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quinta-feira, 19 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18859: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVIII: As minhas estadias por Bissau (vii): o ano de 1969 (fotos de 71 a 81)



Foto nº 72


Foto nº 71



Foto nº 73


Foto nº 74


Foto nº 76

Foto nº 75



Foto nº 77


Foto nº 80


Foto nº 79


Foto nº 81

Guiné > Bissau > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1969 >


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já perto de 7 dezenas de referências no nosso blogue

 Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: T031 – Bissau - Parte 1 > (vi)

[Devido à suas funções como chefe do conselho administrativo (CA) do comando do batalhão, o Virgílio Teixeira deslocava-se, em serviço, com relativa frequência, à capital Bissau onde ficava o QG...]


Legendas e numeradas de F71 a F81

F71 – O navio N/M  Uíge [e não Alenquer...] fundeado no Porto de Bissau. [O nosso camarada deve ter confundido o Alenquer e o Uíge: O N/M Alenquer pertencia à Sociedade Geral de Comércio, Indùstria e Transportes, Lisboa; o N/M Uíge pertencia à Companhia Colonial de Navegação, Lisboa; o primeiro era mais pequeno do que o segundo; o Alenquer tinha de comprimento cerca de 137 metros e a sua arqueação bruta não chegava às 5,3 mil tonelada; o Uíge tinha o mesmo comprimento mas o dobro da arqueação brutao, 10 mil toneladas  ]...

Resto da legenda": "Por ser mais pequeno, já não ficava ao largo, mas sim encostava no cais do porto. Desconheço a data certa, tinha chegado para descarregar e seguidamente carregar as NT. Bissau, 1º Trimestre de 1969.

F72 – A proa do Alenquer, com marinheiros negros a preparar as amarras. Ao largo vê-se duas lanchas, talvez uma LDG e uma LDM, que estão a partir com tropas, ou a chegar do interior com tropas para embarcar rumo a casa. Bissau, 1º Trimestre de 1969.

F73 – Num sábado ou domingo de folga, sentado no cais e porto, fumando um cigarro, a pensar na vida e no dia de regresso. Bissau, Abril 69.

F74 – No cais junto ao porto, apreciando a paisagem, o rio, o mar, o horizonte, esperando que chegue o meu navio para me levar a casa. Bissau, 17Abril69.

F75 – No restaurante ‘O Nazareno’ (O dono devia ser da Nazaré!) num sábado ou domingo num almoço talvez a sós, fazia isso muitas vezes, não tinha muita gente para me acompanhar nestas despesas, pois todos tinham almoço e jantar de borla ao serviço da tropa. Posso identificar na minha indumentária, as celebres calças de ganga, americanas, as primeiras que eu vesti bem como o meu cinto, era sempre mais do mesmo. Depois os sapatos finos, tipo Tod’s, tinham picos por baixo, até podiam ser. Meias brancas como era uso nesse tempo, hoje fora de moda, a minha pulseira e anel do artesanato locais. Camisa branca, de origem chinesa, compradas no comércio local. Foto na varanda/esplanada. Só falta o Telemóvel para ser perfeita e actual. Bissau, no 1º semestre de 1969.

F76 – Vista do restaurante ‘O Nazareno’ no bairro fino de Bissau, já depois de almoçado, na minha motorizada Honda, para uma tarde de partida para algum sitio, quem sabe se para uma visita até o Pilão, ou mais uma viagem a Safim. Bissau, 1º semestre de 1969.

F77 – Desconheço o que é isto, mas parece a entrada para qualquer sítio, com os paus a servir de porta para algum local [ou mais provavelmente um quartel das NT, a avaliar pelo  arame farpado, pau da bandeira ou poste de transmissões, pórtico feitos de cibes, vasos com palmeiras, etc.]  1º semestre 69.

 F79 – Pensativo, na ponta do cais do porto de Bissau, à espera que se veja o meu UIGE a chegar. Ao fundo a marginal os edifícios do Estado, uma panorâmica do porto. Bissau, Julho 69.

F80 – A cidade de Bissau vista de um barco ao largo. No cais de embarque vê-se um navio de T/T não sei qual é. Eram tempos de espera, a olhar para o Oceano para ver quando chega o nosso UIGE que nos vai levar para casa. Bissau, Julho 69

F81 – A bordo de um navio Patrulha da nossa Armada, no Estaleiro da Marinha. Não consigo identificar o nome do navio. Ao longe pode ver-se a ilha das Cobras [peço desculpa,, ilhéu do Rei[. Bissau, Maio 69.


Em, 24-04-2018

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».
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Nota do editor:

ÚLtimo poste da série > 10 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18833: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVII: História e imagens de São Domingos: fotos de 9 a 21

Vd. também poste de 28 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18687: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXII: As minhas estadias por Bissau (vi): resto do ano de 1968

sábado, 13 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14740: O cruzeiro das nossas vidas (22): A viagem no Alenquer, a chegada, o desembarque e o rumo ao destino (José Martins)

1. Mensagem do nosso camarada José Marcelino Martins (ex-Fur Mil Trms da CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2015, falando-nos desta vez da chegada a Bissau.

Meus amigos
Depois da Partida, eis que chega a Chegada (passe o pleonasmo).
Faz 47 anos que pisei aquela que é, para nós, a segunda pátria.
No próximo dia 10, fará 45 anos do regresso definitivo.

Abraço
Zé Martins


A CHEGADA

Dos doze passageiros que embarcaram no Alenquer, apenas três eram milicianos. Os restantes, os marinheiros e um furriel enfermeiro, eram do quadro permanente.

A viagem foi tranquila, pois despojados das fardas, que foram encerradas nos armários até ao dia do desembarque, todos vestíamos roupas civis. O próprio fardamento da tripulação, nada tinha a ver com o rigor militar.

Dado o reduzido número de passageiros, até o aviso de que as refeições iam ser servidas, era transmitido pessoalmente no convés, ou, quando caso disso, com pancadas leves na porta dos alojamentos.

Calmamente, com a calma que o mar transmite, fomos passando os dias em que foram sendo percorridas as milhas náuticas que nos separavam de África, até que, na manhã de 3 de Junho [ano de 1968], as máquinas reduziram a pressão e o barco ancorou ao largo de Bissau. Era uma Segunda-feira.


Ponte-cais, Bissau. Em primeiro, vê-se o monumento a Diogo Cão. 
Bilhete-postal, colecção "Guiné Portuguesa, 110". © Edição Foto Serra, C.P. 239 Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte - Publicações e Artes Gráficas, SARL. Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações: Luís Graça & Camaradas da Guiné 2010.

Lá longe, no cais, havia um grande vaivém de pessoas e barcos. Já não era o dia de “São Vapor” de que nos fala Amândio César no seu livro Guiné 1965 – Contra Ataque, assim era chamado o dia em que atracava um barco ao porto, fazendo com que a população se deslocasse até lá.

Ao largo, assim que começaram a descer as LDM – Lanchas de Desembarque Médio – houve um autêntico enxame de pequenas embarcações, movidas a motor ou a remos, em torno das mesmas a oferecer a venda de serviços ou comida tradicional. A tripulação que descera já dentro das lanchas, ia assumir de imediato a sua missão deslocando-se para o cais militar. Abandonaram aquela zona entre acenos despedidas e votos de boa sorte.
 
Mesmo nas vindas a Bissau, de férias ou em serviço, nunca mais voltei a encontrar estes companheiros de viagem. A Guiné é pequena, mas as coisas nunca estão ali à mão.

No porto do rio Geba, em Bissau, a chegada e a partida de embarcações era banal que o Alenquer teve de aguardar, ao largo, autorização e espaço no cais para poder atracar.

A acostagem só se efectuou perto da hora de jantar.
O Imediato veio informar-nos que, a partir daquele momento, a viagem tinha terminado. No entanto, como já era tarde, aconselhava-nos a pernoitar no barco, porque sendo já tarde, era muito difícil arranjar acomodações militares ou mesmo civis. Mais! Como iam demorar cerca de dois dias com as operações de descarga do navio, podíamos continuar alojados no mesmo, como convidados, devendo, no entanto, providenciar a nossa instalação futura.

Antes de jantar fomos a terra. Queríamos começar a conhecer a terra, mas também, tomar algo de fresco, porque o calor, mesmo para os que já lá estavam há algum tempo, era, digamos, insuportável. Andando e observando a cidade fomos dar ao Café Bento, conhecido pela “5.ª Repartição do QG”, uma vez que se encontrava sempre, a qualquer hora, repleto de militares em passagem por Bissau, quer na ida ou regresso de férias, quer por se encontrarem em consulta externa no Hospital Militar ou ainda a aguardar colocação.

Nos cafés a lista dos serviços que ofereciam, das bebidas aos tabacos, eram quase iguais às que oferecia qualquer café da metrópole. A diferença era no preço: a moeda local, o Peso, não tinha centavos ou pelo menos não circulavam, sendo o arredondamento efectuado, quase sempre, para a unidade inferior, o que naquela altura representava algum benefício.
As notas emitidas na metrópole eram sempre muito bem recebidas, já que tinham um valor acrescido de dez por cento. Às moedas já não lhes atribuíam qualquer mais valia.

No dia seguinte, segunda-feira, apresentamo-nos no Quartel-General do CTIG, em Santa Luzia, ficando a aguardar transporte para as respectivas unidades. Tínhamos o tempo todo livre, mas teríamos de nos apresentar, todos os dias, no Serviço de Pessoal do QG, a fim de sabermos quando e de que forma seria efectuado esse transporte para as nossa unidades.

Nesse mesmo dia, Terça-Feira dia 4 de Junho, durante o almoço a bordo do Alenquer, o imediato veio falar connosco, informando-nos que a descarga do navio estava a ser mais rápida do que o previsto. Seria aconselhável, para nós que, o jantar e a pernoita, fossem efectuadas já em terra, uma vez que tudo indicava que largassem ainda durante a madrugada do dia seguinte.

Terminada a refeição fomos apresentar, ao comandante e tripulação do navio, as nossas despedidas e sobretudo, agradecer a forma amável e distinta com que nos tinham tratado desde que a saída de Lisboa. Depois lá rumámos em direcção aos alojamentos destinados aos sargentos no Quartel-General em Santa Luzia, a escassos quilómetros da cidade.

Como era de prever, e isso mesmo já tínhamos constatado, o local, apesar de limpo e arejado, era o protótipo de local de passagem. As camas não dispunham de roupa nem havia qualquer local onde se pudesse requisitar material de aquartelamento.
Acomodamo-nos o melhor possível para passar a noite, não sem antes termos visitado o bar de sargentos, para o que já começava a ser habitual: tomar uma qualquer bebida fresca.

No dia seguinte, após passagem pelo Serviço de Pessoal para cumprimento das instruções recebidas, e não havendo qualquer previsão de transporte para os nossos destinos, como que impulsionados por uma mola dirigimo-nos ao cais.

Navio de carga "Alenquer" - Armador: Sociedade Geral do Comércio, Indústria e Transportes - Lisboa
Com a devida vénia a Navios Mercantes Portugueses

Surpresa... tristeza... desilusão... O Alenquer já não estava nem no porto nem se avistava no estuário. Já tinha partido.

O desalento foi total. Foi como se nos tivessem cortado o cordão umbilical, que nos ligava à metrópole. Dias depois cada um seguiu o seu rumo, que, acaso do destino, ficava quase nos vértices do triângulo que a província formava: Nova Lamego, Bedanda e Farim.

José Martins
14/JULHO/2000
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de maio de 2015 > Guiné 63/74 - P14672: O cruzeiro das nossas vidas (21): Os últimos dias, a família, os amigos e finalmente o embarque, em 28/5/1968 (José Martins)

quinta-feira, 20 de abril de 2006

Guiné 63/74 - P710: O cheiro fétido dos navios que transportavam carne para canhão (Luís Graça)

Navio de carga Alenquer > Foi construído em Inglaterra em 1948. O seu comprimento era de cerca de 137 metros. A sua arqueação bruta não chegava às 5,3 mil toneladas. Armador: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa. Velocidade de cruzeiro: 13 nós. Nº de tripulantes: 37. Foi nesta embarcação que o José Martins (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70) foi parar à Guiné...

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000)


N/M Ana Mafalda > Foi neste luxuoso paquete da nossa marinha mercante colonial que companhias como a CART 1690 (Geba, 1967/69), do A. Marques Lopes, ou a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Carlos Marques dos Santos, partiram de Lisboa com destino à Guiné ...

O Ana Mafalda era um navio misto, de carga e de passageiros, construído pela CUF - Companhia União Fabril, em Lisboa, em 1951 e abatido em 1975. O seu comprimento era de 103 metros. A sua arqueação bruta pouco ultrapassava as 3,3 mil toneladas. Teve dois armadores: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa (1950-1972); e Companhia Nacional de Navegação, Lisboa (1972-1973). Velocidade de cruzeiro: 12 nós. Alojamentos para 16 passageiros em primeira classe, 24 em segunda e 12 em terceira classe, no total de 52 passageiros. Nº de tripulantes: 47.

Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000) (com a devida vénia)


1. A propósito do transporte de tropas para a Guiné (durante muito tempo, exclusivamente de barco), lancei para a tertúlia a seguinte questão, que não é inocente mas também não é provocatória:
- Vocês ainda se lembram do cheiro nauseabundo, fétido, do cheiro a merda e a vomitado, que vinha dos porões dos Niassas, dos Uíges e dos outros navios negreiros que transportavam a carne para canhão?... Oficiais e sargentos iam em 1ª classe e em classe turística, já não se devem lembrar muito bem desses malditos, inconfundíveis e indescritíveis cheiros… Mas o pobre soldado, meu Deus!, esse seguramente que ainda hoje se lembra desse cheiro nauseabundo, tão característico dos navios da nossa marinha mercante que foram fretados pela tropa.... Enfim, estamos a falar das duras condições em que chegavamos à Guiné, o tal sítio que ficava longe do Vietname...

Alguns camaradas apressaram-se a responder-me, dando o seu testemunho, fazendo um comentário ou contando uma pequena estória... Estou-lhes grato.


2. Mensagem do David Guimarães, com data de ontem:

Amigo Luís:
Boa estada em Itália. Isso importa. Depois continuarás esta amálgama de guerra em que estamos... Ainda bem, pois vale a pena... Acho que parar não, muitas histórias há a contar e muitos barcos a explorar. Isso, aqueles que nos levaram e trouxeram à guerra, embora eu fosse já um dos primeiros que gozei o privilégio de voltar em Avião 707 dos TAM [Transportes Aéreos Militares]... Que luxo!


3. Mensagem do Carlos Marques Santos:

(...) Só de propores que se fale dos cheiros dos nossos paquetes, já estou com náuseas. Cinco dias intermináveis!

Nem de sargento de dia se podia fazer o porão, onde desgraçadamente iam amontoados os soldados.
Só vivido. Contado ninguém acredita.
Eu e os meus fomos no Ana Mafalda. Esse era um autêntico negreiro.


4. Texto do José Martins:

Caro Luís: Antes de mais faz uma boa viagem e goza esses dias de calmaria (?) em Itália. Cuidado com os mafiosos!

Estórias da minha ida de barco, o Alenquer, é bastante soft. Levava apenas 12 passageiros. Creio que tenho algo escrito sobre a viagem. Em caso afirmativo irei enviar. Será uma estória fora do contexto normal.

Quanto à História (com H, grande) é fantástica. É digna de antologia, já que escritos como este não abundam. É pena porque estas histórias deviam/devem ser dadas à estampa.

Um abraço do José Martins
(ex-furriel miliciano de transmissões, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)


5. O Marques Lopes tem uma descrição realista mas bem-humorada da sua viagem no Ana Mafalda: vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)

Aqui vão alguns excertos, para recordar:

(...) "Os alferes, sargentos e furriéis foram distribuídos pelos beliches dos camarotes de segunda e terceira classe. Em primeira classe ficou o capitão da companhia, o comandante do navio, o imediato, o oficial das máquinas, certamente, e uns mangas que se penduraram em nós à boleia, que eu não sei quem eram nem procurei saber.

"O Zé Soldado, sempre o mais fodido nestas situações, foi para o porão onde estavam montados uns beliches de ferro com umas enxergas em cima, e onde casa de banho não havia.

"Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os despejos começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório" (...).

6. Eu próprio já aqui evoquei a minha viagem no Niassa, em finais de Maio de 1969: vd post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau

(...) "Excertos do Diário de um tuga. Luis Graça (ex-furriel miliciano Henriques CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).

(...) "Eis-nos nos tristes trópicos. Atravessámos hoje o Trópico de Câncer, com peixes voadores e alguns tubarões a acompanhar-nos (...).

"Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:
- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.

"De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros" (...).


7. Testemunho do Carlos Vinhal:

Caros camaradas.
Eu também foi um digno passageiro do Ana Mafalda.

Não há dúvida que o Ana Mafalda se fartou de levar gente para a Guiné. Parece que a grande maioria dos tertulianos viajaram nele.

Quando a minha Companhia embarcou no Ana Mafalda no Cais do Porto do Funchal, já ele vinha com lotação esgotada. Juro que é verdade. Trazia de Lisboa uma Companhia açoriana (CCAÇ 2726) e ainda lá conseguiram meter mais uma madeirense.

O navio já trazia uma vedação em madeira que dividia o barco a meio, para impedir que açorianos e madeirenses se juntassem e trocassem mimos entre eles. Ainda houve umas escaramuças através das grades, mas nada digno de registo ou que fosse contra o RDM. Só um pouco de álcool à mistura.

Confesso humildemente que nunca desci aos porões, porque não tive coragem. Espreitei uma vez cá de cima lá para baixo e chegou. Por sorte não me tocou nenhum Sargento de Dia a bordo.

Apesar de tudo a viagem foi tão pequena que o sofrimento não deve ter sido muito e apenas se dormiram 4 noites a bordo. Durante o dia o pessoal andava cá por cima.

Alguém falou de imundicie, e de fome ninguém fala? Eu já fui dos sortudos que vieram de avião, mas tenho amigos que regressaram também de navio e queixam-se de que a alimentação no regresso era inferior e de pior qualidade, comparada com a de ida. Subentende-se que para lá nos queriam gordinhos, para cá cada um que se desenrascasse - passe o termo pouco ortodoxo.

Cordiais saudações.
Carlos Vinhal
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