritos-luis.html


5 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12678: Manuscrito(s) (Luís Graça) (19): Gostei de voltar a Tavira (Parte II): O quartel da Atalaia (ex-CISMI -Centro de Instrução de Sargentos Milicianos de Infantaria)

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2014/02/guine-6374-p12698-manuscritos-luis.html



Tavira > Quartel da Atalaia > Antigo CISMI, hoje RI 1 > 1 de fevereiro de 2014 > Belo exemplar da nossa arquitetura militar, fica situado na Rua Isidoro Pais. Imóvel classificado como de interesse público, segundo o excelente síio da Câmara Municipald e Tavira

 O Quartel da Atalaia, um dos mais antigos do país, foi começado a construir em 1795, sob o reinado de D. Maria I. Mas a sua construção foi entretanto interrompia e só retomada em 1856 devido á conjuntura nacional desfavorável (ida da corte para o Brasil, invasões napoleónicas, revolução liberal de 1820, guerra civuil de 1828-1834, etc.). 

"Com a extinção das Ordens Religiosas, é entregue ao exército o antigo Convento de Nossa Senhora da Graça, que alguns de nós também conheceram. O Quartel da Atalaia, ainda por concluir, serviu ainda de hospital das vítimas de peste de cólera que se abateu sobre a cidade (e grande parte do país, a começar pela capital) em 1833, em plena guerra civil. 

Em boa verdade o edifício só ficará concluído  nos primeiros anos do século XX, sendo  então para lá transferida a guarnição de Tavira. Sofreu alguns alterações funcionais em 1950, 1954 e 1970.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Alguns comentários 

(i) Eduardo Estrela:

Sobre Tavira, e o sítio onde fizemos os fogos, no último trimestre de 1968, escreveu o Eduardo Estrela o seguinte comentário ao poste P20732:

(...) "Bom dia Luís! É uma alegria enorme ouvir falar da nossa terra com tanto carinho e amor. Obrigado pelas tuas palavras elogiosas. Façamos votos que haja coragem de preservar a autenticidade desta parte do Algarve denominada Sotavento.

Seguindo o percurso da EN 125, no sentido Tavira-Vila Real Sto. António, passamos Conceição de Tavira e, cerca de 3 km mais á frente, há uma estrada à direita que vai ter ao sítio do Lacem. Foi neste sítio, local de confluência dos concelhos de Tavira e Vila Real, que fizemos os fogos reais, numa arriba sobranceira á ria e ao mar. Dista de Cacela Velha em linha recta, mais ou menos 1 km.

O fabuloso tasco da Fábrica era do Costa, onde se comiam todas as iguarias da Ria, com a particularidade de saberem divinalmente. O Costa era compadre do meu sogro, pois era padrinho de baptismo duma das minhas cunhadas. 'O mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é grande.' (...)

14 de março de 2020 às 13:13


(ii) Manuel Carvalho:

Também andei por Tavira no verão de 67,  3º turno  de Armas Pesadas de Infantaria. Tenho algumas memórias do dia em que fizemos fogo para a ilha de Tavira a partir da costa.O comandante de companhia  era o capitão Madeira, natural de Cabo Verde,  e de Pelotão era o alferes Chumbinho,  exigente mas que nos tratava, com respeito, por "senhor instruendo".

Quando íamos iniciar o fogo de canhão sem recuo 10,6 vimos que estavam na zona dois barcos pequenos com um pescador cada. o Chumbinho disse que resolvia o problema com uma canhoada e resolveu embora um oficial superior que lá estava tivesse dito "não me arranje problemas",

Ainda hoje me rio com a cena dos dois homens a remar cada um para seu lado e nem a recolha do material fizeram. 

Na ilha havia um silvado que foi incendiado com uma granada de fósforo e depois apagado com uma normal que atirou areia para cima do lume.Alguém pôs um burnal velho atrás do canhão para vermos o efeito e vimos que não é lugar para se estar.

Também fui dos que escolheram Armas Pesadas a pensar que ficaria mais resguardado mas tinha uma secção distribuída como qualquer Atirador e muitas vezes o Pelotão todo, é a vida.


(iii) Henrique Cerqueira

Tavira... Já aqui comentei que foi a minha pior experiència de vida militar.

Conto assim um pequeno episódio logo na minha receção a Tavira.

Viemos em 1971 os recentes recrutas das Caldas da Rainha para Tavira tirar a especialidade. Como chegamos a Tavira por volta das 21:00 horas já não havia jantar para a malta e então muito "convenientemente" para o exército foi-nos excecionalmente permitido licença de sair até á meia-noite.

Lá formamos uns grupinhos e fomos aos cafés tentar aconchegar o estômago. Num dos cafés alguém da malta tinha no saco uma lata de salsichas e toca a perguntar ao dono do café se nos podia aquecer a lata e nos fornecer pão para acompanhar.

O dono (que por acaso era um Sargento como em quase todo o comércio da altura estava nas mãos de sargentos ou oficiais do Q.P.)então ele logo disse muito solicitamente que sim senhor e que entendia a nossa causa (falta de dinheiro).

Lá comemos as salsichas e torradas de pão de forma e uns sumitos. No final o tal "simpático dono" debita-nos doze cachorros quentes. Nós reclamamos... e a seguir fomos passar o resto da noite á prisão do quartel e fomos obrigados a pagar os tais cachorros.

O Sargento até era do quartel e por mero acaso também tinha uma tasca quase em frente ao quartel que mais tarde vim a descobrir que alguma comida do refeitório era estrategicamente desviada para os petiscos que lá vendiam aos instruendos ...logo se vê.

Enfim naquela altura a maioria dos civis comerciantes ou não viviam as custas dos instruendos e não tinha pejo nenhum em explorar a malta. Em alguns casos até os pais com filhas casadoiras as enfiavam pelos olhos dentro da malta . Não sei se lembram dos "Casamentos de Parada" tão famosos em Tavira.

Pra juntar á "Festa" a grande maioria dos oficiais e sargentos de instrução em Tavira eram desumanos e desrespeitadores (isto para ser brando nos adjetivos ). Creio que hoje em dia será diferente, mas para mim Tavira nunca mais em termos pessoais.

4 de fevereiro de 2014 às 12:29


(iv) José Marcelino Martins


Saudades de Tavira e do Rio Séqua.

4 de fevereiro de 2014 às 14:41


(v) Luís Graça

Henrique: Obrigado pelo teu comentário... Dois meses e meio, em Tavira, na tropa, em finais de 1968, não dão para viver e guardar na memória grandes peripécias, paixões, amizades, acontecimentos galvanizantes, figuras marcantes, lugares...

A instrução era puxada, e o corpinho ressentia-se...

Lembro-me do meu comandante, o tenente Esteves, um típico militar da época.. lembro-me de ouvir falar do Robles e do Trotil, mas não sei se ainda lá estavam nessa altura...

Lembro-me isso, sim, de um filho da puta de um alferes instrutor, dos vellhinhos, algarvio, que nos humilhava, obrigando-nos a chafurdar na merda da feira do gado, enquanto namorava, à janela,, uma gaja da terra...

Lembro-me do idiota do comandante do RI1 (coronel do tempo da guerra do Solnado...) que nos proibiu a inauguração de uma exposição (documental) sobre a a II Guerra Mundial com o argumento, tonto, de que para guerra já bastava a nossa, lá no ultramar...

Lembro-me da velha e anafada prostituta, andaluza, de olho azul, que morava perto do quartel da Atalaia, e que tirava os três aos infantes...

Lembro-me da amázia (?) de um sorja ou de um tenente qualquer que nos acompanhava nos exercícios de campo, vendendo-nos sandochas e bebibas... Acho que tinha uma carroça... 

Tavira era triste como era triste o meu/nosso país em 1968... Não sei se lá chorei, mas devo ter rangido os dentes, algumas vezes. De raiva...

Dos "casamentos na parada" ouvi falar, mas não sei se era lenda... Nunca assisti a nenhum, ou então nunca liguei... A verdade é que aquelas miúdas, de sangue fenício, romano e bérbere, eram verdadeiros "lança-chamas"...

Concordo com o teu juízo: os nossos instrutores, na tropa, na época, estavam longe de ser as melhores pessoas do mundo... Acho que merecíamos muito mais e melhor, aqueles de nós a quem calhou, na rifa, a fava da Guiné... Alguns eram mesmo uns pobres diabos, sádicos, prepotentes, mesquinhos, fanfarrões, boçais, incultos... que nem para soldados básicos eu os queria na Guiné...

4 de fevereiro de 2014 às 21:44

(vi) Henrique Cerqueira


Camarada Luís Graça: retratas na perfeição tudo aquilo que se passava na altura. E olha que não me queixo da dureza da verdadeira (?) instrução, mas tão somente de pessoas e te digo mais que houve mais cenas de desumanidade praticadas por instrutores nossos.

Uma das muitas que me aconteceu foi por exemplo em plena serra do Caldeirão eu estar com tanta fome que de noite arrisquei uma sortida junto da cozinha de campanha e apanhei uma terrina com patas de galinha e pescoços (penso que aí no sul lhe chamam de pipis?) que eram para as petiscadas dos tipos e vai daí comi aquilo tudo mesmo cru .

Já para não voltar a falar de humilhações praticadas por oficiais milicianos e sargentos durante essas noites de semana de campo. Ainda hoje com 64 anos e bem vacinado contra comportamentos erróneos eu me arrepio todo e ao ler o teu comentário eu me emocionei.

Infelizmente eu associo Tavira as esses comportamentos selváticos que na altura se praticavam em alguns dos quarteis que nos deveriam transformar em Homens preparados para defender o país. Mas não o fizeram e nada ,absolutamente nada me ensinaram que pudesse aproveitar para a vida militar. Ou seja talvez me tenham apurado muito mais o meu instinto de sobrevivência ,daí eu já ter escrito mais que uma vês que na Guiné eu tudo fiz para "viver e sobreviver ".

Quem quiser que entenda como melhor achar. Luís, desculpa lá mas isto hoje deu mesmo para o desabafo. (...)

4 de fevereiro de 2014 às 22:06


PS - Em relação aos casamentos na parada eu penso que era no sentido figurado. Mas na verdade a malta era obrigado a casar por ordem militar e em Tavira quando os paizinhos se iam queixar que as suas "donzelas" tinham sido "desonradas" por este ou aquele instruendo. Aconteceu pelo menos com dois camaradas meus. Daí se dava o nome de "Casamento na parada".

Agora um aparte. As miúdas Algarvias da altura até que eram tentadoras, lá isso eram .

4 de fevereiro de 2014 às 22:15

(vii) César Dias:

Luis, também eu estive 6 meses em Tavira, recruta na 3ª Companhia e na especialidade de Sapador na 2ª Companhia, e pelos vistos estivemos no mesmo turno, com o tal tenente Esteves do qual me recordo como se divertia ao anunciar á sexta feira os cortes nos fins de semana "o militar é a parte válida do povo e como tal não há fim de semana para ninguém". Eu penso que ficámos retidos algumas vezes porque foi nessa altura que Salazar caiu da cadeira. Sobre esse Alferes, lembro-me que era Algarvio e também dava instrução de provas fisicas ao meu pelotão, deves-te lembrar do meu pelotão, pois andavam todos com um estropo de corda ao ombro, fazia parte da farda. Tudo o que referes avivou-me a memória já muito fraca, mas foi a parte de Tavira que conheci. (...)

4 de fevereiro de 2014 às 23:58


(viii) José Manuel Lopes:

Estive em Tavira, 3 meses. Recordo os bons e maus momentos que lá passei, o alferes Luz, algarvio, que nos deu cabo do coiro e do juizo.

Recordo que estive 3 meses sem ver o meu Douro, meus pais e irmãos, no principio com a desculpa que a Régua era muito longe, e quando o comboio lá chegasse estava na hora de apanhar o de regresso.(ainda havia comboios), depois porque aprendi a gostar do Algarve, das sua praias, da agua quente daquele mar, das lindas meninas queimadas pelo sol e até porque melhorei muito o meu ingles aprendido no liceu. Foi bom e há...!? ainda não tinha 20 anos!!!