Recordamos que o nosso camarada Aníbal José da Silva, no seu poste Guiné 61/74 - P26825: (Ex)citações (433), referiu o nome do Joaquim Caldeira por ter encontrado na Net um texto da autoria deste. Segundo o relato do Caldeira, comandava, em 4 de Agosto de 1969, a coluna apeada entre Tite e Nova Sintra, que escoltava alguns militares da CCAV 2483, entre os quais o malogrado Soldado Domingos da Conceição Verdade Ventinhas, falecido em virtude dos ferimentos resultantes do accionamento, por ele próprio, de uma mina antipessoal reforçada com TNT. O Aníbal, que caminhava junto do Ventinhas, ficou ferido com gravidade pela projecção de lama que o atingiu especialmente na cara, resultando a perda de visão durante algum tempo e sequelas que ainda hoje se mantêm.
Lembremos o texto do Aníbal José da Silva no P26825:
EMOÇÕES E AMIZADES FORTES
Ao pesquisar na Net informações relacionadas com o aquartelamento de Nova Sintra, na Guiné, tive acesso ao Blogue do Batalhão de Artilharia 1914, que o meu, Batalhão de Cavalaria 2867, rendeu na região do Quínara em Março de 1969.
Nele li as crónicas do Furriel Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314, e numa delas com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”, verifiquei que, pelas piores razões, eu era um dos protagonistas da história (ver recorte de imprensa abaixo). Fiquei com muita curiosidade e vontade de falar com o Caldeira.
Através do mensenger do facebook fiz-lhe chegar, em 30/11/2016, a seguinte mensagem:
Amigo Joaquim Caldeira
Peço desculpa por o tratar assim, mas creio que não me levará a mal este tratamento. Não nos conhecemos pessoalmente, muito embora tivéssemos tido um contacto pessoal, no, para mim, trágico dia 04/08/69.
Na net, ao pesquisar informaçoes e relatos sobre Nova Sintra, encontrei as suas crónicas e numa delas a referência àquele dia trágico com o título “Um tronco sem pernas e sem braços”. Eu era o vagomestre da CCAV 2483 sediada em Nova Sintra, que naquela madrugada chuvosa, fomos comboiados de Tite para Nova Sintra, numa coluna apeada que o meu amigo comandava e que segundo refere na crónica “tinha perdido os dois olhos”.
As lesões que sofri nos olhos e de que tenho sequelas, não foram tão graves quanto à aparência daquele dia. Estive quarenta dias no Hospital Militar de Bissau, trinta dos quais internado e dez na consulta externa. Nos primeiros vinte dias não via rigorosamente nada, para além das dores horríveis nos olhos.
E passo a apresentar-me. O meu nome é Aníbal (...) e quero agradecer-lhe o muito que fez por mim naquele dia.
Dias depois o Caldeira telefonou-me, mas não foi possível estabelecer qualquer conversa, tendo ele enviado a seguinte mensagem:
“Boa tarde, sou o Caldeira. Ainda estou comovido com a notícia de que, o homem que ficou cego naquela manhã, afinal vê. Levei quase 50 anos com estes demónios que me atormentavam desde então. Desculpa não ter conseguido falar. È muita emoção para gerir. Temos muito que falar , muitas memórias para recordar. Afinal, consegues ver e estou muito feliz por isso. Em boa hora me lembrei de escrever aquela aventura. Sem isso nunca teria tido paz e sossego. Também nunca cheguei a saber quem foi que pisou a mina. Assim que puder eu ligo. Ficas a pertencer ao meu grupo de combate.
Um abraço sentido,
J Caldeira”.
Fur Mil Joaquim Caldeira em Tite
Joaquim Caldeira na actualidade
Sobre a CCAÇ 2314 / BCAÇ 2834
********************
Comentário do coeditor CV:
Caro Joaquim Caldeira,
Sê bem aparecido na tertúlia e que te mantenhas por cá, assim como nós todos, por muitos e bons anos, são os votos da tertúlia.
Ocupas "administrativamente" o lugar 905 deste já extenso grupo de antigos combatentes e amigos da Guiné que se sentam à sombra deste frondoso "Poilão".
O nosso editor Luís Graça já te disse o essencial sobre o nosso Blogue que é um repositório de memórias contadas na primeira pessoa, pelo que não te vou maçar quanto a isto.
Sendo tu o primeiro representante da tua 2314 na tertúlia, tens a responsabilidade acrescida de nos deixares algo que a perpetue na nossa página, que queremos faça parte da História de Portugal e da guerra na Guiné, em particular. As guerras são uma desgraça, criada nos gabinetes do Poder, que matam a eito, não poupando civis e militares, homens, mulheres e crianças, novos ou velhos. Não queremos que volte a acontecer algo semelhante com e em Portugal e, se possível no mundo inteiro.
É fácil, como já sabes, é só enviares os textos, em word preferencialmente, e as tuas fotos, devidamente legendadas, em formato JPEG. Isto não esquisitice, é só para facilitar o nosso trabalho de edição.
A terminar, não me posso esquecer de deixar-te um abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.
O teu camarada e novo amigo
CV
_____________
Nota do editor
Último post da série de 22 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26833: Tabanca Grande (574): José Manuel Loureiro Cochofel, ex-Fur Mil Inf - Minas e Armadilhas, da CCAÇ 1551 / BCAÇ 1888 (Bambadinca, Fá Mandinga, Xitole e Saltinho, 1966/68), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 904
CV
_____________
Nota do editor
Último post da série de 22 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26833: Tabanca Grande (574): José Manuel Loureiro Cochofel, ex-Fur Mil Inf - Minas e Armadilhas, da CCAÇ 1551 / BCAÇ 1888 (Bambadinca, Fá Mandinga, Xitole e Saltinho, 1966/68), que se senta à sombra do nosso poilão no lugar 904
3 comentários:
João Crisóstomo, Nova Iorque, (de momento em Portugal)
Este foi mais um momento de emoção, a juntar a tantos que tenho vivido desde o primeiro momento em que tive conhecimento e depois ingressei formalmente neste grupo de “Camaradas da Guiné”.
Quem de nós não experimentou e viveu momentos como estes aqui descritos pelo nosso camarada Caldeira?
“ È muita emoção para gerir. Temos muito que falar , muitas memórias para recordar.” Afinal, consegues ver e estou muito feliz por isso. Em boa hora me lembrei de escrever aquela aventura.” …. “ estou comovido com a notícia de que, o homem que ficou cego naquela manhã, afinal vê” ….
Puxa vida! Não sei o que te dizer, a não ser que me junto ao Luís Graça e Carlos Vinhal num grande abraço de “benvindo”. Podes ter a certeza, meu camarada Caldeira, de que não são só estes dois e eu. Este abraço de “benvindo” é de todos nós, mesmo que não o ponham por escrito. Todos estamos gratos ao Aníbal por te ter reencontrado. E todos vivemos também esta comoção fortemente manifesta nas vossas palavras.
Não sei se vais receber este a tempo, mas aqui vai uma sugestão/convite: no dia 29, nesta próxima quinta feira, muitos de nós ( 75 confirmados até ao momento) vamos-nos encontrar no Restaurante “Caravela d’ Ouro” em Algés, arredores de Lisboa para um almoço e umas horas em que lembramos, partilhamos e revivemos… Se puderes e quiseres aparecer , creio que o nosso régulo Resende arranjará maneira de juntar mais um ou dois lugares. Se isso te for possível, ( sem ofensa!) permite-me que sejas meu convidado,OK? Considera isso parte do meu abraço de Boas vindas! O beneficiado sou eu e todos pela tua presença que será uma grande “maior valia “ , uma experiência extraordinária para todos .
Se me quiseres contactar o meu E mail é : crisostomo.joao2@gmail.com Podes tentar o meu telefone , mas como eu vivo em Nova Iorque tens de pôr o respectivo indicativo ; portanto será 0019172571501. Duma maneira ou outra, Sê benvindo!
João Crisóstomo.
Já dei as boas vindas ao Joaquim Caldeira, um camarada de Coimbra que viveu, intensamente, o drama de Bissássema. Ele tem histórias, porque as viveu, para partilhar connosco. Que os bons irãs te protejam, Joaquim!... Luis
Meu caro, querido, amigo e camarada João Crisóstomo!!
Eu e o teu contemporâneo e comum amigo Joaquim Teixeira vamos poder dar-te um fraterno abraço na quinta feira 29.
Um abraço de agradecimento pela forma como vives e agradeces a todos os que se juntam às tropas desmobilizadas, mas activas.
És um Homem de boas e fraternas causas.
Também eu me comovi e sei que muitos outros, com esta impressionante história de violência, fraternidade e amor, que nos transporta para uma época de equívocos que correm o risco de regressar pela mão de quem nada sabe e ou pretende ignorar.
Grande abraço
" Saúde da boa "
Eduardo Estrela
Enviar um comentário