quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25984: (In)citações (264): Naquela época era-nos proibido falar muito sobre a política da guerra em África (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)


1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 25 de setembro de 2024:

…Companheiros, hoje somos um antigo veterano “anti-guerra”, porque a nossa experiência diz-nos que, (e não é apenas a continuação de uma história ruim que se arrasta por séculos), qualquer guerra, por mais pequena que seja, “nunca tem um bom final”.

…Naquela época, a maior parte de nós não sabia e…, era-nos proibido falar muito sobre a política da guerra lá na África. Uma coisa nós sabíamos, porque tínhamos sido treinados para isso…, era que estávamos ali para combater, guardar ou proteger, depende do que queiram chamar, um império desconhecido, num serviço militar que era obrigatório para todos e, morrer…, ou seja, dar a vida em defesa da bandeira de Portugal.

…E normalmente…, quem inicia as guerras entre países não é o povo, são os dirigentes desses países, o povo ama-se e compreende-se e quer a paz, um tecto para se abrigar, roupa, trabalho e comida, educação e o bem estar dos seus, mas alguns governantes que até têm escola superior, é que geram os conflitos, contando sempre com o apoio do povo que formam os seus exércitos, e claro,…, morrem num campo de batalha para os defenderem.

…Depois…, quem defende esse povo que defendeu esses dirigentes que tomaram decisões erradas? Enfim, podemos escrever um milhão de páginas, que o resultado é sempre o mesmo…, o povo é que luta e sofre.

…Nenhuma guerra, mesmo patriótica, defende os interesses da população justificando o sacrifício das vidas humanas que depois…, sempre tiveram alguma dificuldade em se afirmar nos círculos políticos ou culturais, porque entretanto o regime mudou com o fim dessa mesma guerra e logo vão esquecer o sofrimento dos soldados que combateram, porque sempre, não importa como, questionam os sentimentos patrióticos desses mártires soldados. Foi isto que aconteceu em Portugal, país onde nascemos e pelo qual combatemos.

…No entanto, em algumas nações ainda é prática comum algumas homenagens, aos seus heróis combatentes, embora na nossa opinião, as homenagens são ao mesmo tempo um reviver de memórias que enfatizam a honra e o patriotismo, obscurecendo o registo completo dos nossos sentimentos e experiências de combatentes e…, na verdade, colocam uma certa distância entre a semelhança da experiência humana, que essa sim, transcende toda e qualquer fronteira entre um discurso público de ocasião de um qualquer político, só para agradar e…, a realidade vivida num campo de batalha.

…E para terminar, como a minha especialidade era “cifra” e tinha conhecimento de algumas decisões que davam em destruição de bens e pessoas inocentes, e como para o final da comissão andava constantemente contrariado e dizia que assim que voltasse a Portugal ia emigrar, embora embarcasse de retorno a Portugal em Maio de 1966, guardaram a minha caderneta militar por mais de cinco anos, recebendo-a só em final de 1971.

Tony Borie
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Nota do editor

Último post da série de 24 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25977: (In)citações (263): Eduardo Estrela, espero poder dar-te um abraço, ao vivo, com um atraso de 55 anos (!), na próxima quinta feira, em Algés, no 57º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha (Luís Graça, editor)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tony, como diz o nosso povo (nortenho), "quando o mar bate na rocha, quem se f*de é o mexilhão"... Foram os portugueses e os guineenses, os americanos e os vietnamitas, os franceses e os argelinos, os holandeses e os indonésos, os timorenses e os japoneses, os japoneses e os chineses, os espanhóis e os incas, e por aí fora...