
Queridos amigos,
Como seria de esperar, a turbulência política do Sidonismo e da sua queda, a intervenção ditatorial subsequente, a incursões monárquicas de Monsanto, as lutas partidárias com sucessivas formações e quedas de Governo tiveram os seus reflexos em nomeações de governadores que não se revelaram brilhantes, virá em 1921 uma figura de projeção, Vellez Caroço, deixou marcas. Tudo parece insípido, rotineiro, publicam-se as medidas legislativas de âmbito nacional, só esporadicamente há uma nota ou outra que nos permite observar o que evolui na Guiné; achei particularmente relevante a medida de Sousa Guerra numa tentativa de evitar a exploração dos arrendatários, sobretudo em Bissau, não há aumentos de vencimento de funcionários públicos, não se constrói, tudo encareceu, o governador Sousa Guerra toda medidas extraordinárias; novamente se fala de Graça Falcão, é castigado, já não é novidade; é tempo de se sonhar com modernização agrícola, maquinaria moderna, sonha-se com uma agricultura de grande escala, como aqui se refere com o caso da Companhia do Fomento Nacional, 25 mil hectares, tudo rapidamente no fundo.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, estamos em 1920 (36)
Mário Beja Santos
A Guiné está a atravessar um período de extremas dificuldades económicas, repercute inevitavelmente as perturbações do fim do sidonismo, da ditadura militar subsequente, das incursões monárquicas, das nomeações e quedas dos sucessivos Governos. Não há qualquer referência na leitura que fiz do Boletim Official do ano de 1919 que permita ficarmos a saber o grau de tensões que ali se vivem, o que ali se publica é uma enxurrada de regulamentos e legislação metropolitana, para além das posições burocráticas e administrativas que envolvem nomeações e demissões, orçamentos, movimento marítimo, etc.
E assim chegamos a 1920 e logo em 24 de janeiro, no Boletim Oficial n.º 4, no suplemento chama a atenção uma medida de política social, jamais se encontrara menção a uma abordagem como esta, tem a ver com a política de habitação e os arrendamentos:
“De há muito vem agravando as já difíceis condições de vida das classes menos abastadas o elevado preço das rendas de casa em quase toda a província e muito especialmente em Bissau, onde ultimamente atingiu proporções de tal forma exageradas que exigem do Governo da província a adopção de providências excecionais que impeçam que, ainda mais, se acentue a elevação sempre progressiva do aluguer das casas.
Para as classes proletárias e para o funcionalismo público, a não ser estabilizado o custo das rendas, impossível se tornaria, em breve, a sua permanência em Bissau, absorvida a quase totalidade dos seus salários e vencimentos, com as despesas do aluguer de casas.
O Governo da província vai, com urgência requerida, mandar proceder à construção de edifícios próprios para a habitação de funcionários e à venda de terrenos para construções urbanas no novo bairro, medidas que reputa suficientes para debelar a crise que atravessamos. De momento, porém, e dado que as construções a fazer levarão tempo a concluir-se, urge adoptar providências excepcionais, de carácter transitório, que impeçam que mais se agrave o custo já exagerado das rendas de casa.
Para o que, tendo ouvido o Conselho do Governo e com o seu voto afirmativo, determino:
1 – Os senhorios de prédios urbanos não poderão aumentar a renda dos seus prédios durante 1 ano, a partir da data da publicação desta portaria, aos actuais inquilinos.
2 – Nos futuros contratos de arrendamento, a renda não poderá em caso algum ser superior à que estiver inscrita na matriz predial em vigor.
3 – Os senhorios que arrendarem os seus prédios por quantia superior à fixada no artigo anterior serão punidos como desobedientes e obrigados a restituir ao próprio arrendatário a importância que houverem recebido a mais.
4 – Os senhorios dos prédios urbanos que não queiram os seus prédios para a sua habitação, não podem recusar a renovação do arrendamento aos seus atuais inquilinos, quando estes sejam funcionários públicos em efetivo serviço.”
Pelo Boletim Oficial n.º 22, de 29 de maio, vamos saber que Graça Falcão, outrora um militar altamente condecorado, continua a fazer das suas, e o Governo não lhe tolera as tropelias:
“Considerando que o administrador da 6.ª Circunscrição Civil, Jaime Augusto da Graça Falcão, querendo justificar a impossibilidade de incumprimento da ordem que em meu nome lhe fora transmitida pela Secretaria dos Negócios Indígenas, de contratar para o serviço de tráfego comercial em Bolama alguns indígenas da sua circunscrição, o fez em termos que, não constituindo justificação aceitável, revelam a par do seu desinteresse dos serviços que lhe competem, o mais claro propósito de desrespeito; e
Sendo indispensável manter, para a regularidade e boa ordem dos serviços públicos a máxima disciplina, do que resulta a necessidade de rigorosa e imediata punição dos actos dos funcionários públicos que signifiquem quebra da mesma ou visem a perturbar o regular funcionamento dos mesmos serviços, mormente quando praticados por funcionários que pela sua situação oficial devem ser os melhores auxiliares do Governo da colónia da sua administração;
Considerando que a falta praticada pelo administrador Graça Falcão se acha verificada em documento escrito, cuja autenticidade não pode ser posta em dúvida, o que dispensa, para ser punida a formalidade de audiência do culpado,
Hei por conveniente aplicar ao referido administrador a pena de 30 dias de suspensão de exercício do seu cargo, percebendo durante o mesmo período 50% do seu vencimento de categoria.”
Esmiuçando Boletim por Boletim os movimentos de pessoal, chegadas e partidas, nomeações e promoções, cheguei a algo que me interessou pessoalmente muito, e que no fundo corrobora o que já lera na correspondência dos chefes de delegação do Banco Nacional Ultramarino neste período, a corrida à criação de empresas agrícolas na região onde eu vivi em 1968 e 1969, empresas essas que pareciam nascer até grande sucesso e muito rapidamente caíram no chão. O caso que se vai citar é um deles. É um aviso publicado no Boletim Oficial n.º 35, de 28 de agosto de 1920:
“Tendo a Companhia do Fomento Nacional requerido, na área da Circunscrição Civil de Bafatá, a concessão de 25 mil hectares de terreno, que está situado na margem direita do rio Geba, abrangendo as regiões de Joladu-Cuor e Mansomini, ficando a referida concessão compreendida entre as populações de Sare e Quéda, Sare Carvalho e Farato, no regulado de Joladu, envolvendo as seguintes povoações do mesmo regulado: Ieró-Cunda, Sambá-Bina, Gã-Tumane, Chuel, Sare-Mankali, Temati, Cofiá, Sare-Ganha, Sare-Sissau e Buali, regulado de Mansomini, e Sare-Duá, tendo os extremos Sul na povoação de Ganturé, regulado do Cuor, e envolvendo mais as seguintes povoações deste regulado: Adêa, Dá-Salume, Caraquecunda, Gã-Cumba, Sancorlã, Mansena, Gã-Samena e Cusarandim.”
Tratava-se de regiões muito férteis, os presumíveis empreendedores contavam em trazer equipamento moderno, montar instalações perto do rio Geba, mas esqueceram-se do essencial, a sensibilização dos agricultores e a proposta de renumerações justas, estes agricultores, deste sempre e até mesmo hoje, confiavam na agricultura nos seus terrenos e não trabalhavam por conta dos colonos, preferiam entregar as suas produções aos agentes das grandes empresas. Por falta de capacidade de saber negociar com os régulos e com os próprios agricultores faltou mão de obra e todas estas empresas que laboraram tiveram curta vida.
Primeiras notícias das insurreições do Monsanto
Notícia da derrota da incursão monárquica no norte do país, Paiva Couceiro teve que fugir para a Galiza
Notícia das perturbações que avassalaram o país, devido às incursões monárquicas
Nomeação do governador interino, capitão-tenente José Luís Teixeira Marinho
Chegada de novo governador em 1919, o capitão de Infantaria Henrique Alberto de Sousa Guerra
Dançarinos Mancanhas, 1910
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 14 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26800: Historiografia da presença portuguesa em África (481): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1917 e 1918 (35) (Mário Beja Santos)
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