Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
quarta-feira, 14 de março de 2007
Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho
Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé e da esquerda para a direita, o Raul Albino, o Francisco Silva e o Medeiros Ferreira, aspirantes milicianos. O João Bonifácio, que pertenceu à CCAÇ 2402, evoca aqui o exemplo do Medeiros Ferreira que, como é publicamente sabido, não compareceu ao embarque, para a Guiné. Ele é, das nossas figuras públicas, talvez o mais conhecido dos desertores da guerra colonial (1). Na foto, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares (I Governo Constitucional, 1976/78) aparece assinalado com um círculo a vermelho .
Foto: © Raul Albino (2006). Direitos reservados.
1. Mensagem do João Bonifácio:
Olá, Amigo LuÍs;
A minha opinião, e em resposta ao nosso amigo Torcato (2), é apenas aquilo que penso à distância de 7 mil kms. A Guerra do Ultramar já passou e a verdade é que apenas nós, os que por lá andamos, compreende a verdade. Compreendo a frustração do nosso amigo Torcato, e também eu desejava que isto não se tivesse passado, mas do mesmo modo também não podemos fazer nada. Afinal, o Ex-Alferes Miliciano Medeiros, hoje Dr. Medeiros Ferreira, uma figura conhecida na política socialista, também não compareceu ao embarque em Julho de 1968, como parte integrante da CCAÇ 2402, a que eu próprio pertencia.
Pessoalmente, acho que cada um de nós tem o direito a demonstrar o seu ponto de vista, mesmo que negativo. Depois do 25 de Abril, penso que todos os que foram obrigados pelo antigo regime de Salazar e Marcelo Caetano, a refugiar-se em certos países da Europa, puderam todos, ou quase todos, regressar a Portugal e restabelecer as suas vidas junto aos seus familiares.
Por isso, penso que este tema, por muito complicado que seja, deverá ser discutido abertamente por todos os que sintam ter as suas ideias quanto aos chamados desertores. Hoje, e depois de ler neste blogue que o Amigo Luís em tão boa hora iniciou, ter lido das dificuldades de tantos militares, que por pouco não foram apanhados à mão e até fugiram para o mato, para não falar do abandono total por parte dos chefes da guerra em abandonar estes nossos irmãos, até já fiz a pergunta se eu não deveria ter feito o mesmo.
Esta foi a Guerra da mentira, e sinto-me envergonhado de que o Governo actual do Eng Sócrates não tenha dado resposta ao e-mail que lhes enviei, para o Gabinete do Primeiro Ministro, em que solicitei que, pelo menos, reconhecesse este erro grave e publicamente pedisse, em nome do Governo da altura, as desculpas a todos os ex-combatentes e seus familiares, pela afronta de uma guerra sem justificação e um fim sem negociações.
Afinal, meu amigo Torcato, quem estará mais em pecado? Um Governo de arrogantes ou uma meia dúzia que apenas demonstraram a sua revolta em não participar nesta guerra, refugiando-se no estrangeiro ? (...).
Um grande Abraço a todos os que lerem esta minha resposta. E, como vivemos em Liberdade e Democracia, e há 33 anos que vivo no Canada, parece que sei o significado da pura igualdade de pensamentos.
Fiquem todos bem.
João Gomes Bonifácio
Ex-Fur Mil do SAM
CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851
Có, Mansabá, Olossato
1968/70
2. Comentário do Paulo Raposo:
Caro Luís: Um bom dia para ti e todos os teus. Podes passar este mail ao Bonifácio?
Meu caro Bonifácio, eu era da CCAÇ 2405, ou seja, fomos juntos no Uíge para a Guiné.
Vivemos em Sociedade, e ela tem regras. Se o bombeiro não apaga fogos, se o médico não executa a cura, se o lixo não é apanhado, mesmo que discorde do chefe então estamos a viver na selva. Na Guiné um rapaz que queria ser homem, tinha de dar provas.
Quem fugiu, foi por medo, conveniência, comodismo, etc. Uma coisa é certa, por política é que não foi. Esta de, à ultima da hora, vir dizer que se era antifacista, não cola. Se havia assim tantos, então no tempo da outra senhora onde andavam? Andavam a mamar à custa do regime e, para se branquearem, viraram resistentes para aranjarem novos tachos. Cambada de oportunistas.
Atenção, não me compete criticar ninguém, mas galos e perús não são todos uns. Bem me custou o embarque, fugir era mais fácil.
Quanto à legitimidade da guerra, a história é outra. Se a nossa não era legítima então, que andam os americanos a fazer no Iraque, os ingleses em Gibraltar, os franceses nas Iguanas, os russos na Mongólia, etc., etc.
O Alentejo e o Algarve também foram conquistados e povoados, então em que ficamos ? África era pertença de todos nós, agora vai ser dos chineses. E por cá somos invadidos por espanhois. Então, no fim tínhamos razão.
Onde está a nossa auto-estima?
Um abraço amigo
Paulo Raposo
Ex-Alf Mil CCA 2405 / BCAÇ 2852
Mansoa, Galomaro, Dulombi (1968/70)
Herdade da Ameira
Montemor-O-Novo
3. Comentário de J.L. Vacas de Carvalho
Carissímos:Tenho lido (e confesso, não muito interessado) os pontos discutidos: Membros honorários e desertores.
Sobre o 1º : O blogue é um local onde se trocam ideias, situações vividas, memórias, encontro de amizades, etc, etc. Os que por lá ficaram ou como se costumava dizer, lerparam, podemos, melhor, devemos, lembrá-los e honrá-los. Lamentamos sempre as suas ausência e somos solidários com as suas famílias. Infelizmente não estão entre nós. Não contribuem para as nossas conversas. Nem sei, como alguns que por aqui já passaram, se gostariam de pertencer à nossa família. Quando muito, e quando algum de nós partir desta para melhor ou pior (quanto mais tarde, melhor, falo por mim) podemos sim, considerá-lo Tertuliano Honorário ad eternum.
2º Ponto: Uma parte da minha consciência diz que não devemos fazer juízos de valor sobre as causas que levaram um português a desertar. Pode ter sido por razões familiares, razões de consciência ou por outras razões que não me compete a mim julgar ou criticar.Outra parte de mim diz-me que eles simplesmente fugiram, tiveram medo, acobardaram-se. Ponto final. Admiti-los no nosso blogue é uma traição a quem lá esteve e que por quem lá morreu. No entanto o nosso Presidente no seu mais alto critério assim o decidirá.
Abraços
Zé Luís
Ex-Alf Mil
Pel Rec Daimler 2206
Bambadinca (1969/71)
Lisboa
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira
(2) Vd. post de 13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo
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1 comentário:
As vezes venho ate a Tabanca relembrar o passado, ja que com 77 anos estamos a descer e a perder altitude, numa preparacao para uma aterragem que desejamos sejs perfeita. O Paulo comentou este artigo em que igualmente participei. A guerra ja la vai, nada e igual, o mundo virou das avessas e depois do Covid19 nunca mais seremos livres. Contudo, desejari wui corrigir um pormenor no que diz respeito aos desertores. Em Fevereiro de 1974 eu paguei mil e quinhentos escudos no Conselho Administrativo da Amadora e depois de ter servido na Guine, par me ausentar definitivamente para o Canada. Tinha um filho de 2 anos e outro de 9. Passados anos fomos informados por familiares que a GNR anou a procura dos meus filhos. Aqui e que eu deixo de entender. Nos viemos todos em bloco e como familia e o Governo esperava que essa busca nos iria levar de volta ao torrao natal. Num outro caso de um jovem de 16 anos, dado como possivel militar, sem pai, foi incorporado e depois demitido. Durante o processo de desvincular este jovem, o adjudicador dos servicos de imigracao do Canada apenas me informou queo Canada nada tinha a ver com os regulamentos ou as leis injustas.
Estas situacoes apenas transtornaram viagens a Portugal, ja que o ME nao interferia na entrada mas poderia reter os indicados no regresso aos seus paises de acolhimento. Como disse, ja pouco interessa o que na altura se passou, mas isto demonstra e confirma que somzos um jardim a beira mar plantado onde nao existem leis que ajudem a criar uma vida melhor em casa, em vez de e depois do 25/o4, deixar fugir o melhor que ha, uma juventude educada, mas que nada encontra e tem de emigrar. Nos afinal e como eles dizem, nao perdemos apenas 240 mil portugueses em 10 anos. Obrigado pela atencao. Estou vivo, de boa saude e desejo o mesmo para todos os amigos desta tabanca. Nao sei do Luis e outros amigos mas desejo que estejam bem.
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