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quarta-feira, 27 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26200: In Memoriam (518): Lúcia Bayan († 26 de Novembro de 2024): Doutorada em Estudos Africanos e colaboradora do nosso Blogue em assuntos do Chão Felupe (Mário Beja Santos)

IN MEMORIAM

Doutora Lúcia Bayan (†24 de Novembro de 2024)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Agosto de 2023:

Queridos amigos,

O que me deslumbrava nesta investigadora era o entusiasmo que punha nas histórias que tinha vivido em território Felupe, onde fez tarimba para o seu doutoramento, que se realizou em 2023. Terá deixado um acervo impressionante de imagens, bom seria que um dia viessem a ser publicadas, algumas delas são verdadeiramente esplendentes, o que mais me impressiona é o entusiasmo que está por detrás da sua captação. 

Algumas das imagens que estão publicadas no blogue têm a ver com o sentido festivo do povo Felupe, e a Lúcia enriqueceu o nosso reportório com os marcos de fronteira, oxalá que a sua tese de doutoramento mereça o melhor acolhimento das instâncias universitárias guineenses e da comunicação social.

Um abraço do
Mário



Morreu Lúcia Bayan, nossa colaboradora, os Felupes estão de luto

Mário Beja Santos

Conheci a Lúcia quando, através do meu amigo Eduardo Costa Dias, ela pediu para falarmos sobre documentação do General Arnaldo Schulz, que estava em poder de uma sobrinha dele. Examinei a documentação, nada era desconhecido, salvo um conjunto de fotografias, para as quais sugeri destino, havendo uma delas pedido de autorização para ser publicada no nosso blogue, como aconteceu.

 Palavra puxa palavra, e íamos falando regularmente sobre o seu doutoramento, a sua paixão, temas da cultura Felupe. Doutorou-se, parecia ter a vida num trilho esplendente, e ontem o Eduardo Costa Dias deu-me a infausta notícia da sua partida. 

A Lúcia colaborou no nosso blogue, como hoje se relembra, um texto primoroso, imagens belíssimas de um povo que ela estudou in loco, há para ali imagens de grande significado, e não são só os marcos de fronteira. Levava os estudos africanos muito a sério, numa abrangência de etnologia, etnografia, antropologia, conhecimento histórico (e aqui estudava afincadamente os Djolas, ramo étnico onde avultam os Felupes).

Esta etnia, digo-o cheio de comoção, perdeu uma investigadora de grande mérito, a cultura luso-guineense fica mais pobre. E não voltaremos a ter o colorido das imagens que a Lúcia nos ofereceu, que tristeza. 

Junta-se a sua colaboração em texto e imagens um apontamento radiofónico sobre histórias que ela investigou e deu a conhecer tanto na Guiné-Bissau como em Portugal.

 Curvo-me respeitosamente perante a sua memória.

Ver colaboração no Blogue em:

15 de janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20560: Antropologia (35): Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos / Lúcia Bayan)
e
22 de Janeiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20584: Antropologia (36): As insígnias de autoridade dos Felupe e Marcos no Chão Felupe, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos / Lúcia Bayan)
Belíssimas fotos do Chão Felupe da autoria de Lúcia Bayan, publicadas no nosso Blogue

Link que contém a sua entrevista sobre a narrativa oral Felupe (Fumaça.pt) :

Foto com a devida vénia

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CV de Lúcia Bayan - Resumo

Doutorada em Estudos Africanos pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, mestre em Estudos Africanos pelo ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa e licenciada em Estudos Africanos pela Universidade de Lisboa.

- Entre 2011 e 2013 foi bolseira de investigação no Centro de Estudos Africanos do ISCTE-IUL no âmbito do projecto "Sociedades africanas face a dinâmicas globais: turbulências entre intervenções externas, migrações e insegurança alimentar" (PTDC/AFR/104597/2008).

- Entre 2013 e 2017 foi bolseira de Doutoramento FCT em Estudos Africanos (SFRH/BD/88278/2012) no Centro de Estudos Internacionais (CEI-IUL), onde desenvolveu uma tese intitulada Linguagens de poder, cadeias iniciáticas, identidade e coesão na sociedade Felupe (Guiné-Bissau).

- Em 2017, participou no projecto de recolha e edição de música tradicional infantil "I NO BALUR", fazendo pesquisa e recolha de música tradicional infantil na Guiné-Bissau.

- Desde 2009, tem desenvolvido trabalho de terreno continuado na Guiné-Bissau, centrado nas estruturas políticas da sociedade Felupe.

Principais áreas de interesse: as estruturas políticas tradicionais e organização social das sociedades rurais africanas.

Qualificações Académicas:

- ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa - Doutoramento Estudos Africanos - 2023

- ICS - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa - Curso Livre O Estudo da Política em África: métodos, objectos e temas de investigação - 2017

- ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa - Curso Livre Documentário Etnográfico Interactivo - 2014

- ISCTE - Istituto Universitário de Lisboa - Portugal - Lisboa - Mestrado Estudos Africanos - 2010

- Universidade de Lisboa - Faculdade de Letras - Portugal - Lisboa - Licenciatura Estudos Africanos - 2007

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Nota do editor

Último post da série de 15 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26156: In Memoriam (517): José Manuel Amaral Soares (1945-2024), ex-fur mil sapador MA, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70); morava em Caneças, Odivelas

segunda-feira, 10 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24215: Notas de leitura (1571): "A Revolta!", por Fausto Duarte; Porto, 1945; O drama do régulo Monjur num belo romance (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
"Revolta!" não é uma obra-prima, é um romance bem urdido, possui os ingredientes adequados daquele formato da literatura colonial que fazia o mister da observação, o mostrar da vida de mato, o deslumbramento das belezas naturais, incluindo na urdidura a presença das autoridades, e Fausto Duarte esteve sempre disponível para nos seus romances de teor guineense pôr paixões de autóctones, carregadas de drama. O que nos diz do régulo Monjur Jorge Vellez Caroço, bem como o trabalho de investigação de Eduardo Costa Dias, ambos aqui já tratados, acompanha de certo modo o que era a nova lógica da administração colonial, o Gabú tinha enorme peso, os Fulas, após os acontecimentos do Forreá, a submissão dos Mandingas, aceitaram na plenitude o poder da administração colonial, esta apercebeu-se rapidamente que o território do Gabú era estratégico, Monjur foi um aliado que acabou secundarizado e esquecido. Esquecido não, a descrição do seu funeral, o valor da sua bravura, jamais foi esquecido por todos aqueles que acompanharam o féretro ao longo dos quilómetros, era a despedida do herói deitado no caixote do lixo da nova filosofia colonial.

Um abraço do
Mário



O drama do régulo Monjur num belo romance de Fausto Duarte (2)

Mário Beja Santos

Fausto Duarte é um nome incontornável na cultura guineense. Cabo-verdiano por nascimento, ganhou as suas habilitações em topografia no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, aparece na Guiné associado à demarcação de fronteiras e mais tarde entra na administração local, revelou-se um divulgador de méritos excecionais, um colaborador profícuo do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, colaborador regular do Boletim Cultural, autor de dois anuários (1946-1948) de irrecusável importância e autor de três romances passados na Guiné, dois deles já aqui alvo de recensão, caso de "Auá" e de "O Negro sem Alma".

"A Revolta!" foi galardoada com o 2.º prémio do Concurso de Literatura Colonial (1942), Fausto Duarte deu o romance por concluído em maio de 1942, foi publicado no Porto em 1945. A trama anda à volta do prestigioso régulo Monjur, um régulo Fula que prestou relevantes serviços à Administração Colonial Portuguesa em termos de campanhas de ocupação, era a figura mais respeitada do Gabú, será enredado numa teia de invejas por régulos menores que ansiavam ver o seu poder diminuído e encontrou pela frente um administrador de Bafatá que lhe retirou o poder. O seu funeral terá sido um acontecimento ímpar em todo o Gabú, morrera o homem, ficara o mito. Recapitulando, um agente leal ao régulo Monjur, disfarçado de viajante, entra em Sare Bane e facilmente deteta que se prepara uma rebelião contra o bravo régulo do Gabú, foge e dirige-se ao posto militar de Geba, conversa com o comandante, tenente Amílcar Teles, e foge de novo, pela calada da noite, para ir a Coiada, onde vive o régulo Monjur.

Fausto Duarte dá-nos uma impressiva nota do que era um presídio militar, descreve o posto de Geba, e aproveita esta autêntica de Suleimane Gadiri para descrever o feitiço florestal guineense. A selva é igualmente brutal, há crocodilos que comem gente, mesmo quando toda a Natureza parece repousar e até um flamingo permanece imóvel enquanto o crocodilo vai desfazendo com as suas fauces uma mulher, é como se estivesse a registar a lei suprema do mato, que ele assim define: “Quando a cobra contrafazendo o cacarejar da galinha consegue iludir a ave e trazê-la ao alcance das suas mandíbulas; quando o caçador imitando o grunhido da fêmea de certos bichos atrai o macho, confiante e talvez orgulhoso da preferência, até que ele sirva de alvo e mostre o ponto mais vulnerável do corpo à arma em espreita, é a lei do mato, a lei da astúcia e do mais forte”.

E assim chega ao seu destino este mensageiro, um habilidoso contador de histórias que deixa as crianças fascinadas, o autor dá-nos aqui páginas de encanto que bem mereciam ser conhecidas por portugueses, tal o poder de riqueza desta literatura luso-guineense. E aqui começa uma história de amor com Iobá, filha de Monjur, o destino de ambos ficará selado por uma tragédia, no final da obra o responsável por esta será severamente punido. Fausto Duarte discreteia sobre os usos e costumes de Fulas, a estranheza que esta etnia sente face às ambições dos brancos, mas percebendo que a administração colonial era de facto a nova lei, não só no Gabú mas como em todo aquele espaço territorial a que chamavam Guiné Portuguesa.

Monjur prepara a defesa e no aceso dos combates surge a coluna de Geba, irá ter lugar a indispensável reunião, uma tentativa de apaziguamento, mas o tenente Amílcar Teles, após ouvir a argumentação dos dois lados confere direitos ao régulo Monjur, assim fica abortada a rebelião. Romance sem tragédia é pão sem sal, há um sargento que sucumbe, impunha-se um parágrafo altamente emotivo:
“ - Dá-me licença, meu tenente? - rogou ele, unindo os calcanhares.
- Dize.
- É que há ali um papel para si, uma carta e uma bolsa que têm destino. - informou Raul. O oficial consentiu com um movimento quase impercetível da cabeça.
Ajoelhou-se o cabo. Tremiam-lhe as mãos. Os soldados mais afastados procuravam compreender a cena. Raul retirou do dólmen dois envelopes dobrados e uma bolsa de coiro. Guardou um dos envelopes depois de ler o endereço, entregou o outro ao oficial e abriu a bolsa para lhe ver o conteúdo. Tinha dentro uma madeixa de cabelos loiros, duas moedas de prata com a efígie dos reis, um recorte de jornal gasto nos vincos e uma pulseira, obra de ourivesaria indígena. Era essa toda a sua fortuna”.


E a coluna regressa com o corpo do sargento Domingues Alves, morte que a todos chocou. Fausto Duarte aproveita a oportunidade para desferir uma dura crítica à sociedade colonial, transpõe-se na pessoa do tenente Amílcar Teles: “Sempre que era obrigado por razões de serviço, inadiáveis, a ir à capital, fazia-o com profundo desgosto. Nas receções oficiais a que casualmente assistia, funcionários untuosos e mesureiros atropelavam-se, procurando chamar sobre si a atenção do governador, e suas mulheres, criaturas banais, muito arrebicadas, ciosas das precedências e da hierarquia dos maridos, temendo o contágio das inferioridades do mundo, faziam-no suspirar pelo mato. Tal como elas, aquela sociedade que se pretendia transplantar para ali com os mesmos ridículos da Europa estava deslocada”. Na recensão, permito-me pequenas alterações, estes apartes vêm antes da conversa conciliatória que só não falha porque o tenente Amílcar Teles profere sentença justa.

Temos de novo drama à vista, Suleimane Gadiri desapareceu, bem como Iobá, o régulo Monjur sente-se desconsiderado, no entanto ele recebera com júbilo a decisão do oficial português, que era verdadeiramente conhecedor das sociedades Fulas, escolhera com equidade entre Alarba Seilu e Monjur Embaló, mas a dor iria persistir durante muitos anos. Entretanto chegou a nova lógica de poder à colónia, Monjur percebia perfeitamente que as autoridades pretendiam retalhar todo o vasto Gabú, esquartejar o território para fazer perder a influência, obrigando os pequenos régulos a sentirem-se altamente dependentes de Bafatá, ou de Bissau. Mas não fora assim, como o autor descreve: “Doze anos dobados, depois que Iobá desaparecera e Alarba Seilu, o seu rival, morrera prematuramente, Monjur sentira crescer com o prestígio do seu nome uma indiscutível autoridade sobre o regulado compreendido por sete territórios. O governador entregara-lhe o de Boé como recompensa dos serviços por ele prestados nas guerras de Xime, de Cuor e de Badora. Alguns tinham sido valiosos. Auxiliara os portugueses com o apoio de Cherno Cali a bater os rebeldes Boncó e Infali Soncó que haviam tido a audácia de obstruir o rio impedindo a passagem das canhoneiras e de prender em uma palhota o comandante militar que substituíra o comandante Amílcar Teles. Fora então promovido a alferes de 2.ª linha. Da sua cabaia, o galão dourado dava-lhe um aspeto mais majestoso”.

Chamado a Bafatá, temendo a fatalidade de ir ser posto em prática a repartição de regulados, Monjur desloca-se com a sua cavalaria. Não ia a Bafatá desde a derrota dos régulos do Cuor e Badora, fora nesta vila que apertara com orgulho a mão do governador Oliveira Muzanty, era o grande momento do seu prestígio. É recebido no gabinete do administrador de Bafatá com visível indiferença e informado que de futuro não deverá deixar a povoação sem o seu prévio consentimento, caberia sempre ao administrador doravante a nomeação de chefes de territórios.

O poder de Monjur definha, e um dia Suleimane regressa e explica ao régulo e à assembleia que começa por receber com duas pedras na mão e que no fim o acolhe com triunfo, toda a verdade do que acontecera naqueles anos. A amizade foi retomada, Suleimane Gadiri assistirá aos últimos momentos de Monjur. E assim termina o romance: “Ficou na memória de todos a cena inolvidável do seu funeral. Ao longo dos três quilómetros que separam Gabú Sara de Oco, colocaram-se milhares de antigos vassalos aguardando a passagem do corpo que foi transportado de mão em mão até à aldeia onde tinham residido os grandes régulos oriundos da família Embaló Cunda. Quanto a Suleimane Gadiri o destino marcou-lhe outro caminho. Enrolou a sua esteira, tomou a chaleira de esmalte que continha água para as abluções e abalou novamente decidido a correr mundo”.

Dir-me-ão que este livro de Fausto Duarte não é literariamente famoso, ao que responderei que é um documento que em caso algum pode ficar no esquecimento, como se procurou destacar.

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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24205: Notas de leitura (1570): "A Revolta!", por Fausto Duarte; Porto, 1945; O drama do régulo Monjur num belo romance (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 18 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23440: Nota de leitura (1466): "O colonialismo português - novos rumos da historiografia dos PALOP"; Edições Húmus, 2013 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Atenda-se, em primeiro lugar, para a esplêndida fotografia deste livro, temos a passagem do rio Corubal, em Che Che, faz parte do documentário fotográfico da viagem à Guiné do Ministro das Colónias, em 1941, impressiona a qualidade da imagem, parece que aquela jangada foi feita ontem e aqueles seres humanos parecem ganhar vida, em pleno labor da jangada. Nesta comunicação de dois investigadores, José da Silva Horta e Peter Mark, ganha relevo a presença judaica do início do século XVII, nas redes comerciais da Grande Senegâmbia, e as suas ligações com a chamada comunidade "portuguesa" de Amesterdão, mais revela a investigação que não era só tráfico de escravos que constava nas atividades mas também a venda de armas. Ainda há muito para estudar, mas hoje já possuímos dados seguros desta presença que teve algum significado nas relações luso-africanas.

Um abraço do
Mário



O judaísmo na construção da Guiné do Cabo Verde (século XVII)

Beja Santos

E
m 2011, reuniram-se no Instituto de Investigação Científica Tropical uma plêiade de investigadores no seminário "Novos Rumos na Historiografia dos PALOP", procurava-se dar a conhecer, nessa fase, as linhas de investigação que se estavam a produzir no âmbito da História e Ciências Sociais dos PALOP. Daí resultou esta obra publicada pelas Edições Húmus, 2013. Numa comunicação no contexto do colonialismo na África Portuguesa, José da Silva Horta, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e Peter Mark, da Wesleyan University dissertaram sobre o judaísmo na construção da Guiné do Cabo Verde. Eduardo Costa Dias apoiava este projeto para o conhecimento espacial da Senegâmbia. A espacialidade da Senegâmbia é tema que de há muito atrai a historiografia, Teixeira da Mota abriu as portas ao estudo desta complexa superfície onde havia redes comerciais que estendiam do Cabo Verde (ponto no continente africano) até à Península da Serra Leoa. Chamava-se a esta região a Grande Senegâmbia, onde se inseria a Guiné do Cabo Verde.

A presença mercantil era diversificada, Cacheu era o centro principal fornecedor de escravos, mas havia também espaços Biafadas e a região de Bissau já era uma realidade. Manda o rigor que se diga que estamos a falar de uma região um tanto artificialmente definida, e, segundo descobertas relativamente recentes, deu-se pela presença de comerciantes judeus na chamada Petite Côte, em pleno território do que é hoje o Senegal, mais ou menos entre Dacar e Banju. Dizem os autores que dessa Senegâmbia setentrional e Cacheu as ligações marítimas e terrestres até à Serra Leoa eram cruciais, pelo mar, rios e por terra. Vários investigadores, caso destes dois autores ou de Eduardo Costa Dias, Boubacar Barry, Mamadou Fall ou Jean Boulègue, têm procurado investigar estas sociedades senegambianas e as ligações que se estabeleceram ao longo do século XVI entre a Guiné do Cabo Verde e a América espanhola, mais tarde com o Brasil, houve pois nesta região um laboratório de contato intercultural que emergiu no século XV e onde a presença judaica, está hoje demonstrado, foi uma realidade.

Era o arquipélago de Cabo Verde, com a ilha de Santiago à frente, que assumia uma função crucial nesta mediação entre diferentes culturas. Sabe-se hoje que no início do século XVII houve um ponto de viragem, com a presença judaica e o seu contributo inegável para a história da construção da identidade luso-africana na Senegâmbia. Que investigação foi feita pelos autores? Oiçamos a sua resposta:
“A investigação foi baseada, numa primeira fase, a mais longa, em documentação da Torre do Tombo, pertencente ao Cartório do Santo Ofício e no trabalho anterior sobre outros arquivos como o Arquivo da Ajuda e o Arquivo Histórico Ultramarino e numa segunda fase também nos registos notariais e internos dos membros da comunidade de judeus portugueses, consultados em Amesterdão, que se revelaram, no essencial, preciosamente complementares às informações dos documentos arquivados pela Inquisição. Os documentos que recolhemos e trabalhámos permitiram-nos reconstituir a existência de comunidades de judeus no atual Norte do Senegal que tinham como caraterística distintiva serem constituídas por ‘judeus públicos’, ou ‘judeus declarados’, segundo a terminologia da época, isto é, afirmarem publicamente a sua identidade religiosa judaica e viverem socialmente como tal. A sua presença na região estava estreitamente articulada com a chamada comunidade ‘portuguesa’ de Amesterdão. Foi encontrada presença judaica em Porto d’Ale, eram judeus que viviam com mulheres africanas e seus filhos mestiços”.

Mais adiante, os autores recordam que o comércio e a presença destes judeus contaram com a proteção dos dignatários africanos do Norte da Senegâmbia. E dão informação extremamente curiosa: “Na relação com reis wolof e sereer, então muçulmanos, os judeus construíram um discurso em que tentaram encontrar denominadores comuns entre o Judaísmo e o Islão. Foram feitas tentativas pelos representantes ou apoiantes das autoridades eclesiásticas e dos interesses da Coroa portuguesa em Cacheu para que o rei do Bawol, em cujo poder estava o Porto d’Ale prendesse os judeus para que fossem enviados àquela praça e daqui para Lisboa. O mesmo foi tentado junto do dignatário do Siin, ou de Joala. Tudo sem sucesso.

No final da comunicação, os autores aduzem elementos sobre a natureza das atividades mercantis destes judeus que tinham ligação a Amesterdão, às Províncias Unidas, mas também a Lisboa, Açores e S. Tomé, e estão também conhecidas as ligações a Inglaterra e a França. “Verificámos que além do comércio de couros, marfim e cera, judeus e cristãos-novos estavam também envolvidos no comércio de armas, proibido pela Santa Sé e pelas coroas católicas”. Bem vistas as coisas, o envolvimento destes judeus no comércio de escravos terá sido periférico, e havia seguramente interesses de alguns membros desta comunidade nos engenhos brasileiros. Agiam nestes negócios da Guiné destacados membros da comunidade dos judeus sefarditas de Amesterdão, nomeadamente da congregação Bet Jacob, os mesmos acusados pela Inquisição de fazerem proselitismo judaico em Amesterdão; proselitismo que vai ser projetado na costa guineense. Estes cristãos-novos (cripto-judeus) tinham especial capacidade de viverem diferentes identidades. “É assim que, em 1612, Jesu (ou Joshua) Israel, como era conhecido no Norte da Senegâmbia, se metamorfoseava em Luís Fernandes Duarte quando tinha de se corresponder com um parceiro comercial africano cristão".

E assim termina este esclarecedor trabalho:
“Na Senegâmbia do século XVII, se o cristianismo, a julgar pelas fontes disponíveis, continuou a desempenhar um papel fundamental das relações luso-africanas, circunstâncias favoráveis a esse comércio e das políticas europeias e africanas conduziram a um dado novo na região: a chegada de judeus que, no Norte da Senegâmbia, assumiram publicamente a sua identidade e que constituíram comunidades luso-africanas. Essas comunidades levaram à reconversão de cristãos-novos residentes ao Judaísmo e agiram de modo homólogo aos outros residentes portugueses cristãos: casaram-se com mulheres africanas e converteram a descendência ao judaísmo. Seguiram também, com o mesmo modelo identitário dominante naquele espaço africano. Este facto teve consequência no contexto guineense (…). Se o mundo mercantil do século XVII funcionava através de redes locais, regionais, intracontinentais e transcontinentais, também os fenómenos da história social desse mundo deveriam ser reinterpretados sem partir necessariamente de um centro europeu. Foi isso que procurámos fazer”.

África, desenhada pelo cartógrafo antuérpio Abraham Ortelius em 1570.
Mapa político da Senegâmbia e da região da Guiné de Cabo Verde no século XVII.
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23437: Nota de leitura (1465): O padre António Vieira (1608-1697), expoento máximo da literatura portuguesa, traduzido em sueco (José Belo)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22894: Notas de leitura (1407A): O Gabú entre 1900 e 1930, num ensaio de Eduardo Costa Dias (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Novembro de 2018:

Queridos amigos,

O agora jubilado professor do ISCTE e durante muito tempo o responsável pelo Centro de Estudos Africanos desta instância universitária tem vasto currículo de investigação guineense, são, por exemplo, incontornáveis, os seus artigos de caráter enciclopédico sobre a Guiné, escrito com José da Silva Horta, os seus estudos sobre os judeus na Senegâmbia. 

Neste trabalho desvela-se uma realidade com base na evidência científica e que tem a ver com conceções de aproveitamento de alianças, de negociação de fidelidades e da escolha entre um grande território com um grande chefe ou régulos implicados na gestão da administração colonial, mesmo com um campo de liberdade específica. Prevaleceu a segunda conceção, foi essa que observámos nas nossas comissões sem perceber muito bem o que estava por detrás delas. Eduardo Costa dias dá-nos uma interessantíssima chave explicativa, a propósito do Gabú entre 1900 e 1930.

Um abraço do
Mário



O Gabú entre 1900 e 1930, num ensaio de Eduardo Costa Dias

Beja Santos

O Professor Eduardo Costa Dias, com larga investigação referente à colónia da Guiné, publicou na revista Africana Studia, n.º 9 de 2006, edição do Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto, um trabalho intitulado “Regulado do Gabú (1900-1930): A difícil compatibilização entre legitimidades tradicionais e a reorganização do espaço colonial”

Uma visão singular que apraz aqui registar, indo diretamente às questões nodais que a investigação contempla.

Primeiro, os problemas da dominação territorial colonial como se puseram nas primeiras décadas do século XX, um processo diversificado que contou com operações militares contra potentados recalcitrantes, cartografia rigorosa, sujeição dos africanos a uma lógica económica e política colonial, que obrigou a novas regulamentações e alargamento da malha político-administrativa, concomitante com o desenvolvimento das comunicações e de outras infraestruturas. 

A Guiné, mesmo a uma escala relativamente modesta, contou com uma rede de estradas ligando o litoral ao interior, generalizou-se o telégrafo e depois o telefone, substituíram-se os antigos postos, presídios e fortificações por pontos locais da quadrícula político-administrativa. 

Enfim, uma dominação territorial que se fez com desacertos, cumplicidades e submissão de poderes locais, havendo resistência passiva, desobediência por parte das populações e dos poderes ditos tradicionais, que se manifestavam sobretudo na recusa do pagamento de impostos, na contestação dos chefes reconhecidos pelas autoridades coloniais, mas muito mais.

Segundo, o estudo centra-se nos anos 1900-1930 na região do Gabú, a figura principal do estudo é o régulo do Gabú entre 1906 e 1927, Monjour Meta Bâlo, já vimos anteriormente referências a este régulo no livro “Monjur, o Gabú e a sua História”, por Jorge Vellez Caroço, filho do Governador Jorge Frederico Vellez Caroço. Monjour tinha legitimidade tradicional e era benquisto pelas autoridades portuguesas, até ao dado momento em que se coligaram contestações locais e coloniais.

Terceiro, o investigador dá-nos um retrato da Guiné Portuguesa nesse período: décadas de afirmação da dominação territorial, expedições militares punitivas em territórios recalcitrantes: Papéis da ilha de Bissau, Balantas de Mansoa, regiões dos Bijagós, os Mandingas do Oio, entre outros. Tudo acompanhado de questiúnculas e queixas da administração e dos militares: o antigo herói Abdul Indjai fez-se cair em desgraça; Teixeira Pinto envolver-se-á em confrontos com a Liga Guineense; Vellez Caroço teve vários conflitos com o secretário do Governo, Sebastião José Barbosa, por exemplo. 

A despeito das frequentes mudanças de governadores e das orientações da administração colonial, ir-se-á afirmando uma linha de apoio à administração portuguesa, terão a etnia Fula à cabeça.

Ainda antes do Estado Novo, foi promulgada a Carta Orgânica da Guiné, que dividiu a população residente em civilizada e indígena; em 1919, o território da Guiné Portuguesa foi dividido em dois concelhos e treze circunscrições; substituiu-se o imposto de cabeça por palhota; e manteve-se, mesmo com simulação, a requisição dos indígenas para um sem número de atividades, o trabalho forçado mascarado, e o autor dá vários exemplos com a Casa Gouveia, a Companhia Estrela de Farim e a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné.

Quarto, atenda-se ao conceito de Vellez Caroço para a modernização da colónia, ele era defensor da figura do “chefe de território” em vez do “chefe de raça”, de uma política diferenciada para cada etnia e de aproximação aos chefes muçulmanos em detrimento dos animistas. Nesta ótica, observa o autor, ele foi o pai da estratégia colonial que privilegiará durante décadas a aliança da administração com os chefes Fulas.

É nesse contexto que vamos agora situar o Gabú, povoado maioritariamente por muçulmanos (Fulas e Mandingas). Escreve o autor: 

“A soberania portuguesa no Gabú fez-se quase por delegação de poderes, isto é, controlando meia dúzia de chefes tradicionais e remunerando a sua lealdade com uma quase total liberdade de exercício do poder sobre as populações, recebendo em troca apoio para ações militares no resto da Província”. 

O termo Gabú era automaticamente conotado com a área onde pontificava o régulo Monjour e muito menos como a porção de território administrado pela circunscrição sediada em Bafatá. Lembra igualmente o autor que o regulado do Gabú herdou o nome e parte significativa do território do antigo reino Mandinga “animista”, do Kaabu, que existiu, na região compreendida entre os rios Gâmbia e Corubal. A administração portuguesa marcou presença em meados da década de 1910, apareceu a circunscrição administrada do Gabú com sede em Oco, depois em Gabú Sara (futura vila de Nova Lamego, hoje cidade do Gabú). O Gabú estava pouco integrado no espaço da colónia e não era alvo prioritário para intervenções das tropas portuguesas.

Quinto, e assim se passa para a lógica política de entendimentos preferenciais, escolha de interlocutores e relacionamento com os chefes tradicionais. Os chefes eram classificados em três grupos: o dos leais, o dos interesseiros e o dos rebeldes. 

Vellez Caroço, nos anos 1920, estruturou a política de aproximação aos muçulmanos e teceu os contornos da aliança estratégica do poder colonial com os chefes Fulas. Monjur, o régulo do Gabú, foi um precioso auxiliar da administração colonial, combateu ao lado por portugueses nas guerras de pacificação e durante muito tempo dominou as rivalidades entre etnias. E como diz o autor, acabou destituído quando a administração colonial perdeu o interesse em manter um território tão grande nas mãos de um único homem. Monjour é apanhado neste turbilhão de mudanças. No livro escrito pelo filho de Vellez Caroço é bem claro que ele, tal como o pai, era partidário da política dos grandes regulados e adversário acérrimo da multiplicação de regulados. E no seu livro ele apresenta Monjour como vítima das sucessivas traições da sua gente e de alguns administradores que eram favoráveis à lógica da “independência das raças”.

Sexto, o autor historia a ascensão e queda deste régulo que terá nascido em 1850 e faleceu em 1929 na região do Corubal, a sua ascensão não foi pacífica, a chefia do regulado fora contestada por um irmão e por vários descendentes de régulos anteriores. É no choque destas duas lógicas, do “critério da independência das raças” com pequenos regulados e a dos grandes regulados em que apostou sempre Vellez Caroço que veio a prevalecer, em 1917, uma divisão do Gabu em vários regulados, a situação durou pouco, no ano seguinte o regulado foi unificado e Monjour reinvestido como grande chefe. Mas a sua liderança era ameaçada por novos líderes. E com a retirada de Vellez Caroço para Portugal, acaba por ser destituído com uma pensão de trezentos escudos mensais, em 1927, e deportado com residência fixa para o Corubal, onde morre em 1929.

Sétimo, assim chegamos às conclusões. 

Foram-se impondo duas conceções dominantes: a dominação do território via o controlo de um único interlocutor, e que prevaleceu entre os anos 1900 e 1917; e uma conceção de dominação que privilegiava não só os pequenos regulados em prejuízo dos grandes como igualmente a efetiva circunscrição territorial de cada regulado a uma malha precisa da quadrícula político-administrativa colonial, a partir de 1917 e aplicada sobretudo a partir de 1926.

 Prevaleceu a segunda, os régulos foram funcionalizados, a ter obrigações, a despeito de aplicarem, dentro de moldes aceites pela administração colonial, decisões próprias dentro da área de jurisdição. E esta lógica vai chegar até à emergência do nacionalismo, foi com esta lógica que Amílcar Cabral e o seu PAIGC foram obrigados a lidar.
Tocador de korá no Gabú.
Jorge Frederico Vellez Caroço
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22893: Notas de leitura (1407): Um livro que é "serviço público": "Aldeia Nova de São Bento: Memórias, Estórias e Gentes", José Saúde, Edições Colibri, 2021 (Prefácio de David Monge da Silva)

sábado, 16 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20351: Agenda cultural (713): Mesa-redonda: Arquivos e Fontes para o Estudo dos Contextos Coloniais Data: 27 de novembro 2019, às 17:00. Local: Lisboa, ISCTE-IUL, Sala C1.01




Mesa-redonda: Arquivos e Fontes para o Estudo dos Contextos Coloniais

Data: 27 de Novembro 2019, às 17:00
Local: ISCTE-IUL (ISCTE-IUL, Lisboa)



O Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL) e o Centro de História da Universidade de Lisboa (CH-ULisboa) organizam, no próximo dia 27 de Novembro, uma mesa redonda sobre: 

“ARQUIVOS e FONTES para o ESTUDO dos CONTEXTOS COLONIAIS”.

Partindo do debate sobre a utilização, por Mário Beja Santos, no seu livro “Os Cronistas Desconhecidos do Canal de Geba: O BNU da Guiné” (Edições Humus, 2019), dos relatórios dos gerentes da filial do BNU na então Guiné Portuguesa, esta mesa redonda alarga o âmbito da discussão e procura pôr em confronto virtualidades de diferentes tipos de arquivo, nomeadamente as que advém da riqueza própria das fontes neles guardadas.

A mesa redonda contará com a participação dos especialistas em arquivos e fontes:


Ana Canas (AHU e CH-ULisboa;

Augusto Nacimento (CH-ULisboa e CEI-IUL);
 

João Figueiredo (CEDIS, FD-UNL);
Maria João Vaz (CIES-IUL, ISCTE-IUL);
 
e Mário Beja Santos; 

e será moderada por Carlos Almeida (CH-ULisboa) e Eduardo Costa Dias (CEI-IUL, ISCTE-IUL).

A sessão será de entrada livre, na sala C1.01 pelas 17h00.

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Nota do editor:

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20282: Controvérsias (141): o triângulo Jabicunda / Sonaco / Contuboel... Nunca foi atacado, porque tinha à volta uma série de zonas-tampão, Bafatá e a Geba, a sul e a oeste; Fajonquito, Sare Bacar, Pirada e Paunca, a norte e a leste... (Cherno Baldé)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Contuboel > 16 de Dezembro de 2009 > O João Graça, médico e músico, posando ao lado do dignitário Braima Sissé. Por cima deste, a foto emodulrada de Fodé Irama Sissé, um importante letrado e membro da confraria quadriyya [, islamismo sunita, seguido pela maior parte dos mandingas da Guiné; tem o seu centro de influência em Jabicunda, a sul de Contuboel; a outra confraria tidjanya, é seguida pela maior parte dos fulas].

O Braima Sissé foi apresentado ao João Graça como sendo um estudioso corânico, filho de uma importante personalidade da região, amigo dos portugueses na época colonial [, presume-se que fosse o próprio Fodé Irama Sissé].(*)

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Jabicunda (?) > C. 1975/76 > Em primeiro plano, sentado, mais do lado esquerdo,  está Fodé Irama Sissé. Em segundo plano, de pé, à direita, O Braima Sissé está à direita, de chapéu vermelho, ainda jovem; atrás de Fodé Irama Sissé, está Sissau Sissé (já falecido) e, "vestido à civil", Malan Sissé que foi quem em Bissau mostrou a fotografia ao nosso amigo, e membro da nossa Tabanca Grande, o antropólogo Eduardo Costa Dias, e lhe me deixou tirar "fotografia da fotografia". Entre Malan e Braima está Arafan Cont+e, aluno de Irama. Fotografia de fotografia, de autor desconhecido, datada provavelmente de 1975/76. 

Foto (e legenda): © Eduardo Costa Dias (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Mapa geral da província (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhes > Zona leste > O triàngulo Jabicunda, Sonaco e Contuboel.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)



Cherno Baldé, Bissau
1. Comentário do nosso assessor para as questões etnolinguísticas, Cherno Baldé (Bissau), ao poste P20267 (**):

Caros amigos,

Acabo de regressar de uma viagem (missão de serviço) à zona Leste, mais precisamente ao Sector de Boé, tendo visitado as localidades de Canjadude, Tchetche (Ché-Ché), Dandum e Beli onde funcionam centros de saúde para a população.

Depois, no regresso e na região de Bafatá,  visitamos Contuboel, Cambaju e Fajonquito. Todas estas localidades estão hoje irreconhecíveis, uma sombra do que foram, sem falar das cidades de Gabu e Bafatá que estão numa situação lastimosa. Entregaram o ouro aos bandidos e não se podia esperar melhor.

Sobre o tema do presente Poste (*), só tenho a dizer aliás a reiterar o que já tinha dito em tempos: Contuboel nunca foi atacada e, na minha modesta opinião, porque não fazia parte dos planos da guerrilha e porque tanto Contuboel como Sonaco estavam rodeados de postos militares que serviam de dissuasão a qualquer ataque (Geba e os seus destacamentos, Fajonquito e seus destacamentos, Saré-Bacar, Paunca, Pirada, entre outros, a servir de tampão).



Mesmo Fajonquito, a 20 km da fronteira e situado perto da região do Oio, só foi atacada em 1964
entre os meses de Agosto e Setembro e, nessa altura, foi muito pressionado com ataques prolongados e sucessivos como nos testemunhou o Diário do soldado Incio Maria Góis´,  da CCaç 674 (1964/66), mas com a resistência da companhia e a colaboração da população e autoridades tradicionais que recrutaram milicias, a guerrilha contentou-se com emboscadas e flagelações aos postos avançados. Na verdade, já tinham conseguido assegurar o isolamento do corredor de Sitató e uma vasta zona de infiltração para o Centro do país e para o  Morés.

Uma observação que queria deixar ao Luis Graça é que, para quem vem de Bambadinca e Bafatá, o trajecto para Sonaco faz-se por estrada a partir da localidade de Djabicunda, antes de Contuboel. Embora muito próximos, a ligação entre as duas localidades fazia-se via terrestre passando por Djabicunda por causa do rio Geba.

Com um abraço amigo.

Cherno Baldé

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sexta-feira, 5 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19950: Agenda cultural (692): O professor Eduardo Costa Dias apresenta o livro "Os cronistas do canal do Geba - O BNU da Guiné", de Mário Beja Santos, dia 10 de Julho de 2019, 4ª feira, às 15h00, no Palácio Conde de Penafiel, sede da CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Rua S. Mamede ao Caldas, 21 - Lisboa






Eduardo Costa Dias, Guiné-Bissau, ,
 Simpósio Internacional de Guiledje (1-7 de Março de 2008)
 6 de Março. Foto de LG.
1. Mensagem do professor Eduardo Costa Dias, membro da nossa Tabanca Grande desde julho de 2010, tem 20 referências no nosso blogue (*) [, foto à esquerda]


[Doutor em Antropologia Social, Professor jubilado do ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Investigador do CEI-IUL, Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa; tem desenvolvido trabalhos sobre Epistemologia das ciências sociais, Desigualdades sociais e identidades sociais e, no contexto africano, sobre a Questão fundiária, o Estado, as Relações entre os dignitários muçulmanos e o Estado, a Transmissão de saberes nas sociedades muçulmanas africanas, a natureza das Forças Armadas em África e a “Geopolítica” dos tráficos e rebeliões na região do Saara - Sahel e do Noroeste africano.]


Sent: Thursday, June 20, 2019 2:02:12 PM
Subject: Lançamento de "Os cronistas desconhecidos do canal do Geba: o BNU da Guiné"

No próximo dia 10 de Julho, às 15 horas, na sede da CPLP, Rua de São Mamede ao Caldas, nº 21,
o Professor Eduardo Costa Dias apresenta mais uma importante obra do historiador Mário Beja Santos sobre a Guiné-Bissau, desta vez sobre o acervo do Arquivo Histórico do BNU:


Os cronistas desconhecidos do canal do Geba: o BNU da Guiné

"Que documentação está ao alcance do investigador da História da Guiné no século XX, ainda no período colonial?

Há o acesso ao Arquivo Histórico Ultramarino, também as bibliotecas especializadas como a Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, relatórios de governadores, um acervo de publicações com destaque para os boletins da Escola Superior Colonial ou as revistas da Agência-Geral das Colónias (depois Agência-Geral do Ultramar) e sobretudo o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa. Os livros são escassos, depois da independência há uma outra torrente de investigação e não se pode descurar a literatura da guerra, os investigadores guineenses são igualmente indispensáveis.

Mas jazia no então Arquivo Histórico do BNU uma tonelada de papel que se revela completamente distinta da literatura oficial, glorificadora e apologética: os relatórios dos gerentes do BNU em Bolama e Bissau desmontam traquibérnias, denunciam imoralidades, corrupção, a mais aparatosa bandalhice. Estes gerentes, sempre à espreita, legaram uma documentação espantosa, que se revela indispensável para o estudo da colónia da Guiné desde a I República até à independência.

O estudioso vai-se envolver num universo de intrigas, mão-baixa, falências calamitosas, informações detalhadas sobre a economia agrícola, sobre o início da insurreição que conduziu a mais de uma década de luta armada… momentos há em que estes relatos atingem o nível do burlesco, da ópera bufa, e em simultâneo eram enviados para Lisboa dados preciosos sobre a sociedade, a mentalidade colonial, os negócios da mancarra operados pela CUF e pela Sociedade Comercial Ultramarina. Mal sabiam estes cronistas desconhecidos que estavam a processar História (e que histórias!)." (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de julho de  2010 > Guiné 63/74 - P6758: Tabanca Grande (231): Eduardo Costa Dias, antropólogo, CEA / ISCTE / IUL

domingo, 4 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18376: Historiografia da presença portuguesa em África (111): Gabu, terra sangrenta, palco de lutas entre mandingas e fulas, vista pelos olhos do grande repórter, Norberto Lopes (Diário de Lisboa, 27 de fevereiro de 1947)








"Diário de Lisboa", diretor: Joaquim Manso. Ano 26, nº 8710,  quinta feira 27 de fevereiro de 1947. O jornal avulso custava 80 centavos... Cortesia do Portal Casa Com,um / Fundação Mário Soares / Fundos: DRR - Documentos Ruella Ramos

Citação:
(1947), "Diário de Lisboa", nº 8710, Ano 26, Quinta, 27 de Fevereiro de 1947, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_22406 (2018-3-4)
Continuação das "crónicas" do grande repórter Norberto Lopes, que parte de Bafatá até Sara Gabu (, ainda não se chamava Nova Lamego)...

Tópicos:  (i) os burros que transportam mancarra para Batafá, logo de manhã: (ii) os saracolés que se dedicam à indústria da tinturaria; (iii) a tabanca de Dandum ( ou Dando) e o seu velho régulo Idriss Alfa Baldé; (iv) a decadência da outrora orgulhosa e aguerrida  tribo fula, povo de pastores e nómadas, devida à alimentação deficiente e ao sobreconsumo de noz de cola;  (v) a tabanca futa-fula de Chana e o seu régulo Madiu Embaló: referêndia ao grande Monjour (ou Monjuro, ou Monjur...), que morreu em 1944, aos 88 anos [Monjour Meta (Em)Baló, régulo do Gabu entre 19089 e 1927, segundo o antropólogo e nosso grã-tabanqueiro Eduardo Costa Dias]; (vi) a 'guerra de Turubam' [, que quer dizer em fula "a sementeira acabou"]; (vii) o compensador contrabando de ouro, o seu impacto na economia local, e os 300 ou 400 quilos de que continuam a entrar em Portugal, por ano;  (vii) o comércio e a "febre da construção na região; e, por fim, (viii) o fascínio desta parte de África: "é nos extensos plainos dioríticos do Gabu, de vegestação arbústica, de grandes clareiras desoladas, que vem terminar, na costa ocidental, o mundo muçulmano",















1. Norberto Lopes (Vimioso, 1900-Linda A Velha, Oeiras, 1989) foi um notável jornalista e escritor, tendo estado entre outros ao serviço do "Diário de Lisboa", onde foi chefe de redação, desde 1921, cronista e grande repórter, além de diretor (entre 1956 e 1967). Saiu do "Diário de Lisboa" para cofundar em 1967 o vespertino "A Capital" (que dirigiu até 1970, ano em que se jubilou).

Mestre do jornalismo na época da censura, transmontano de alma e coração, grande português, sempre se bateu pela liberdade de expressão, que considerou a maior conquista do 25 de Abril. Entre a suas obras publicadas, destaque-se:"Visado pela Censura: A Imprensa, Figuras, Evocações da Ditadura à Democracia "(1975). Aprendeu a lidar com a censura e os censores e a escrever nas entrelinhas, com engenho, manha e arte, como muitos jornalistas que viveram no tempo do Estado Novo,

Claro, conciso, preciso. objetivo e imparcial... são alguns dos atributos da sua escrita e do seu estilo como repórter da imprensa escrita, um dos maiores do nosso séc. XX português. Foi. além disso, um grande amigo da Guiné e dos guineenses. Tal como nós, também ele bebeu a água do Geba... Visitou aquele território pelo menos duas vezes. Esteve lá em 1927 e em 1947. Das suas crónicas de 1947,  onde não esconde a sua admiração por Sarmento Rodrigues,  transmontano cono ele, publicou o livro "Terra Ardente -Narrativas da Guiné" (Lisboa, Editora Marítimo-Colonial, 1947, 148 pp. + fotos). (*)

O livro de Norberto Lopes, "Terra Ardente - Narrativas da Guiné", já não é de fácil acesso, para a generalidade dos nossos leitores (e muito menos para os nossos amigos da Guiné-Bissau) mas em contrapartida as suas reportagens, publicadas no "Diário de Lisboa", podem ainda ser lidas no portal Casa Comum, da Fundação Mário Soares, graças ao legado de António Ruella Ramos, seu último diretor, É uma documentação fundamental da nossa história do séc. XX, e que ops nossos leitores têm o direito a conhecer.

Hoje reproduzimos, com a devida vénia, a nona crónica que ele mandou para o seu jornal, justamente sobre o Gabu (*),  Foi publicada em 27/2/1947, há 70 anos, a idade, em média,  por que rondam muitos dos nossos camaradas  que nos leem. (**)



Capa do livro de Jorge Vellez Caroço - Monjur: O Gabu e a sua História.  Bissau: Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, 1948,  269 pp.
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Notas do editor:

(*) 18 de outubro de 2017 > Guiné 61/74 - P17877: Historiografia da presença portuguesa em África (98): Bissau, em 1947, ao tempo de Sarmento Rodrigues, revisitada por Norberto Lopes, o grande repórter da "terra ardente"

(**) Último poste da série > 28 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18365: Historiografia da presença portuguesa em África (110): Um estudo desconhecido sobre a etnia Manjaca em O Mundo Português, por Edmundo Correia Lopes (1) (Mário Beja Santos)

domingo, 14 de maio de 2017

Guiné 61/74 - P17353: In Memoriam (296): Clara Schwarz (1915-2016), a "mulher grande", foi homenageada pelas Rádios Sol Mansi e Voz de Klelé... As suas cinzas repousam finalmente ao lado do seu filho mais novo Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014) e do seu "cretcheu" Artur Augusto Silva (1912-1983) (Catarina Schwarz, neta)


Guiné-Bissau > Bissau > Rádio Sol Mansi > 10 de maio de 2017 > Da esquerda para a direita, Catarina Schwarz, Swaila Fonseca, declamadora de poesia, e Iano, autor  da iniciativa.


Guiné-Bissau > Bissau > Rádio Sol Mansi (RSM) > 10 de maio de 2017 >  Leonildo, locutor da RSM


Guiné-Bissau > Bissau >  Rádio Sol Mansi > 10 de maio de 2017 > Da esquerda para a direita, Leonildo, locutor da RSM,  Swaila, declamadora de poesia, e Iano, autor  da iniciativa.



Guiné-Bissau > Bissau > Rádio Sol Mansi > 10 de maio de 2017  > Estúdio Central, em Bissau, na av Combatentes da Liberdade da Pátria, Cúria de Bissau. Ver aqui o sítio oficial. O diretor da RSM é o padre Alberto Zamberletti. Criada em 2001,  e diz-se uma estação de "rádio escola ao serviço da paz":

"A Rádio Sol Mansi começou as emissões em Mansoa, no dia 14 de fevereiro de 2001, com um pequeno emissor de 250 Watts e uma área atingida de poucos quilómetros. A ideia surgiu do missionário católico italiano, Padre Davide Sciocco, que estava naquela cidade durante a guerra civil de 98-99. Vendo que as rádios foram uma 'arma' fundamental no conflito, e toda a população escutava 'religiosamente' os programas e convites a apoiar as diferentes partes, o seu pensamento foi: 'se a Rádio foi usada para favorecer a guerra, porque não fazer uma Rádio para favorecer a paz, a reconciliação e o desenvolvimento?' "-

1. Mensagens de Catarian Schwarz, com datas de 9 e  10 do corrente:

(i) Olá,  Luís, como estás ?

O programa sobre a minha avó [Clara Schwarz] (*)  terá lugar hoje e amanhã e no terceiro dia iremos depositar a urna junto do meu pai [Pepito] e avô [Artur Augusto Silva], no cemitério de Bissau. (...)


(ii) Terminamos agora o programa de rádio, na rádio Sol Mansi e na Voz de Klelé.

É sempre difícil avaliarmos o resultado, pois estando no estúdio, não temos nenhuma ideia de como está a correr. De qualquer maneira, recebemos imensas chamadas de ouvintes, de Catio, Bafatá, Bissau, Gabú, engraçado!

Assim que tiver a gravação do programa, eu digo qualquer coisa.

Aproveito para agradecer a todas as pessoas que gentilmente deram o seu contributo:

Abdulai Silá
António Delgado
António Estácio
Auzenda Cardoso
Eduardo Costa Dias
Ernst Schade
Fernando Flamengo
João Graça
Jorge Camilo Handem
José Teixeira
Luís Graça
Pedro Lopes Junior

Os poemas foram lidos pela Swaila Fonseca, que foi uma querida. O Iano,  dos "Fidalgos", teve esta bonita ideia que acabou de ser concretizada! (**)

Beijinhos

Catarina


PS - Nas fotos aparecem:

- Leonildo - locutor da RSM
- Iano - desencadeador da iniciativa
- Swaila - declamadora de poesia

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