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sexta-feira, 12 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25737: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte II: 15 minutos, de ferro e fogo, no K3, em meados de 1963


Foto nº  5


Foto nº 6


Foto nº 6A

Foto nº 6B


Foto nº 7

Guiné > s/l > s/d > O alf mil art José Álvaro Carvalho  (1º trimestre de 1963/meados de 1965) > Nestas fotos do seu álbum ainda não conseguimos identificá-lo: talvez possa ser o militar que se vê na foto nº 6B, em segundo plano, de pefil, de óculos.




Angola > Ponte do rio Cuanza (em contrução, desenhada pelo eng. Edgar Cardoso) > c. 1971 > O José Álvaro Almeida de Carvalho, diretor do departamento de trabalhos externos da empresa L. Dargent Lda. Aqui ainda no início da montagem do tabuleiro da ponte...Viveu 5 anos em Angola (até depois do 25 de Abril de 1974).

Fotos: © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O José Álvaro Carvalho, 85 anos, natural de Reguengo Grande, Lourinhã, entrou recentemente para o nosso blogue. Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*). 

Não dispondo da sua caderneta militar (diz que nunca a teve), o Zé Álvaro (como eu o trato, afetuosamente), não sabe exatamente em que data chegou ao CTIG, para render um alferes de uma companhia de intervenção, sediada em Bissau. Aponta para a primavera de 1963, escassos depois da guerra ter "oficialmente" começado, na "narrativa" do PAIGC,  com o ataque  a Tite, na região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963.

Já estava há 26 meses na tropa. E deve ter cumprido mais uns 26 ou 27, no CTIG, entre o primeiro trimestre de 1963 e o segundo semestre de 1965. Passou por Bissau, Olossato e Catió, aqui já a comandanr um Pel Art / BAC, obus 8.8 (a duas bocas de fogo).


O alf mil Maurício Saraiva,
nascido em Sá da Bandeira,
quando ainda frequentava
 o curso de comandos,
em Luanda, em 1963.
Foto de Virgínio Briote
(2015)
No CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico do fado, "Carvalhinho" (*) . O Mário Dias, o Manuel Luís Lomba, o Virgínio Briote são (ou ainda são) do seu tempo e rconhecem-no.  O Armor Pires Mota (ex-alf mil, CCAV 488/BCAV 490, Bissau, Ilha do Como, Jumbebem, 1963/65) também era do seu tempo (ligeiramente mais novo: jul 63/ ago 65). Era também amigo do então alferes  'comando' Maurício Saraiva, que será depois visita da sua casa, em Lisboa (foto à direita, em q963, quando frequentava, em Angola, o curso de comandos).De acordo com as as suas memórias de guerra, ao oitavo mês de Guiné, o Carvalho (ou "Carvalhinho") ainda estava no Olossato. E no excerto que passamos a reproduzir. preparava-se para fazer uma golpe de mão ao K .  
Por sua conta e risco, tanto quanto dá para perceber. (K, leia-se K3 / Saliquinhedim: 
Saliquinhedim ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá, será ocupado mais tarde, no último trimestre de 1965, pela  CCaç 1421).

Na versão, digital, que nos facultou, em formato pdf,  das suas memórias de guerra, os topónimos da Giné aparecem só com as iniciais (como é o caso  de O, 
de Olossato). Não há nomes de militares.  Nem datas.  Esclarecimentos  e informações  complementares têm sido obtidas através das  nossas conversas na Praia da Areia Branca (onde reside atualmente).

Pelas nossas contas (e apenas com base dos livros da CECA), essa companhia para a qual ele terá ido, inicialmente, em rendição individual,  pode ter sido a CCAÇ 273 (mo
bilizada pelo BII 17, Angra do Heroísmo): esteve no CTIG desde janeiro de 1962 e acabou a comissão em janeiro de 1964. (Nessa altura, a comissão na Guiné era de 24 meses.)  

Sabe-se que a CCAÇ 273 teve um pelotão destacado no Olossato, por períodos variáveis, em 1963. Era comandada pelo cap inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar.

Mas voltemos às memórias do Olossato, destacamento que ele vai reforçar,  dois meses depois de estar em Bissau, a fazer segurança a Bissalanca (de 3 em 3 dias) e patrulhamentos nos arredores.  

De acordo com o poste anterior, ele  tinha saído em coluna auto,  para uma missão na região do Cacheu, de que foi desviado, para o Olossato, ao chegar a Mansoa, por ordem do QG (**): 

(...) "O pelotão para aí destacado, não conseguia não só defender o povoado, como até impedir que o inimigo, encurralando-o de metralhadoras apontadas a cada porta do edifício do quartel, um antigo celeiro de amendoim rodeado de arame farpado a distância conveniente, se passeasse impunemente na aldeia, entrando nos dois estabelecimentos comerciais existentes, abastecendo-se do que bem entendia, em troca de requisições supostamente válidas, após ganha a guerra e exercendo junto da população civil branca ou africana as mais variadas formas de propaganda e intimidação.

"Após confirmar por rádio para o QG as ordens que acabara de receber, desviou a marcha no sentido da povoação de 
O[lossato] , entrando na região onde a guerrilha tinha começado a atuar recentemente e era constituída por um polígono com cerca de 120 kms de comprimento na sua maior dimensão e oitenta na outra , cuja principal estrada, que o atravessava em diagonal, estava obstruída por árvores derrubadas assim como todos os pontões e pequenas pontes já destruídas que atravessavam as linhas de água, que eram muitas em todo o território por ser este a foz dum rio importante, que se dividia por grandes e pequenos canais que se ligavam e entrelaçavam entre si." (...)

Portanto, quando chegou ao Olossato, com o seu pelotão, a "guerra subversiva" tinha começado na região do Oio. Estava-se já na época das chuvas. (E na sua terra, Lourinhã, estava-se em plena época balnear.) É uma narrativa, quase telegráfica, incisiva, "pura e dura", que me faz lembrar as crónicas do "Tarrafo",  o livro de 1965, do Armor Pires Mota, que também andou por aqueles lados (sector de Farim), além de ter estado na Ilha do Como (Op Tridente).



Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) > Escala 1/50 mil) > Pormenor: localização de Saliquinhedim / K3, entre o Olossato e Farim. (Não confundir com o verdadeiro Olossato, que fica a sudoeste de Farim, e que está localizado na carta de Binta.)



Guiné > Carta da Província (1961) (Escal: 1/500 mil) > Posição relativa do Olossato, em pleno coração da região do Oio... Do Olossato a K3 / Saliquinhedim eram c. 20 km por estrada. (A o
cupação de Saliquinhedim ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá foi feitta pela  CCaç 1421 no final do ano de 1965.)

Infografias:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)



Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) 

Parte II:   15 minutos, de ferro e fogo, no K3, em meados de 1963



Durante as sestas, depois do almoço , o sono era calmo e repousado. Mas agora era noite e não conseguia dormir.

− Eles aí estão,  meu Alferes!!!

Choviam tiros por todo o lado. As metralhadoras dos postos principais matraqueavam o mais que podiam à medida que aumentavam os pec-bum dos disparos contrários.

Pegou numa granada de mão e, curvado, correu para o posto mais próximo.

 
Deixem-nos vir!!!

As metralhadoras calaram-se. As palmeiras suavam humidade, indiferentes aos homens e aos ruídos da noite.

Ouviam-se rebentamentos ao longe.

  Estão a estoirar com os acessos!!!

Tinham medo que alguma ajuda fosse pedida, mas não corriam esse risco. À noite o teto de nuvens era tão baixo que o rádio só emitia ruídos.

Chamou o furriel mais próximo.

 
− Não quero mais tiros! Deixem-nos chegar à vedação e depois acendam as luzes exteriores e abram fogo de novo. Por cada tiro quero um homem ferido ou morto! Se se vão embora sem "levar na tromba",  amanhã estão cá de novo!

No dia seguinte:

− Encontrámos alguns rastos de sangue.

− Quantos?

− Quatro.

− Já não foi mau.

O sol a pique aquecia a humidade excessiva, para que as plantas vivessem prósperas, numa inundação de verdura que era preciso destruir diariamente, à volta do celeiro de amendoim, único edifício do aquartelamento.

Durante o dia, a carne dos homens ficava mole. Ainda bem que só havia ataques à noite.

Era a hora do rancho. Os quinze homens do pelotão desfalcado, os nove da secção que o reforçava e os quatro condutores juntaram-se à volta das panelas fumegantes na cozinha de campanha instalada ao fundo do edifício, para receberem a sua ração e irem em seguida para a mesa de refeições, num compartimento separado por divisórias de esteira com 2 metros de altura como todos os outros que formavam as instalações do pelotão.

O impedido aproximou-se:

−  Meu Alferes, o jantar está pronto.

Trazia-lhe a amostra: sopa de feijão, batatas com bacalhau, bolachas, café instantâneo e vinho.

Provou e disse:

 Está bom.

Sentado com os três furriéis à volta duma mesa de caixotes, aguardava em silêncio que o impedido lhe trouxesse a refeição, a pensar que o tempo nunca mais passava. 

Tinha tido 26 meses de serviço militar na metrópole e já estava em África havia oito meses.

O operador rádio trouxe-lhe uma mensagem cifrada do pelotão do alferes que comandava uma guarnição a Norte, a guarnição de B
 [Bigene],  que havia pouco tempo ali tinha estado a contar-lhe do almoço com o comandante da lancha patrulha do rio C[acheu]

Tinha-lhe dito que esse comandante era uma óptima pessoa, uma vez que,  mesmo sem o conhecer, tinha atracado a lancha no cais e convidara-o para um excelente almoço. 

Não lhe apeteceu dizer que aquele almoço se destinava a ele, conforme tinha sido previamente combinado mas não tivera oportunidade de informar o comandante da lancha do desvio que lhe fora imposto e da alteração das instruções do quartel-general.

Na referida mensagem indicava-se em pormenor todo o percurso dos guerrilheiros treinados num campo junto à fronteira do S
 [enegal]. que passavam na região Norte, atravessavam no rio junto à povoação de
K[3],  onde recebiam apoio logístico e seguiam depois por um trilho a corta-mato até à estrada que passava a alguns km do seu aquartelamento, entrando depois na zona que o inimigo pretendia dominar, lutando por ocupar e controlar um território que lhe parecia estrategicamente propício.

Depois do café disse aos furriéis :

− Vamos arrasar o 
K[3].

− Fica a 30 kms.

 Por isso não nos esperam.

Levantou-se da mesa e foi fumar um cigarro sentado do lado de fora do edifício. Não havia vento. O calor continuava a encharcar-lhe o corpo. Tinha anoitecido. As estrelas mal se descortinavam por entre a humidade do ar. Devia ser aí que habitavam as coisas certas e decentes. Dentro em pouco viria mais uma das repentinas trovoadas da época, a descarregar água por todo o lado, a inundar tudo.

Já deitado, pensava que com alguma sorte a operação correria bem. O 
K[3] era a passagem obrigatória dos abastecimentos e dos homens do inimigo, treinados junto à fronteira, que diariamente reforçavam os efectivos da região. Ali se devia esconder todo o apoio necessário à travessia do rio: canoas e barcos de borracha,  como dizia a mensagem cifrada. Nas palhotas da aldeia próxima, ouvia-se o choro de crianças assustadas.

***

Eram 4 horas da manhã. O sargento de ronda que o antecedia, foi acordá-lo:

− Meu alferes, está na hora.

Levantou-se cheio de sono, e acendeu um cigarro que apagou depois de saborear algumas fumaças com força. Deu a volta a todos os postos e parou por fim no último.

− Tudo bem?!

 
− Tudo bem, meu alferes.

Para lá do arame farpado pouco se via além do reflexo das poças de água onde centenas de rãs coaxavam no silêncio da noite. Sentou-se ao lado da sentinela a sacudir os mosquitos que lhe mordiam o corpo por cima do fato de combate.

Já no seu compartimento, estendeu-se na cama à espera do café.

Pensava nas praias da sua terra, naquela altura cheias de gente e sol e paz. Deu-lhe vontade de rir o facto da vida poder ser tão diferente.

O rádio, em escuta, fazia a zoada do costume. Ouviu o ruído dos homens a acordar e foi até à cozinha.

 Quer provar o café,  meu alferes?

 Não, obrigado.

Depois de comer chamou os 4 furriéis ao seu compartimento. Apontou um deles e disse:

 Você entra comigo no centro da aldeia.

Apontando outro disse:

 Você fica no aquartelamento.

Apontando os dois restantes disse:

 
− Vocês entram à direita e à esquerda. 100 balas a cada homem, quatro granadas de mão, uma ração de combate. Levantar às zero horas, partida à uma. Caras sujas com rolha queimada.

Apontou no mapa e disse:

 Seguimos por aqui a corta-mato durante cerca de 20 kms até onde se situa a estrada que conduz ao 
K[3].. Nesta altura estamos a 2 kms do objectivo. Seguimos a pé. Os carros estacionam escondidos. Os motoristas aguardam no máximo 8 horas pelo nosso regresso. Se não regressarmos ao fim desse tempo, voltam para o aquartelamento pela estrada. Se forem descobertos ou tiverem suspeitas disso regressam também de imediato. Se mandar retirar e dispersar, o local de reunião será sempre junto do estacionamento das viaturas mesmo depois destas terem partido. O ataque não pode demorar mais do que 15 minutos. Ao fim desse tempo retiramos à minha ordem. Se houver algum tiro prévio que nos denuncie, abandonamos o objetivo, dispersamos e retiramos para o ponto de reunião sem atacar. Vamos entrar de Este para Oeste,  destruindo tudo o que for útil ao apoio do inimigo.

Apontou um furriel e continuou :

 − O Furriel J, da 1ª secção que entra pela esquerda, vai passar no rio e com granadas de mão o seu pessoal, destrói todas as canoas assim como qualquer outro tipo de embarcação. A segunda secção dá-lhe apoio. Hoje à tarde quem não estiver de serviço deita-se e procura dormir. Podem retirar-se.   [...]

 Na madrugada seguinte, á saída da povoação  [do Olossato],  entraram no mato. As viaturas, ligadas entre si por correntes, roncavam no trilho enlameado estreito demais para elas. A vegetação rompia as capotas. Os homens seguiam em silêncio. O domínio do medo torcia-lhes as caras pintadas. De quando em quando era necessário que os guias indígenas procurassem melhores trilhos explorando o caminho mais à frente. e, em cada uma destas paragens, os soldados saltavam e escondiam-se no mato. Os motores ferviam. 

Ao fim de 3 horas, encontraram a estrada que levava a K[3]. Esconderam as viaturas e dentro em pouco os gritos da floresta tornaram-se normais. Caminhavam curvados, a um e outro lado da estrada em fila indiana, em silêncio. Parecia participarem num jogo de segredos fora do tempo, em que jogavam a vida.

A humidade diluía o suor, tornando-lhes o corpo peganhento, as roupas pesadas, repulsivas, a cara negra com riscas brancas. Pousavam os pés no chão com todo o cuidado, e investigavam com os olhos, reflexos e sombras. Sabiam bem o que os podia denunciar. 

Há mais de 1 ano que andavam metidos naquelas andanças. Agora davam mais importância  vida, porque a morte, na guerra é sempre uma derrota.

 [Ele, o alf Carvalho], seguia à frente com os guias. Em cada curva do caminho levava dois homens e avançava algumas dezenas de metros. Só depois o resto do pelotão avançava.

A terra exalava humidade e calor. Os mosquitos não os largavam há muito. Zumbido enlouquecedor,  ávido de sangue quente.

Perto da aldeia, abandonaram a estrada e redobraram as cautelas. O céu, com rasgos de luz menos escura, anunciava os sons da manhã.

Progrediam agora a dois e dois, de abrigo em abrigo. A alguns metros das primeiras cubatas, sentada no chão e encostada a um tronco velho, a primeira sentinela dormitava. Foi engolida em silêncio pelas facas de dois soldados.

Alguns cães ladraram. Farejavam sarilho. Rebentou a primeira granada. Daí em diante foram sombras vertiginosas, respirações de morte, ferro e fogo, gritos, ferro e fogo, confusão, instantes infernais, ferro e fogo, palavrões, guinchos, ferro e fogo, gemidos, correrias, aflições, ferro e fogo, e cubatas a arder reflectidas na água mole e suja do rio e tiros, tiros e explosões.

Veio depois o silêncio da retirada dispersa e rápida, corrida louca para o ponto de encontro junto das viaturas, com tiros ocasionais a persegui-los. Contou os homens já com os motores em marcha. Estavam todos. Regressaram.

***

Levantou-se. Tomou o pequeno almoço e foi passear pela povoação.

 
− Bum dia, noss' alfero.

As poucas casas dispostas dos dois lados da estrada faziam-lhe lembrar a aldeia onde tinha nascido.

O inimigo lutava o mais que podia para arranjar simpatizantes e para isso não molestava a população civil,  branca ou negra. Só em ultimo caso empregava a força.

Homens e mulheres faziam a sua vida de todos os dias como se nada houvesse, mas,  por de trás dos olhos de cada um, lá estava o terror, a duvida, a ansiedade, a insegurança da hora seguinte. Os nervos tensos à espera do mínimo sinal para fugir, recolher ao abrigo possível.

Depois da sesta da tarde, verificou a situação de todas as medidas defensivas instaladas. Esperava uma represália. Passou o resto da tarde a estudar a forma de melhorar as defesas existentes e implementar métodos de ataque em situação de fogo como sair do aquartelamento através de trincheiras etc.

A noite adivinhava-se pesada, escura, trovejante, desagradável. São estas noites que escondem medos e vergonhas, disfarces e desumanidades. Mas não são noites de guerra, porque a falta de claridade dificulta os movimentos.

Pensava em tudo isto depois de dar ordem de prevenção, e se encostar solitário junto ao abrigo duma sentinela.

Estava tudo a postos para mais um jogo de morte.

O pequeno Unimog blindado com chapas de bidão endireitadas, tinha a traseira encostada à porta principal do celeiro de amendoim que servia de aquartelamento. 

Junto a esta porta, o piso do edifício era sobrelevado em relação ao chão cerca de 1,2 metros, a fim de permitir o carregamento fácil dos camions de transporte que em tempo aí se abasteciam.

A corda amarrada ao “cavalo” de arame farpado que na vedação servia de porta, estava estendida no terreiro e entrava no interior do edifício de modo a que daqui, puxando-a,  se desobstruísse a entrada e o Unimog pudesse sair.

As metralhadoras das duas portas foram abastecidas com mais caixas de munições. Os dois morteiros, um atrás e outro à frente,  entrincheirados também.

Fora enviado para ali porque o destacamento anterior tinha sido várias vezes encurralado no aquartelamento com fogo cruzado inimigo que,  após enfiar uma metralhadora a cada porta, se passeava no povoado abastecendo-se nos estabelecimentos existentes, a troco de improvisadas requisições supostamente válidas, alardeando o seu poder e exibindo a sua melhor propaganda.

Tinha esperança de que com o seu pelotão isso nunca acontecesse.

Todas as máquinas de guerra do destacamento luziam limpas e oleadas, possivelmente satisfeitas por poderem vomitar fogo tão frequentemente. Tinham-nas feito para isso.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, itálicos e negritos, parênteses retos: LG)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  
26 de junho de  2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

terça-feira, 9 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25729: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte I: De Bissau ao Olossato, comandando um pelotão de infantaria



Foto nº 3


Fot0 nº 4

Guiné > s/l > s/d (c. meados de 1963) > O alf mil art José Álvaro Carvalho (que ainda não conseguimso identificar nas duas fotos) com o seu pelotão de infantaria, de uma companhia de intervenção, sediada em Bissau,  para onde ele foi em rendição individual, e  que já tinha um ano de comissão (ou seja, era de 1962).... Na foto de cima, um exemplar do "famoso granadeiro"...

Fotos: © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



José Álvaro Carvalho,
Angola,  ponte do rio Cuanza
(em contrução),
c. 1971
 

1. O alf mil José Álvaro Carvalho, embora sendo de artilharia, cumpriu os primeiros meses (basicamente o ano de 1963), comandando um pelotão de infantaria de uma campanhia de intervenção, de caçadores, sediada em Bissau. 

Recorde-se que ele entrou recentemente para a Tabanca Grande, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*)

Ainda não descobrimos a companhia onde ele foi colocado, por volta do  1º trimestre de  1963, em rendição individual, nem ele se lembra apesar da sua notável memória aos 85 anos... 

No princípio de 1963, havia 9 Companhias de Caçadores no CTIG: CCaç 74, 84, 90, 91, 152, 153, 154, 273 e 274. Temos representantes, no nosso blogue,  das CCAÇ 84,  CCAÇ 153, CCAÇ 274... O que é pouco. 

A CCAÇ 273 (açoriana, tal como a CCAÇ 274, mobilizadas pelo  BII 17, Angra do Heroísmo,  e BII 18, Ponta Delgada, respetivamente) esteve  no CTIG desde janeiro de 1962 e acabou a comissão em janeiro de 1964. (Nessa altura, a comissão na Guiné era de 24 meses).  Sabe-se que teve um pelotão destacado no Olossato, por períodos variáveis, em 1963. Era comandada pelo cap inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar.

Mas demos-lhe a palavra ao Zé Álvaro (*):

 "Meu pai sempre me chamou por C. Sendo esse o nome que dei ao livro. (...)

"Estava no 2º ano do serviço militar em África [ou seja, em 1964] . O primeiro não tinha sido passado como artilheiro, mas como alferes duma companhia de intervenção, para onde tinha vindo em rendição individual. 

"Na altura,  essa companhia já tinha um ano de serviço em África e quando após mais um ano acabou a comissão e se retirou para a metrópole (...),   [ o alferes Carvalho ou Carvalhinho, como ficará conhecido mais tarde no decurso da Op Tridente] ficou a aguardar funções no QG, oferecendo-se para o grupo de comandos, em formação nessa altura,  por já conhecer as condições duras e difíceis do mato e parecendo-lhe preferível entrar em operações arriscadas mas ter a sede na capital  e o consequente conforto".

(...) "Entretanto foi requisitado um alferes artilheiro para comando dum pelotão de soldados africanos com dois obuses de 88mm e,  quando menos esperava, foi parar ao Sul com ele, operando como independente, junto dum batalhão de cavalaria
 [BCAV 490] .

"Os soldados, indisciplinados, deram-lhe algumas dores de cabeça logo na 1ª operação e as coisas só começaram a funcionar normalmente com a ameaça de prisão ou mesmo fuzilamento dos mais rebeldes.

"Bebiam quase todos demais e na 1ª operação só levou cerca de metade porque os outros bêbados não se tinham de pé" (...)

Em maio de 1965, foi louvado e agraciado com a cruz de guerra de 3ª classe, pelo desempenho como oficial de artilharia, em campanha, em diversas operações, incluindo a Op Tridente (a mais longa operação realizada no CTIG, entre janeiro e março de 1974);

(...) "Louvo o Alferes Miliciano de Artilharia, José Álvaro Almeida de Carvalho, da BAC, porque, durante o período de catorze meses em que esteve destacado no Batalhão de Caçadores nº 619, foi sempre um Oficial zeloso, dedicado e muito competente, salientado-se a sua acção, principalmente, no campo operacional, em que foi utilíssimo o apoio, sempre eficaz, que soube dar com o seu pelotão em todas as operações em que interveio, nomeadamente, nas "Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate", contribuindo assim, dentro do seu âmbito, para o prestígio da Arma a que pertence. (...).

Mas antes de irmos com ele para a região de Tombali, vamos acompanhar as andanças do Zé Álvaro, como "infante", por Bissau, Mansoa e Olossato...  

No texto a que tivemos acesso ("Livro de C", versão manuscrita, revista, melhorada e aumentada) (*), o autor apenas refere os topónimos pelas iniciais: (C de rio Cacheu, B de Bigene,  O de Olossato, etc.). Não sabemos em data precisa em que esteve no Olossato, mas deve ter sido já em meados de 1963.

 
Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, cmdt, Pel  Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) 

Parte I:  De Bissau ao Olossato


A pequena festa na Messe de Oficiais da Marinha decorria alegremente. Eram quatro e só ele do exército. Outras tantas raparigas tinham sido convidadas para jantar e dançar, e, coisa rara, tinham aceite, apesar da opinião das respetivas famílias, que por principio não confiavam em militares, o que é natural.

Os efetivos da marinha eram ainda muito poucos, pelo que o ambiente nesta Messe era simpático e agradável.

A certa altura alguém o informou de que o Oficial de Dia ao Quartel General o mandara procurar. Tinha havido nessa noite a primeira emboscada no Norte. Até esse dia a guerrilha só atuara no Sul.

Resolveu aguardar pelo final da festa para se apresentar. Pareceu-lhe desculpável não ter pressa de enfrentar uma realidade preocupante. Por outro lado, era miliciano, indisciplinado, e pouco vocacionado para militar.

Talvez o Oficial de Dia o viesse a contatar antes do fim da festa. Se assim fosse, paciência. Continuou a divertir-se mas agora sempre a pensar no que o esperava. Era o alferes mais novo da Companhia de Intervenção e o seu pelotão seria o primeiro a avançar em qualquer caso de emergência.

Penso que esta regra tinha como justificação enviar primeiro os menos aptos, os mais novos, os mais inexperientes, a carne para canhão e só depois os mais aptos, os mais sabedores,  caso os primeiros falhassem. Mas em situações de guerra como esta os mais aptos, os mais experientes e sabedores, deviam avançar primeiro, não os mais novos. Era uma guerra ainda mal conhecida que caminhava à margem dos conhecimentos militares tradicionais.

Havia uma semana que a guerrilha iniciara operações no Norte (**). No Sul já há muitos meses que se estabelecera, sendo para lá que todo o esforço militar se dirigira até essa altura.

Aí já se tinha algum conhecimento da sua forma de actuar.

No dia em que tinha ocorrido a primeira emboscada no Norte,  a cerca de 120 kms da capital (dia da festa na messe da marinha) tinha avançado para o local um outro pelotão da companhia, em lugar do seu,  e cujo comandante, por essa razão, durante algum tempo deixou de lhe falar.

Passada uma semana recebeu ordens, para preparar uma coluna a fim de avançar com o seu pelotão como primeiro elemento da transferência de toda a companhia para o Norte do território. Deveria em seguida apresentar-se na Repartição de Operações do Q.G. para receber mais ordens, o que aconteceu alguns dias depois.

Tendo-lhe sido entregue um envelope lacrado com a indicação "Confdencial" ( a abrir após o incio da marcha na direcção Norte que deverá ter inicio 24 horas após a entrega deste documento).

Iniciou a marcha a partir do QG, nessa direcção, às seis horas. Levava um jipe, um todo o terreno Unimog e 3 camiões GMC a abarrotarem de equipamento de primeira necessidade e armamento médio, munições, combustível e géneros. O pessoal tinha sido distribuído pelas viaturas e arrumado com dificuldade. 

Este pessoal que já tinha um ano de operações, era constituído por um pelotão desfalcado de quinze soldados,  reforçado por um cozinheiro e ajudante e pelos condutores do Unimog e dos três camiõesde guerra da marca americana GMC.

A primeira coisa que fez já em andamento, foi abrir o envelope lacrado da Repartição de Operações do QG conforme instruções que recebera. Confirmou assim o conhecimento que já tinha, baseado na troca de impressões que tivera com o comandante da companhia.

No dia anterior tinha jantado com um oficial da marinha seu amigo, que comandava a lancha patrulha do rio C[acheu], o mais importante do Norte, e tinha-lhe dito que em breve avançaria com o seu pelotão para essa zona, possivelmente para uma povoação de valor estratégico a defender nas margens desse rio.

- Amanhã também devo regressar à lancha (a lancha era um pequeno navio de guerra bem armado e preparado para patrulhar os rios, em todos os principais havia uma) e, se souber que estás em B
[igene, frente a Ganturé, na margem direita do Rio Cacheu], quando lá passar, convido-te para jantar. Tenho agora um cozinheiro de primeira.

Depois da partida, ainda na cidade, cruzou-se com o Wolkswagen negro que levava este seu amigo para o cais, e, mesmo com os carros em andamento, conseguiu confirmar-lhe a conversa que tinham tido.

Os camiões roncavam no único troço de estrada alcatroada da região (60 kms), no fim do qual se encontrava uma pequena cidade 
[Mansoa] , onde chegaram cerca das nove horas. Nesta cidade, junto ao aquartelamento da companhia aí estacionada, o capitão que a comandava esperava a coluna. Mandou-o parar e disse-lhe que a missão fora alterada e tinha de se dirigir para a povoação de O[lossato] .

O pelotão para aí destacado, não conseguia não só defender o povoado, como até impedir que o inimigo, encurralando-o de metralhadoras apontadas a cada porta do edifício do quartel, um antigo celeiro de amendoim rodeado de arame farpado a distância conveniente, se passeasse impunemente na aldeia, entrando nos dois estabelecimentos comerciais existentes, abastecendo-se do que bem entendia, em troca de requisições supostamente válidas, após ganha a guerra e exercendo junto da população civil branca ou africana as mais variadas formas de propaganda e intimidação.

Após confirmar por rádio para o QG as ordens que acabara de receber, desviou a marcha no sentido da povoação de
O[lossato] , entrando na região onde a guerrilha tinha começado a atuar recentemente (***) e era constituída por um polígono com cerca de 120 kms de comprimento na sua maior dimensão e oitenta na outra , cuja principal estrada, que o atravessava em diagonal, estava obstruída por árvores derrubadas assim como todos os pontões e pequenas pontes já destruídas que atravessavam as linhas de água, que eram muitas em todo o território por ser este a foz dum rio importante, que se dividia por grandes e pequenos canais que se ligavam e entrelaçavam entre si.

 O piso, na maré vazia era formado na sua maior parte principalmente por lama de alguma profundidade, coberta por uma mata cerrada própria que é costume chamar por mangal. Na maré cheia todo o território era inundado em cerca de 1/3 da sua dimensão.

Chegaram já de noite ao seu destino. O destacamento que ia substituir,  já tinha partido, deixando uma secção para reforçar o seu pelotão desfalcado pela doença e combates.

A companhia já andava naquele território havia mais dum ano. Por esta razão quando viera para África substituir um alferes, a companhia já tinha um ano de comissão.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, parênteses retos: LG)

_______________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 26 de junho de  2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (890): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BCAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

(**) Vd.  CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, 2014). pp.91/92

(...) "Também ao norte do rio Cacheu as NT actuaram contra elementos inimigos que, provindo do Senegal, realizavam incursões no território da Guiné. Em 25mar63, após um forte ataque inimigo ao aquartelamento de Susana, o destacamento local, acompanhado da população de raça Felupe, perseguiu o inimigo até à fronteira causando-lhe numerosas baixas. Devido aos frequentes ataques, a população da região a norte da estrada de S. Domingos-Sedengal foi evacuada, passando essa área a ser considerada "zona interdita", procedendo-se ali à colocação de numerosas armadilhas e à montagem de frequentes emboscadas nas principais linhas de infiltração, verificando-se uma redução da actividade inimiga na área e o regresso da população à vida normal, a partir de Julho." (...) (pág, 91)

Enquanto decorriam as operações no Sul, verificaram-se algumas acções ln no Sector Oeste, entre a fronteira e o rio Geba. Assim, em 21abr63, o ln atacou a povoação de Canjandi (S. Domingos) não causando baixas à população e sofreu I morto, em face da reacção da população; no dia 26 atacou Brengalon (Sedengal) tendo explodido uma armadilha colocada pelas NT.

Mais tarde, em 5mai63, o aquartelamento de Bigene foi atacado de noite, tendo o ln causado 4 feridos ligeiros às NT; no dia 13, o ln atacou e incendiou uma viatura de passageiros que seguia de S. Domingos para a fronteira e na noite de 17/18 queimou a tabanca de Panta (Sedengal).

Neste Sector a actividade inimiga decaiu no mês de junho; no dia 07, incendiou, na região de S. Domingos, um camião dum cabo-verdiano, que foi encontrado morto e no dia 30 danificou a jangada de Barro, dirigindose depois a uma tabanca, próxima da estrada para Bissorã, queimando a
morança do chefe. (...) (pág. 92)

(***) Vd.CECA (2104):

(...) Diretiva n° 5 do Comandante-Chefe, de 27 de Agosto de 1963:

"Foi elaborada para a Operação 'Dardo' (...)

"Inimigo

a. A região de Olossato-Bissorã-Talicó-Mansabá, desde princípio de julho, é objecto de uma intensa actividade terrorista que tem como núcleos principais as matas do Dando, Fajonquito, Cã Quebo, Cai, Morés, Talicó e pretende: 

- mediante ataques à população civil, coagi-las a tomar o seu partido ou pelo menos facultar apoio;

- posteriormente, conseguir o controlo da região e cortar as nossas comunicações para o norte e leste.

b. O ln dispõe de bom equipamento, no qualb. O ln dispõe de bom equipamento, no qual se incluem metralhadoras e é constituído por seis grupos com a seguinte localização:

- Fajonquito;
- Cã Quebo;
- Mansodé:
- Morés:
- Região de 2 pontes (Mamboncó);
- Dando." (...) (pág. 117) 
 

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23671: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte II: 1962, recruta em Bolama e instrução de especialidade no CICA / BAC, Bissau: o racismo primário do cmdt da CART 240


Guiné > Ilha de Bolama > Carta de Bolama (1952) > Escala 1/50 mil > Bolame, detalhe

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)


1. Continuamos a reproduzido, aqui no blogue, alguns excertos do livro de Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português" (Lisboa Associação de Comandos, 2010, 229 pp.). O livro está esquecido, a edição está há muito esgotada, mas o Amadu Djaló continua na nossa memória e nos nossos corações.

É um documento autobiográfico, único, sem paralelo (entre os militares guineenses do recrutamento local) , indispensável para quem quiser conhecer a guerra e a Guiné dos anos de 1961/74, sob o olhar de um grande combatente luso-guineense, que teve de fugir da Guiné depois da independência e que em Portugal se sentiu tratado como um português de 2ª classe, cmo outros combatentes. e nomeadamente os que serviram no Batalhão de Comandos da Guiné.

Membro da Tabanca Grande,. tem mais de 6 dezenas de referências no nosso blogue (onde foi sempre muito estimado e acarinhado em vida).

Em homenagem à memória do nosso camarada Amadu Djaló (nascido em Bafatá, em 1940 e falecido em Lisboa, no Hospital Militar, em 2015, com 74 anos), e com a devida vénia aos seus herdeiros, à Associação de Comandos (que oportunamente, ainda em vida do autor, editou o seu livro de memórias, entretanto há muito esgotado), e com um especial agradecimento ao Virgínio Briote que, na qualidade de "copydesk" (editor literário) e grande amigo do autor e coeditor jubilado do nosso blogue, nos facultou o "manuscrito" (em formato pdf), vamos reproduzir aqui mais umas páginas do seu livro. 

O Amadu Djaló relata aqui as suas peripécias como recruta no CIM de Bolama )Jan / março de 1962) e depois na instrução de especialidade no CICA / BAC em BIssau.





Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



Recruta no CIM de Bolama e instrução de especialidade no CICA / BAC, em Bissau (1962)

por Amadau Bailo Djaló (*)



Recruta em Bolama no primeiro trimestre de 1962


Embarquei na 3ª feira, dia 9 de janeiro de 1962, rumo a Bolama, onde cheguei cerca das 13h30.

Ao atracar, o cobrador do barco, reconhecendo que era recruta, disse-me:

– Olha, vem ali o capitão.

Já no cais, dirigi-me ao capitão e entreguei a guia de marcha.

– Por que é que só vens agora?

Como fiquei calado, voltou a fazer a mesma pergunta. Mantive-me calado, não tinha nada para dizer.

– Apresenta-te no quartel – ordenou.

Fiquei tão receoso que nem perguntei para onde ficava o quartel. Foi uma mulher, com um filho ao colo, que me disse para cortar à esquerda, que logo o veria. Aproximei-me do portão e cumprimentei a sentinela.

– O que queres?

Que vinha para a tropa, respondi.

Chamou o cabo da guarda, que me fez idêntica pergunta:

– Que queres?

Dei a mesma resposta, que vinha para a tropa.

– Entra!

Fui atrás, apontou-me um banco comprido e mandou-me aguardar. Estava a pensar na minha Bafatá e nos meus pais quando ouvi um toque de uma corneta e o reboliço enorme de duzentos e cinquenta recrutas a saírem das casernas.

Entretanto, chegou junto de mim um sargento, que mais tarde vim a saber que era o 1º sargento Perdigão, que me mandou acompanhá-lo a uma arrecadação, onde estavam centenas de fardas empilhadas. Mandou tirar um fardo e levá-lo para a caserna, para me fardar. O peso era tanto que fui ajudado por um cabo, o 1º cabo José Maria. Na caserna, enquanto me fardava, chorava lágrimas de desespero, de tristeza e de saudade dos meus pais. E também, por pensar que ia estar fora de casa três anos, que era o tempo de serviço militar obrigatório.

Acabei de me fardar e fui à procura de um pelotão onde houvesse gente de Bafatá. Só encontrei duas pessoas conhecidas, o Molo Baldé, meu conhecido desde a infância, e outro rapaz de Bafatá. Não me deixaram ficar nesse pelotão, encaminharam-me para outro, o 5º, que era comandado por um 1º sargento, já com uma certa idade. No dia seguinte, destinaram-me outro pelotão, comandado pelo alferes Mendes.

Não jantei na minha primeira noite no quartel. A comida não cheirava bem, não tinha boa apresentação, com muitas moscas em cima dos pratos. O meu colega do lado segredou-me:

– Tens que aguentar. É assim, pouco a pouco a gente habitua-se.

Não conseguia tragar aquela comida com a facilidade que via nos outros. Comia para não passar fome.

Vinte e seis dias depois, chegaram de Bissau o capitão Bispo e o sargento Cruz para nos fazerem exames psicotécnicos.nNo fim dos testes, o capitão e o sargento regressaram a Bissau, e passados alguns dias, soubemos os resultados.

Dos sessenta e tal recrutas tínhamos sido aprovados vinte e cinco. Recebemos as guias de marcha com destino a Bissau, para frequentar a escola de condução. Foi uma viagem agradável, chegámos à tarde e apresentámo-nos no CICA [2] / BAC.


Em Bissau, no CICA / BAC, em março de 1962, 
para tirar a especialidade de condutor auto rodas


Os acontecimentos passavam a correr. Ainda há pouco tempo andava pelo Senegal com o meu primo e agora, um ano depois, já tinha feito a recruta e preparava-me para tirar a especialidade de condutor auto. A instrução na escola de condução iniciou-se no dia seguinte.

Depois de iniciarmos, em março de 1962, as aulas de código e de condução, chegou a altura dos exames, que duraram dois meses, agosto e setembro.

No primeiro exame, a 20 de agosto, éramos três, eu e mais um fomos aprovados, o outro ficou inapto. Durante este período fomos prestando serviços de guarda ao Palácio, polícia, faxinas, reforços e capinagens.

Estes trabalhos não eram de carácter definitivo, mas estávamos a ver o tempo passar, sempre a fazermos estes serviços, enquanto os colegas da BAC, também da mesma escola, já estavam a exercer as funções de condutores.

Porque estes serviços se estavam a prolongar e não víamos forma de exercermos a nossa função, em princípios de novembro de 1962, falei com os meus colegas que estavam nesse dia de faxina ao refeitório, e combinámos falar com o capitão Simões, da 4ª repartição do Quartel General. Abordámo-lo e coloquei-lhe o assunto:

– Meu capitão, nós somos condutores da 1º incorporação de 1962. Já fizemos exames em agosto e setembro. Estamos em princípios de novembro e só estamos a fazer serviços de guarda ao palácio, guarda à porta de armas, reforços, faxinas e capinagens. Viemos pedir ao meu capitão para nos colocar nas respectivas companhias.

– Já acabaram a instrução e já fizeram exame?

– Acabámos os exames em 20 de Setembro – respondi..

Na nossa frente, o capitão telefonou para o CICA., a fim de falar com o capitão Bispo, comandante deste destacamento, que na altura, não se encontrava no gabinete, mas já que estava a ligação feita, falou com o 1º sargento Cruz, a quem perguntou:

– Os homens da 1ª incorporação ainda não fizeram os exames?

– Não, meu capitão, ainda não, respondeu o sargento.

– Mas estão aqui a dizer que já acabaram os exames!

O 1º sargento disse que ia procurar saber o que se passava e, momentos depois, connosco ainda no gabinete, voltou a ligar.

– Meu capitão, só falta fazerem a adaptação a viaturas pesadas.

– Bom, podem retirar-se, que eu amanhã vou mandar viaturas para o CICA para se adaptarem.

Retirámo-nos mais satisfeitos.

No dia seguinte, a promessa estava cumprida, foram recebidas três viaturas pesadas, para nos adaptarmos durante uma semana, e no fim estacionámo-las no parque, depois de lavadas e arranjadas.

Os serviços é que continuaram, não tinha havido nenhuma alteração, tudo continuou na mesma até aos princípios de dezembro.



Lisboa > Museu Militar > 15/4/2010 >
Amadu Bailo Djalo, feliz,
 no lançamento do seu livro.
Foto: Luís Graça (2010)
 
Preto é como tartaruga (ou o primário rascismo do comandante da CART 240)


Quando estávamos no CICA/BAC, como adidos, com o exame já feito e à espera de colocação, aconteceu um episódio que nunca mais esqueci.

Nessa altura, estávamos a fazer serviços, sem direito a folgas: sentinela à porta de armas, guarda ao Palácio do Governador-Geral, reforços, faxinas ao refeitório, plantão à caserna. Em cada semana alinhávamos quatros dias e folgávamos três. Mas, nestes dias de folga chamavam-nos para fazer capinagens. Este serviço não tinha escala, quando acabavam de fazer a chamada para os outros serviços, os que não tinham sido chamados iam para a capinagem.

Num dia em que fiquei de folga, o 1º sargento ordenou-nos que fossemos atrás dele. Dirigimo-nos para a arrecadação, levantámos as catanas e, então o 1º sargento deu ordem para irmos capinar á volta da messe de oficiais de Santa Luzia. Mas que, antes de irmos capinar, devíamos ir ter com um capitão da CART 240, que queria falar connosco. 
 [3]

Fomos levados pelo 1º sargento ao gabinete do capitão. Quando a porta do gabinete se abriu, o capitão perguntou se algum de nós percebia português. Alguém apontou para mim e eu passei para a frente dos meus colegas com a função de traduzir as palavras do capitão. Não fui com muita vontade, mas não me podia esquivar. O capitão disse-me para ouvir bem para depois transmitir tudo aos nossos colegas que não entendessem.

– Vocês vão capinar para a messe de oficiais. Mas é para capinar, não é para brincar, ouviram? Vou passar de jipe várias vezes no local. Se vir algum de vocês de pé, leva um castigo a sério, ouviram bem?

E continuou:

Eu vim de Angola e sei muito bem o que é o preto! Vocês sabem o que é o preto?

Com todos calados, o capitão continuou:

– O preto é como a tartaruga. Só quando lhe chegamos fogo ao cu, é que tira a cabeça! Ouviram bem? Perceberam tudo?

– Sim, senhor, meu capitão..

Despachou-nos e saímos logo a correr para o local indicado, sem ser preciso traduzir a conversa. Todos tinham percebido, ninguém abriu a boca até perto da messe. Só quando lá chegámos, um colega disse:

– Este capitão é mesmo mau! 

Depois desta frase do colega, cada um de nós deu um nome diferente ao capitão. Pela minha parte, ele era um diabo, não era um ser humano. Um homem com tanta cultura, oficial do Exército Português, não deveria tratar deste modo os subordinados.

A gente não levou esta história muito a mal. Era apenas um capitão com menos competência, com uma consciência fraca. Conhecíamos outros oficiais e sargentos, falávamos todos os dias com militares europeus, e nunca ouvi nenhum a utilizar esta linguagem para uma pessoa com cor de pele diferente.


Tropa é tropa, e tu  vais para Bedanda  


Há um mês e tal que tínhamos feito a adaptação às viaturas pesadas, ainda estacionadas no parque, e nós continuávamos no serviços de guarda ao Palácio, a fazer faxinas, capinagens, reforços e nunca mais víamos a nossa situação definida. Num dia em que estava de faxina ao refeitório, decidimos voltar ao capitão Simões e fomos à 4ª repartição.

– Meu capitão, desculpe, voltar a incomodá-lo novamente, mas a nossa situação está na mesma, continuámos a fazer guardas, reforços, faxinas e capinagens, condução é que não.

– Já acabaram a adaptação?

– Há um mês e tal que terminou, meu capitão!

O capitão voltou a pegar no telefone e ligou para o CICA, para falar com o agora major Bispo, mas não o encontrou no gabinete. Falou com o 1º sargento Cruz a quem perguntou:

– Os condutores ainda não acabaram a adaptação?

– Não, meu capitão, ainda não acabaram!

– Mas, como é isso? Estão aqui à minha frente cinco soldados e – interrompendo, virou-se para mim – que números são os vossos?

- Somos o 25[1]/A, 13/A, 11/A, 15/A e 18/A.

Tomados os números de cada um de nós, o capitão retomou a conversa com o 1º sargento, e deu-lhe os nossos números.

– Meu capitão, vou já contactar com os instrutores – respondeu o sargento.

Ficamos a aguardar no gabinete. O 1º sargento, momentos depois ligou para o capitão.

– É verdade, meu capitão, esses soldados já acabaram a instrução.

– Bom, então, mande-me o relatório com os nomes e respectivos números para eu os colocar – respondeu o capitão.

– Podem ir embora e, muito brevemente, vocês vão ser colocados nas respectivas companhias.

Ficámos com receio de alguma reacção contra nós, pelo facto de termos voltado a contactar o capitão Simões e lembrei-me de dizer aos colegas que, ao sairmos do QG, o fizéssemos a correr para o refeitório, para não sermos identificados por alguém que estivesse à porta a espiar-nos. O que veio a acontecer. Quando cheguei ao refeitório, logo à primeira ordem de chamada ouvi:

– Amadu, o nosso 1º sargento Cruz mandou-te chamar!

– Não posso sair, estou a trabalhar respondi.

Estávamos atrasados no serviço. Veio outro soldado a quem dei a mesma resposta, que estava a trabalhar, que não podia sair daqui, ainda não tínhamos posto as mesas, que estávamos a lavar mais de duzentos pratos, centenas de colheres, facas, garfos, copos.

Quando estávamos a pôr as mesas voltou outro soldado, para eu ir falar ao 1º sargento.

– É pá, estou a trabalhar, não posso sair daqui agora, ainda nem acabamos de pôr as mesas!

– Amadu, o nosso 1º sargento está ali à porta, à tua espera – replicou.

Olhei, os olhares encontraram-se e vi o 1º sargento fazer-me sinal. Não tive outro remédio, dirigi-me ao seu encontro.

– Vocês é que foram ao capitão Simões?

– Sim, meu 1º..

– Aonde é que queres ser colocado?

– Em qualquer lado, meu 1º!

– Parece que terás pedido colocação em Bafatá ou Gabu, ou não?

– Não é bem assim. O tenente Carrasquinha é que tinha pedido para eu ser lá colocado, mas para mim tanto faz.

– Entendi – replicou o 1º sargento, e  despediu-se.

Voltei para o refeitório, praticamente com a certeza de que não iria ser colocado em Gabu. O tenente Carrasquinha tinha escrito uma carta, de que eu próprio fui portador, ao tenente António Silva, seu cunhado, em que pedia que me arranjasse colocação no Gabu.

Dez dias depois, salvo erro, estava de plantão na guarita sul, pelas 15h00, quando chegou junto de mim, um soldado que me disse que me vinha substituir. A hora a que eu terminava o serviço era às 18, e a razão de me vir substituir era que ia haver a concentração de todos os adidos na parada da guarda, frente ao gabinete do 2º comandante da BAC.

Aí, o tenente Trindade comunicou-nos as novas colocações. Eu, como os outros nove condutores, fui colocado na 4ª Companhia de Caçadores, em Bedanda, no sul. Uma surpresa que não foi muito grande para mim.

Terminada a leitura do comunicado, feitas as colocações nas respectivas companhias e dada ordem para dispersar, dirigi-me ao QG para saber das razões de ter sido colocado em Bedanda, quando havia um pedido para eu ser colocado no Gabu-

– Amadu, onde vais ? – interrompeu-me, o 1º sargento Cruz.

Que me queria despedir dos colegas, foi a minha resposta.

– Não vais – interferiu o tenente Trindade.

– Porquê?

– Porque não vais! E para aqui, imediatamente – salientando bem com um gesto.

Obedeci e calei-me. Entretanto, o tenente foi-se aproximando de mim. Fiquei tão atarantado que até me esqueci de me pôr em sentido. Deu-me um soco, com força, na barriga, que me obrigou a dobrar. Um alferes, de nome Garcia, que estava ali, quando eu me estava a dirigir para a caserna, chamou-me e aconselhou-me a ir para Bedanda e, dois ou três meses depois, que requeresse a transferência para onde quisesse. E que não ligasse ao que aconteceu. Mas eu estava incomodado, fui-me sentar na parada, junto às árvores, num canto.

Ao longe vi o tnente Trindade dirigir-se a mim. Quando se aproximou levantei-me e pus-me em sentido. Então ele perguntou-me:

– Então já sabes para onde vais?

– Sim, meu tenente!

– Para onde?

– Para Bedanda, meu tenente!

– Pois, é tropa!

______

Notas do autor ou do editor ("copydesk")_

[1] Na recruta foi-me atribuído o nº 251. 25/A, i.e. 25 de Adidos.

[2] CICA (Centro de Instrução de Condução Auto). BAC (Bateria Artilharia de Campanha). 

[3] A CART 240 (Bissau, jul 61 / out 63) teve dois comandantes, o cap art Manuel Fernando Ribeiro da Silva (1932-2021) e o cap mil inf António Gomes de Oliveira e Sousa. O primeiro  fez três comissões de serviço no ultramar, a primeira na Guiné e as duas a seguir em Moçambique  (1966/68 e 1969/71). O Amadu Djaló pode estar, involuntariamemte, a cometer alguma injustiça ao referir-se ao "capitão da CART 240", sem mencionar o seu nome... 

Esta subunidade foi mobilizada pelo GACA 2. Mas havi autra companhia de artilharia, a CART 250: mobilizada pelo RAP2, esteve na Guiné, sempre em Bissau, entre agosto de 1961 e novembro de 1963. Teve 3 comandantes: cap art José Maria Eusébio Alves; cap inf Manuel Viegas de Sousa Lopes; e  cap mil art António Francisco do Vale... (Não sabemos se algum deles era de Angola, ou estivera antes em Angola.)

Em 1962, não há nemhuma CART a chegar à Guiné. E são apenas quatro as unidades e subunidades: BCAÇ 356 (Bissau, Cufar, Catió, jan 1962/jan 1964); EREC 385 (Bafatá, jul 1962 / juk 1964)... e duas companhais de infantaria: a  CCAÇ 273 (mobilizada pelo BII 17, tendo estado em Bissau, Catió, Cacine e Cabedé)  e a CCAÇ 274 (mobilizada pelo BII 18, esteve em Bissau e Fulacunda)...Comandantes: cap inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar e cap inf Adérito Augusto Figueira, respetivamente.  (Nota de LG).

[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG. ]

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 22 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão

Vd. também postes de:

19 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23627: (In)citações (220): Homenageando os bravos do Batalhão de Comandos da Guiné (Raul Folques, em 15/4/2010, na sessão de lançamento do livro do Amadu Djaló, "Comando, Guineense, Português")

18 de setembro de 2022 > Guné 61/74 - P23625: Guidaje, Guileje, Gadamael, maio/junho de 1973: foi há meio século... Alguém ainda se lembra? (12): A Op Ametista Real: o batalhão de comandos em Cumbamori, no Senegal, 19 de maio de 1973 (Amadu Bailo Djaló, alf graduado 'comando', 1940-2015)

14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20801: Fichas de unidade (12): CCAÇ 414 (1963/64), do cap Manuel Dias Freixo (Jorge Araújo)


Foto 1 - Março de 1963. Grupo de Sargentos da CCAÇ 414, no N/M "Ana Mafalda", a caminho da Guiné. Foto do camarada Manuel Castro (ex-Fur Enf da CCAÇ 414) – P12687, com a devida vénia.




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); um homem das Arábias... doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; autor da série "(D)o outro lado do combate"; nosso coeditor.

 A COMPANHIA DE CAÇADORES 414 [CCAÇ 414] - (1963/64) DO CAPITÃO DE INFANTARIA MANUEL DIAS FREIXO
- SUBSÍDIO HISTÓRICO -

1.   - INTRODUÇÃO

As duas condecorações e uma foto sem identificação adquiridas num leilão pelo nosso amigo Carlos Mota Ribeiro, e divulgadas no P20680, levou-o a solicitar ao colectivo da «Tabanca» o eventual reconhecimento da figura de um capitão de infantaria com uma "Cruz de Guerra" ao peito. 

Sobre o seu pedido de ajuda foram avançadas algumas sugestões, nomeadamente através do camarada José Martins (P20702). Manuel Castro, ex-Fur Enf da CCAÇ 414, em comentário ao mesmo poste, afirma que "a fotografia é do sr. Capitão Manuel Dias Freixo, falecido com a patente de coronel. Como capitão foi comandante da Companhia de Caçadores 414, que serviu agregada ao BCAÇ 356, com sede em Catió. Foi meu comandante nessa companhia e conheci de muito perto os seus extraordinários dotes (…)". 
Eu próprio, em resultado de consultas bibliográficas, sugeri o nome do Cap Inf Manuel Francisco da Silva (1933-2015), comandante da CCAÇ 1681 (P20736). O conjunto de informações recolhidas acabaram por serem úteis, pois permitiram elaborar um pequeno subsídio Histórico desta Unidade.

Entretanto, a propósito dos comentários bem-vindos e oportunos do nosso camarada Manuel Castro, cuja Unidade não tem História escrita (Ceca; p 316), decidi dar o meu contributo, elaborando a presente resenha histórica, para memória futura.

2.   SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 414 =
CATIÓ - ILHA DE COMO - EMPADA - FULACUNDA - TITE - NOVA SINTRA - SÃO JOÃO - ALDEIA FORMOSA - BUBA - CACINE - XITOLE - BEDANDA - QUINHAMEL - PORTO GOLE - NHACRA - MANSOA E BISSAU (1963-1964) E CABO VERDE (ILHA DO SAL) (1964-1965)


2.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG


Mobilizada pelo Batalhão de Caçadores 10 [BC 10], de Chaves, para servir na província ultramarina de Moçambique, foi a Companhia de Caçadores 414 (CCAÇ 414) desviada para o CTIG, tendo embarcado em Lisboa, no Cais da Rocha, em 21 de Março de 1963, 5.ª feira, sob o comando do Capitão Inf Manuel Dias Freixo, seguindo viagem a bordo do N/M "Ana Mafalda" rumo à Guiné (Bissau), onde chegou a 27 do mesmo mês, 4.ª feira.

2.2 - SÍNTESE DA MOBILIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 414

A CCAÇ 414, após o desembarque em Bissau, foi integrada nas forças de intervenção e reserva do comando militar, fazendo parte do BCAÇ 356 (Comando e CCS), [23Jan62-17Jan64, do TCor Inf João Maria da Silva Delgado], tendo seguindo, em 01Abr63 e 23Abr63, por fracções, para Catió, a partir de onde tomou parte em várias operações realizadas nas Ilhas de Caiar e Como, de 24 a 27Abr63, e nas regiões de Fulacunda, de 09 a 13Mai63, do Quinara, de 01 a 27Jun63, e de Ganjola, de 17 a 20Set63. 

A partir de 02Ago63, após a remodelação do dispositivo então verificada, assumiu a responsabilidade do subsector de Catió, conjuntamente com a missão de intervenção no Sector Sul, continuando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 356 e depois do BCAÇ 619 [15Jan64-09Fev66, do TCor Inf Narsélio Fernandes Matias], tendo um Gr Comb sido deslocado para Ganjola em 15Dez63, onde substituiu a CART 494 [22Jul63-24Ago65, do Cap Art Alexandre da Costa Coutinho e Lima], e ali permaneceu até finais de Fev64.

Em 01Mar64, foi rendida, por troca, pela CCAÇ 617 [15Jan64-09Fev66, do Cap Inf António Marques Alexandre], tendo sido colocada em Bissau, e integrada no dispositivo do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65, do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], com vista à segurança e protecção das instalações e das populações. 

Em 28Jul64, foi substituída pela CART 566, por troca [vinda de Cabo Verde em 28Jul64-regresso a 27Out65, do Cap Art Adriano de Albuquerque Nogueira], embarcando para Cabo Verde (Ilha do Sal), para continuação (conclusão) da sua comissão de serviço.


Geografia da região de Quinara e Tombali (Sector Sul) com a indicação de alguns dos locais por onde palmilhou, entre Abr63 e Fev64, o contingente da CCAÇ 414 (com outras Unidades), cumprindo as diferentes missões definidas nas Directivas elaboradas pelo Comandante-Chefe, conforme se dá conta no ponto abaixo.



2.3 – SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 414

A actividade operacional da CCAÇ 414 teve início três semanas depois da sua chegada ao CTIG, num tempo em que o conflito armado contabilizava, apenas, três meses de actividades subversivas.

► A sua primeira missão decorre no âmbito da Directiva n.º 1 do Cmdt-Chefe, datada de 16Abr1963, onde incluía a participação de forças dos três ramos das Forças Armadas, cuja "ideia de manobra", para a 1.ª fase de operações no Sector Sul, apontava para a actuação simultânea a norte e sul deste Sector, nos pontos de provável localização IN, a fim de o detectar e capturar ou aniquilar.

Uma segunda "ideia" era colher informações necessárias para localizar os grupos IN e explorá-las, prosseguindo na acção até estabelecer a calma e segurança ou, pelo menos, controlar, com relativa eficiência, a situação em cada uma das zonas. Visava, ainda, continuar com acções de limpeza na zona periférica de Catió, para posterior ocupação, com maior densidade de meios, o dispositivo de protecção a fim de facilitar a execução ulterior de uma 2.ª fase de operações.

Missões das Forças

● – FT - Exploração imediata e local das informações existentes ou obtidas no decorrer da acção. - Vigilância dos rios Geba e Corubal a fim de evitar a transposição pelo ln para norte e leste da zona de acção. Forças envolvidas: Comando do BCAÇ 356, CCAÇ 273 [Açoriana; 28Jan62-17Jan64, do Cap Inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar], no Sector de Cacine: CCAÇ 274 [Açoriana; 28Jan62-17Jan64, do Cap Inf Adérito Augusto Figueira], no Sector de Tite: CCS e CCAÇ 414 na Ilha do Como, e região de Tombali. As acções na região de Tite iniciaram-se em 17Abr63 e na região de Cacine em 20Abr63.

● – FN - Vigilância do rio Geba e do rio Corubal na parte navegável, com o fim de evitar a fuga de elementos inimigos. - Previsão de uma acção de desembarque na praia de Cassumba a realizar à ordem. - Fiscalizar sempre que possível e sem prejuízo da realização dos comboios, os canais entre a Ilha de Como e o Continente.

● – FA - Reconhecimento das zonas de acção. - Apoiar pelo fogo as FT e FN. - Prever acções de intervenção isoladas. - Vigiar o Canal do Geba, rio Corubal, Ilha de Como, e região de Tombali, península de Cacine.

Desenrolar das Acções

● Em 17Abr63, 4.ª feira, pelas 05h00, teve início a 1.ª fase das operações no sul, com a batida da CCaç 274 a norte de Tite. O BCAÇ 237, estacionado em Tite, também actuou, tendo provocado ao In 18 mortos.

● Em 19Abr63, 6.ª feira, foram elaboradas Directivas para emprego das FN e FA nestas operações. A acção da CCAÇ 273 [25Jul61-19Out63, do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito], na península de Cacine, foi adiada por haver informações da existência de grupos In na Ilha de Como e na região de Santa Clara.

● Em 20Abr63, sábado, realizou-se uma actuação nessa região sem grande resultado, apesar de ter sido destruído pela FA um acampamento In, tendo a tropa reembarcado.

● Em 21Abr63, domingo, repetiu-se a acção com apoio aéreo. Este apoio não foi feito de início por se julgar haver na Ilha mulheres e crianças, quando afinal só foram vistos panos de cor estendidos no mato.

● Em 22Abr63, 2.ª feira, a FA bombardeou a tabanca de S. Nicolau. As FT desembarcaram em Uncomené depois de desalojarem o In, e por este ter ocupado um armazém da Firma Brandão, a FA arrasou-o.

● Em 23Abr63, 3.ª feira, a CCAÇ 273 iniciou a operação Cacine-Aldeia Formosa. A CCAÇ 414 transitou para a Ilha de Como com um pelotão da CCS e o Cmdt do BCAÇ 356.

● Em 26Abr63, 6.ª feira, as acções das CCAÇ 273 e CCAÇ 274 continuavam nas suas zonas de acção. A CCAÇ 414, vinda da Ilha de Como, regressou a Catió no dia 28Abr63.

● Em 30Abr63, 3.ª feira, a CCAÇ 414 realizou uma acção em Dissimbile e a CCAÇ 274 em Gamol.

● Em 01Mai63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 terminou a acção em Catissane abatendo guerrilheiros. A CCAÇ 273 estava em acção na área de Cacine e a CCAÇ 274 em Umpassa.

● Em 03Mai63, 6.ª feira, continuavam as acções no Sul: a CCAÇ 274 em Fulacunda; a CCAÇ 273 em Cacine com Grs Comb em Cacoca e Camissorã.

● Em 05Mai63, domingo, a CCAÇ 414 iniciou o reconhecimento do itinerário Catió-São Gregório com o fim de proteger um carregamento de arroz.

● Em 07Mai63, 3.ª feira, a CCAÇ 273 continuava em Cacine, a CCAÇ 274 recolheu a Fulacunda e a CCAÇ 414 a Catió.

Em Maio'63 o In continuou as obstruções nas estradas do Sector Sul com o fim de impedir a saída das NT dos quartéis. A CCAÇ 423 [22Abr63-29Abr65, do Cap Inf Nuno Gonçalves dos Santos Machado], colocada em São João a 06Mai63, teve, antes de ocupar essa povoação, de remover centenas de abatizes ao longo do percurso Bafatá-Xitole-Bambadinca-Fulacunda-São João.

► Para prosseguimento das operações no Sector Sul, iniciadas com a Directiva n.º 1 do Cmdt-Chefe, datada de 16Abr63, é difundido em 10Mai63 um novo Plano de Operações, o 2.º, designado por «Plano Leque». 

◙ Desenrolar das Acções

● A CCAÇ 273 na península de Cacine, a CCAÇ 274 na zona de Fulacunda e a CCAÇ 414 na área de Catió, tiveram alguns contactos com elementos In, que abateram.

● Em 22Mai63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 deslocou-se ao Tombali para remover o corpo de um furriel piloto [Eduardo Nuno Ricou Casals] e destruir o avião caído nessa região, tendo removido 90 abatizes. Regressou no dia 24Mai63, 6.ª feira, a Catió depois de ter levantado mais 170 abatizes. A CCAÇ 423 desobstruiu a estrada cheia de abatizes entre São João e Nova Sintra.

Fontes:




Sobre esta ocorrência, sugerimos a leitura da última edição do livro do António Lobato "Liberdade ou Evasão – O mais longo cativeiro da guerra" – a 5.ª, de 2014, da DG Edições – onde o autor descreve, na primeira pessoa e com circunstanciado detalhe, este acidente aéreo verificando no dia 22 de Maio de 1963 durante o seu regresso da Ilha do Como.


Como alternativa, podem ser consultadas, também, as "Notas de Leitura" elaboradas pelo camarada Mário Beja Santos e publicadas nos P11173; P20534; P20555 e P20577.


► Seguiu-se, depois, a 3.ª fase de operações no Sector Sul incluída na Directiva n.º 3, também designada por «Plano de Operações Seta», cujos movimentos preparatórios tiveram lugar a 31Mai63, 6.ª feira, e a operação a iniciar-se no dia seguinte, 01Jun63, sábado, com a presença do Comandante-Chefe.

Este «Plano Seta» emerge do diagnóstico de que as regiões de Quinara e Fulacunda estavam, na sua quase totalidade, fora do controlo das autoridades dada a intensa actividade desenvolvida pelo In. "A grande maioria das tabancas estão abandonadas refugiando-se a população no mato, embora recolha durante a noite a algumas das não destruídas. A população, em parte coagida, em parte de livre vontade, colabora com o In, nomeadamente na colocação de abatizes e no racionamento de géneros alimentícios, este para fazer face às dificuldades que certamente surgirão na época das chuvas que se aproxima. Tem criado dificuldades à movimentação das NT pela obstrução sistemática das vias de comunicação e montagem de emboscadas. Tem atacado embarcações civis e até militares. Já saquearam casas comerciai em São João."

◙ Desenrolar das Acções

● Em 01Jun63, sábado, pelas 05h00, iniciaram-se os desembarques em locais da margem direita do rio Grande de Buba e os deslocamentos das Unidades para os locais de actuação. A situação das NT no dia 03Jun63, 2.ª feira, era a seguinte: a CCAÇ 274 na região de Gansene, a CCAÇ 414 na região de Brandão, GC CCAÇ 411 [09Abr63-29Abr65, do Cap Inf João Gomes do Amaral] e GC CCAÇ 417 [12Fev63-18Jul64, para Cabo Verde, do Cap Inf Carlos Figueiredo Delfino] na região de Fulacunda, a CART 240 [30Jul61-19Out63, do Cap Art Manuel Fernando Ribeiro da Silva (1.º) e Cap Mil Inf António Gomes de Oliveira e Sousa (2.º)] em Gantongo, a CCAÇ 423 em Ponta Colónia e Ponta João Martins, FEsp em Gã Maior de Baixo e a CCAÇ 273 na região de Cacine.

● Em 04Jun63, 3.ª feira, o Comandante-Chefe seguiu, de jeep, escoltado por um GC da CCAÇ 414 e daí para Nova Sintra, onde estava a CART 240 e depois para São João, quartel da CCAÇ 423. Esteve mais tarde em Tite, vindo de avião de Bolama, tendo acordado com o Cmdt do BCAÇ 237 uma batida ao Iusse. Nos dias seguintes, como até aí, as Unidades montaram emboscadas, efectuaram reconhecimentos, alguns com contacto com o In a quem provocaram baixas, patrulharam as tabancas e realizaram acções de nomadização. As Unidades, no decorrer das suas actuações, mudaram frequentemente de estacionamento, sempre à procura do In, que não se expôs. As FN mantiveram-se em fiscalização na zona Centro-Sul e as FA em acções de ligação, transporte, evacuação e PC Aéreo.

● Em 11Jun63, 3.ª feira, os FEsp actuaram com morteiros em Gã Pedro, que revistaram e destruíram.

● Em 12Jun63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 no decurso duma acção operacional, fez três mortos ao In, apoderou-se de armamento e seguidamente, em Gamalã, em novo confronto fez mais dez morto e vários feridos.

● Em 17Jun63, 2.ª feira, a situação era a seguinte: a CCAÇ 274 na região de Gamol; a CART 240 em Ponta Nova, Sajã, Flaque Nhadal e Brandãozinho; a CCAÇ 414 em Brandão, a CCAÇ 423 em Junqueira e São João e os FEsp desembarcaram em Gã-Chiquinho. Nessa noite o In lançou um violento ataque a Catió.

● Em 18Jun63, 3.ª feira, de manhã, o In voltou a atacar o quartel e a tabanca de Priame. O Cmdt do BCAÇ 356 pediu reforços e o regresso da CCAÇ 414. Determinou-se a ida da Fragata "Nuno Tristão" com FEsp a Catió e a deslocação da CCAÇ 414 por terra. Salienta-se a ousadia em atacar de dia o quartel e a tabanca de Priame. Este ataque ocorreu porque o In sabia que a guarnição de Catió estava reduzida, em virtude do empenhamento de parte dos efectivos na «Operação Seta».

● Em 19Jun63, 4.ª feira, a CCAÇ 414 chegou sem novidade a Catió e os FEsp desembarcaram e cooperaram com as FT.

● Em 22Jun63, sábado, a CART 240, após forte resistência, destruiu um acampamento em Jabadá-Beafada, fazendo doze mortos, muitos feridos e cinco prisioneiros.

● Em 23Jun63, domingo, foi dada por finda esta operação, onde os seus resultados não foram muito visíveis. Ainda assim, trouxe vantagens por se ter batido toda a região de Quinara-Fulacunda e se ter pacificado a região de São João, com a recolha de duas centenas de Manjacos e famílias. As Unidades recolheram aos seus quartéis com o fim de preparar a ocupação do dispositivo de protecção na época das chuvas. Foi dada ordem à FA para actuar em força contra o In na Ilha de Como, de dia e de noite.

► Com data de 27Jun63, 5.ª feira, é elaborada a Directiva n.º 4 do Comandante-Chefe, propondo um novo plano de operações, designado por «Plano Rede», abrangendo todo o território.

Missões para as Forças Terrestres (FT)

● As FT devem adoptar um dispositivo de protecção reforçado, com áreas de Companhia mais reduzidas, em vez do actual fraco dispositivo. As Companhias do Batalhão de Intervenção, com poucas possibilidades de actuação relativamente ao conjunto do Sector Sul, tomarão conta de áreas de responsabilidade. Passar-se-á a um dispositivo de protecção com capacidade de intervenção local, por área de Companhia, em actuação rápida e de surpresa, evitando-se assim movimentos de tropas que denunciam intenções e dão lugar, por parte do In, a emboscadas, obstrução de itinerários, dispersão, etc. Manter-se-á, contudo, uma força de intervenção de Comando de Sector, sempre que as disponibilidades em efectivos o permitam.

● Em 16Jul63, 3.ª feira, foram constituídos sete sectores (de A a G) em vez dos quatro anteriores, sendo as sedes dos Batalhões respectivamente em: Bissau, Bula, Mansoa, Bafatá, Buba, Catió e Tite.

● Em 16Out63, 4.ª feira, o Cmdt do BCAÇ 356, a CCAÇ 414 e a CART 494, que actuavam em Ganjola, tiveram contacto com numeroso grupo In, que debandou, deixando no terreno três mortos e material.

● Em 18Out63, 6.ª feira, a emissora rádio de Conacri informou ter havido, na região de Catió, encontro de nacionalistas com o Exército (NT), tendo morrido vinte e sete nacionalistas, dois dos quais não eram da Guiné Portuguesa.

● Em 04Nov63, 2.ª feira, a CART 494, reforçada com a CCAÇ 414, actuando na região de Gansana, estabeleceram contacto com o In que deixou no terreno mais três mortos, sofrendo as NT três feridos.

● Em 19Nov63, 3.ª feira, a CCAÇ 414 iniciou a limpeza da estrada Catió-Batambali e no dia seguinte o BCAÇ 513 a limpeza da estrada Buba-Aldeia Formosa.



Foto 2 - 1963. Grupo de Sargentos da CCAÇ 414 regressados de uma operação. Foto do camarada Manuel Castro (ex-Fur Enf da CCAÇ 414) – P12687, com a devida vénia.


Passado um mês, em 23Dez63, através da Directiva n.º 8, o Comandante-Chefe anunciava a preparação da «Operação Tridente».

2.4 - RECONHECIMENTO DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 414



Corolário da intensa e bem-sucedida actividade operacional da CCAÇ 414 foram condecorados com a Cruz de Guerra de 2.ª classe, ao abrigo dos artigos 9.º e 10.º do Regulamento de Medalha Militar, de 28 de Maio de 1946, por serviços prestados em acções de combate na Província da Guiné Portuguesa, três oficiais da Companhia de Caçadores 414, a saber:

● Capitão de Infantaria Manuel Dias Freixo.
● Alferes Mil Infantaria Alberto Marques da Costa Lobo.
● Alferes Mil Infantaria Joaquim Teixeira de Sousa.

Cada condecoração teve origem em louvor individual, publicado na OS n.º 3, de 07 de Janeiro de 1964, do CTIG, cujos conteúdos abaixo reproduzimos.











2.5 - BAIXAS DA CCAÇ 414 DURANTE CATORZE MESES NO CTIG (1963/1964)

Da leitura do quadro abaixo, verifica-se que a CCAÇ 414 registou três baixas durante a sua comissão de catorze meses no CTIG (27Mar63-28Jul64; por ter sido transferida para a Ilha do Sal, Cabo Verde), sendo um em "combate" e dois por "acidente".

Destas três "baixas", a primeira foi "em combate", ocorrência verificada em 25Maio63, 3.ª feira, na sequência de uma emboscada montada pelo In, entre Timbó e Catió. A segunda, em 26Dez63, 5.ª feira, por "acidente" provocado por queda de árvore, e a terceira, em 26Mar64, 5.ª feira, no HM 241, em Bissau, devido a um "acidente de viação".



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Fontes Consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo II; Cruz de Guerra (1962-1965); Lisboa; (1991); pp 323-328.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2014); pp 99-110.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); p 316.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp 27-42-60.

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço (virtual) e desejos de muitos sucessos na luta contra o COVID-19.
Jorge Araújo.