Capa do livro de Joaquim Caldeira, "Guiné - Memórias da Guerra Colonial", publicado pela Amazona espanhola (2021)
1. Texto enviado pelo Joaquim Caldeira, grão-tabanqueiro nº 905 (*), ex-fur mil at inf CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69)
(Vive em Coimbra; reformou-se da Caixa Geral de Depósitos em 1996; foi um dos primeiros camaradas a ter um blogue criado uns anos a seguir; o blogue chamava-se Reviver a Guiné; ele já não se lembra exatamente da URL, talvez: https://reviverguine.blogspot.com
O blogue foi enretanto descontinuado. Recuperou muitas histórias, integrando-as no seu livro de 2021. Ainda não conseguimos localizá-lo no Arquivo.pt nem no Archive Net... A URL pode estar errada.
2. Perguntámos ao asssistente de IA da Gemini / Google, "quando é que apareceram os primeiros blogs em português no servidor Blogger"... A resposta foi a seguinte:(...) "O Blogger foi lançado em agosto de 1999 pela Pyra Labs. Foi uma das primeiras ferramentas a facilitar a publicação de blogs, popularizando o formato. Em 2003, o Blogger foi adquirido pelo Google.
Embora não haja uma data específica para o surgimento dos primeiros blogs em português no servidor Blogger, podemos inferir que começaram a aparecer pouco depois do lançamento da plataforma e com a popularização da internet no Brasil e em Portugal no início dos anos 2000.
Naquela época, os blogs eram frequentemente usados como diários online, e o Blogger, por ser uma ferramenta gratuita e fácil de usar, contribuiu para a proliferação desses espaços pessoais na internet. (...)
3, Esta é uma das histórias que o Joaquim Caldeira reteve da sua passagem pelo RI 15 (Tomar), em outubro de 1967.
Era 1º cabo miliciano e recebia de pré 90$00 (noventa escudos) (equivalente naquela época a 37,00 euros da preços de hoje de acordo com o simulador de inflação da Pordata).
Passado menos de 3 meses o seu batalhão, o BCAÇ 2834, estava a embarcar, em 10 de janeiro de 1968, para o CTIG.
Data - domingo, 8/06/2025, 19:30
Assunto - História anterior à guerra
Em formatura, aguardávamos a chamada para nos ser entregue o pré correspondente à patente.
No meu caso, 90$00 (noventa escudos). Sobre este montante, ainda eram deduzidos 8% para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), de que eu era subscritor e exigia que os descontos fossem feitos para efeitos de contagem de tempo.
Afinal, o meu primeiro trabalho na CGD (Caixa Geral de Depósitos) tinha sido, exatamente, a contagem de tempo e o abono das pensões aos novos subscritores. Era, portanto, um assunto do qual eu sabia muito, e bem, o que deveria ou não fazer.
Chegada a minha vez, em sentido, feita a devida continência, recebia o pré com a mão direita, conferia, passaria para a mão esquerda com a qual guardaria o dinheiro, nova continência, dois passos à retaguarda, meia volta e iria embora.
Só que o valor não estava correto. E reclamei, no ato.
Com modos de malcriado e muito zangado, o primeiro sargento quis saber o motivo da minha discordância. Em resposta, informei que deveria receber 82$80 e não 79$80.
Com péssimos modos, esclareceu que a diferença correspondia ao valor da caixa de graxa (3$00) que ele disponibilizava diariamente, na arrecadação, conforme aviso na entrada da caserna. Ripostei que utilizava a minha e, portanto, não pagava.
− Paga, sim senhor, como todos os outros.
− Então, irei reclamar para o comando.
Pôs-me fora do gabinete e eu mantive que iria reclamar. Era uma sexta feira à tarde e deixei isso para a segunda feira seguinte.
Dia seguinte, sábado, munido de uma licença de fim de semana, rumei à estrada Tomar-Coimbra, devidamente fardado por ser mais fácil obter boleia e vai de fazer o gesto habitual do pedido de boleia. Ninguém parava e, passada meia hora, já com fome, fui a uma tasca que estava junto à estrada e comprei algo para comer e regressei ao meu posto.
Passa um carro preto, marca Mercedes, com um único ocupante. Pára à frente, o que me obrigou a uma ligeira corrida e...
− Bom dia, vou para Coimbra.
− Está com sorte, entre. Vou para Condeixa e fica perto de casa.
E começámos uma conversa sobre a tropa. Onde eu estava e há quanto tempo.− Olhe, estou no quartel de Tomar há duas semanas e vim formar batalhão para ir até ao Ultramar.
− E antes da tropa, que fazia ?
Lá fui informando de que era “funcionário” da CGD, meio ano em Lisboa e meio ano em Aveiro, com pedido para ser colocada em Coimbra, minha terra de eleição.
− Muito bem. E quem é o seu comandante aqui em Tomar?
− Para ser franco, estou há tão pouco tempo que ainda nem sei quem é e nem sei ainda o seu nome.
Quis saber mais da minha experiência de trabalho e lá expliquei que há muito vivia do meu trabalho e que, além de saber fazer de tudo, tinha facilidade de adaptação a tudo.
E chegámos a Condeixa.
− Já agora, vou levá-lo a Coimbra. É um pulo.
E assim foi. Deixou-me no Largo da Portagem, praça de entrada na cidade.
E, na despedida, disse:
− E o seu comandante...sou eu.
Perfilei-me em sentido, continência e votos de bom fim de semana trocados de ambas as partes.
No dia seguinte, domingo, à tarde, enfio-me na camioneta para Tomar e, após a chegada, rumei ao quartel e, neste, à minha camarata. E passada a noite, estava a vestir a farda para novo dia de instrução aos homens que eu queria bem treinados para me defenderem a pele quando chegasse a hora.
Ouvi, então, que o cabo da secretaria chamava:
− O cabo miliciano Caldeira?
− Sou eu. Há alguma novidade?
− Há sim. Vá ao nosso primeiro.
Era o primeiro sargento da secretaria. Chegado lá, aos berros, perguntou:
− Que merda fez você durante o fim de semana? Vá apresentar-se, com urgência, ao nosso comandante.
Confesso que fiquei inquieto. Aqueles modos e ir ao comandante, poderia ser alguma coisa de desagradável.
E lá fui, ao edifício por cima da porta de armas, local do gabinete do comando. Chegado lá, um cabo sentado a uma secretária, perguntou-me ao que ia e, após a minha informação, levantou-se, bateu na porta e entrou.
Pouco tempo depois, saiu e disse que o nosso comandante pedia para que eu entrasse.
É pá! Isto estava tudo do avesso. Afinal, o comandante não devia estar muito zangado. Até pedia para que eu entrasse.
Entrei, sentido, continência e...
− Bom dia, meu comandante. Passou um bom fim de semana?
Que sim e indagou que tal foi o meu. Mas sempre afável e de modos educadíssimos. O que estaria para vir?
Afinal, as minhas capacidades de saber tratar com papeladas poderia ter muita utilidade porque o seu gabinete estava muito desorganizado e, se eu aceitasse, poderia dar um jeito e arrumar toda a documentação.
Até tinha a possibilidade de ficar livre de dar a instrução que, nos meses de inverno, é sempre mais desconfortável.
Aceitei logo. Passei a ter horário de comandante. E logo que soube do meu novo posto, o primeiro sargento veio ter comigo para me restituir os 3$00 que indevidamente me tinha cobrado da graxa para as botas e que eu nunca tinha utilizado.
Moral da História:
"Temos sempre muito a ganhar quando sabemos mamar. Até o comandante."
(Revisão / fixação de texto, título: LG)
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Nota do editor:
(*) Vd, poste de 5 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26845: Tabanca Grande (575): Joaquim Caldeira, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834 (Tite e Fulacunda, 1968/69), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 905