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domingo, 11 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24387: História da CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) (Coordenação: Raul Albino, 1945-2020) - Textos avulsos - Parte III: O segredo do comandante dos "Lynces de Có". cap inf Mário Vargas Cardoso

 

Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) >A tabanca de Có, incendiada, na sequência do segundo ataque ao aquartelamento, em 12 de Outubro de 1968. O brig António Spínola observando os destroços nas zonas atingidas, ladeado à sua direita pelo seu ajudante de campo, cap cav Almeida Bruno, e à sua esquerda, o cmdt da CCAÇ 2402, Vargas Cardoso.(»)

Foto (e legenda): © Raul Albino (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  O nosso saudoso camarada e amigo Raul Albino (1945-2020), ex-alf mil at inf, MA, CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), publicou ainda em vida dois volumes com a história da sua unidade. 

O Raul Albino com a ajuda do fotógrafo Maurício Esparteiro, ex-1º cabo,  concebeu e realizou uma ideia original: um livro da CCAÇ 2402 onde todos e cada e um são gente... Do capitão ao soldado básico, toda a gente teve lá a sua foto, o seu espaço (**)... 

Além disso, cada um dos camaradas da CCAÇ 2402 podia ter uma versão única e original do livro, com registos exclusivos sobre a sua pessoa... Com uma pontinha de orgulho, o Raul e o Maurício mostraram-me, no encontro em Pombal, em 2007,  um exemplar do seu livro: cada exemplar saíu da tipografia a 8 euros, sendo vendido a 10 euros, para cobrir as quebras e as borlas ...

No II Volume, que continuou a ter  a coordenação fotográfica do Maurício Esparteiro, o Raul contou ainda com a participação especial do ex-cmdt da companhia, Vargas Cardoso, e do ex-fur mil SAM, João Bonifácio (que vove hoje no Canadá).  

Hoje publicamos mais uma pequena história (***) do Mário Vargas Cardoso (1935-2023), ex-cor inf ref, que há dias nos deixou,  e e, que fez uma confidência: terá sico em Có que o "periquito" do brigadeiro António Spínola, inspirando-ase no exemplo  dos "Lynces de Có", que se reuniam regulamente com os "homens grandes" e restante população local, decidiu criar os famosos "Congressos do Povo".

No nosso blogue, o Raul Albino também já havia publicado, no devido tempo, 18 postes com episódios da história da CCAÇ 2402 (*).

Mário Vargas Cardoso (1935-2023)


Spínola: "Ó Vargas, deste-me uma ideia: vamos lá fazer essas reuniões de Có mas a nível de toda a Guiné, e chamar-lhe Congressos do Povo"

por Vargas Cardoso

Uma das atividades dos "Lynces de Cõ" em que fomos originais, e que muito contribuiram  para o êxito no cumprimento da nossa missão, foram as reuniões no domingo logo pela manhã.

(...) Pela manhã dos domingos, ao içar da Bandeira Nacional, o comandante da CCAÇ 2402 dava indicação a todos os "homens grandes", chefes da tabanca (...) para comparecerem no quartel, e, às crianças da escola primária, para virem ao quartel também, juntando-se todos próximo do mastro da bandeira.

(...) À hora indicada, formava-se o pessoal de guarda; ao lado as crianças da escola, e o Vargas com os "homens grandes" atrás da formatura.

A bandeira era içada, o corneteiro tocava, os "homens grandes" descobriam a cabeça, e os miúdos da escola, algum tempo depois, já cantavm o hino nacional.

Após a cerimónia, o comandante com os "homens grandes" iam para o refeitório, onde se servia um pequeno almoço, café e pão com marmelada, aos chefes da tabanca. Depois com os oficiais e sargentos com funções de "governar" na nossa área, decorria uma reunião, onde os chefes da tabanca colocavam os pedidos de ajuda que precisavam: transporte de mancarra ou coconte para Bissau, apoio sanitário, escola, proteção para colheitas, etc. 

O nosso furriel Coelho, ou depois o Vieira (salvo erro), tinha a função da atividade psicossocial, tomavam nota dos pedidos e depois era a nossa vez de pedir a colaboração das populações. Por exemplo:  tantos homens para capinar; na 3ª feira, 40 galinhas; noutro dia, outro produto que nos fizesse falta. etc.

(...) Logo em outubro de 1968, já depois do ataque a Có (*). nós estávamos numa dessas reuniões quando chegou o héli com o nosso general Spínola [na aitura ainda brigadeiro]  (****), o qual convidei para assistir ao que estávamos a fazer.

Nunca vos contei o que agora  resolvo tirar do segredo da História. Como sabem, quando ia Bissau, normalmente o nosso "Homem Grande", convidava-me para almoçar no palácio do Governo com outros oficiais de passagem por Bissau. (...)

Depois dessa visita o gen Spínola disse-me um dia: "Ó Vargas, deste-me uma ideia. Vamos fazer essas reuniões que tu fazes lá em Cõ, mas com toda a Guiné. Vou-lhes chamar Congressos do Povo". (...)

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos / Parèntses retos: LG]

___________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 31 de julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2016: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (6): O grande ataque a Có, em 12 de Outubro de 1968

(**) Vd. postes de:

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1105: Como escrever um livro de memórias de guerra 'à la carte' (Raul Albino, CCAÇ 2402)

4 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1246: O meu livro Memórias de Campanha da CCAÇ 2402 (Raul Albino)


6 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24372: História da CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) (Coordenação: Raul Albino, 1945-2020) - Textos avulsos - Parte II: A imaginação que era preciso ter para se comer "atacadores da PM com estilhaços"!... Trocando carne do restaurante "Solar dos 10", em Bissau, por produtos locais de Có (camarão, ostras, tomate...) (Mário Vargas Cardoso, 1935-2023) 

(****) António Sebastião Ribeiro de Spínola, então brigadeiro, assumiu as finções de Governador e Comandante-Chefe da Guiné, em 24 de maio de 1968, em substituição do gen Arnaldo Schulz. Foi promovido a general em 4 de julho de 1969. Cessou funções em 27 de agosto de 1973.

O I Congresso do Povo da Guiné realizou-se em 1970. O IV em 1973... Baseava-se em cinco princípios: (i) direito absoluto de justiça social; (ii) respeito pelas nossas instituições tradicionais africanas; (iii) desenvolvimento económico e social;   (iv) participação ativa das gentes da Guiné, progressivamente mais elevada,  na administração dos seus própios interesses; (v) restabelecimento da Paz.

terça-feira, 6 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24372: História da CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) (Coordenação: Raul Albino, 1945-2020) - Textos avulsos - Parte II: A imaginação que era preciso ter para se comer "atacadores da PM com estilhaços"!... Trocando carne do restaurante "Solar dos 10", em Bissau, por produtos locais de Có (camarão, ostras, tomate...) (Mário Vargas Cardoso, 1935-2023)

Pombal > 28 de Abril de 2007 > II Encontro Nacional da Tabancva Grande  > Dois representantes da CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851 (1968/70), o Raul Albino (1945-2020)  (assinalado com um círculo a amarelo) e o Maurício Esparteiro (a verde)... (Na foto, há outros camaradas que já nos deixaram, além do Raul Albino: Jorge Cabral, Carlos Santos, Fernando Franco, Victor Barata... Mas outros, felizmente ainda estão vivos!)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1.  O nosso saudoso camarada e amigo Raul Albino (1945-2020), ex-alf mil at inf, MA, CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), publicou ainda em vida dois volumes com a história da sua unidade. 

O Raul Albino com a ajuda do fotógrafo Maurício Esparteiro (vd. foto acima) concebeu e realizou uma ideia original: um livro da CCAÇ 2402 onde todos e cada e um são gente... Do capitão ao soldado básico, toda a gente teve lá a sua foto, o seu espaço (*)... 

Além disso, cada um dos camaradas da CCAÇ 2402 podia ter uma versão única e original do livro, com registos exclusivos sobre a sua pessoa... Com uma pontinha de orgulho, o Raul e o Maurício mostraram-me, no encontro em Pombal, em 2007,  um exemplar do seu livro: cada exemplar saíu da tipografia a 8 euros, sendo vendido a 10 euros, para cobrir as quebras e as borlas ...

No II Volume, que continuou a ter  a coordenação fotográfica do Maurício Esparteiro, o Raul contou ainda com a participação especial do ex-cmdt da companhia, Vargas Cardoso, e do ex-fur mil SAM, João Bonifácio.  

Hoje publicamos mais dois pequenos textos do Mário Vargas Cardoso (1935-2023), ex-cor inf ref, que há dias nos deixou, e que ilustram bem o sentido da divisa dos "Lynces de Có": "Se é impossível, há de fazer-se" (**)...

No nosso blogue, o Raul Albino também já havia publicado, no devido tempo, 18 postes com episódios da história da CCAÇ 2402 (***).

Mário Vargas Cardoso (1935-2023)


50 kg de tomate produzidos por dia na bolanha de Có...

Ao chegarmos a Có, os indígenas começaram a aparecer com tomates do tamanho de batatas novas, pois não sabiam plantar tal fruto.

Então a Companhia com as sementes que levávamos, começou por fazer os viveiros em caixotes e o Moreira e o Ferreira, salvo erro,  encarregavam-se de chamar as indígenas (as mulheres é que trabalhavam na lavoura) e ensiná-las a fazer o viveiro, até as plantas terem determinada altura.

Depois era preparar o chão e transpalntar essas plantas de forma ordenada e com espaços entre os pés dos tomateiros; regar quando preciso; encanar as plantas quando começavam a precisar de apoio; continuar a regar; e colher quando estivessem em condições de o fruto ser apanhado...

Como se devem recordar,  algumas semanas depois, naquela bolanha para o rio, em Cõ já se produziam mais de 50 kg de tomate por dia...


... que chegámos a trocar, com outros produtos locais (camarão e ostras), com o restaurante "Solar dos 10", de Bissau

Uma das dificuldades com que nos deparámos na Guiné, todos se lembram, era no respeitante à possibilidade de obter produtos frescos...

Todos se recordam que,  desde o início da comissão, exceto no período que estivemos em Mansabá, sempre tivemos uma horta cavada e tratada pelos nossos militares. 

Mas no respeitante a carne, a situação era muito difíciil. As populações não produziam gado para vender aos militares. Para eles  o gado era uma riqueza pessoal.

A Manutenção Militar tinha dificuldade em enviar carne fresca, para as unidades instaladas no mato, e estas tinham de se "desenrascar". 

Mas os "Lynces de Có", que às vezes se viam obrigadas a "requisitar" alguma vaca aos africanos, pagando ao preço estipulado pelo Governo da Pronvíncia, também utilizaram outros processos legais.

Lembro-me que, por duas vezes, se a memória não me falha, conseguimos carne vinda de Bissau, de forma expedita mas arcaica. 

Então o processo foi este: através do Bonifácio [ o fur vagomestre, nosso tabanqueiro, a viver hoje no Canadá encomendámos às indígenas que nos trouxessem ostras, camarão e tomate. Entretanto,, via rádio, para o delegado do nosso batalhão em  Bissau, de acordo com código que estabeleci com ele, pedia-lhe para obter junto do sr. proprietário do restaurante "Solar dos 10", peças de carne e levá-las em dia combinado, até João Landim, local onde se fazia a cambança do rio Mansoa, na jangada ali existente,

Por sua vez, a Companhia organizava uma coluna que, saindo de Có, levava tudo o que se fosse necessário mandar para Bissau, mais os produtos que os indígenas nos vendiam: 20 kg de camarão; 1 pipo de vinho cheio de ostras, e 80 kg de tomate.

Para a troca trazíamos para  Có cvrne que o deleghado pedira ao "Solar dos 10", que por sua vez nos ficava com os produtos que referi. E assim sempre se podia comer "os atacadores da PM [leia-se: esparguete...]  com estilhaços"...

Vargas Cardoso, ex-cmdt, CCAÇ 2402 (Cõ,. Mansabá er Olossato, 1968/70)


[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos ( Parèntses retos: LG]
___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1105: Como escrever um livro de memórias de guerra 'à la carte' (Raul Albino, CCAÇ 2402)

4 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1246: O meu livro Memórias de Campanha da CCAÇ 2402 (Raul Albino)

(**) Último poste da série >  5 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24368: História da CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) (Coordenação: Raul Albino, 1945-2020) - Textos avulsos - Parte I: Tempo(s) de Homofobia(s) (Mário Vargas Cardoso, 1935-2023)

(***) Vd. último poste da série > 19 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7010: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (18): Terceiro ataque ao Olossato

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24368: História da CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) (Coordenação: Raul Albino, 1945-2020) - Textos avulsos - Parte I: Tempo(s) de Homofobia(s) (Mário Vargas Cardoso, 1935-2023)

  

Capa do II Volume do documento policopiado "Memórias de Campanha  da Companhia de Caçadores 2402 (Guiné, 1968/70) (Raul Albino, ed. lit.), 2008,  inumerado.


1.  O nosso saudoso camarada e amigo Raul Albino (1945-2020), ex-alf mil at inf, MA, CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70), publicou ainda em vida dois volumes com a história da sua unidade. 

No II Volume, que teve a coordenação fotográfica do Maurício Esparteiro, contou ainda com a participação especial do ex-cmdt da companhia, Vargas Cardoso, e do ex-fur mil SAM, João Bonifácio.  Hoje publicamos um pequeno texto do Vargas Cardoso, ex-cor inf ref, que há dias nos deixou (*). No nosso blogue, o Raul Albino também publicou, no devido tempo, 18 postes com episódios da história da CCAÇ 2402 (**).


O transmissões que era gay...

por Vargas Cardoso 

Durante o período de preparação das unidades que mobilizavam para o Ultramar, quando já tinha conhecimento do teatro de operações do destino, e se preparavam os exercícios finais, que em 1968 se faziam no Continente / Metrópole, apresentavam-se na unidade mobilizadora (no nosso caso, o Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora) os chamados especialistas, ou sejam os elementos do comando da companhia.

De entre os condutores, enferfermeiros, mecânicos, radiotelegrafistas, trabsmissões, etc., apresentou-se-me um futuro cabo de transmissões, que durante a habitual entrevista que tive com todos os militares da CCAÇ 2402, me causou alguma preocupação, pois pareceu-me denunciar um comportamento de tipo sexual, à época, bastante anómalo.

Já não me recordo como obtive informações complementares, mas lembro-me que dias depois,  e uma vez confirmadas (em princípio) as minhas suspeitas, falei com o nosso médico, o dr. João Dória (***), manifestando-lhe os meus receios, por estar em vias de embarcar para a Guiné, um militar que iria ter uma actividade muitas vezes sozinho no seu posto de serviço.

Ficou decidido, entre mim e o nosso clínico, conseguir que o rapaz baixasse ao Hospital Militar da Estrela onde foi sujeito ao chamado teste do "prato de farinha" (****). Face às diligências do dr. Dória com os seus colegas do Hospital, chegou-se à conclusão que o rapaz era o que agora se designa por "gay".

Resultado, embarcámos com um militar de transmissões a menos, mas escapámos aos problemas que aquele militar, sendo "doente", nos poderia levantar.

Vargas Cardoso, cor ref 

Excerto de: Parte II - Comando da Companhia, textos de Vargas Cardoso. In: Memórias de Campanha  da Companhia de Caçadores 2402 (Guiné, 1968/70) (Raul Albino, ed. lit.), II Volume, 2008, documento em pdf, inumerado.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de junho de 2023 > Guiné 61/74 - P24363: In Memoriam (478): Mário Vargas Cardoso, cor inf ref (1935-2023), ex-cap inf, CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) e ex-cmdt do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74) (João Bonifácio, ex-fur mil SAM, CCAÇ 2402, 1968/70, a viver no Canadá); Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)

(**) Vd. último poste da série > 19  de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7010: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (18): Terceiro ataque ao Olossato

(***) Julgamos tratar-se do dr. João Dória Nóbrega (1934-2021), ginecolista e obstetra.

(****) O "teste da farinha ou  do prato da farinha" era uma prática infamante, homofóbica, que esteve em voga em diversos exércitos, incluindo o brasileiro e, ao que parece, também no português.

sábado, 3 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24363: In Memoriam (478): Mário Vargas Cardoso, cor inf ref (1935-2023), ex-cap inf, CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851 (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70) e ex-cmdt do BCAÇ 3884 (Bafatá, 1972/74) (João Bonifácio, ex-fur mil SAM, CCAÇ 2402, 1968/70, a viver no Canadá); Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil at inf, CCAÇ 3547, Contuboel, 1972/74)



Guiné > Região do Oio > Có > CCAC 2402 (1968/70) > s/d > De pé: alf mil Francisco Henriques da Silva, alf mil Raul Albino (1945-2020) e Cap Vargas Cardoso (*)


Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > Da esquerda para a direita, o primeiro é o Raul Albino (19945-2020), o segundo é o Francisco [Henriques da] Silva e a seguir o Medeiros Ferreira. Só falta nesta fotografia de grupo o Beja Santos. Também aqui falta o comandante da companhia, cap imnf Vargas Cardoso (1935-2023).  O Medeiros Ferreira, o histórico dirigente estudantil da crise académica de 1962,  não compareceu no embarque, a 24 de julho de 1968, no N/M "Uíge", com destino ao  CTIG, desertando para a Suiça; por seu turno, o Beja Santos iria um mês depois, em rendição individual, comandar o Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70). Acabou por ser uma cruz pesada, sobretudo  para o futuro alf mil at inf MA Raul Albino, que teve que lidar, no início da comissão, com duas baixas de vulto dos seus amigos e camaradas, Beja Santos e Medeiros Ferreira (**)

Fotos (e legendas): © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso camarada John Bonifácio, a viver no Canadá:

Data - quinta, 1/06/2023, 04:00
Assunto - Mais uma baixa na CCAÇ 2402  / BCAÇ 2852  (Có, Mansabá e Olossato, 1968/70)

Este e-mail serve para informar todos os militares que conviveram em Angola e Guiné com o nosso querido amigo Coronel Ref Mário Vargas Cardoso.(***)

Fiz parte da sua CCAÇ 2402 e entre 1968/70 tivemos a oportunidade de servir Portugal. Informo todos que o nosso Capitão de então, deixou esta madrugada de 31 de Maio de fazer parte da nossa família militar. O sr Coronel Vargas Cardoso faleceu. 

Quero em meu nome pessoal e de todos os camaradas da 2402, enviar à sua esposa e toda a restante família, as mais sinceras condolências. O Sr. Coronel Vargas foi um militar de carreira que tudo fez para que todos os seus militares se pudessem sentir jovens válidos e orgulhosos. Poderia testemunhar muitos episódios que, como Furriel Milicino do SAM do seu comando, ambos vivemos uma camaradagem própria e que, om todo o desempenho do resto de Companhia, foi um passo importante para o sucesso da nossa 2402.

Amigo Luís, fico muito grato por esta publicação. Paz à sua alma e um etermo descanso.
Por tudo o que nos ensinou, a nossa saudade.

João G Bonifácio
Ex-Furriel Mil do SAM
CCAÇ 2402/BCAÇ 2851 
Oshawa, Ontario, Canadá

2. Poste de Manuel Oliveira Pereira na página do Facebook da Tabanca Grande, 31 de maio, 13h39:

A noticia que não gostaria de dar...

O meu ex-comandante de Batalhão (BCAÇ 3884, Bafatá, 1972/74), na Guiné, Coronel Mário José Vargas Cardoso, e meu particular amigo, partiu para outra dimensão. Fica o adeus, já com imensa saudade, do "Mano novo para o Mano velho" (forma carinhosa como nos tratamos). 

Descansa em paz "Mano velho"!...
____________

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 8 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21622: In Memoriam (376): Raul Albino (1945-2020): recordando as peripécias da formação e partida da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, com menos duas baixas de vulto, à chegada a Bissau

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Guiné 61/74 - P23852: Notas de leitura (1529): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte IV: Os cafés de estudantes e a crise académica de 1962 em Lisboa (Luís Graça)

 


Capa do livro de José  Pardete  Ferreira - O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971. Lisboa : Prefácio, D.L. 2004. 169 p., [12] p. il. : il. ; 24 cm. (História militar. Memórias de guerra). ISBN 972-8816-27-8.

1. O ex-alf mil médico José Pardete Ferreira (1941-2021), membro da nossa Tabanca Grande,  que, infelizmente,  nos deixou há quase dois anos (em janeiro de 2021),  é o autor de "O paparratos", um livro que pode ser classificado  como um misto de narrativa histórica e de autobiografia,  em que a realidade e a ficção se misturam. Já fizemos, no passado,  três notas de leitura do livro (*),

A obra, a que o autor chama "romance", tem como subtítulo "novas crónicas da Guiné, 1969/71". Mas o arco temporal da acção   é maior, abarcando, no essencial, a década de sessenta e de setenta (até ao 25 de Abril), com dois acontecimentos marcantes de que o autor foi, ele próprio, protagonista: (i)  a crise académica de 1962; e (ii)  e a sua mobilização, em fevereiro de 1969, para o teatro de operações da Guiné, como alferes mil médico.

 Uma das personagens da narrativa é o João Pekoff (um "alter ego" do autor, José Pardete), apresentado como estudante activista da crise académica de 1962, em Lisboa, ligado à JUC - Juventude Universitária Carólica,  e depois médico no CAOP, em Teixeira Pinto  (de fevereiro a junho de 1969) e no HM 241, em Bissau (até ao princípio de 1971).

Lisboeta, nascido em 1941, filho único, morava, com os pais, no Bairro das Colónias, frequentando, desde cedo, o Café Colonial (que ainda hoje existe, na Av Almirante Reis, aos Anjos; inaugurado em 1934, foi tertúlia e café de estudantes, transformado entretanto em pastelaria, em 1978, hoje Café Pastelaria Colonial).

João Peckoff / José Pardete passou pela Mocidade Portuguesa e a JEC (Juventude Estudantil Católica), enquanto estudante de liceu, e depois pela Acção Católica, a JUC e a Pax Romana - Movimento Internacional de Estudantes Católicos, enquanto estudante de medicina.  Praticou desporto de alta competição na CDUL e no Sporting (onde foi, nomeadamente, guarda-redes nas equipas de andebol)...Além de cirurgião, especializou-se mais tarde em medicina desportiva...

Participou também na organização da assembleia mundial do Movimento Internacional de Estudantes Católicos — Pax Romana, que se realizou em Lisboa, 1960 (vd. cap 16º, "A Pax Romana", pp. 111), ao lado de outros católicos portugueses, como Antero Silva Guerra / António Sousa Franco (?),   Márcia Luisa Piriquita / Maria de Lurdes Pintassilgo, Telma Santana Guera / Teresa Santa Clara Gomes... e outros/as (que não conseguimos identificar). 

2. Interessa-nos dar a conhecer, melhor, aos nossos leitores, essa época da Lisboa dos anos 60, e nomeadamente da crise académica de 1962, vista pelos olhos de João Pekoff, sobre o qual, aliás, o autor diz que  "não tinha grande formação política" (p. 47), o que não o impede ser um dos  "atores" que pisaram o "campus universitário" desse ano histórico (e sobretudo  sua testemunha privilegiada e, ao mesmo tempo,  um crítico da liderança estudantil em Lisboa)... 

Delicioso, como já o dissemos,  é o retrato que ele faz faz de alguns dos históricos dirigentes  do movimento estudantil dessa época: não é difícil descobrir por detrás do pseudónimo Ernesto Figueira, estudante de medicina, a  figura do futuro psiquiatra Eurico Figueiredo (n. 1939, em Vila Real), ou do João Santos, estudante de direito, o futuro presidente da República, Jorge Sampaio. Ambos frequentavam, tal como o João Pekoff, o Café Roma, junto à Praça de Londres, na Av de Roma (pp.  23 e ss). 

Também achámos, na altura, interessante "a ronda dos cafés" (pp. 81 e ss.), uma reconstituição do roteiro histórico dos cafés de estudantes e tertúlias da Lisboa dos anos 50, 60 e 70 (até ao 25 de Abril). Tínhamos prometido falar deste roteiro. Surge agora a oportunidade.(**)

Mal ou bem, os cafés das Avenidas Novas (Roma, Vá-Vá, Monte Carlo...) estão associados, nos anos 50/60/70, à boémia estudantil, animação cultural e sobretudo uma certa atmosfera de "contestação e conspiração" dos jovens que frequentavam a universidade naquele tempo em Lisboa (nomeadamente a Universidade Clássica de Lisboa: letras, direito, filosofia, história...;  mas  também a Universidade Técnica de Lisboa (UTL), frequentada igualmente pelos alunos da Academia Militar que cursavam as engenharias, sem esquecer, na 7ª colina, no Quelhas, o Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), hoje ISEG. (Desde os anos 30 que estava integrado na UTL.) 

Ainda não havia em 1962, o ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa (criado em 1972, no Campo Grande e depois com instalações modernas (que eu fui inaugurar) na Av das Forças Armadas. A sua criação está associada ao nome de outro "católico progressista", o Adérito Sedas Nunes.

Já existia, isso, sim, o Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), designação criada em 1962, para o antigo Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU), herdeiro da Escola Superior Colonial (fundada em 1906)... Mas em 1962 era rapaziada ordeira, "situacionista", que tinha emprego garantido no Utramar português, como admistradores coloniais, antropólogos, assistentes sociais, etc. O que não impediu que a contestação estudantil de 1969 lá chegasse, e forte, sobretudo entre a malta de economia... E, claro, também ainda não havia a Universidade Nova de Lisboa, criada no fim do marcelismo, em 11 de agosto de 1973...

Fiquemo-nos pela "cidade universitária", circunscrita ao Campo Grande/Saldanha, ou seja, afinal, à Universidade Clássica de Lisboa.... Dizia-se que o Salazar, provinciano e coimbrão, sempre quis, em Lisboa, os diferentes estabelecimentos de ensino superior universitário, "higienicamente" separados no espaço... Ele lá tinha as suas razões.

O maior destaque é dado ao Café Roma... Mas havia outros cafés frequentados por estudantes, escritores, intelectuais, jornalistas, homens e mulheres do cinema e do teatro,  e demais figuras da vida cultural da cidade no início dos anos 60:

(...) Continuando a ronda alargada dos cafés lisboetas que acolhiam estudantes, é de lembrar o Café Minabela, na Amadora,  não esquecer o Café Monte Carlo, onde pontuava o imponente Pena Peres  [não descortinamos quem fosse o personagem por detrás deste pseudónimo]. , nem a Leitaria próxima, na Duque d'Ávila, que tinha sofrido uma carga a cavalo da GNR (...). 

Não se olvida , do mesmo modo, o Monumental, nem o D. Rodrigo, na Avenida D. Rodrigo da Cunha, aquela via larga que liga a Avenida Gago Coutinho às traseiras da Igreja de São João de Brito, em Alvalade. No D. Rodrigo um castiço trauteava, quase em permanência, as canções de Jacques Brel, muito em voga naquele período, tais como "Le Diable"  e "Les Flamandes" (...).

Provavelmente o mais famoso e icónicos dos cafés desta época é o Monte Carlo, a par do Vá-Vá, duas referências obrigatórias dos roteiros históricos dos cafés lisboetas da época ... Mas, ainda de acordo com o autor que temos vindo a citar:

(...) A Pastelaria Biarritz e a Casa dos Caracóis (...) mantêm-se de pedra e cal. Já o mesmo não se pode dizer do celebérrimo Monte Carlo que deu lugar a uma loja de uma cadeia espanhola de venda de vestuário  [Zara].  Tão pouco o Monumental cumpriu as promessas de antanho. (...). (pág,  81).

(...) É um risco calculado não se citar  com deferência o Vává, o Londres, a Mexicana, e tantos, tantos, tantos mais que, embora omissos, bem por sombras estão esquecidos. Neles, não eram só os estudantes que faziam pulsar a cidade e que viviam 'nessa Lisboa que eu amo', como diz a marcha (...).

Como em Lisboa não havia a típica república da Academia de Coimbra, cada estudante  vvivia com uma família, que por vezes coincidia com a sua, em quarto alugado, ou em algunas das poucas casas próprias para estudantes (...) (pág. 82).

Pardete Ferreira descreve muito bem o que era "o Café, naquete tempo",  enquanto local de sociabilidade (pág. 85):

(...) Era um local onde nasciam e eram alimentadas amizades que perduaravam ao longo de uma vida inteira. Tal como no mato.  Aquela instituição substituia, com naturalidade, aquela grande árvore do largo da igreja lá da aldeia, em torno da qual as gentes se sentavam para cavaquear, cultivando assim a camaradagem e a amizade. (...) Hoje,  o Café está ultrapassado e a maioria das pessoas já não o usa como tertúlia, nem os estidantes o utilizam  como local de estudo institucionalizado".

Estamos de resto a falar de uma época, os primeiros anos da década de 60, em que a população universitária lisboeta seria ainda da ordem dos  escassos milhares (c. 12 mil - 15 mil), oriundos da classe média e classe média alta, com apenas uma irrisória representação (da ordem dos 6-7%) das classes trabalhadoras, segundo um estudo do sociólogo Sedas Nunes.

E conclui o autor de "O Paparratos":

(...) Poderá parecer que se tenta dizer que o Portugal de hoje nasceu à volta da mesa de um Café, algures em Lisboa, provavelmente no Roma, saboreando um bica que ia arrefecendo, fumando um cigarro (...). Pensa-se não ser questionável que muitos dos estudantes de 1962 e seguintes, tornados oficiais milicianos, nados e criados tal e qual como o Paparratos, em qualquer aldeia anónima deste país ou em urbe mais ampla, também tenham sido o fermento de um modo de pensar (...) que, uma vez consolidado, permitiu que a sociedade portuguesa acolhesse com tanto entusiasmo os acontecimentos de 1974 (...) (pág. 84.)


3. O Pardete Ferreira dedica o capítulo II, de "O Paparratos",  ao café Roma (pp. 23-28), que descreve nestes termos:

(...) Em Lisboa, junto à Praça de Londres, na Avenida de Roma,  havia um café com cerca de duzentos metros quadrados que dava pelo nome de Roma.  Era um lugar preferencialmente frequentado por estudantes que, a troco de uma simples bica e de um copo de água, nele faziam biblioteca, com livros, sebentas,  cadernos, papéis e outros objectos  ligados à vida escolar pejando as mesas e cadeiras" (pág. 23).

Dois dos conhecidos líderes da crise estudantil de 1962 frequentavam o Roma: o José Santos (pseudónimo de Jorge Sampaio), já licenciado  em direito (em 1961), e Ernesto Figueira (pseudónimo de Eurico Figueiredo, n. 1939, em Vila Real), estudante de medicina, futuro pisquiatra.

Jorge Sampaio (1939-2021) foi presidente da Associação Académica da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em 1959-1960 e em 1960-1961, e secretário-geral da Reunião Inter-Associações Académicas (RIA), em 1961-1962.

João Santos /Jorge Sampaio é descrito, em "O Paparratos", nestes termos, de fino recorte literário:

(...) Numa das mesas do fundo, no lado essquerdo de quem entrava,  não muito longe do balcão, tinha foral um rapaz de vinte e tal anos, discretamente sobre o ruivo, testa alta, olhos não muito exressivos, por vezes parecendo duros, metálicos, de tom azulado, transportando óculos grossos. Possuía tez clara, era algo magro e tinha uma estatura ligeiramente superior à média. Vestia preferencialmente fato  azul, não muito escuro, sendo a gravata quase sempre a condizer com este último, repousando sobre leito de camisa branca. Interrompia frequentemente o estudo  e passava grande parte das suas tardes a ler Camus ou o último Libération que comprara nas bancas" (...) (pág. 23).

(...) Filho de boas famílias, educado no estrangeiro (...), o José Santos tinha sobretudo a estrutura de um ideólogo. Paradoxalmente, não tinha ainda ideais muito claras e, mesmo desprovido de um carisma marcado de líder, impunha-se pela cordialidade de um discurso escorreito e pela conversa erudita, apoiada em citações de Camus, não descurando Nietzsche, Kant, Engels, Marx e Lenine, à mistura de Baudelaire e Jean-Jacques Rousseau ou, ocasionalmente Voltaire" (pág. 25).

Além disso, "confessava-se agnóstico. Com frequência, era o centro de atenções, juntando à sua volta uma meia dúzia de interlocutores, a  quem por vezes se via obrigado a pagar a despesa (...). Cursava direito e não  escondia uma certa ambição" (...).

João Santos e Ernesto Figueira encontravam-se com frequência no Café Roma, mesmo pejado de informadores da "Pevide" (PIDE), a começar pelos empregados de mesa.  Enquanto o primeiro era "uma  espécie de ideólogo" , o segundo era o "comandante operacional do movimento estudantil" (pág. 35).  

Também se encontravam na Cantina Universitária. Os estudantes também frequentavam o bar do Estádio Universitário onde "por mais cinco ou dez tostões", se comia "francamente melhor" do que na Cantina. "O bitoque, o pão, a imperial e a bica, por doze escudos e cinquenta centavos  [equivalente, a preços de hoje, a 6 euros].

A crise académica de 1962, em Lisboa, é desencadeada quando, a 24 de março,  o Governo de Salazar proíbe, estupidamente,  as comemorações tradicionais do Dia do Estudante, tendo a  Polícia de Choque invadido a Cidade Universitária, e carregado sobre centenas de jovens, rapazes e raparigas.  

Passados dois dias, os estudantes de  todas as escolas superiores de Lisboa declaram "luto académico" (na prática, greve geral às aulas, usando uma forma de luta que era proibida pelo regime). Mês e meio depois, a 9 de maio, há uma escalada do conflito, com a adoção, num plenário de estudantes,  de uma nova forma de protesto: uma greve de fome coletiva, na cantina. 

A medida, arriscada,  for proposta por Eurico Figueiredo e seguida por centenas de estudantes como António Correia de Campos, que eu vou encontrar mais tarde como colega na Escola Nacional de Saúde Pública.

A 11 de maio, a cantina foi cercada pela polícia de choque e os estudantes foram detidos (cerca de 800, segundo a versão da PSP ou cerca de 1200 segundo as associações de estudantes). Terá sido a maior operação policial realizada pelo Estado Novo.

Seguiu-se uma enorme onda de indignação, tendo todos os estudantes detidos sido libertados  libertados a 14 de maioEntretanto, um mês depois, em 14 de junho, um plenário realizado no Instituto Superior Técnico ditou o levantamento da greve.

Um despacho ministerial em final de junho  veio punir 21 grevistas com uma pena de expulsão, durante 30 meses, de todas as escolas de Lisboa.

Mas "poucos foram efetivamente convocados para a primeira incorporação militar que se seguiu ao Luto Académico" (...) "A grande maioria voltou progreessivamente  à sua vida habitual" (...) (pág. 39). Afinal, ninguém queria perder o ano, e isso explica que o fim do "Luto Académico" (eufemismo para não se dizer greve...) foi recebido com alívio... Mas a verddae é que nada ficou como dantes...

Jorge Sampaio, Eurico Figueiredo, Medeiros Ferreira e outros dirigentes estiveram detidos.

A crise académica de 1962 foi um acontecimento de grande significado político e sociológico. Hoje, passados 60 anos, alguns dos seus protagonistas recordam a resposta do movimento estudantil à repressão salazarista.  Caso de António Correia de Campos, antigo ministro da saúde, e conhecido dirigente socialista, em entrevista à Lusa, em 22/3/2022, e citado pelo "Observador":  (..) " enumera três 'dirigentes de grande envergadura', cujo papel foi determinante na gestão da crise: Jorge Sampaio, no centro ideológico — sociais democratas, mais socialistas, Eurico Figueiredo, então militante do PCP, e Vítor Wengorovius, o católico progressista." 

Mais houve mais dirigentes estudantis, a merecer destaque: Alberto Torres da Silva, Afonso de Barros, Manuel Lucena e José Medeiros Ferreira (que viria a suceder a Jorge Sampaio como secretário-geral da Reunião Inter-Associações,  a RIA). Poucos mas corajosos foram os professores que se solidariezra,m com os estudantes, como Lindley Cintra ou Pereira de Moura, por exemplo.

Octávio Quintela, em "Algumas considerações a propósito da crise académica de 1962" (Ler História, 62, 2012, pp. 187/192) escreveu:

(...) A greve de 1962, na sequência da proibição do Dia do Estudante, foi o resultado da luta de milhares de jovens católicos, sem partido, mas muito também da ação dos comunistas. Em cada Faculdade de Lisboa é possível destacar três ou quatro ativistas de um vasto conjunto:

(i) Em Direito, Jorge Sampaio, Vítor Wengorvius, Correia de Campos, J. Felismino, Macaísta Malheiros, Pedro Ramos de Almeida. 

(ii) Em Letras, Medeiros Ferreira, Mário S. M. Cardia, João Paulo Monteiro, Alberto Teixeira Ribeiro, Maria Assunção Franco, Maria João Gerardo e eu próprio;

(iii) Em Ciências, António Ribeiro e Ernani Pinto Basto;

(iv) Em Medicina, Isabel do Carmo, Rui de Oliveira, Eurico Figueiredo, Alexandre Ribeiro, Dante Marques;

(v) No Técnico, João Cravinho, Crisóstomo Teixeira e José Bernardino." (...)

Curiosamente não sabemos em que ponto ficou a situação militar destes jovens. Relatuvamente a Jorge Samapio, sabemos que ficou isento do serviço militar, pro razões de saúde.

Alguns terão ido parar á Guiné. É o caso de José Augusto Rocha (1938-2018), que foi alf mil, CCAÇ 557, (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65): director da Associação Académica de Coimbra, em 1962, foi expulso de todas as Escolas Nacionais, por dois anos, na sequência da crise académica de 62, esteve preso no Forte de Caxias; liberto sem culpa formada, ao fim de 4 meses, acabando por ser chamado para a tropa e mobilizado para o CTIG. (Só terminaria a licenciatura em direito, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, depois de ter regressado do TO da Guiné, em novembro de 1965.)

Um outro caso, mais conhecido dos leitores do nosso blogue, é o do açoriano José Medeiros Ferreira (1942-2014) (tem 7 referências): depois de se destacar na crise estudantil de 1962, foi chamado em 1967 a cunprir o serviço militar; mobilizado para a Guiné, não comparaceu ao embarque da sua companhia, a CCAÇ 2402 (Có, Mansabá e Olossato)/ BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro) (1968/70), no T/T/ Uíge, em 24 de julho de 1968.

È provavelmente o mais conhecido dos desertores da guerra colonial: viveu na Suiça, onde se licenciou em História, pela Universidade de Genebra (1972). Depois do 25 de abril, foi eleito deputado à Assembleia Constituinte (1975), pelo Partido Socialista, e exerceu o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Constitucional (1976–1978), chefido por Mário Soares. Foi professor universitário (Faculdade de Ciências Sociais, Universidade NOVA de Lisboa).



Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé e da esquerda para a direita, o Raul Albino, o Francisco Silva e o Medeiros Ferreira, aspirantes milicianos.  [Os dois primeiros são membros da nossa Tabanca Grande, e o Raul, infelizmente já falecido.]

O João Bonifácio, ex-furriel mil SAM, CCAÇ 2402 (Mansabá e Olossato, 1968/70) e que vive no Canadá, evocou aqui no poste P1592, o exemplo do Medeiros Ferreira que, como é publicamente sabido, não compareceu ao embarque, para a Guiné . Ele é, das nossas figuras públicas, talvez o mais conhecido dos desertores da guerra colonial.

Na foto acima, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares (I Governo Constitucional, 1976/78), historiador e professor universitário (FSCH/NOVA), já falecido, José Medeiros Ferreira (Ponta Delgada, 1942 - Lisboa, 2014), aparece assinalado com um círculo a vermelho.  

Foto (e legenda) : © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

15 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22008: Notas de leitura (1346): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte III: Rui Angel, aliás, Pedro Rodriguez Peralta, capitão do exército cubano, o mais famoso prisioneiro da guerra colonial... Aqui tratado com humor desconcertante (e humanidade) (Luís Graça)

23 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21939: Notas de leitura (1343): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte II: os "mentideros' de Bissau (Biafra, 5ª Rep) e ainda e sempre a retirada de Madina do Boé (Luís Graça)

 
(**) Último poste da série > 5 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23848: Notas de leitura (1528): Guevara versus Amílcar Cabral: Divergências estratégicas na guerrilha (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21654: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (12): A "cunha" da mana de Salazar, texto de Vargas Cardoso, cor inf ref, ex-comandante da CCAÇ 2402, Có, Mansabá e Olossato, 1968/70... Mais uma pequena homenagem à memória do nosso Raul Albino (1945-2020)


Guiné > Região do Oio > Có > CCAC 2402 (1968/70) > s/d > De pé: alf mil Francisco Henriques da Silva, alf mil Raul Albino e Cap Vargas Cardoso

Foto (e legenda): © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. O tema das "cunhas" é pouco natalício... Mas presta-se também à bonomia e ao bom humor próprios da época natalícia.. O cor inf ref Vargas Cardoso entregou ao Raul Albino esta história, que tem tanto de burlesco como de inefável (incitando por isso,  ao riso amarelo); foi, juntamente com mais uma vintena de textos, o seu contributo para o volume II das Memórias da CCAÇ 2402, cuja coordenação editorial esteve a cargo do Raul Albino. 

Tenho um exmplar desse volume, oferta pessoal do nosso saudoso amigo e camarada Raul que, como sabem, foi alf mil da CCAÇ 2402. Com a devida vénia ao Vargas Cardoso, e votos  de boas festas, para ele  e os demais camaradas da CCAÇ 2402,  "Os Lynces de Có", reproduzimos aqui a história da cunha da Dona Marta Salazar e do senhor presidente da junta de freguesia de Sta Comba Dão. intercedendo por um dos militares da CCAÇ 2402, companhia   que em junho de 1968 estava já mobilizada para o CTIG e ainda  em formação.no RI 1, Amadora.

Sobre o soldado Sereto (um dos militares a seguir referidos na narrtaiva) há outra história que poderemos reproduzir mais tarde, também da autoria do Vargas Cardoso ("E o Sereto chegou a tempo do embarque"). 

Este militar era um ex-casapaino, "filho de pai alcoólico e orfão de mãe" (sic) , jogador dos júniores do Sporting, que tinha chumbado na recruta do Regimento de Lanceiros 2 (Polícia Militar), e que o cap Vargas Cardoso se empenhou em  "proteger", esperançado em fazer dele "um cidadão útil para a sociedade"... LG



Excerto de : Parte II - Comando da Companhia - Textos de Vargas Cardoso, in "Memórias da CCAÇ 2402 (Guiné 1968/1970), Volume II", mimeog", 2008, páginas inumeradas,il. (Coordenação: Rui Albino). (Com a devida vénia...)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21652: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (11): Homenageando a memória do Raul Albino (1945-2020): Os Natais de 1968, em Có, e 1969, no Olossato, da CCAÇ 2402 (João Bonifácio, ex-fur mil SAM, hoje a viver no Canadá)






Fotos (e legendas): © João Bonifácio (2008. Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Capa da brochura "Memórias da CCAÇ 2402 (Guiné 1968/1970), Volume II", mimeog", 2008, páginas inumeradas,il. (Coordenação: Raul Albino).


1. As fotos de cima (e as legendas) são do João G. Bonifácio, ex-fur mil SAM, da CCAÇ 2402 (, Mansabá e Olossato, 1968/70), a viver no Canadá. 

Ele foi um dos colaboradores deste II Volume, juntmente com o ex-cap inf Vargas Cardoso e de outros camaradas como o Carlos Sacramemto, Carlos Santiago, Carlos Costa, Joaquim Ramalho, Maurício Esparteiro, António Maria Veríssimo, António Fangueiro da Silva, e o próprio Raul Albino. O João Bonifácio é membro da nossa Tabanca Grande desde 1 de dezembro de 2006 (*)

Em homenagem ao Raul Albino, ex-alf mil da CCAL CC$02, que nos deixou há pouco tempo (, aliás foi o próprio João Bonifácio que nos deu a triste notícia) (**), vamos aqror reproduzir dois aponatmentos sobre o Natal de 1968 e de 1969 (***), da autoria do João, incluidos naquela brochura.

Aproveitamos para desejar a ele e à sua sua família, bem como à família do Raul Albino, mas também aos demais camaradas da CCAÇ 2402,os nossos votos de um Natal e Ano Novo, tão bom quanto possível, dentro dos contrangimentos a que todos estamos sujeitosnos  nossos países, devido à pandemia de Covid-19.(****).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1331: Blogoterapia (9): Quando a Pátria não é Mátria para ti (João Bonifácio, Canadá, exvagomestre da CCAÇ 2402)

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21622: In Memoriam (376): Raul Albino (1945-2020): recordando as peripécias da formação e partida da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, com menos duas baixas de vulto, à chegada a Bissau




Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > Da esquerda para a direita, o primeiro é o Raul Albino, o segundo é o Francisco [Henriques da] Silva e a seguir o Medeiros Ferreira. Só falta nesta fotografia de grupo o Beja Santos. Também aqui falta o Comandante da Companhia, Capitão Vargas Cardoso.  O Medeiros Ferreira iria desertar antes do embarque para o CTIG; o Beja Santos iria, em rendição individual, comandar o Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70).

Foto (e legenda): © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Em memória de um camarada e amigo, um histórico da nossa Tabanca Grande,  que nos deixa, precocemente, o Raul Albino (1945-2020) (*)...

Para avivar e honrar  a sua memória, não podíamos deixar de voltar a reproduzir aqui este excerto da História da CCAÇ 2402 / BCAÇ 2851, história essa publicada por ele,  no nosso blogue, pelo menos em dezoito postes,  entre 2006 e 2010 (**). 

Em papel, ele organizou e publicou dois volumes com a história dos "Lynces de Có", o segundo dos quais,  em 2008, com a participação especial de Vargas Cardoso (ex-comandante da companhia) e do João Bonifácio, que emigrou para o Canadá (ex-fur mil SAM). E ainda com a coordenação fotográfica do Maurício Esparteiro (ex-1º cabo, o talentoso fotógrafo da companhia). 

Desse segundo volume, com excelente execução gráfica, possuímos uma cópia, que o Raul nos oferecera em tempos.  No prefácio, o antigo comandante, cor inf ref Vargas Cardoso,  fez um grande elogio ao Raul Albino justamente pela sua capacidade de  manter vivo, até então, o espírito da CCAÇ 2402, os "Lynces de Có". Nesse II volume estão documentados os 10 primeiros convívios anuais do pessoal, entre 1982 e 2007.
 

História da CCAÇ 2402 > Uma cruz pesada para o alf mil at inf MA Raul Albino, logo no início da comissão, com duas baixas de vulto, as de Beja Santos e Medeiros Ferreira

por Raul Albino (2006)


Partida para a Guiné


A Companhia de Caçadores 2402 do Batalhão de Caçadores 2851 formou-se no Regimento de Infantaria nº 1, na Amadora.

Embarcou no paquete Uíge a 24 de Julho de 1968, com destino à Guiné. O BCAÇ 2851 (Mansabá e Galomaro, 1968/70]  foi acompanhado na viagem pelo BCAÇ 2852 [, Bambadinca, 1968/70].

Achei imensa graça a esta poesia popular, sentida, do soldado António Maria Veríssimo, militar da nossa companhia, retirada do seu livro de poesia Diversos.


Uíge! Volta para a terra,
Muda de rota, de direcção,
Não nos leves para a guerra.

Por favor! Pára p’ra pensar,
Não corras tanto,
Navega mais devagar.

Somos crianças, que vais deixar
Na guerra do Ultramar.
Porque não queres a rota mudar ?

Uíge! Não sigas p’rá guerra,
Muda de direcção! Muda de rota!
Volta p’rá nossa terra.


A M Veríssimo


[Formação da Companhia]

Mas voltemos um pouco atrás, mais propriamente à altura em que a companhia se formava na Amadora, comandada pelo então Capitão Vargas Cardoso.

Estive inicialmente incluído na formação, em Évora, de uma companhia independente com destino a Timor. A minha felicidade era imensa, como podem calcular. O quartel de preparação da companhia era o RI 16, aquartelamento que na altura mais parecia um museu militar em decadência. Não possuía instalações suficientes, pelo que os oficiais eram convidados a procurar alojamento no exterior. A alimentação também era no exterior, salvo erro, numa unidade de artilharia, que não recordo o nome.

Do que me recordo bem – além da simpatia para connosco das raparigas que estudavam em Évora – era do parque de obstáculos para o treino dos militares:

(i) A Ponte interrompida estava tão interrompida pela podridão das madeiras, que foi considerada vedada ao trânsito;

(ii) A Vala estava seca, o que não seria de estranhar nos tempos actuais com as temperaturas elevadíssimas que temos, mas naquela época só se tinha alguma rotura e como os engenheiros tinham ido para a guerra, as valas tinham virado alfobres, com alguma terra no fundo e ervas a crescer;

(iii) As Paliçadas estavam decadentes, com a madeira apodrecida, não aconselhando a sua utilização sem um seguro contra todos os riscos;

(iv) O Pórtico dava graça de tão baixo que era, parecendo ter-se enterrado no chão com o tempo, mas mantendo-se gloriosamente de pé, com as cordas puídas pendentes;

(v) Lá nos entretínhamos a saltar o Muro e mais algumas brincadeiras. Mesmo o muro, devido à idade avançada, a altura mais alta (1ª), parecia a intermédia (2ª) e a intermédia, devido ao desgaste, estava quase alinhada com a baixa (3ª). Um paraíso portanto. E como eu gostava de lá estar …

Mas foi sol de pouca dura. Ao fim de cerca de três semanas de exercícios, chega uma ordem de dissolução da companhia e redistribuição dos militares. Para mim saiu-me na rifa a rendição individual de um aspirante de uma companhia em preparação na Amadora que iria seguir para a Guiné, a CCAÇ 2402.

Qual pára-quedista, fui cair no meio de um barril de pólvora, que outro nome não se pode dar à composição do quadro de oficiais da companhia em formação. Inicialmente o quadro de oficiais era constituído pelos membros abaixo indicados e eu vi-os, na altura, da seguinte forma:

(i) Capitão Vargas Cardoso

Militar de carreira, de perfil autoritário, muito organizado, com tendência para controlar tudo e todos. Gostava de ser considerado como um pai para todos os seus militares;

(ii) Aspirante Francisco Silva

Formação académica no sector das Letras, politizado tanto quanto a vida académica o permitia, parecia ser um militar apostado em cumprir a sua comissão sem hostilizar ninguém. Para melhor o identificar, ele foi, há poucos anos atrás, Embaixador de Portugal na Guiné-Bissau, além de outros cargos diplomáticos;

(iii) Aspirante Medeiros Ferreira

Formação académica no sector das Letras, altamente politizado, parecia querer levar a comissão até ao fim, mas, se assim era, depressa compreendeu que essa pretensão não era fácil de concretizar. Creio que todos se recordam dele, foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal;

(iv) Aspirante Beja Santos

Também oriundo do sector das Letras, politizado, este elemento dispensa apresentação, pois todos o conhecem, pelo menos, como um dos nossos tertulianos mais versáteis na arte de bem escrever, como o Tigre de Missirá, ou pela sua cruzada em defesa do consumidor;

(v) Aspirante Raul Albino

Resto eu, com formação Contabilística e não politizado. Esta minha formação permitiu-me ser inicialmente seleccionado para o CSM [, Curso de Sargentos Milicianos], a especialidade de Contabilidade e Pagadoria, o que me tornou no mais feliz dos militares ao cimo da terra. 

Mais uma vez a sorte me foi madrasta, pois acabei – não sei como – por ser reclassificado para o COM [, Curso de Oficiais Milicianos], nas especialidades de Atirador Especial e Minas e Armadilhas. Será que viram em mim a capacidade de disparar números e armadilhar escritas?

Viria a crescer posteriormente com a Informática, ao longo de 30 anos na IBM, na especialização de grandes e médios sistemas. Os micro sistemas têm sido para mim um hóbi de velho, que tem a virtude de me manter afectiva e minimamente ligado aos tempos do pioneirismo informático da minha juventude.

– Mas – dirão vocês – onde está o barril de pólvora?

Pois, o barril consistia no clima explosivo que se tinha criado no relacionamento entre o Capitão e os seus Aspirantes.

Quando eu chego ao grupo, vejo o Capitão preocupado com a circunstância de levar para a Guiné a dupla Medeiros Ferreira/Beja Santos, sobre os quais não conseguia ter o controlo pretendido e com a perspectiva do relacionamento vir a degradar-se ainda mais com o passar do tempo.

Quanto ao Francisco Silva, não o vi preocupado em sua relação, talvez pensando que ele seria mais fácil de controlar. Algum tempo após a minha chegada, confidencia-me ele (por estas palavras ou semelhantes):

- Sabes? Creio que temos letrados a mais na companhia! – ao que eu lhe retorqui:

- Bem, para compensar, agora tem-me a mim que não sou de Letras, sou de Números!

Depressa me apercebi ao longo desta conversa, por sinal bastante infeliz, que não era mais que uma tentativa de aliciamento da minha pessoa para a sua causa. Tentativa semelhante ter-me-á feito o Medeiros Ferreira. Tentativas inúteis, porque eu era um indivíduo convictamente independente, avesso a alinhamentos e não politizado. Além disto era ingénuo, porque julgava que me podia manter neutral, com o equilíbrio existente a manter-se ao longo da comissão.

Ainda hoje uma dúvida me afecta a alma. Terá a minha resistência a alinhamentos, – comunicada ao Medeiros Ferreira – influenciado de algum modo o desenrolar dos acontecimentos que se seguiram no seio do grupo?

Duas a três semanas antes da partida da companhia, eu era enviado com um sargento, em avião militar, para a Guiné, com a missão de preparar a chegada da companhia em termos de material e equipamento. O que se terá passado durante esse período de tempo, escapou-me, na altura, ao meu conhecimento pessoal, razão pelo qual não o abordo aqui (...).

A minha surpresa não teve descrição, ao constatar que a companhia chegava à Guiné com duas baixas no quadro de Oficiais: o Medeiros Ferreira (**) e o Beja Santos. 

O capitão tinha ganho a primeira batalha (pessoal), mesmo antes de chegar ao teatro de guerra. Senti a minha cruz começar a ficar mais pesada...

Raul Albino

[Revisão e fixação de texto para efeitos de edição neste blogue:  LG]
___________

Notas do editor:



(**) Vd. postes de:


19 de setembro de  2010 Guiné 63/74 - P7010: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (18): Terceiro ataque ao Olossato

(***) José Medeiros Ferreira (Ponta Delgada, 1942 - Lisboa, 2014) destacou-se na crise estudantil de 1962, foi desertor da guerra colonial (1968), vuiveu na Suiça, onde se licenciou em História, pela Universidade de Genebra (1972). Depois do 25 de abril,   foi eleito deputado à Assembleia Constituinte (1975), pelo Partido Socialista, e exerceu o cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros do I Governo Constitucional (1976–1978), chefido por Mário Soares. Foi professor universitário (Faculdade de Ciências Sociais, Universidade NOVA de Lisboa).