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quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25984: (In)citações (264): Naquela época era-nos proibido falar muito sobre a política da guerra em África (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)


1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 25 de setembro de 2024:

…Companheiros, hoje somos um antigo veterano “anti-guerra”, porque a nossa experiência diz-nos que, (e não é apenas a continuação de uma história ruim que se arrasta por séculos), qualquer guerra, por mais pequena que seja, “nunca tem um bom final”.

…Naquela época, a maior parte de nós não sabia e…, era-nos proibido falar muito sobre a política da guerra lá na África. Uma coisa nós sabíamos, porque tínhamos sido treinados para isso…, era que estávamos ali para combater, guardar ou proteger, depende do que queiram chamar, um império desconhecido, num serviço militar que era obrigatório para todos e, morrer…, ou seja, dar a vida em defesa da bandeira de Portugal.

…E normalmente…, quem inicia as guerras entre países não é o povo, são os dirigentes desses países, o povo ama-se e compreende-se e quer a paz, um tecto para se abrigar, roupa, trabalho e comida, educação e o bem estar dos seus, mas alguns governantes que até têm escola superior, é que geram os conflitos, contando sempre com o apoio do povo que formam os seus exércitos, e claro,…, morrem num campo de batalha para os defenderem.

…Depois…, quem defende esse povo que defendeu esses dirigentes que tomaram decisões erradas? Enfim, podemos escrever um milhão de páginas, que o resultado é sempre o mesmo…, o povo é que luta e sofre.

…Nenhuma guerra, mesmo patriótica, defende os interesses da população justificando o sacrifício das vidas humanas que depois…, sempre tiveram alguma dificuldade em se afirmar nos círculos políticos ou culturais, porque entretanto o regime mudou com o fim dessa mesma guerra e logo vão esquecer o sofrimento dos soldados que combateram, porque sempre, não importa como, questionam os sentimentos patrióticos desses mártires soldados. Foi isto que aconteceu em Portugal, país onde nascemos e pelo qual combatemos.

…No entanto, em algumas nações ainda é prática comum algumas homenagens, aos seus heróis combatentes, embora na nossa opinião, as homenagens são ao mesmo tempo um reviver de memórias que enfatizam a honra e o patriotismo, obscurecendo o registo completo dos nossos sentimentos e experiências de combatentes e…, na verdade, colocam uma certa distância entre a semelhança da experiência humana, que essa sim, transcende toda e qualquer fronteira entre um discurso público de ocasião de um qualquer político, só para agradar e…, a realidade vivida num campo de batalha.

…E para terminar, como a minha especialidade era “cifra” e tinha conhecimento de algumas decisões que davam em destruição de bens e pessoas inocentes, e como para o final da comissão andava constantemente contrariado e dizia que assim que voltasse a Portugal ia emigrar, embora embarcasse de retorno a Portugal em Maio de 1966, guardaram a minha caderneta militar por mais de cinco anos, recebendo-a só em final de 1971.

Tony Borie
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Nota do editor

Último post da série de 24 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25977: (In)citações (263): Eduardo Estrela, espero poder dar-te um abraço, ao vivo, com um atraso de 55 anos (!), na próxima quinta feira, em Algés, no 57º Convívio da Magnífica Tabanca da Linha (Luís Graça, editor)

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23707: Blogoterapia (304): Éramos um combatente da “farda amarela” e… desarmado (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)


1. Mensagem do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do CMD AGR 16, Mansoa, 1964/66), com data de 5 de Outubro de 2022:


Éramos um combatente da “farda amarela” e… desarmado!

É tão difícil unir todos os pedacinhos das memórias, os destroços e juntá-los na construção de um todo para os companheiros combatentes que felizmente ainda andam por aqui, mesmo sabendo que traduzindo à letra os nossos pensamentos, corremos o risco de às vezes não sermos lá muito bem entendidos, ou seja, dando a entender que “a liberdade de sermos quem quisermos, agindo ou falando sem filtros é quase uma anarquia”, o que na verdade para nós, não é, pois entendemos que expondo ideias ou expressão nas palavras de diferente maneira é muito saudável e, temos muito respeito por todos vós e pelo que viveram, sobretudo em África.

Continuando, lembramos que na Guerra Colonial, as nossas tarefas eram cifrar e decifrar mensagens. Assim, passáva-nos pelas mãos mensagens contendo substância horrivel e secreta de possíveis operações ou de ataques sofridos pelo contacto com as forças inimigas compostas pelos guerrilheiros que lutavam pela independência do seu território.

E, tal como alguns de vocês companheiros combatentes, chegámos em Maio do ano de 1964, passando dois longos anos no interior da então província colonial da Guiné Portuguesa, rodeados de savanas e pântanos, participando numa guerra de guerrilha, contra um inimigo armado, treinado e equipado, que sempre recebeu apoio substancial de portos seguros em países vizinhos como o Senegal e a Guiné-Conacri, cuja proximidade eram excelentes para fornecer superioridade táctica nos seus ataques transfronteiriços e sobretudo se reabastecer.

Mas voltando à tal “farda amarela”, que dá o título a este escrito, não sabemos quem foi o “designer” de moda popular ou militar, que a projectou, mas sabemos, porque a usávamos, que era demasiado quente para o clima húmido da então Guiné Portuguesa e, que na altura era usada por outros militares de alguns países, principalmente os envolvidos em conflitos em África!.
Todavia, estar estacionado em África, uma região quente e húmida entre outras anomalias climáticas, dentro daquela “ganga amarela”, onde a princípio, antes de ser lavada, uma, duas, três, talvez só à quarta vez, largava aquela “goma” que parecia “cola” e, quando isso acontecia, pouco mais durava, começando por o tecido se dissolver, principalmente na zona onde a transpiração mais se fazia notar!.

Agora voltando de novo ao conflito armado e como acima já explicámos, dada a nossa especialidade, éramos um soldado desarmado. No entanto, fizémos coisas, passando por momentos horríveis de desespero, angústia e medo quando de ataques e emboscadas ao local onde estávamos estacionados ou passávamos, tomando conhecimento oficial de relatos angustiantes, onde explicavam como iam deixando por lá companheiros enterrados em cenários de combate, porque não os podiam resgatar e, que hoje ainda nos assombram.
Porquê? Porque muitas vezes, as tropas Portuguesas encontravam-se na pior posição para avançar e identificar com precisão a sua localização no terreno, onde ou existia selva cerrada, pântanos ou canais com água, lama e tarrafo e frequentemente, pelo menos quando atravessavam os rios ou canais, havia os “macaréus”, algumas vezes até animais perigosos, como crocodilos, onde em algumas situações o inimigo, tirando vantagem, surgia de todos os lados, atacando, disparando, sem dar qualquer oportunidade para que se recuperasse os nossos mortos ou feridos.
E nós, além de mal alimentados, (cuja alimentação era confecionada à base de alimentos sem proteínas e repetida quase todos os dias, razão pela qual ainda hoje gostamos de amendoins), sem assistência médica, com equipamento militar absoleto, fomos dos primeiros a entrar e ficar estacionados em zona de permanente combate, usando o tal uniforme “amarelo”.

Assim, além de outras, o nosso moral era triste e a desmotivação e o cansaço eram realidades que minavam os alicerces de quem com elas convivia, numa situação “onde podíamos morrer de amarelo”, dentro de uma vestimenta padronizada e regulamentada, diziam “eles”, que contribuía para a elevação e auto-estima, potencializada pela manifestação de força, com que nos educaram num breve treino específico de recruta, convencidos de que éramos a força de combate mais letal do mundo.
Onde, além de irmos para África lutar contra pessoas que não conhecíamos e nada de mal nos tinham feito antes, íamos transmitir a tal manifestação de força mas, talvez sem os responsáveis pelo governo colonial de então em Portugal saberem, que a nossa educação de família era potencializada por um ideal de paz e igualdade, com que fomos quase todos nós, independentemente de origem ou condição, educados no nosso lar.
Enfim, hoje as imagens do possível passam-nos na mente como se tratasse de um filme arrumado no sótão da nossa existência e, aquele aquartelamento militar que ajudámos a construir e que poderíamos considerar um “Posto Avançado”, ou seja, um lugar onde os militares de combate, tomavam conhecimento das primeiras savanas, florestas, rios, riachos e pântanos, que eram as trilhas frescas usadas pelos guerrilheiros que lutavam pela independência do seu território, continuam bem vivas na nossa memória.
E, tudo isto se passou quando ainda éramos quase crianças, (pois no regime que então se vivia, só éramos adultos aos 21 anos de idade), onde estivémos longe da família, noutro continente e sacrificando a nossa liberdade. E fizémos tudo isto porquê? Porque mesmo sabendo que a desumanização da sociedade continuava uma realidade, onde às vezes parecíamos que éramos todos ilhas à deriva, nós, “éramos quase uns soldados sem um país”, no entanto, fizémos um juramento à bandeira desse país onde nascemos e, viveremos por este juramento até ao dia da nossa morte, porque hoje somos e, seremos sempre um veterano de guerra.

E também acreditamos que às vezes é necessário retornar aos pensamentos da infância, aos amigos ou ao seio da família, o único porto de abrigo, tal como quando regressámos a casa, uns anos depois já como veteranos de guerra, passando por algumas experiências de vida mais traumáticas que se possam imaginar e, os amigos e a família que nos receberam, sabiam, notavam imediatamente que alguma coisa estava mal connosco, pela nossa linguagem, maneira de se comportar, que estávamos diferentes, talvez um pouco loucos e algo agressivos.

Esta é a verdade, que não podemos nunca ocultar.

Tony Borie, Outubro de 2022

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23680: Blogoterapia (303): A maldição de um veterano de guerra, é que nunca esquece (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto)

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16465: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, nascido no Porto, a viver no Brasil há mais de 40 anos, grã-tabanqueiro nº 726: "Não fui Cabo Cripto, fui sim do Grupo de Material e Segurança Cripto: éramos cinco a trabalhar num 'cofre' [bunker], no Quartel General, em Bissau (1963/66)... Já não me lembro do nome desses camaradas"... (E, depois como civil, até 1974, foi o homem dos sete ofícios!)


Foto nº 1 > O Augusto Mota quando criança: "Marinheiro a cavalo kkkkkkk!!


Foto nº 2 > Algures no Brasil: "Eu, esposa e Bolinha (cachorra)"


Foto nº 3 > Algures no Brasil: "Eu e esposa"


Foto nº 4 > Em casa, à mesa: "Eu e empregados".

Fotos (e legendas(: © Augusto Mota (2016). Todos os direitos reservados


1. Mensagem, de ontem,  do nosso novo grã-tabanqueiro, Augusto Mota, que vive no Brasil há mais de 40 anos. com referência ao poste P16452 que precisa de ser corrigido, uma vez que as fotos publicadas não traziam legendas (*)

Caríssimo Luís,

Vou tentar matar de vez vossa curiosidade:

MEMÓRIA

Tal como disse em nosso último “bate-papo”, a memória não é o meu forte. Estou altamente preocupado com o agravamento da faculdade de recordar o passado. O que vem me auxiliando nesse aspeto é o fato de sempre ter sido uma pessoa organizada... mas vamos lá;

CABO CRIPTO

Talvez não tenha me feito entender. Não fui cabo cripto. Fui MATERIAL DE SEGURANÇA CRIPTO. Quer dizer, trabalhava com a criptografia propriamente dita. Confeccionava o material de cifra para os operadores de cripto trabalharem e, de maneira geral, todos os que por função tivessem que usar cifra em comunicação: telefonia, aviação, etc.

Éramos cinco indivíduos e trabalhávamos fechados, em um cofre, sempre no Quartel General. Meu amigo, quem andou pelo mato, sujeito a levar chumbo a todo o instante, pode dizer que o que fazíamos era moleza... mas o silêncio daquela sala, apenas cortado pelo barulho repetitivo do ventilador, algumas vezes me levou a desejar morrer. Era um sono irresistível.


Assim, pela minha atividade como militar será difícil alguém me reconhecer, salvo os outros indivíduos. As instruções eram pela discrição total.

Para melhor entendimento, informo que esse material, até nossa chegada, era produzido na CHERET, em Lisboa, e distribuído pelo “mundo” militar português, revestido da maior segurança. Devido à possibilidade de vazamento, decidiram confeccionar em cada colónia. Bom, me parece que sobre este assunto estamos acertados.

CCAV 488 

Eu não pertencia a esta unidade. Como disse, o meu tempo de militar na Guiné foi passado dentro de um cofre. Nesta unidade havia um amigo meu. Eu mandava jornais para ele e outros, recebia rolos fotográficos para revelar e reproduzir (Eu mesmo tinha um laboratório fotográfico e fazia as fotos. É outra história rsss). Não me perguntem quem era porque não recordo o nome. Convivi com os camaradas de Material de Segurança todos aqueles anos e não me recordo o nome deles. Sei que é uma desgraça mas é a realidade.

Pelo motivo acima não recordo do Armor Pires nem do Vasco Pires. Retribuo o abraço do Armor.

CADERNO DE POESIAS "POILÃO"

Nessa época meu tempo era restrito. Não dava nem para me coçar. Não recordo, tampouco, do Valdemar Rocha, Albano Matos e Luís Jales. Veja bem: tinha duas livrarias, assessorava um hotel, fazia a contabilidade do único jornal e gerenciava o restaurante no parque da cidade. Chega rsss?...

LIVRARIAS

Livraria Portugal (no edifício do hotel Portugal),

Livraria Didáctica (quase em frente ao mercado público)

e Livraria Campião (em frente ao Quartel da Amura).


NATURALIDADE

Nasci no Porto (capital do palavrão hehehe), freguesia de Massarelos. Vivi sempre, enquanto em Portugal, na Boavista.

Pronto! De momento, é tudo.

Um abração para vocês.
Mota

2. Comentário do editor:

Meu caro Augusto: Trabalhar às escuras  é o que dá: asneira... Imaginava-te cripto, e confesso que desconhecia essa tua especialidade, "material de segurança cripto"... Tenho uma desculpa: mandaste-nos as tuas primeiras fotos (*) sem legenda...

Presumo que tenhas dupla nacionalidade e, pelas fotos que agora nos remetes, deduz-se que vivas numa cidadezinha pacata do Brasil (profundo). É bom ter-te por cá. a ti, mais um valente português da diáspora... E ter-te cá. para mais tripeiro...

Acredita, faz-te bem este exercício de treino e musculação da memória. E, por favor, não te penitencies por não te recordares dos nomes dos teus camaradas de "bunker"... Já lá vai mais de meio século!...

Xicoração para a tua esposa, alfabravo fraterno para ti. (LG)
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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 6 de setembro 2016 > Guiné 63/74 - P16452: Tabanca Grande (493): Augusto Mota, grã-tabanqueiro nº 726... Ex-1º cabo cripto (CCAV 488, Bissau e Jumbembem, 1963/65), gerente comercial da Casa Campião em Bissau, agente do Totobola (SCML), agente e correspondente do "Expresso" e de outros jornais e revistas, livreiro, animador cultural, português da diáspora a viver no Brasil há 40 anos...

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Guiné 63/74 - P15171: O nosso querido mês de férias (9): Fui a Lisboa, a casa, com 6 meses, em outubro de 1969, conhecer a minha filha mais velha que tinha acabado de nascer em setembro (Gabriel Gonçalves, ex-1º cabo op cripto, CCAÇ 2590/ CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71)



Guiné > Bissau> Outubro de 1969> Café Avenida> "Uma mesa cheia de criptos"... Do lado direito, o ex-1º cabo cripto da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuiboel e Ba,badinca, 10659/71), o Gabriel Gonçalves, mais conhecido por GG; do lado esquerdo, o autor da foto, o grã-tabanqueiro Luís Camões, 1º cabo op cripto da CCAÇ 2589 (Mansoa, 1969/71).

Foto: © Luís Camões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Texto do nosso querido amigo e camarada Gabriel Gonçalves (*):

Caros amigos editores da nossa Tabanca Grande:

A propósito da sondagem sobre as férias na metrópole, aí vai uma foto tirada em Bissau, em outubro de 1969, no conhecido Café Avenida, com o título "Uma mesa cheia de criptos".

Esta foto foi-me enviada  pelo nosso camarada e tertuliano Luís Camões, que pertencia à CCAÇ 2589 sediada em Mansoa, onde se encontrava o BCAÇ 2885.

Nesta foto, pode reconher-se, da esquerda para a direita;  

o (i) Camões;

 (ii) o nosso camarada a seguir não nos lembramos do nome, mas pertencia ao batalhão dos velhinhos de Mansoa e era das transmissões; 

(iii) a seguir o Brazão que também era operador cripto da companhia do Camões; 

(iv) depois o Gabriel Leal , op cripto de rendição individual, QG, Bissau;

e, por fim,  (v) eu, em primeiro plano, do lado direito.

Podem  ver, por baixo do meu banco, um saco da TAP [, assinalado na foto, com um retângulo a vernelho].. No dia seguinte [, já não posso precisar o dia em que a foto foi tirada, mas foi em outubro de 1969, quando eu já tinha cerca de seis meses de Guiné,], ia eu apanhar o avião para Lisboa, para ir conhecer a minha filha mais velha que tinha nascido no mês anterior (**).

Um abraço
GG

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Notas do editor:

(*) Sobre o GG, vd. postes de;


quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12112: Álbum fotográfico do Luís Nascimento, ex-1º cabo cripto, CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71 (Parte I): RI 14 (Viseu), RAL 4 (Leiria), BRT (Trafaria), T/T Niassa...



1. Começamos hoje a publicar uma seleção de fotos do álbum do nosso camarada, Luis Nascimento,  o ex-1º Cabo Operador Cripto Nascimento (também conhecido, na tropa por Assassan, +provavelmente do francês "assassin", assassino...) da CCaç 2533, Canjambari / Farim, 1969/71. As fotos foram-nos enviadas pelo email da sua neta, Jessica Nascimento em 1/10/2013. É um exemplo a registar, a aplaudir e a seguir.







2. O Luís Nascimento  está aqui "atabancado" desde finais de dezembro de 2008 (*). Continua a ser o único representante da CCAÇ 2533, companhia da qual de resto não temos tido notícias.  As fotos que hoje publicamos são-nos mandadas pelo email de Jessica Nascimento,  alguém familiar do Luís, camarada sobre o qual, de resto, não dispomos de informação sobre a sua vida na tropa... Pelas fotos (minimamente legendadas), sabemos que fez a recruta em 1968, no  RI 14, Viseu, e que passou  depois por outras undiades:  RAL 4 [ Regimento de Artilharia de Leiria] e depois BRT na Trafaria... (Parece que os nossos 1ºs cabos criptos parassavam, por estas duas unidades: o RAL 4 em Leiria, onde faziam o curso de escriturário; e depois o BRT - Batalhão de Reconhecimento de Transmissões,  na Trafaria, Almada, onde tiravam  o curso operador cripto teleimpressor... Ou não era assim ? ).

Presuno que em 24/5/1969, no mesmo dia que eu, o Luís Nascimento tenha embarcado no T/T Niassa com destino ao TO da Guiné, tendo nós desembarcado em Bissau em 30/5/1969... (e provavelmente viemos no mesmo navio, o T/T Uíge, em 17/3/1971)... Se assim for, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. É muita coincidência, camarada Luís Nascimento!

Ficam aqui alguns elementos informativos sobre a CCAÇ 2533, retirados, com a devida vénia, da página do nosso camarada e amigo Carlos Silva > Guerra na Guiné 63/74:

(i) Unidade Mobilizadora: BC 10,  Chaves
(ii) Comandante: Cap Inf Sidónio Martins Ribeiro
(iii) Partida: Embarque em 24/5/69; desembarque em 30/5/69

(iv) Regresso: Embarque em 17/3/71.

Síntese da Actividade operacional:

(v) Em 10/6/69, seguiu para Canjambari, a fim de realizar o treino operacional, de 3 a 17/6/69, sob a orientação do COP 3.

(vi) Em 19/6/69, assumiu a responsabilidade do respetivo subsetor de Canjambari, em substituição do pessoal restante da CArt 2340 e ouros efectivos ali colocados, temporariamente em reforço, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP3 e depois BCaç 2879.

(vii) Para actuação nos corredores de Sitató e Lamel, destacou, por períodos variáveis, dois pelotões para;  (a) Cuntima, de 25/11/69 a 3/12/69 e 27/12/69 a 15/2/70;  e (b) Jumbembem, de 19 a 27/12/69, 23/3/70 a 10/4/70 e de 23/4/70 a 4/9/70, ambas no mesmo setor.

(viii) De 16 a 21/11/70, efecuou a rotação do seu efctivo com a CCaç 2681, deslocando-se para Farim, no mesmo setor, com a missão principal de contra penetração na linha de Lamel.

(ix) Em 20/2/71, foi substituída pela CCaç 14 e recolheu seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.












Fotos (e legendas) : © Luís Nascimento (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]

(Continua)
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Nota do editor:

(*) Vd.poste de 20 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3656: Tabanca Grande (105): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71)

terça-feira, 24 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10190: Do Ninho D'Águia até África (2): Montando o Centro de Cripto (Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

1. Continuação da publicação de "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Op. Cripto, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177.


Do Ninho D'Águia até África (2)

Montando o Centro de Cripto em Mansoa

O Unimog, pois é assim que chamam à viatura onde viaja o Cifra, que vai sentado num dos bancos corridos que foram colocados em cima desta viatura, que é uma espécie de uma camioneta pequena, com as rodas muito altas, e toda aberta, incluindo a cabine.

O Cifra, leva vestido um camuflado novo. Na cabeça, leva um boné, também de pano camuflado, a que chamam “quico”, é uma espécie de boné com duas palas, uma na frente e outra atrás, mas com dois bicos, o que o Cifra, nunca compreendeu porquê, estes dois bicos. Devia levar um capacete de ferro, mas durante os dois anos em que esteve na província, nunca lho distribuíram, e o Cifra, também não o pediu.

Leva a G3 entre as pernas, segura com ambas as mãos, com o carregador cheio e pronta a disparar, um cinto com dois carregadores extras. Um pouco à frente, na viatura, vai um pequeno monte de malas e sacos, pertencentes aos militares que viajam com o Cifra. São os seus haveres.

Saíram do acampamento, já passava das nove horas da manhã.
Iam a caminho duma vila no interior da província, onde iriam ser colocados. A estrada era estreita, mas quase toda de alcatrão, e em alguns locais, estava coberta com alguma água.

O Cifra ia com algum receio, pois era voz corrente, de que depois de saírem da capital da província, não se podia andar um metro, que havia logo, um guerrilheiro, “armado até aos dentes”, coberto de armas e munições, com catana e tudo, atrás de cada árvore ou arbusto, que encontrassem pelo caminho!

Enfim, sempre que algum colega falava mais alto, ou sempre que ouvia algum barulho fora do normal, o Cifra ficava quase em pânico, e agarrava-se à G3, com quanta força tinha!.

Começa a chover. Tanto ele como os outros militares ficaram encharcados, diziam que era o começo da época das chuvas. O Cifra não sabia o que era a época das chuvas, só sabia que estava molhado até aos ossos, mas mesmo assim não tirava os olhos da sua mala e do saco, principalmente do saco, onde ia a sua roupa, parte dela suja e cheia de lama, usada no acampamento, onde tinha estado por três semanas, e onde não havia condições nem meios para a lavar.

E o Cifra, para ver se perdia um pouco de receio, que o atormentava, começa a falar sozinho:
- Agora, com esta chuva é que a roupa suja de lama, que vai dentro do saco, vai ficar numa lástima, e é capaz de contaminar e sujar toda a restante, e para mais com aquela goma, que a ganga de que é feita tem, quando é nova!

Com estes pensamentos, chegaram ao local de destino.

O furriel miliciano diz, com a água da chuva a escorrer-lhe pela face e a entrar pela boca:
- Tirem as vossas coisas, e acomodem-se o melhor que poderem naquele local, onde há algumas paredes, e o resto do telhado.

Quando o furriel miliciano, se referia às paredes e ao resto de telhado, estava a referir-se às ruínas do que diziam ter sido um convento de padres de uma ordem religiosa francesa.

E continuando, a falar, diz:
- E tu, oh Cifra, quando puderes vem buscar esta mala e este saco, que são meus, e ajeita-me lá um espaço, ao pé de vocês, pois eu ainda tenho muito que fazer.

Cada um procurou, o melhor possível, acomodar-se, e logo se improvisaram camas no chão, com o saco molhado, a servir de travesseiro. Todos barafustavam, mas iam arrumando as suas coisas.

Lá mais para o final do dia, o Setúbal, que foi baptizado com este nome, porque o principal era Jeremias, e não dava muito jeito a pronunciar, diz para o Cifra:
- Tenho fome!

E dito isto, começa a subir para uma enorme árvore, o que mais tarde, souberam que era uma “Mangueira”, e começa lá de cima, a abanar os ramos de onde caíram bastantes “mangos”, que era uma fruta deliciosa!

O furriel miliciano, vendo isto, grita-lhe:
- Aí em cima, estás mesmo a jeito, para levar um tiro dos guerrilheiros! Vem já para o chão, e vem com cuidado, porque podes cair, e se não morres do tiro, morres da queda!

Alguns, riram-se, outros ficaram ainda com mais receio, como foi o caso do Cifra.
A partir daí aquela árvore, passou a chamar-se a “Mangueira do Setúbal”!

Havia, mais ou menos no centro das ruínas, uma fonte, com uma bica que deitava alguma água, o Cifra perguntou a um militar, que já se encontrava há algum tempo, naquela área:
- Esta água, é boa para beber? - Ao que ele respondeu, tirando um cigarro da boca, mostrando uns restos de dentes quase pretos. Era um homem novo, com cara de velho:
- Eu não sei, eu não sou de cá!

E o Cifra pensou, que não fazia muita diferença beber ou não, pois se bebesse, era capaz de morrer, mas se não bebesse, também era capaz de morrer, mas à sede!

Nesta altura, passa o capitão, que era o comandante da companhia, que já lá se encontrava, e o militar, depois do capitão passar, diz, mostrando de novo o resto dos dentes quase pretos:
- Tem cuidado com este gajo, pois ele parte tudo à bofetada! Tanto faz ser soldados como furriéis!

Com estas boas referências, o Cifra, fica colocado em possível cenário de guerra, no interior da província.

Faz parte do comando de uma unidade militar, que irá controlar todos os movimentos de tropas na região. Pelo menos de dia, pois de noite ninguém tinha autorização de sair da área do aquartelamento que entretanto se estava a construir, ao lado das ruínas, assim como em qualquer parte de toda a província. Era proibido andar fora das áreas aquarteladas, de noite.

Há tudo a fazer, desde instalações militares, pista de aterragem para avionetas e helicópteros, paiol, enfermaria, dormitórios, cozinhas, lugares cobertos para refeições, e mais um sem número de outras coisas, que fazem um comando funcionar.

Claro, protecção, ou seja, abrigos subterrâneos e à face da terra, gradeamentos, com arame farpado, em toda a volta do aquartelamento, com especial protecção, em certos pontos estratégicos. Para isso havia sob o comando desta unidade militar, um batalhão de cavalaria, que veio mais tarde, parte de uma companhia de engenharia, um pelotão de morteiros e demais pessoal, que não importa agora mencionar.

Este aquartelamento estava a construir-se num local com alguma estratégia. A este havia uma grande aldeia, com casas cobertas de colmo, onde viviam naturais da província, de uma certa etnia, que pelo menos, se mostrava fiel aos militares.

A norte e oeste, era a vila, típica colonial, com algumas casas de adobe, e cobertas a folhas de zinco, e dos lados algumas bananeiras, que se viam da rua.

Na vila, sobressaiam o posto dos correios [, foto à direita de César Dias, 1970], o mercado, com as suas bancas, onde se vendia de tudo um pouco, e onde não faltavam alguns cães vadios, que não deveriam de ter dono, pois estavam lá todo o dia e alimentavam-se do resto da carne e ossos, embrulhados em folhas de bananeira, que se vendiam em determinada área do mercado, a sede de um clube de futebol local, que abria à tarde, e vendia cerveja à temperatura ambiente, e gasosa muito doce, a saber a cana-de-açúcar, uma pequena igreja, pintada de branco, onde havia missa, sempre que era possível vir um padre da capital da província, um estabelecimento comercial, propriedade da Companhia Ultramarina, que recolhia alguns produtos que os naturais vendiam, a troco, muitas vezes, de bugigangas, sem qualquer valor, ou uns panos de chita, algumas casas pintadas mais a preceito, onde viviam alguns negociantes de madeira, uma casa, que era uma espécie de taberna, de uma senhora de origem cabo-verdiana, que juntamente com as suas filhas, vendia comida e cerveja mais ou menos fresca, que tirava de um frigorífico, que diziam que funcionava a petróleo, cerveja esta que os militares lhe traziam da capital da província, um posto de enfermaria, o edifício público onde funcionava, uma espécie de câmara municipal, que emitia documentos de identificação aos naturais, que queriam viajar de umas povoações para outras, sem serem incomodados pelos militares, entre outras coisas.

As ruas eram direitas, com algumas árvores, em especial Mangueiras, que estavam pintadas de branco, na sua base, pelo menos dois metros de altura. O Cifra, nunca compreendeu porquê, essa pintura. Do lado sul, havia matas, que diziam, mais tarde seria um campo de aviação. Mas creio que isso nunca sucedeu, pois usava-se uma zona ao norte, ao lado da tal aldeia, com casas cobertas de colmo, que era plana e onde aterravam as avionetas, e helicópteros.

Mais a oeste, quase à entrada da vila, passava um rio, com uma ponte em cimento, com um arco, e diziam que era a ponte mais importante da província. Embora, a vila se encontrasse a muitos quilómetros do mar, a maré subia alguns metros, o que fazia ficar grandes áreas submersas, e quando a maré era baixa, deixava a descoberto essas mesmas áreas, que era só lama, e passava a ser o paraíso de algumas aves e crocodilos, enterrados nessa mesma lama.

Mansoa > Ponte sobre o Rio Mansoa

Foto: © Joaquim Mexia Alves (2008). Todo os direitos reservados

O Cifra, tal como o nome indica, tem por missão ajudar a organizar e montar um centro cripto onde funcionará um sistema de cifra que ajuda a comunicação, em código, entre todas as forças militares que estão estacionadas na região, em diferentes zonas de guerra. Monta-se um centro cripto com o mínimo de segurança e organiza-se turnos de modo a funcionar vinte e quatro horas por dia. O centro de transmissões, recebe a mensagem em código, entrega-a por mão no centro cripto, este por sua vez decifra o conteúdo da mensagem e entrega-a no comando, também por mão.

Como já compreenderam, o Cifra, esse puto, que acordava, na sua aldeia do Ninho d’ Águia, ao som do comboio das seis e meia, tem a guerra na mão! Sabe de tudo o que se passa nas zonas de combate, primeiro que os comandos. Como entrega a mensagem, já decifrada, no comando e por mão, por vezes, vê na expressão do rosto do comandante e seus pares, sabendo ele o conteúdo da mensagem, se o comando vai agir, se se cala ou se movimenta tropas. [Foto à direita,  de Paulo Raposo: placa toponímica, Mansoa, 1968].

Enfim, era como aqueles párocos das aldeias, no interior de Portugal, que sabiam a vida de todos os paroquianos, através das confissões.Não diziam nada. Mas sabiam.

Todos os meses mudava o código no sistema de cifra. O Cifra tinha por missão, tal como os seus companheiros no centro cripto, todos os meses ir entregar, também por mão, o novo código ao comando de todas as forças militares que operavam sob o comando da sua unidade. Mais tarde, quem tinha essa missão eram os camaradas criptos, do comando do Batalhão de Cavalaria, que se veio instalar no novo aquartelamento, ainda em construção, mas numa fase já mais adiantada, pelo menos já havia local coberto, para se dormir, embora ainda não houvesse paredes.

As forças militares deste Batalhão de Cavalaria ficaram instaladas  no novo aquartelamento, mas o comando, depois de reconstruir parte das ruínas, ficou aí a funcionar, e construiu uma “Porta de Armas”, com o emblema do Batalhão, bastante bonita, e que era o orgulho dos militares.

Diziam que o comando do Batalhão não gostava de trabalhar em colaboração com o comando das forças militares a que o Cifra pertencia, que funcionava no novo aquartelamento, em algumas habitações, entretanto acabadas. Rivalidades, talvez. Mas os militares de acção, e não só, davam-se bem e eram amigos, pois dormiam e sofriam juntos as agruras e tristezas desta maldita guerra.

Mas voltando ao assunto, os documentos que se transportavam em envelopes fechados, com o carimbo de “muito secreto”, como era de prever, eram entregues por mão a todas as forças militares que se encontravam estacionadas em cenário de guerra.

Tanto o Cifra, como os seus camaradas, usava os mais diferentes meios de transporte. Desde a avioneta do correio, uma coluna militar de movimentação de tropas, o carro dos doentes, que normalmente era protegido por uma secção de combate, ou um helicóptero que cruzasse a zona. Enfim, no final de cada mês andava à boleia na guerra!

Isto, era o que se dizia entre os cifras.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 21 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10177: Do Ninho d' Águia até África (1): Mobilização e partida para um Comando de Agrupamento (Tony Borié, ex-1º cabo cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

sábado, 21 de julho de 2012

Guiné 63/74 - P10177: Do Ninho D'Águia até África (1): Mobilização e partida para um Comando de Agrupamento (Tony Borié, ex-1º cabo cripo, Cmd Agrup 16, Mansoa, 1964/66)

1. O Tony Borié*, que entrou há tempo para a Tabanca Grande, ofereceu-se para para publicar, no todo ou em parte, um livro em formato eletrónico (o chamdo e-book) que ele elaborou com as suas memórias de há quase meio século. Chamou-lhe Do Ninho de d´'Aguia até à África... É um caminho, coletivo, que todos nós também conhecemos. Mas é também um caminho, único, individual, singular... O caminho que nos levou, das nossas terras, até a um país, em África, na África Ocidental, a alguns milhares de quilómetros de casa... Combinámos com ele editar, no nosso blogue, todas as semanas, o livro eletrónico (que nunca foi publicado em papel, é portanto um inédito).

Há tempos eles explicou-nos a génese deste livro:

(...)"Eu relacionava-me bem com os meus camaradas, em especial do batalhão de artilharia 645, e de um pelotão de morteirosde que não me recorda o número, mas dormia na mesma camarata deles, e vivia todas as suas peripécias. Esse pelotão teve três mortos,  se não me engano, e eu chorei-os como se fossem meus irmãos. Eu tinha acesso a todos os reportes de toda a movimentação de tropas que se fazia na região do Oio e é com esses elementos de que me vou lembrando, que escrevi o livro. Não menciono nomes verídicos nem lugares, mas toda a história se passou na região do Oio e é verídica. Houve esses ataques e houve essas minas que rebentaram, e houve esses camaradas que desapareceram para sempre, embrulhados num camuflado todo roto e ensanguentado, e alguns, com um ar de crianças no rosto"- (...)

Ele vai-nos mandando um número de páginas que pode ser variável (4 a 8), é preciso é que cada poste (ou parte) corresponda a um "episódio", "situação", "cena" ou "pequena história"... para não se perder o fio à meada... Como ele estás nos EUA há quatro décadas (vive hoje na Florida), é normal aparecer um ou outro erro de português, ortográfico (ou até de simples processamento de texto) que vamos procurar detectar e corrigir, com a plena anuência e bom vontade do autor,  a quem agradecemos desde já o seu companheirismo e generosidade.  O título da série é dele: os substítulos serão, em princípio, da responsabilidade do editor de serviço. (CV)

2. Do Ninho D'Águia até África (1): Mobilização e partida
por Tony Borié (EUA, Florida)


O comboio das dez e meia da manhã levou o Tó d’Agar, da vila até à cidade. No quartel da cidade, vai  “às Sortes”. Os doutores ordenam-lhe que tire a roupa, e inspeccionam o seu corpo nu, de diversos ângulos. Mandam abrir a boca, mostrar os dentes, dar saltos, baixar-se, abrir e fechar as pernas, ler algumas letras, curvar-se e metem-lhe o dedo no ânus, que bastante lhe dói, verificam as mãos e os pés, se tem cinco dedos, tudo isto entre outras coisas. Falam entre si, numa linguagem, talvez técnica, mas incompreensível. No final, o que tem cara de mais velho, dos ditos doutores, ordena-lhe que se vista, e entrega-lhe um papel com o seu nome, que tem um carimbo a letras vermelhas, onde se lê “Apurado para todo o serviço militar”.

Algum tempo depois, recebe uma carta registada, na casa de seus pais, a notificá-lo para se apresentar num quartel militar da província, a fim de ser incorporado no exército de Portugal.

O Tó d’Agar, depois de passar por esse quartel militar da província, onde recebe uma instrução básica, que era concentrada em saber defender-se, e como deve matar. Matar de diferentes maneiras, usando diferente partes do corpo, onde pode produzir uma morte rápida, ou prolongada. A instrução foi baseada em saber matar. O militar que proporcionava a instrução, tinha regressado, há pouco tempo,  de uma comissão numa província do ultramar, contava histórias de combate, exemplificava, em cada instruendo, o local do corpo, em que devíamos acertar com uma bala, ou com uma faca. Fazia isso, com tal precisão, e com os olhos vidrados de raiva, que até assustava os instruendos.

Terminada essa instrução básica, é transferido para os arredores da capital, onde recebe um pequeno treino de especialização. Durante este treino, dizem-lhe constantemente que é um filho da Pátria, que deve dar a vida por ela, que a partir do final, quando receber todo este treino de especialização é um militar fora do normal, que não pode dormir na mesma caserna, com outros militares, pois pode ter insónias, e revelar segredos de Estado a que vai ter acesso no futuro, e fazer perder uma guerra, e mais um blá, blá, blá, que,  quando acaba o treino, vem com um peso no corpo, como se carregasse com dez milhões de portugueses às costas!

Entretanto, rebenta outra rebelião de independência, noutra província do então ultramar português. É mobilizado. O chefe do governo de Portugal dizia na rádio e na televisão, também do governo, para que o povo português, visse e ouvisse:

- VAMOS PARA A GUERRA, E EM FORÇA!

Não teve tempo, nem para se despedir da família na sua aldeia do vale do Ninho d’Águia.

Sem dar por nada, tem umas botas novas calçadas, e está vestido de amarelo, com um saco às costas e uma mala de cartão, no cais da alfândega de Lisboa, esperando a sua vez de entrar para o navio que havia de o levar para a província da Guiné, onde começava uma guerra traiçoeira e imprevista. Chora sem lágrimas, para dentro, pensando que já é um homem. O navio apita três vezes, chamando todos para bordo. O apito  é rude e de aflição, não é um apito bonito, como era o comboio das seis e meia, na sua aldeia do vale do Ninho d’Águia.

O primeiro dia no alto mar é de surpresa e admiração. Tanta água, de um lado e do outro, não dá para compreender, não há terra à vista, de vez em quando, passa um barco, lá ao longe, e apita. Ao terceiro, ou quarto dia, viam-se peixes voadores, saíam da onda, e voavam uns segundos, desaparecendo noutra onda, alguns iam de encontro ao barco. O convívio com futuros colegas de companhia começa a fazer-se. Alguns perguntam:
- De onde és? Como te chamas?

Se o nome é difícil de pronunciar, passa a chamar-se pelo nome da terra ou região onde nasceu. Assim, aparece em cenário de guerra, o primeiro cabo Bolinhas, o Açoriano, o Lisboa, o Matateu, o Setúbal, o Corcunda, o Morteiro. O Tó d’Agar passou a chamar-se “o Cifra”, talvez por causa da especialidade.

Passados uns tantos dias, chegam ao porto de destino. Era manhã cedo, um nevoeiro fraco, mas quente, muito quente e húmido, não corria nenhuma aragem, era abafado. Lá ao longe, algumas casas, um intenso arvoredo, verde e de outras cores, rente à água, com árvores gigantes aqui e ali. O cais de desembarque, via-se a umas tantas centenas de metros do barco. Não se podia atracar, apesar de o barco ser pequeno. Os militares iam sendo desembarcados, em lanchas, que os transportavam, assim como todo o equipamento militar, ao cais.

Esta operação, demorou um dia. Já em terra, e deslocados para uma área, onde se via a tal vegetação verde e de outras cores, rente à água, com árvores gigantes, aqui e ali, começou a organização, dentro da desorganização. É distribuída uma ordem, num papel, género da “ordem do dia”, onde era comunicado: O Agrupamento número tal vai juntar-se à Companhia de Infantaria número tal, que está estacionada no espaço número tal, e o Pelotão de Morteiros, número tal, fica agregado à Companhia de Infantaria número tal, que se deve encontrar na zona tal, e por aí adiante. Tudo em campo aberto. Com a movimentação de militares e viaturas, passado uns tantos dias, o local do acampamento estava coberto de lama, e com ela, milhares de mosquitos. Neste cenário, viveram quase três semanas, até serem enviados para o interior da província, e possível cenário de guerra.

Neste espaço de tempo, não havia água potável, nem para beber, ou lavar simplesmente a cara. Era em bidões vazios de gasóleo ou óleo, que se lavavam, e enchiam com água turva dos rios e pântanos próximos, esperava-se umas horas para que algumas impurezas assentassem no fundo, e depois essa água, era utilizada. Viviam à base de ração de combate. Pela manhã, em determinada área, ferviam água, e faziam café, muito forte, que distribuíam com um naco de pão, ou um biscoito. Um pouco retirado do acampamento, abriam-se valas no chão, que serviam de latrinas. Aqui começava a lei da sobrevivência. Tudo era motivo para discussão entre militares, e às vezes havia mesmo confrontos físicos. Neste maldito acampamento, com algumas centenas de militares, houve um suicídio, e vários casos de febre constante, que, diziam, era a doença do paludismo.

O Cifra, que é como o Tó d’Agar passa a ser conhecido em cenário de guerra, ao fim de aproximadamente três semanas, sai do acampamento, e vai para o interior da província, onde se começava a desenrolar o conflito. O Comando do Agrupamento a que pertence, instalou-se numa vila do interior, nas instalações do que diziam ser um antigo convento de padres de uma ordem religiosa francesa, quase em ruínas, onde já se encontrava alguns militares, que iniciaram a construção de um aquartelamento, que mais tarde, viria a ser o principal e mais importante posto avançado para o interior da província. (,,,)

(Continua)
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 13 de Julho de 2012 > Guiné 63/74 - P10150: Camaradas da diáspora (11): Tony Borié, ex-1º cabo cripto, Comando de Agrupamento nº 16 (Mansoa, 1964/66), a viver na Flórida, EUA

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Guiné 63/74 - P8328: Tabanca Grande (288): José Manuel Carvalho, Fur Mil Trms da CCS/BCAÇ 4612/74 (Cumeré, Mansoa e Brá, 1974)


1. É com grande satisfação pessoal e alegria redobrada, que hoje apresento à tertúlia bloguista mais um elemento do meu batalhão, ainda por cima da minha Companhia, o Camarada José Manuel Carvalho, que foi Fur Mil Trms da CCS do BCAÇ 4612/74, Cumeré, Mansoa e Brá, 1974.

Caros Camaradas e Amigos,

Quero com a presente associar-me ao Blogue dos membros da Tabanca Grande e, para o efeito, envio os elementos possíveis de momento.

Integrei, com o posto de Fur Mil Trms, a CCS do BCaç 4612/74 que foi, como já foi referido em anteriores postes do blogue, o último batalhão que partiu para a Guiné e também o último que de lá saiu, em 15 de Outubro de 1974. Passei pelos aquartelamentos no Cumeré, Mansoa e Brá

Atendendo ao tempo de permanência no território da Guiné, não tenho muito a relatar, contudo não quero deixar de anotar algumas recordações daquele tempo, que ficaram e nunca esqueci. Posteriormente, se me for permitido, enviarei algumas “notas” sobre os acontecimentos vividos no Trem Auto em 16 de Março de 1974, no BCaç 5 em 25 de Abril e nas outras Unidades em Lisboa onde estive colocado.

Sobre o tempo passado na Guiné relembro a chegada ao aeroporto com a elevada humidade sentida na atmosfera aquando da saida do avião da TAM, a consequente partida para o Cumeré onde tive a minha primeira grande batalha e que se arrastou por quase todo o tempo em que estive no CTIG: “A luta contra os mosquitos.”

Passados alguns dias fomos deslocados para Mansoa onde tivemos uns tempos em sobreposição com a unidade que fomos render, a CCS do BCaç. 4612/72. Relembro a recepção dada pelos “velhinhos” na nossa chegada ai quartel com uma chuva de “pius-pius” e muitos outros “mimos” dedicados aos “periquitos”.

Aqui não quero deixar de evocar o triste acontecimento, que a todos muito marcou, ocorrido junto à arrecadação de material de guerra quando os elementos da 3ª CCAÇ do 4612/72, após cerca de 2 anos de comissão, procediam à entrega definitiva do armamento a seu cargo. Um disparo inopinado de uma G3 originou 2 feridos com muita gravidade que foram, de imediato, evacuados para Bissau. Vim a saber mais tarde que, infelizmente, o soldado Oldegário Libório não sobreviveu ao acidente tendo falecido no HMP, em Lisboa, a 18OUT74.

A minha actividade em Mansoa, além de uns petiscos e jogos de cartas, ficou-se pelo proceder à destruição total (queima) de toda a documentação existente no Centro de Cripto, trabalho “árduo” executado em colaboração com o 1º Cabo Albino Marques Serrano, para quem mando um forte abraço e peço aqui que me contacte logo que puder.

Após a desactivação e entrega do aquartelamento em 09SET74 (acontecimento muito bem relatado e documentado com fotos nos postes do Eduardo Magalhães Ribeiro), fomos para o Batalhão de Engenharia, em Brá, onde se reintegraram as outras duas Companhias do Batalhão, entretanto vindas de outros pontos do território. Aqui tivemos por missão assegurar a segurança e protecção das instalações da área do sub-comando de Brá, então constituído, i. e., Batalhão de Engenharia e Depósito de Material.

Neste quartel tivemos alguma dificuldade em conter vários elementos da população local que, de uma forma por vezes hostil, se concentravam e manifestavam junto à porta de armas da Unidade, protestando contra o súbito culminar dos apoios que eram o seu sustento de vida e de que estavam completamente dependentes (económica, alimentação, trabalho, etc.) resultantes da actividade militar, desenvolvida entre 1963 e 1974.

Também nós, os militares do batalhão, estivemos quase sempre circunscritos às instalações do quartel, porque à nossa volta a independência era já uma realidade.

Ressalvo algumas deslocações em grupos para idas ao cinema nas instalações da BA 12 - Bissalanca e a Bissau, embora aqui já pouco ou nada houvesse que fazer tendo em conta que o comércio e os estabelecimentos de restauração, aos poucos, tinham vindo a deixar de funcionar, tornando assim a vivência e actividade na capital praticamente diminuta.

Neste período, em Brá, tive oportunidade de colaborar numas sessões “de relembrar conhecimentos” ministradas a alguns elementos do batalhão, cuja formação escolar não tinha permitido concluir a 4ª classe e que nelas se inscreveram.

Ocupámos, assim, algum do nosso tempo e creio que foi uma experiência muito gratificante para todos. Faço notar que o aquartelamento do Batalhão de Engenharia era “cinco estrelas”, com um bom campo de jogos, cozinha com excelentes instalações, equipamentos e todo o espaço envolvente muito cuidado.

O regresso a Portugal foi efectuado no Navio Uíge com chegada a Lisboa em 20 de Outubro.

Fur Mil periquitos no Cumeré (acabadinhos de chegar). Eu estou em 1º plano, em baixo
Nas imediações do CIM, Cumeré, em exploração do perímetro envolvente

Psico em Mansoa. O Fur Mil João Faria (de camuflado) e eu

Idem foto anterior. Ao centro também um Fur Mil de quem não já não lembro o nome (as minhas desculpas)
Graduados de Trms da CCS: Fur Mil João Faria (à esquerda), Alf Mil Florêncio e eu

1º contacto pessoal de militares da CCS com 3 elementos do PAIGC
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Notas de M.R.:

Amigo e Camarada Carvalho em nome do Luís Graça e demais Camaradas desta Tabanca Grande, como é habitual sempre que mais um Homem da Guiné se junta a nós, nesta Unidade cibernética, apresento-te os nossos melhores cumprimentos Amigos e votos de boas vindas à nossa tertúlia.

Também aproveito a oportunidade para desejar que nos contes, daquilo que te lembrares, mais alguns passagens sobre o modo pacífico, expedito e eficaz como foi retirado o dispositivo de tropas que se encontrava estacionado naquele território, os contactos com o PAIGC e da transição de poderes.

Creio que, então, se demonstrou bem ao mundo a capacidade portuguesa de organização e planeamento de recursos humanos e materiais para, que, em cerca de 6 meses, se evacuassem para a metrópole, uns 27 mil militares, viaturas e diversos equipamentos.
Vd. último poste desta série em:

24 de Maio de 2011 >
Guiné 63/74 - P8317: Tabanca Grande (287): Carlos Alberto Duarte Prata, Coronel Reformado, ex-Capitão, CMDT das CCAÇ 4544/73 (Cafal Balanta) e CCAÇ 13 (Bissorã), 1973/74

sábado, 20 de dezembro de 2008

Guiné 63/74 - P3656: Tabanca Grande (105): Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533 (Canjambari e Farim, 1969/71)

1. Mensagem de Luís Nascimento, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 2533, Canjambari e Farim, 1969/71, com data de 31 de Julho de 2008:

Nome - Luís Nascimento (ASSASSAN)
Posto - 1.º Cabo OP Cripto
Companhia - CCAÇ 2533
Localidade - Canjambari/Farim
Ano - 1969/71


2. Mensagem dirigida ao nosso novo camarada em 17 de Dezembro de 2008:

Caro Luís Nascimento

As nossas desculpas por só agora estarmos a responder à tua mensagem que esteve perdida este tempo todo no mail profissional do Luís Graça, autor e editor-chefe do Blogue.

O endereço que deves utilizar é: luisgracaecamaradasdaguine@gmail.com que é o mail onde todos os três editores têm acesso.

Julgo que a tua mensagem é para aderires à nossa Tabanca Grande. Vou tomar na melhor consideração a tua vontade, logo considera-te desde já membro do nosso Blogue.

Em contrapartida esperamos de ti algumas histórias passadas com a tua Companhia, já que no nosso Blogue só há umas leves referências a ela.

Aguardamos notícias tuas, esperando que nos desculpes.

Um abraço do teu camarada
Carlos Vinhal
Co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

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Notas de CV:

Vd. Sítio Leste de Angola > 15 de Março de 2008

CCaç 2533 (Guiné) convive a 29 de Março [de 2008] em Santa Marta de Portuzelo.

Os ex-militares da Companhia de Caçadores 2533, que estiveram na Guiné, em 69/71, realizam o Convívio, dia 29 de Março, na "Quinta do Carvalho", em Santa Marta de Portuzelo.

Contacto: 1.º cabo Silva,  919 326 354 – (trabalho: 229 441 603) Fax 229 416 362 (229 448 012 depois das 20h e fins-de-semana).

Guiné - História > CCAÇ 14 (1969/74)

(...) Após ter deslocado um pelotão para Farim, a partir de finais de Dez70, foi transferida para Farim em 20Fev71, depois de ter sido substituída, por troca, pela CArt 3331. Rendeu, na função de intervenção e reserva do sector, a CCaç 2533, com vista a realizar acções de contrapenetração no corredor de Lamel. Destacou ainda pelotões para reforço temporário de outras guarnições, nomeadamente de Binta, de 25Abr71 a 12Jun71, Jumbembém e Canjambari. (...)

Vd. também a página Guerra da Guiné 1963/74, por Carlos Silva > 69/71 CCAÇ 2533 Canjambari

Vd. último poste de 18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3644: Tabanca Grande (105): António Cunha, Radiotelegracista da CART 1613 (Teixeira Pinto e Guileje, 1966/68)

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Guiné 63/74 - P2396: Estórias (secretas) dos nossos criptos (1): Braimadicô, o prisioneiro (Albano Gomes)


Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1969 > "Chegada do Braimadicô. Veio de helicóptero de Bissau. Era um Quadro do PAIGC (Comandante e correio entre Conacri e a Frente Leste). Tive que assinar a papelada da entrega Vinha para servir de guia na operação Lança Afiada, pois tinha sido capturado na zona de Mina" (TM).

Foto e legenda: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados.

1. Texto do nosso camarada Albano Gomes, ex-1º Cabo Op Cripto, CART 2339 (Mansambo, 1968/69) (1):

Caro L.G.

Um Cripto tinha de comer tudo o bom e mau, mastigava, engolia e não podia vomitar e uma falha nossa poderia ser fatal.

As coisas do passado, nos dias de hoje, deixaram de ter o seu grau de segurança, fossem elas Confidenciais, Secretas ou Muito Secretas.

Assim sendo passo a contar algo que pouca malta sabe sobre a captura de Braimadicô que posteriormente veio para Mansambo, recebido pelo Torcato (Homem de antes quebrar que torcer), e sobre o qual ele já escreveu e anexou foto (2).

Um certo dia é apanhada e descodificada uma mensagem IN que referia o seguinte: Próximo 24 09 H chega a esse Major Braima.

Esta mensagem era enviada via rádio com emissão fraca, e recebida por outro rádio mas este de emissão bastante melhor.

Nós sabiamos que o rádio mais potente que tinha o IN no Sector L1 [, correspondente grosso modo ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole,] se encontrava em Mina, daí que não fosse dificil prever que no dia 24 às 9 horas possivelmente alguém chegaria à zona de Mina.

É enviada mensagem com grau de urgência Relâmpago, segurança Secreto e como Noticia A1, para o Com-Chefe - Bissau, Agrupamento - Bafatá e Batalhão - Bambadinca.

Nada mais se soube sobre o assunto, mas o certo é que dia 24 [de Fevereiro de 1969 ?] (3) quando ninguém esperava vários helicopteros, lançam sobre a zona tropas especiais numa intervenção muito rápida. Toda a malta desconhece o que se passa, excepto eu e, como é logico, o Cmdt da Companhia e possivelmente alguns Alferes.Pouco tempo após, chega a todas as Unidades uma mensagem, que refere a captura de Braimadicô.

O Braimadicô quando veio para Mansambo e ficou nas Transmissões, como refere o Torcato, contou algumas coisas da sua vida num francês bem falado e que recordo uma delas:

Fazia o contrabando entre o Mali, Guiné e Senegal, tendo sido um dia atacado por um animal selvagem que o deixou bastante ferido, e a prová-lo estavam as enormes cicatrizes que tinha a atravessar-lhe o peito. Foi encontrado muito ferido por pessoal do PAIGC que o socorreu e o tratou, onde passado algum tempo ficou como guerrilheiro, atingindo qualidades de chefia, até ser posteriormente feito prisioneiro.

Recordo-me ainda que a primeira refeição que comeu connosco nas Transmissões, foi uma feijoada de feijão vermelho e que, a meio da refeição desmaiou, possivelmente pelo facto de ser um prato demasiado forte, ao qual ele não estaria acostumado.

Deixou-me a ideia de se tratar de um homem bastante calmo.

L.G. para ti e para todos os Camaradas um Abraço

Albano Gomes
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Notas de L.G.:
(1) Sobre o Albano Gomes, vd posts de:
(2) Vd. post de 5 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1152: Fotos falantes (Torcato Mendonça, CART 2339) (3): Braimadicô, o prisioneiro que veio do céu
(...) Veio de helicóptero de Bissau. Como era um Quadro do PAIGC (Comandante e correio entre Conacri e a frente Leste) tive que assinar a papelada da entrega. Isso responsabilizava-nos por tudo o que viesse a acontecer-lhe. Teríamos que justificar em auto. Vinha para servir de guia na operação Lança Afiada, pois tinha sido capturado na zona de Mina.

Foi mal recebido pelo meu grupo. Pouco tempo antes tínhamos sofrido o primeiro morto (Soldado Bessa). Para evitar aborrecimentos foi para a zona das transmissões e perto do cripto. Não era o melhor local. Ficou ao cuidado de um soldado e da malta das transmissões. Boa gente.

O prisioneiro não comeu, bebeu ou falou. Parecia mudo ou desconhecer qualquer língua – português, crioulo, francês ou qualquer dialecto. Sabíamos quem era, que línguas falava. Não colaborar era com ele, por enquanto, claro. Quando fosse necessário, fá-lo-ia. Agora mudo e quedo estava melhor.

Iniciámos a Lança Afiada e ele acompanhou-nos. Fui evacuado no 2º dia e regressei no 4º dia. Soube que se alimentava e pouco mais. Curiosamente, passado pouco tempo, cumprimentou-me em francês e saudou o meu regresso. Além de francês, falava português, crioulo e vários dialectos. Era do Norte, de etnia Bramame. Colaborou e bastante a partir daí. Levou-nos a uma arrecadação de material e não só. Falamos bastante, talvez demais porque, tempos depois Bissau fez perguntas sobre mim! A relação entre nós era boa. Eu queria ter determinados elementos, preciosos para nós além da curiosidade pessoal. Se ele fugisse ou era abatido por nós (apesar do futuro auto) ou era fuzilado pelos seus camaradas do PAIGC. Ambos o sabíamos. Por isso chegou a ter a minha arma na mão.

Se escrever sobre a Lança Afiada contarei (3)… Terminada a operação um héli veio buscar o Braimadicô, como gostava de ser chamado. Assinei novos papéis, um singelo abraço e um cumprimento militar. Porque éramos militares, ele por convicção, eu por obrigação.

Fora o que acima referi nunca mais soube dele. Pensem o que terá acontecido!? Sei lá (...).



(3) O prisioneiro foi utilizado como guia no decurso da Op Lança Afiada (8 a 19 de Março de 1969). Sobre esta operação, que bateu toda a margem direita do Rio Corubal no Sector L1, vd. posts de:

15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII: Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli (Luís Graça)


9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas (Luís Graça)

9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli (Luís Graça)

14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal (Luís Graça)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Guiné 63/74 - P2387: Tabanca Grande (46): Albano Gomes, residente em Chaves, ex-1º Cabo Cripto da CART 2339 (Fá e Mansambo, 1968/69)

1. Mensagem do Albano Gomes, residente em Chaves, ex-camarada de transmissões (CART 2339, Fá e Mansambo, 1968/69):

Amigo L.G. :

A fim de integrar a Tabanca Grande e conforme solicitado (1), envio em anexo as fotos da praxe e respectivos dados:

Albano F. D. Gomes,
1.º Cabo Op Cripto,
CART 2339
Fá Mandinga, Mansambo, Bambadinca,
1968/1969

Actual residência:Chaves,
E-mail: gomesalbano@iol.pt
Telemóvel: 966333000.

Albano Gomes


2. Comentário de L.G.:

Albano, grande flaviense! Estão cumpridas as formalidades para integrares a nossa Tabanca Grande, da qual já fazem parte vários camaradas teus da CART 2339: cito de cor, o Carlos Marques dos Santos, o Ernesto Ribeiro, e o Torcato Mendonça.

Obrigado pelas tuas fotos. Sempre que quiseres, podes contar-nos mais histórias de Fá e de Mansambo. Recebi um mail do Torcato a reconhecer-te e a falar de ti (e do Ferragudo). Creio que se encontraram pela última vez, no convívio anual da vossa Companhia, em Évora, em 2005. Publicarei a seguir essa mensagem do Torcato que, como sabes, é um dos membros do nosso blogue mais presentes, mais activos. Renovo os meus votos (e dos restantes camaradas e amigos da nossa Tabanca Grande ) de um Bom Ano para ti e para os teus familiares e amigos.
__________

Nota de L.G.:

(1) Vd.post de 26 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2384: Mansambo: a árvore dos 17 passarinhos, baptizada por mim (Albano Gomes, ex-1º Cabo Cripto, CART 2339, 1968/69)