quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25980: Historiografia da presença portuguesa em África (444): A Guiné Portuguesa em 1878 - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, inícios de 1983 (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de julho de 2024:

Queridos amigos,
Estamos em 1883, o Governador Pedro Ignácio de Gouveia revela-se um homem de mão cheia, continua o programa de concessões de terreno, o exemplo que aqui se cita vem do chão manjaco, chovem os regulamentos e os regimentos, pretende-se instituir uma biblioteca, o governador tem mão pesada para capitães delituoso, pensa-se no embelezamento e na higiene de Bolama e arredores, o comandante militar de Bissau vai até à ilha de Jeta celebrar tratado com o régulo das Ilhetas, é um documento de grande valor, de que aqui se deixa uma citação, e o alferes Francisco Marques Geraldes, comandante do presídio de Geba, face ao rapto de umas bajudas em S. Belchior, mete-se ao caminho com civis até ao Indornal, estamos em 1883, vamos vê-lo percorrer a região do Casamansa, passou por terras onde lhe pediram para ele se despir, nunca tinham visto um ser humano de pele branca. É texto que já publicámos no blogue, bem como a sua sequência, um texto não menos notável de Pedro Ignácio de Gouveia para o Ministro da Marinha e do Ultramar.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, inícios de 1983 (3)


Mário Beja Santos

1883 revela-se um ano de profusa legislação, como se exemplifica: regulamento das alfândegas da província da Guiné Portuguesa; regimento para as delegações da junta da Fazenda da província da Guiné; regulamente para o serviço marítimo da Guiné Portuguesa; regulamento do Ministério Público nos tribunais militares. O Governador é Pedro Ignácio de Gouveia, logo no Boletim Oficial n.º 1, de 6 de janeiro, chama a atenção a Nota do degredado chegado a esta província em 17 de dezembro de 1882, vindo da província de Cabo Verde no vapor Angola: Lourenço Rodrigues d’Almeida, condenado a trabalhos públicos por toda a vida, por acórdão da Relação de Lisboa por crime de homicídio voluntário. No Boletim seguinte, de 13 de janeiro, chama a atenção o pedido de conceção no rio denominado Mampatas, no território manjaco e o Governador “hei por conveniente, com o voto do Conselho do Governo, conceder 500 hectares de terreno a Ernesto Gourdau em cada um dos pontos seguintes: Pelundo, Babaque, Padim, Tamé, Canhobé, Mata dos Elefantes, Cajegut, Tumatte e Palufe, sendo a última na embocadura do rio dos Brames".

Não menos curiosa é a publicação neste mesmo Boletim Oficial n.º 2 a necessidade de criar uma biblioteca, o texto de Pedro Ignácio de Gouveia é de uma enorme elegância:
“Sendo de reconhecida vantagem e conveniência a instituição de uma biblioteca, para desenvolvimento intelectual de todos, e em que cada um possa compulsar os diferentes autores para aumentar os seus conhecimentos, desenvolvendo a sua instrução.
Sendo certo que a prosperidade, riqueza e bem-estar social é função de estado intelectual dos seus habitantes; e tendo em vista, que na classe civilizada dos habitantes da província, se encontra, em regra, o gérmen da aplicação que apesar dos poucos recursos que alguns dispõe procuram cultivar o espírito nas horas de ócio que as suas ocupações lhes deixam;
Considerando que se pode assim mais facilmente desenvolver o estudo, esse campo vasto onde a inteligência não encontra limites tangíveis, e pelo qual o homem pode crer na sua proficuidade, pela utilidade de que é alvo, e pelos benefícios que a seus concidadãos pode prestar, pelo derramamento de luz que só a cultura intelectual pode dar, etc. etc. Hei por conveniente nomear uma comissão para ver qual a maneira possível de instituir uma biblioteca.”
Nesta composição figurava o vigário-geral da Guiné Marcelino Marques de Barros.

Era visível que o novo Governador vinha disposto a cortar a direito, no despacho n.º 1 emitido no quartel-geral em Bolama, em 13 de janeiro, dava-se a saber que foram considerados presos para conselho de guerra os capitães Pedro Moreira da Fonseca e Boaventura Ribeiro da Fonseca. Falece em Buba na noite de 13 o tenente do batalhão de caçadores n.º 1 José Joaquim Sertório de Almeida, seguia-se uma alocução falando num crime hediondo, o tenente fora assassinado quando rondava as sentinelas postadas na praça de Buba, assassinado por um soldado, caso que enodoava o Exército; fora exonerado o capitão Caetano Filipe de Sousa, que era comandante militar e administrador do concelho de Buba; e quanto à prisão dos dois capitães, dizia-se que não tinham recebido a prisão imposta com respeito e acatamento devido, cantando até depois de recolher ao quarto que lhes servia de prisão, pelo que lhe fora agravada a pena com a proibição de receber visitas, sofreram uma prisão rigorosa de 30 dias.

No Boletim n.º 19, de 12 de maio, nova medida enérgica: “Tendo chegado ao meu conhecimento um ofício do comandante militar de Cacheu em que participa que o chefe do presídio de Farim, Luiz Xavier Monteiro tem praticado actos que podem considerar-se criminosos, a serem verdadeiros; hei por conveniente, em harmonia com o código administrativo suspender do exercício de funções e vencimentos ao mencionado chefe, devendo permanecer em Cacheu sob a vigilância da autoridade local enquanto se procede à sindicância que nesta data lhe é mandada instaurar.”

Passando agora para o Boletim n.º 22, de 2 de junho, vem publicado um interessantíssimo relatório assinado pelo comandante militar de Bissau, Carlos Maria de Souza Ferreira Simões, que foi celebrar um tratado de paz com um régulo das Ilhetas, ilha de Jeta, Adju Pumol. É texto extenso, aqui fica uma passagem:
“Disse finalmente o régulo Adju Pumol que as provas de confiança e consideração que acabava de receber do Governo português enviando aos seus domínios um delegado seu para tratar com ele e com o seu povo, lhe impunha o dever de ser sempre grato e leal aos portugueses e de lhes prestar todo o auxílio de que pode expor sempre que lhe por qualquer forma se ofereça para isso ocasião. Terminado o discurso, convidei o régulo para ir connosco a bordo da canhoneira Guiné, convite que ele aceitou sem hesitação, a despeito de algumas manifestações em contrário que involuntariamente deixaram perceber dois ou três dos seus grandes, e principalmente uma das suas mulheres, que chegou a segurá-lo por um dos braços para o não deixar ir, e à qual ele disse que ia porque tinha confiança nos portugueses e se morresse era apenas uma vida que se perdia. Acompanharam-no um filho mais velho e um dos grandes.

Chegado a bordo, o comandante foi mostrar-lhe o navio, pelo que ele se sentiu muito reconhecido, examinando tudo com muita atenção e fazendo algumas perguntas. Ceou connosco, e quando depois da ceia lhe perguntámos se queria ir para terra ou ficar a bordo, respondeu que preferia ficar a bordo, e ir para terra de madrugada. Dormiu sossegadamente num dos almofadões da câmara do navio.”

No Boletim n.º 81, de 4 de agosto, consta o relatório apresentado pelo chefe do presídio de Geba acerca da sua viagem ao Indornal, há alguns anos publicou-se no blogue este notável documento assinado pelo alferes Francisco Marques Geraldes e qual a informação dada por Pedro Ignácio de Gouveia ao Governo em Lisboa.

Voltando um pouco atrás, e dentro daquele vasto plano de regulamentações de que inicialmente se fez menção, penso que é útil referir que no Boletim n.º 13, de 31 de março, o Governo reconhece a grande vantagem e conveniência para a regularidade e embelezamento da capital da província e de outras terras secundárias, estabelecer-se um plano definitivo de edificações em que se atendam às condições de higiene, ventilação, perspetiva e outras. E assim fora adotado com o voto unânime do Conselho do Governo o plano de edificações e reedificações em Bolama. O seu artigo primeiro anuncia que o Governo mandará imediatamente proceder a um plano geral dos melhoramentos da capital, atendendo neles ao das suas praças, jardins e edificações existentes, e à construção e abertura de novas ruas, praças, jardins e edificações com as condições de higiene, decoração, cómodo alojamento e livre-trânsito do público. Esse plano seria elaborado pela comissão composta do diretor de obras públicas, um vogal proposto pela Câmara Municipal e um vogal da Junta de Saúde Pública. Texto minucioso em que se chega ao cuidado de referir a altura das edificações determinada pela largura das ruas.

Pedro Ignácio de Gouveia, distintíssimo oficial da Armada, sucede a Agostinho Coelho como Governador da Guiné (será Governador entre 1881 e 1884). A primeira vez que me confrontei com a sua prosa, e que muito me impressionou, foi a carta que ele dirigiu ao ministro da Marinha e Ultramar referindo a viagem do alferes Marques Geraldes até Selho (hoje no Senegal), para ir buscar mulheres raptadas de um parente do régulo local, é um belíssimo documento.
Estabelecimentos portugueses em Buba, no Rio Grande, profundamente afetados pela guerra do Forreá
A canhoneira Guiné, 1879-1883
Igreja católica na Guiné Portuguesa, imagem muito antiga retirada do site da Casa Comum
Bajudas Fulas lavrando a bolanha, imagem antiga retirada do site Casa Comum

(continua)
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Notas de editor

Vd. post de 18 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25954: Historiografia da presença portuguesa em África (442): A Guiné Portuguesa em 1878 - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1881 até 1882 (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 18 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25955: Historiografia da Presença Portuguesa em África (443): a história (atribulada) de Bolama, segundo o Padre J.A.V (1938)

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