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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26859: Historiografia da presença portuguesa em África (483): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1921, começou a era de Vellez Caroço (37) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Na minha despretensiosa apreciação há três nomes de governadores, desde a criação da autonomia da Guiné até ao fim do primeiro quartel do século XX, que se impõem pela coragem das decisões tomadas, pela nobreza de espírito e um certo olhar visionário: Pedro Ignácio de Gouveia, Carlos Pereira e Vellez Caroço. Este último aparece na Guiné após os turbulentos acontecimentos da pacificação de Bissau em 1915 (que ainda hoje não estão verdadeiramente deslindados, importava à propaganda oficial exaltar o heroísmo de Teixeira Pinto e procurar pôr na sombra de atrocidades praticadas por Abdul Indjai e os seus irregulares), a penúria da guerra, o Sidonismo, a passagem meteórica de vários governadores, que se limitaram à rotina, e não havia dinheiro para o desenvolvimento. Vellez Caroço veio disposto a fazer obra, a impor a disciplina, a proibir a preguiça e a lançar as pedras de projetos indispensáveis para manter a economia da Guiné viável às exportações. Veremos adiante que Vellez Caroço encontrará muita contestação, sobretudo por parte das casas comerciais, é uma situação que eu já tinha detetado quando li os relatórios financeiros da delegação do BNU de Bolama. O que se pode dizer é que Vellez Caroço introduz um modo de liderança e de respeito pelas funções a que se obrigarão os governadores seguintes, caso de Leite de Magalhães ou Carvalho Viegas.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1921, começou a era de Velez Caroço (37)


Mário Beja Santos

O Governador Vellez Caroço é figura dominante do Boletim Oficial no ano de 1921. Até chegar, o que nos é dado a saber é uma pura rotina, parece estar tudo em conformidade dentro dos trâmites usuais. Com Vellez Caroço, ele assume-se como a voz do Governo, quer gestões sérias, vai atacar a indisciplina, enfrenta com rigor a sonolência burocrática. Logo no Boletim n.º 35, de 27 de agosto, aparecem duas portarias que são elucidativas de que quer seriedade nos negócios da administração e premeia os comportamentos exemplares. No primeiro caso, veja-se o que ele escreve:
“Tendo-se dado ultimamente nesta província alguns conflitos de caráter pessoal entre diferentes funcionários e entendendo que devo terminar com tão pouco edificantes exemplos, hei por conveniente mandar publicar:
Ao fazer a minha apresentação nesta província, e referindo-me à disciplina que desejo manter e manterei custe o que custar, declarei: ‘admito que se deem conflitos entre diferentes funcionários, no desempenho das suas funções, mas não posso tolerar, nem tolerarei, tanto nas participações de factos ou delitos, como na apresentação de queixas, se faça uso de uma linguagem despejada e se empreguem termos injuriosos para a dignidade pessoal seja de quem quer que for. Faça-se justiça mas guarde-se a compostura e o decoro.’

O funcionalismo, tanto o militar como o civil, deve impor-se à consideração pública pela sua extrema correção, pela sua delicadeza e fina educação; deve ser um exemplo frisante de altas virtudes cívicas, do mais acendrado patriotismo, do respeito aos poderes constituídos de dedicação à instituições.
Infelizmente, para a disciplina, para o bom nome de alguns funcionários, que ocupam posições de destaque, e para a ordem social pela qual, eu, por dever do cargo, tenho de velar, têm-se ultimamente dado factos que em absoluto se afastam deste ponto de vista.

A bem de todos, e mais uma vez, como manifestação de benevolência e espírito de conciliação, previno e chamo a atenção dos funcionários sobre a forma como encaro este problema de ordem e como interpreto as minhas funções de primeira autoridade da província, na manutenção da disciplina: podem todos ter a certeza que não me afastarei uma linha só que seja do cumprimento dos meus deveres e que, fiel executor das leis, igualmente aplicarei sem tergiversar o rigor dos regulamentos.”


Noutra portaria, Vellez Caroço louva os altos serviços prestados pela guarnição do rebocador Bissau, louvando particularmente o chefe da missão geoidrográfica, o imediato do rebocador e um conjunto de sargentos e praças. E o Boletim Oficial começa a publicar decisões que espelham o que acima o governador advertiu. É o caso do despacho publicado no Boletim Oficial n.º 35, estávamos em 27 de agosto:
“Conformo-me com a opinião do sr. Tenente-Coronel Araújo Júnior, por mim nomeado para proceder às averiguações sobre a queixa apresentada pela Casa Pereira Neves, de Bissau, contra o procedimento do Administrador do Concelho, sr. dr. Francisco Augusto Regala. Não pode invocar-se nem se estabelecer precedente de cada um fazer justiça pelas suas mãos. É contra os mais elementares princípios de justiça e revela inclusivamente uma falta de confiança nas autoridades encarregadas de velar pela ordem.

Por este Governo serão dadas as instruções a todas as autoridades administrativas para que tais factos se não repitam, instaurando com escrupuloso cuidado o processo de investigação e enviando-se a Juízo, devidamente testemunhado, o respetivo auto de notícia. Em harmonia com esta doutrina, oficie-se desde já ao sr. Administrador do Concelho de Bissau para que proceda às devidas investigações sobre os crimes de furto praticados na Casa Pereira Neves e que remeta em seguida o respetivo auto de notícia ao tribunal competente.”


No mesmo Boletim publica-se o despacho do governador quanto a um processo de inquérito mandado proceder aos atos do administrador interino da 6.ª Circunscrição Civil (Papéis):
“Em face do processo de averiguações e respetivo relatório, apresentado neste Governo pelo sr. Tenente-Coronel Araújo Júnior, e referente ao Administrador Vitorino António Casse Mendes, verifica-se que são caluniosas as acusações produzidas contra o referido administrador, que era acusado de condenar os indígenas ao pagamento de multas excessivas e injustificadas e de aplicar-lhes bárbaros castigos corporais.
Folgo de ter ocasião de manifestar a minha satisfação por não se terem confirmado tais acusações, pois embora entenda que os administradores de circunscrições, isolados e sem força pública que os possa apoiar, precisam por vezes de empregar meios enérgicos para manter a disciplina, merecem-me a maior reprovação os exageros e os castigos corporais aplicados como sistema.

Encontrarão sempre as autoridades desta província em mim o maior apoio na defesa do seu prestígio, quando injustamente agravado: não regatearei louvores a quem os merecer; mas, se procedendo assim cumpro simplesmente com os deveres do meu cargo, correlativamente é-me imposta obrigação de fazer justiça, punindo os que se desmandarem.
É com esta orientação que, concordado com as conclusões do relatório do sr. Tenente-Coronel Araújo Júnior, por mim nomeado para proceder a averiguações sobre os atos praticados pelo administrador de Bor, aprovo o seu procedimento enviando a Juízo e exigindo responsabilidade aos indivíduos que falsamente acusaram o referido administrador de faltas tão graves.”


Em outubro, Vellez Caroço faz publicar as propostas orçamentais para 1921-1922, aqui se publica um extrato:
“A Província da Guiné tem as suas finanças equilibradas e tem havido inclusivamente saldos orçamentais, mas, devemos confessá-lo, isso tem sido principalmente devido a não se fazerem melhoramentos com a largueza de vistas que o desenvolvimento comercial e agrícola da província exigem; a ter um constante défice de funcionários, porque poucos são os que querem vir para esta província, onde, a par de uma vida caríssima, verdadeiramente incomportável para quem não negoceia ou não tem que vender, há a suportar as agruras de um clima quase inóspito, e ao qual, só rodeado de comodidades e de um relativo bem-estar, o europeu pode resistir; à incidência de uns direitos excessivamente pesados sobre a exportação das oleaginosas, principal riqueza da Guiné, dificultando-lhe assim a livre concorrência nos mercados (…)
Assim, em breve regulamentaremos o trabalho indígena, melhoraremos os portos de Bissau e Bolama, terminando a construção do cais acostável do Pidjiquiti e consertando a ponte, que ameaçava ruína para as embarcações de maior tonelagem; terminaremos as obras da ponte acostável de Bolama (…)
Somos absolutamente contrários à orientação até agora seguida de terem imobilizados os saldos da colónia, que atingem uma quantia superior a mil contos, sem vencimento de juro algum, quando esses fundos só à colónia pertencem. Como início deste programa e para criar receitas compensadoras que permitam ao orçamento da Guiné comportar o aumento das despesas, onde principalmente avultam o acréscimo dos vencimentos aos funcionários civis e militares, proponho à consideração das entidades competentes as seguintes propostas orçamentais.”


Foram assim os primeiros meses da governação de Vellez Caroço.

O anúncio da chegada do Tenente-Coronel Jorge Frederico Vellez Caroço
Tenente-Coronel Vellez Caroço
Aldeia Fula, 1910
O Geba em Bafatá

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 21 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26827: Historiografia da presença portuguesa em África (482): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, estamos em 1920 (36) (Mário Beja Santos)

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