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quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Guiné 61/74 - P18890: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (31): Junto às dunas

Um pôr- do- sol em Espinho


1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 14 de Julho de 2018 enviou-nos mais uma memória da sua guerra.


Outras memórias da minha guerra

31 - Junto às dunas

Pintura do mar de Paramos

Sempre que sinto necessidade de espairecer as ideias ou de relaxar o físico, vem-me à cabeça a proximidade do mar, da sua brisa iodada, do ruído musical das ondas, das areias e das suas dunas. E quase instintivamente me encaminho para lá, para as proximidades de Espinho. É pena que agora, por questões de saúde, não possa resistir ao vento e à baixa temperatura e tenha que regressar, grande parte das vezes.

Ali chegado, instintivamente, faço o meu zapping panorâmico sobre o mar azul, verde ou prateado e deleito-me a olhar as ondas, ora lentas, sussurrantes e preguiçosas, ora apressadas, resmungonas e revoltadas. Sempre as compreendi e sempre as aceitei como são. É que são milhões e milhões de anos de experiência que não podemos nem devemos sequer contestar. De seguida, olho a praia, nua ou quase, seca ou molhada, ao longo do horizonte, seja na direcção de Espinho, Aguda, Silvalde ou de Esmoriz. Quase sempre vislumbro algum casal de humanos, aparentemente em relação amorosa. Digo “aparentemente”, porque no meu tempo o amor parecia-me uma coisa mais forte.

Passadiço a ser engolido pelas areias das dunas

Desta vez, apesar de já estarmos em fins de Junho, ainda é raro apanhar um dia de sol aberto. Havia optado por Paramos. Respiro fundo várias vezes, absorvendo aquele ar salgado da brisa do norte, inigualável, com que me identifico a “snifar” desde criança. Dali, junto à Capela de S. João, aproveito o passadiço de madeira e sigo na direcção de Esmoriz. Todavia, já se me torna difícil chegar à Barrinha, àquela zona beneficiada pelo programa Polis Litoral Ria de Aveiro. Os melhoramentos são bem evidentes, mas nunca capazes de nos fazer reviver aqueles belos tempos dos anos 60.

A Barrinha de outrora está assoreada e cheia de arbustos

Por vezes, quando me sinto mais forte, sigo pela margem direita (norte) da Barrinha, passo pela zona outrora mais isolada (apesar de descoberta e bem visível, os “espreitas” rastejavam até junto dos carros) e sigo, aproximando-me do ao antigo Bar Motel e do actual Restaurante Hélice, nas instalações do Aero Clube de Espinho, onde se come um excelente Bacalhau Assado com Broa.

Por falar em comer, tenho que referir também o Restaurante Casarão, propriedade do Camarada da Guerra na Guiné, Orlando Santos, especializado aqui, em Polvo à Lagareiro e grelhados de peixe.

Restaurante do camarada Orlando, com o GACA 3 ao fundo

Pois, desta vez, limitei-me ao trivial: caminhar calmamente numa distância de aproximadamente uns 500 metros e deixar-me envolver pelas dunas onde, outrora saboreava horas de enlevo e de enredo, de mais ou menos intensidade. Por mais que me esforce, nunca vejo as mesmas dunas desse tempo. Estas, que aparentam ser iguais, não me conseguem mostrar os sítios mais ou menos côncavos onde muitas vezes me abriguei. Também são belas e acolhedoras. Porém, mesmo familiares das outras, já serão de outra geração e possivelmente também bem acolhedoras como as suas antepassadas.

Plantas rastejantes nas dunas

Enquanto os tufos de estorno continuam a abanar-se na sua luta permanente pela detenção das finas e esvoaçantes areias, cardos, cactos e chorões, sobressaem bem posicionados e bem protegidos pelos ventos agrestes.

Noutro tempo, quando embebidos nos enredos amorosos,“ouvíamos” e mostrávamos apreço às habituais dissertações poéticas das nossas companheiras. Elas, num nítido ritual de inocente sedução, mostravam-nos plantas, conchas, búzios e flores de vários tamanhos e matizes. Recitavam poemas e frases profundas, todavia, qual o instinto matador do macho latino, a nossa sensibilidade de momento exponenciava-se obcecada e exageradamente, através do “tesão” e do acumular de esperma nos “reservatórios”, já doridos de tanto encherem.

Dunas na direcção de Esmoriz

É claro que as dunas sempre nos deram uma ideia de extensão não arável, de areias mortas e de deserto.
Mais tarde, em pleno deserto do Kalahari, testemunhei a imensidão de vida e beleza que nelas podemos verificar.
E é isso que agora muito valorizo. Agora há tempo de sobra, a sensibilidade alterou-se e o “tesão” foi-se (afastando), deixando-nos ocupados na conquista de algumas boas… fotos.

Chorões das dunas de Paramos

Feita a caminhada/passeio, dirijo-me ao pequeno Bar improvisadamente instalado na parte mais alta da praia. Devido à brisa fresca, sentei-me de costas para o mar, encostado à divisão protectora e virado para o “nosso” GACA 3.

Agora, recordo as histórias ali vividas onde, algumas delas se relacionavam fortemente com as redondezas do Quartel. E delas, hoje, devo destacar esta, que segue.

Foi naquele Sábado, 23 de Junho do ano de 1966. Era a véspera do S. João, início de fim-de-semana propício aos maiores “desenfianços”. Eu estava de Sargento-Dia ao Batalhão, mas não faltei aos famosos festejos da noitada "imbiqueta". Junto ao Apeadeiro de Paramos, haviam instalado um altifalante voltado para o Quartel que, desde o início da tarde, botava música popular em elevados decibéis, aparentemente arranhados pela areia entranhada nas ranhuras dos discos vinil.
Cerca das 15H00 entrou o Comandante Calejo que deixou indicações para que o Piquete reunisse às 16H00.

A notícia bem correu, mas o pessoal, maioritariamente, não apareceu. Para não fazer estragos, o CMDT deu uma hora ao jovem Oficial de Piquete, para ter a “chance” de mandar regressar ao Quartel os dançarinos que estavam em gostosa actuação.
Mesmo assim, informados da situação, os dançarinos, garbosamente vestidos à sua moda (sapatos e camisa civil e calças e boinas da tropa), agarrados às moças, gozam o Estafeta com divertidas respostas em voz alta:
- Diz ao Aspirante que somos velhinhos. Temos 31 meses e estamos à espera da peluda;
- Explica a esse morcon que a velhice é um posto;
- Que faça queixa ao Comandante;
- Que traga a namorada p’rá gente.

Tocou a Piquete, mas às 17H15, continuavam em falta 3 militares – o trio que continuava inebriado no bailarico de S. João.
Sei que foram castigados e que, perante tal desobediência, seguiram para uma Unidade de Mobilização.

Praia sul, junto à capela

Ao regressar à actualidade/realidade, verifico que, na minha frente, uma jovem trintona, bastante nutrida e de biquíni pouco “suficiente”, se fora sentar em atitude aparentemente provocadora.

De pernas abertas, com as avantajadas mamas quase saídas do biquíni e pousadas sobre a pequena mesa, com os cotovelos a protegê-las, ela, agarrava afincadamente, com as duas mãos, um enorme corneto-gelado castanho, que lambia gulosamente, em posições diversas. Ao mesmo tempo que lhe escorriam pingos do gelado derretido pelo rego das mamas, ela sacudia a madeixa de cabelo que lhe ia entrando pelo canto da boca.
Eu não queria ser influenciado pela “actuação” da rapariga. Porém, pensei:
- Será que o meu Don Quixote, apesar de capado, resistiria a tal espectáculo?

JFSilva da Cart 1689

Praia sul de Paramos

Capela de S. João de Paramos e um pôr-do-sol

Passadiço sobre as dunas de Silvalde, na direcção de Espinho
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18807: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (30): O anjo excomungado

terça-feira, 3 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18807: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (30): O anjo excomungado

1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 21 de Junho de 2018 enviou-nos mais uma memória da sua guerra.


Outras memórias da minha guerra

30 - O anjo excomungado


Um equilibrista em perigosa actuação entre arranha-céus de Nova-Iorque 

- Silva, ó Silva, olha aqui o João Albino. Lembras-te dele? – perguntou o meu vizinho Fiães, ao ver-me passar junto do refeitório da CCS de Catió.

Olhei com alguma curiosidade, ao mesmo tempo que tentava ligar-me ao nome apontado. Então, ele insistiu:
- Aquele equilibrista que subia e descia um arame lá no largo da Feira dos Dez, em Lourosa?

Aí, reagi logo afirmativamente. Quem é que não se lembrava daquele espectáculo presenciado pela multidão, próximo da Capela de S. Miguel?

O João Albino sorriu, ao mesmo tempo que parecia querer manter o anonimato. Manifestei a minha surpresa em vê-lo ali no nosso BART 1913, felicitei-o pelos seus sucessos e aproveitei para saber mais alguma coisa dele. E, afinal, não foi difícil.

- Lembro-me bem de ter ido a Lourosa. Quem me pediu para lá ir, foi o meu tio Jorge Miguel que vive ali por perto. Tem um salão de barbearia e cabeleireiro.

Confirmei logo que o conhecia bem. Casou com uma vizinha minha.

- Pois foi ele é quem me inspirou. É o meu ídolo. Aos 16 anos, o meu avô teve que o mandar para a França, para junto de um irmão, porque ele não queria trabalhar na barbearia, lá na aldeia, perto de Portalegre.

E continuou:
- Em França, veio a integrar-se num grupo de equilibristas de circo. E como era um gajo de muita coragem, tornou-se famoso. Foi ele o artista que substituiu a vara do equilíbrio por duas asas, dando a sensação de que voava. Era conhecido por “Michelangelo”. Fazia um número espectacular, mas muito perigoso. Bastava um pouquito de vento e a segurança estava logo em causa.

Dizem que não lhe faltavam miúdas. Ele era mesmo uma vedeta. Mas o que ele mais desejava era aproveitar esses momentos e gozar a vida.

- Mas, ele era manco!
- Sim. Num dia com mais vento, ele teimou em actuar com as asas de anjo, mas desequilibrou-se e quase se matou ao cair do arame. Ficou afectado de uma perna e teve que largar a actividade. Regressou a Portugal e influenciou-me para o substituir naquela loucura.

Já habituado ao ambiente afrancesado, o regressado Albino passou a sentir ainda mais o sacrifício de viver no isolamento alentejano.
E, um dia, quando falava sobre a sua vida atribulada e se lamentava da sua sorte na presença de um industrial de cortiça, que ali se deslocava com alguma frequência, foi encorajado a mudar-se para norte, para o concelho da Feira.
Conheci-o por altura dos meus catorze anos (1957). Frequentei a sua pequena barbearia, onde apareciam outros tipos de clientes.
Chegava sempre tarde à barbearia. Parecia fazer questão em ter clientes à espera, junto à porta. Devido à deficiência na perna direita (não a podia dobrar), caminhava bastante esticado, por forma a poder rodar essa perna, para a colocar na sua frente. O Senhor Michel parecia explorar bem a sua deficiência, assumindo uma pose erecta e altiva, bastante beneficiada pelos seus bastos cabelos ondulados, pelo seu bigode e sorriso tipo Clark Gable e pelos óculos escuros Ray Ban.

Capela de S. Miguel 

A aldeia era pequena e não podia dar-lhe muitos clientes. Além disso, a sua pose altiva, a sua permanente argumentação sobre tudo e todos e a sua frontal posição crítica face à religião, afastavam parte da possível clientela.
Todavia, a sua experiência francesa, aliada a uma certa dose de rebeldia alentejana, davam-lhe um à-vontade, pouco comum naquele ambiente rural nortenho. Pela frente, quase toda a gente o respeitava, mas, por trás, havia uma onda de contestação, bastante crítica, especialmente orquestrada pela família Ramirinho, pelo Tono Coninhas e por algumas beatas de sacristia.

Ora, o Senhor Michel, teve que aproveitar tudo para ganhar algum dinheiro que o pudesse ajudar a viver. Cortava o cabelo curto, como era hábito naqueles tempos difíceis mas, salientava-se noutros tipos de corte, onde realçava seus conhecimentos mais modernos. Além disso, veio a ter algum sucesso com o corte “à la garçonette” nas crianças e adolescentes do sexo feminino.
Eu simpatizava com o Senhor Michel. Ele já me influenciava a cortar pouco o cabelo, dando-me uma imagem “mais de acordo” com a minha postura de “revoltado”. Também me falava muito dos seus conhecimentos afrancesados. Mas, o que mais admirava nele era o seu optimismo de alentejano e o seu sentido crítico de homem livre.

Foi nessa altura que presenciei o Senhor Michel a arrastar a asa pela sua Luisinha. Ela tinha ido à barbearia para acompanhar a filha da Tininha, enquanto ele lhe cortava o cabelo.
A miúda já estudava francês e cismou adquirir um corte “à la mode”. Aliás, tive a oportunidade de apreciar a sua exuberante actuação de conquistador. A miúda sentada na cadeira limitava-se a olhar fixamente o espelho na sua frente. Porém, o Senhor Michel mexia-se constantemente. Após vários movimentos em falso, batendo, repetidamente, o clik da tesoura, aproximava-se da miúda e mal tocava no cabelo. Afastava-se, olhava-a de novo, elevava os lábios fechados e abanava ligeiramente a cabeça no sentido vertical. Por vezes, esboçava um “très belle, très belle” ou uma exclamação tipo: “oh la, la, jolie, petite demoiselle”!

De cabeça esticada, braços abertos, com o pente numa mão e a tesoura na outra, o artista arrastava a perna deficiente, enquanto rodopiava paralelamente à cadeira, que até me parecia um garnisé a arrastar a asa, preparando a (futura) galadela.

Desde que começou a constar que o marido da Luisinha d’Azenha, Jorge Miguel, fora apanhado a molestar a sua mulher, não havia dia de lavadouro ou noite de taberna, em que o assunto não viesse à baila.

- Para mim, ele é um excomungado. – Acusava a Felismina do Canto, que continuava:
- Um homem que desonra a namorada, leva-a de casa sem casar pela Santa Madre Igreja e que, ainda por cima, a trata mal, devia ser castigado.
- Realmente, e logo aquela rapariga, tão bonita, filha de tão boa gente e tão temente a Deus. – Lembrou a Ti Matilde.

Logo a Maria Bolachona interveio em jeito de aparente despeito:
- Chamas bonita àquela magricela, um pau de virar tripas que não pesa 70 quilos, que tem os olhos grandes de ougada e cabelos ripados, sem ondas nem caracóis?
- Nós dizemos que gordura é formosura, mas não te esqueças do que diz o outro ditado: O que é demais, é moléstia.- Observou a Ti Matilde.

Um pouco mais ao lado, num tom mais suave, murmurava a Tina Beata:
- Pois é, mas eu continuo a pensar que a culpa é das mulheres porque se deixam levar e não se sabem portar bem. Por acaso, se fosse comigo, iam ver do que eu era capaz. Até o capava, se me faltasse ao respeito.
- Ei, mulheres do solheiro, estais a serrar de alguém? – Interrompeu a Irmã Julinha, que surgiu por ali, vinda do fundo da quinta da família Ramirinho, onde se encontrava de férias pascais.
- Ó Julinha, não queira saber que aquele excomungado, que desonrou a Luisinha e que a obriga a viver com ele em pecado, foi apanhado a molestar a rapariga.
- A molestar, como? A bater-lhe? A magoá-la? Digam-me, por favor, o que essa alma do diabo lhe anda a fazer.

A Felismina, agarrou nalgumas peças de roupa, para as pôr a corar e aproximou-se da Irmã Julinha e, em voz mais baixa, confessou:
- Na sexta-feira passada, quando ia para a primeira missa, ao passar junto à casa da Luísa, ouvi-a gritar baixinho e, por curiosidade, aproximei-me e olhei por uma frincha da portada da janela. Ó Julinha, sabe bem que eu não sou mulher de levar e trazer. Nem sou nada dessa gente que levanta boatos, maledicências ou falsos testemunhos. Apenas me lembrei de espreitar, antes de a acudir.
- Não me digas que estava a bater-lhe? – Interrompeu a Irmã Julinha
- Não sei. Só sei que eles estavam nuínhos, conforme Deus os botou ao mundo. Tal como Adão e Eva no Paraíso.
- Credo em Cruz, Santo nome de Jesus! Nem me digas? Que pecado!
- E o pior é que ele estava em cima dela como se ela fosse uma cadela, coitadinha!
- Deve-a ter magoado?
- Sim, sim, até porque vi o excomungado a querer sarar-lhe “as partes” com a saliva da língua.

********** 

Quando regressei da Guiné, andei uns meses a trabalhar como Comercial numa empresa de produtos químicos. Corria quase o País todo e logo que passei por Portalegre, encontrei o Sr. Jorge Miguel. Levou-me à sua aldeia, almocei com toda a família (mulher e três filhos – um rapaz e duas meninas). Pareceram-me bastante felizes. Falámos agradavelmente de muita coisa, inclusive do seu sobrinho João da CCS de Catió, agora a viver na Bélgica.

Antes da despedida, teve um desabafo:
- Amigo Zeca, gosto muito do norte e da maior parte das pessoas de lá. Gostava de ter continuado naquela terra, mas tivemos que vir para cá antes que aquelas ratas de sacristia matassem a Luísa à pedrada, como se fazia na Grécia Antiga. Aquelas putas, faziam-lhe a vida negra!

Ficou sentado num extremo da mesa, com uma lindíssima criança sentada sobre a sua perna esquerda. Fitou-me, saudando-me com alguma comoção, elevando a mão direita com o copo do vinho que restava do nosso último brinde:
- Obrigado Zeca. Que sejas sempre tão feliz como eu! Tu mereces.

A mulher veio abrir-me o cancelo de acesso à rua. Ao abraçar-me na despedida, confessou-me:
- Zeca, às vezes sinto muitas saudades da família e dos bons vizinhos, como vós. Mas, diz àquela gente que sou muito feliz. Tenho quatro anjos; três filhos e um marido, a quem devo a maior sorte do mundo.

Afastei-me, comovido com o que tinha visto e ouvido. Ainda acenei um adeus, já de longe. E pensei:
- Não deve ser só por ele ter sarado as feridas com a saliva da língua…
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18036: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (29): “Amor à Pátria”

sábado, 2 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18036: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (29): “Amor à Pátria”

Ponte Edgar Cardoso


1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 22 de Novembro de 2017 enviou-nos mais uma memória bem recente para integrar as suas outras memórias da guerra.


Outras memórias da minha guerra

28 - “Amor à Pátria”

Após meses e meses de assédio telefónico para assinar novo contrato por parte de certa empresa de telecomunicações, não resisti às constantes e boas promessas, bem como à obrigação da mudança.
Porém, nova pressão me veio incomodar. Agora, também através de e-mails: “Senhor Fulano, envie-nos os documentos de novo e com nova assinatura, uma vez que a que recebemos, não coincide com a do seu BI“.
Ainda me justifiquei com a penúltima trombose que me alterara a sensibilidade em alguns dedos da mão direita e, por via disso, se nota agora alguma diferença na minha escrita. Todavia, a compreensão desejada não encontrou eco em tanta exigência.
- Vê se resolves isso, porque vamos ficar encravados. – gritava a minha mulher, já farta de ver esquivar-me a este assunto.
- Nem é tarde, nem é cedo, vou agora mesmo.
- Isso, vai e vê se arranjas mais convívios de ex-combatentes, porque parece que é a única coisa que te interessa… e te faz bem.
Saí porta fora, aproveitando o momento e a reclamação sobre o almoço atrasado.

Passar defronte a Crestuma, torna-se obrigatório afrouxar para admirar a sua beleza

Este mês de Novembro já vai a mais de meio e o calor não nos larga. Nunca se viu tal. Até parece coisa do diabo e dos lóbis dos incêndios. Ora eu, o friorento crónico, até ando muito melhor.
Aproveito tudo para me deleitar com o sol e com a paisagem e, num repente, eis-me a deslizar suavemente pela margem direita do Douro, em direcção ao Porto. E, embora a quantidade de curvas na estrada prejudique bastante a atenção à magnífica paisagem que nos envolve, é notório o relaxe que me provoca.

Arnelas é outra lindíssima povoação ribeirinha de V. N. de Gaia

Estes bons momentos, enriquecidos por boa música, apanhada nos intervalos da sintonia radiofónica, foram interrompidos por um telefonema do Joaquim Coelho, o Presidente do MAC – Movimento dos Antigos Combatentes:
- Como vai isso das tuas mazelas? Ainda tens aquele reforço vitamínico que te dei? A segunda trombose está a passar?
Dou-lhe respostas positivas e ele insiste:
- Tem cuidado, não te envolvas demasiado, porque és um afectado com o stresse daquela maldita guerra. Sabes bem o que se passa com a chamada “peste grisalha” e o que nos espera. Estamos a morrer todos os dias.
De seguida, entusiasmado, aproveita para informar:
- Olha que aquele nosso projecto, de apoio aos ex-combatentes mais necessitados, está a andar. Tem havido reuniões e já entregámos novo projecto.
- Ok, Comandante, sabes bem que vos apoio, apesar de já não fazer parte dos Corpos Gerentes. Também sabes que não tenho a tua paciência para aturar essa cambada que nos tem governado. Estamos condenados por esta geração de políticos “democratas”, apátridas e cobardolas, mais especializados na mentira e na corrupção.

Casa do Gramido

Desta vez, a intenção era chegar à Maia e falar com o representante da tal empresa de telecomunicações, mas queria almoçar junto do Rio e, desta forma, aproveitar para prolongar e melhorar uns bons momentos de prazer. Para quem conhece aquela zona próxima da Casa Branca do Gramido, de belos passadiços e bons restaurantes, sente-se tentado a estacionar por aí. Mas, como ia sozinho, optei por procurar mais próximo do Porto um restaurante de aspecto mais modesto e de rápido atendimento.

Eram cerca de 14:00 horas. Já havia várias mesas vazias e desarrumadas, com sinais evidentes de terem sido usadas recentemente. Sentado junto do balcão, espreitava o esplendor do Douro pelos espelhos das prateleiras das garrafas.
- Na horinha, temos frango assado e carne à jardineira – disse o empregado.
Já eu pedira a maçã assada, quando noto a presença de três idosos, de aspecto humilde, junto do balcão. O mais alto (magricela) solicitou meio frango e três pães. O médio não parava de olhar fixamente para o arroz de cabidela disponível sobre a mesa mais próxima. O mais baixo, com os olhos apontados para a cozinha, esticava-se para ser notado:
- Dona Guidinha, não esqueça uns ossinhos para os nossos cãezinhos.
O primeiro saco foi entregue, ao mesmo tempo que se ouvia:
- São 3,90€.
O segundo saco ia ser entregue ao baixinho. Este agarrou bem o boné alusivo à campanha eleitoral do partido do governo, enterrou-o bem na cabeça, esticou-se para receber o “saquinho dos ossos” e esboçou um rasgado “muito obrigado”, ao mesmo tempo que exibia um sorriso com o único dente visível, o que lhe restava. Ao esticar o braço, deixou ver uma tatuagem que dizia: “Amor à Pátria”. Estava gravada sobre o Escudo Nacional e, por baixo estava gravado: “Guiné 1967-69”.

Nota:
Isto aconteceu na semana passada. Qualquer semelhança com a irrealidade é pura ficção.

Silva da Cart 1689
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Nota do editor

Último poste da série de 20 de abril de 2017 > Guiné 61/74 - P17263: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (28): Gostaria de lhe chamar pai, autoriza?

quinta-feira, 20 de abril de 2017

Guiné 61/74 - P17263: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (28): Gostaria de lhe chamar pai, autoriza?

1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 7 de Abril de 2017 enviou-nos, desta feita, uma memória bem recente para integrar as suas outras memórias da guerra.


Outras memórias da minha guerra

27 - Gostaria de lhe chamar pai. Autoriza?

Há uns meses fui contactado por uma senhora, através de mensagem no Facebook:
- O Senhor Ferreira esteve na guerra do Ultramar?
- Sim, nos anos de 67 a 69. Estive na Guiné - respondi.
- Desculpe, eu procuro o senhor A. Ferreira que esteve em Machava, Moçambique, como Chefe de Cozinha da Marinha, nos anos de 66 a 68. Por acaso, não o conheceu?
- Não. Tive e tenho poucos contactos com malta da Marinha.
- Gostaria tanto de o encontrar. Por favor, veja se consegue ajudar-me a localizá-lo. Eu sei que é muito difícil, mas ficaria muito agradecida.

Fez-se minha amiga virtual, através do Facebook, por onde fomos dando sinais de vida. Aconselhei-a a insistir na procura, junto das entidades oficiais. Pensei que ela haveria de conseguir. Mas, por outro lado, fiquei com a ideia de que ela poderia estar a tentar fazer esse contacto apenas para alimentar alguma ligação saudosista à presença portuguesa em África. Porém, mais tarde, noutro contacto, por altura do seu aniversário, em que ela me pareceu um pouco incrédula, acabei por lhe prometer que brevemente a iria contactar, para a ajudar. Nessa altura, já eu estava a pensar que talvez conseguisse uma ampla divulgação do assunto, através dos vários grupos de ex-Combatentes que proliferam no Facebook.

O tempo correu rapidamente, enquanto eu esperava arranjar maneira de a ajudar (de verdade!), partindo do princípio de que o assunto ainda não estava suficientemente explorado pelo lado dos ex-Combatentes.

Recentemente, pelo meu aniversário, recebi dela uma mensagem:
- Muitas Felicidades para o Avô e Pai que nunca tive.

Agradeci normalmente, tal como o fizera a várias centenas de mensagens.

Passados uns dias, após algumas tentativas infrutíferas de novo contacto, li esta mensagem:
- Gostaria de lhe chamar pai. Autoriza?

Não agradeci nem respondi. Fiquei preocupado. É que eu tenho a certeza de que não deixei descendência em África. E acredito que a minha família também tenha essa certeza. (Ora, já viram o que seria quando “topassem” que alguém estranho me chamava pai?).

Propositadamente, deixei de responder a qualquer trivial cumprimento, apesar de várias tentativas. Até que hoje, pelas 17H00, fiz questão em atender, pela primeira vez, a voz da Maria do Carmo.
E ela logo perguntou:
- A sua saúde, está melhor?
- Sim. Obrigado. De onde está a falar?
- Eu sou de Moçambique, mas vivo na África do Sul.

Sem mais rodeios, acrescentei:
- Estou em falta consigo, porque prometi ajudá-la e ainda nada fiz.

E continuei:
- Por favor diga-me o que quer verdadeiramente.

Ela respondeu pausadamente e de forma bem explícita:
- Chamo-me Maria do Carmo Ferreira e procuro o meu pai A. Ferreira, que foi Chefe dos cozinheiros na Capitania Rádio Azul da Machava, Moçambique, nos anos de 66 a 68. Deve ter ido em finais de Dezembro de 1968. Nasci dois meses antes de ele regressar a Portugal. A minha mãe, Maria Teresa, dizia que ele queria que eu tivesse o nome de sua mãe, M. do C. Ferreira. Também dizia que ele me queria perfilhar e levar-me para Portugal. Ela chegou a esconder-me porque teve medo que eu fosse raptada. Minha mãe faleceu quando eu tinha 13 anos. Sempre quis conhecer a minha família de Portugal. Já procurei em vários organismos oficiais e sempre esbarro no facto de não ter documentos. Também me disseram que ele não consta como militar, que devia ser civil. Estou casada e tenho quatro filhos e dois netos. Nós seremos sempre de sangue português.

Sem ser interrompida, continuou:
- Não quero pedir outro tipo de ajuda. Vivo sem carências de maior. Mas assim nunca poderei ser feliz. Tenho 48 anos e vivo com esta amargura permanente de nunca ter conhecido o meu pai nem a minha família de Portugal.

Maria do Carmo Ferreira

Um dos filhos da Maria do Carmo

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Nota final:
O texto que acabaram de ler, embora pareça, não pretende fazer humor nem minimizar o estado de espírito da senhora que me contactou, até porque, agora, é o próprio filho (engenheiro químico) que me contacta também para os ajudar a localizar pai e avô.
Se algum de vós puder dar alguma informação que possa levar a esse camarada que prestou serviço em Moçambique, coloque-a em comentário a este post ou contacte os editores deste blogue.
O autor teve o azar (melhor, a sorte!) de se chamar “Ferreira”…
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17146: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (27): Controlo sanitário

quinta-feira, 16 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17146: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (27): Controlo sanitário



1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 5 de Março de 2017 enviou-nos mais uma das suas outras memórias da guerra. Esta bem divertida.


Outras memórias da minha guerra

26 - Controlo sanitário

Todos os rapazes do meu tempo sabem bem do perigo que se corria quando se procurava uma relação sexual com uma das “badalhocas” que proliferavam nos arrabaldes do Porto e de Gaia. Dizia-se, até, que as prostitutas “mais limpas” eram as “meninas” da baixa do Porto, porque eram submetidas a um rigoroso controlo sanitário, uma “modernice” imposta pelo regime de Salazar.

É claro que as relações amorosas surgiam por todo o lado. Não havia santa terrinha que não exibisse (ou ocultasse) enredos dignos da pena de um Camilo Castelo Branco. Ora, os resultados apareciam como cogumelos no pinhal, umas vezes com as gravidezes involuntárias e outras com os inesperados “esquentamentos”. Tudo fruta da época. Enfim, tudo normal. Porém, por vezes, surgiam alguns rumores de que o Senhor Fulano de Tal, também andava “esquentado”, devido a descuidos da sua bela e fidelíssima amante. Mas isso era abafado e rapidamente esquecido, por falta de testemunhos credíveis e por alguns receios de represália. Quando muito, e para se salvaguardar situação social tão melindrosa, fazia-se a alusão aos lugares públicos, onde possivelmente se sentara, sem a protecção do lencinho estendido debaixo do rabo.

Esta juventude foi mobilizada para defender patrioticamente as nossas Províncias Ultramarinas. Influenciada pelos princípios patrióticos incutidos desde a instrução primária, ela aparece, assim, repentinamente, relacionada com os nativos. Os “turras”, no interior, que, em termos de guerra subversiva, dominavam as populações, levavam as jovens e deixavam as crianças e as velhas para as proteger. Raramente ficava alguma mulher adulta para apoio a essas pessoas mais fragilizadas. As mulheres que mais se viam, eram as da tropa Milícia, que combatia ao nosso lado.

Isto quer dizer simplesmente que a actividade de prostituição, fora de Bissau, era quase nula, apesar dos apetites sexuais de tanta e tão potente clientela.

Pergunta-se:
- E como é que a malta se “safava”?

Joan Collins [n. 1933]

Os portugueses sempre foram conhecidos pelo seu primor no desenrascanço. Aqui, como manda a sua educação católica, cada um teria que se confessar dos seus pecados contra a castidade e de um ou outro caso de relação furtiva, por vezes não muito correcta. Estou a lembrar-me do caso do Fafe que apareceu na enfermaria “à rasca da piça”, porque uma jovem adolescente o havia masturbado, não tendo lavado as mãos, que estavam impregnadas de piripiri.


Raquel Welch [n. 1940]


Por altura dos princípios dos anos 70, com a evolução da guerra, foram aumentados os contingentes militares, a par de outras consequentes movimentações. Uma delas, foi o aparecimento de prostitutas brancas, na cidade de Bissau. No bar Mon Ami já “trabalhavam” regularmente. Tal como no Texas, nos tempos da corrida ao ouro, essas profissionais carregadas de ambição, tudo arriscavam pelo dinheiro fácil obtido no “negócio das carnes”. Agora, na procura de clientes do interior, deslocavam-se de táxi e de outros meios de transporte (até onde as novas e poucas estradas alcatroadas o permitiam), saindo, assim, de Bissau, rumo a norte… com regressos rápidos e seguros.

Fora de Bissau, elas passavam por controlos militares. Na zona de Nhacra, esse movimento era cada vez mais notório. Perante essa situação, os militares locais viam-nas passar, a caminho da satisfação dos outros camaradas, deixando-os chateados porque também queriam usufruir desse “serviço”. Foi então que o Maia, mais o Seixas,  assumiram a liderança reivindicativa dos “justos direitos”e foram interpelar o comandante do destacamento, o Alferes Bastos:
- Meu Alferes, nós também queremos foder. Estamos a deixá-las passar e …ficamos “a ver navios”. E quando lhes dizemos qualquer coisa, elas mandam-nos ir a Bissau, que é perto. Aqui o Seixas, há dias, ainda conseguiu, disfarçadamente, dar-lhes umas apalpadelas, com o pretexto de ter que fazer “controlo de armas”, mas uma mulata quis “assapar-lhe” o pelo.

O Alferes, que também já se apercebera dessa movimentação, e que até já fora mimoseado por reconhecimento dessa sua autoridade local, em visita ao Mon Ami, acalmou-os e disse que ia pensar no assunto.

À noite, com os Furriéis, enquanto bebiam umas cervejas, a conversa versava o assunto da prostituição versus “necessidades fisiológicas” da nossa tropa. O Furriel Moura aproveitou para demonstrar os seus conhecimentos nessa matéria, dando como exemplo o que se se passava no Vietname. Falou do grande número de prostitutas que quase chegava a rivalizar com os 500 mil militares. Ao contrário da nossa situação na Guiné, aos americanos “não faltava onde despejar os tomates”. Mesmo assim, lembrou o facto de grandes artistas americanos visitarem periodicamente as tropas, moralizando-as e mantendo-as racionalmente ligadas ao seu mundo de origem. Lembrou a Raquel Welch e a Joan Collins (*). Esta, que sendo capa da Playboy, foi pessoalmente entregar exemplares da tiragem dos 7 milhões dessa edição recorde. A Playboy subira de tiragem desmesuradamente, graças à sua procura no seio das forças armadas.

Por sua vez, o Alferes Bastos referiu um facto curioso, também relacionado com o Vietname. Dizia que numa determinada zona, ocupada por cerca de 20.000 militares, se haviam desenvolvido doenças venéreas com tal gravidade que, por precaução sanitária, os militares foram impedidos de se deslocarem à cidade mais próxima, o que provocou nocivos reflexos psicológicos, sociológicos e económicos. Então, o chefe dessa região teve uma ideia brilhante. Em parceria com as autoridades militares, fundou um enorme bordel, conhecido por “Disneyland Oriental”, que consistia essencialmente numa zona de 10 hectares, devidamente cercada, implantada com 40 quartos/casa dispersos, para satisfação sexual dos visitantes. E, em simultâneo, foram admitidas, identificadas e controladas as prostitutas, bem como o desenvolvimento de condições de tratamento aos infectados, tudo integrado num adequado serviço de controlo e apoio sanitário.

Porém, é sabido que, apesar do grande esforço médico, apoiado em carradas de “Penicilina” e “Penisulfadê”, o drama causado pelas doenças venéreas foi dos piores inimigos enfrentados pelos militares. Fala-se muito de suicídios de militares, incapacitados sexualmente, na hora do regresso do Vietname,  mas, nós sabemos que isso também acontecia entre os nossos combatentes da Guiné. E muitos dos afectados optaram por ficar por lá.

Da conversa, voltou-se à análise da nossa situação e à nossa real dimensão. Momentaneamente, o que mais preocupava estes graduados era o aproveitamento do movimento “putéfio” para resolver a satisfação sexual da tropa do seu destacamento. E foi assim que com mais cerveja ou menos conversa, o Alferes determinou democraticamente, sem qualquer votação, contestação ou parecer superior,  que ali também seria criado um serviço contínuo de Controlo Sanitário. A partir de agora, todas as mulheres, supostamente prostitutas, que ali passassem para exercício do seu métier em outras zonas, teriam que ser submetidas a exame prévio. Desta forma, se daria a oportunidade dos nossos militares, agora habilitados ao uso de bata branca,  poderem, alternadamente, usufruir de (e cobrar)  contactos seguramente mais agradáveis.

Uns dias depois, perante as novas valências do Controlo Militar e o enorme entusiasmo criado, o Alferes Bastos foi obrigado a aprovar uma rigorosa escala de serviço na Enfermaria, por via do Controlo Sanitário de mulheres, em trânsito, a caminho do norte.

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(*) Nota: - Apenas para referir que a única artista que eu avistei na Guiné, foi a Sara Montiel [1928-2013]  Sim, a Sarita,  do filme “La Violetera” [1958].  Foi durante uma exibição cinéfila, ao ar livre, acompanhado pelas fervorosas melgas da Guiné.

Destaco ainda o entusiasmo da tropa, sempre que o Operador da projecção parava a imagem, pondo em evidência os lábios carnudos e sensuais da artista, enquanto cantava:

Besame, besame mucho
Como si fuera esta noche
La ultima vez

Besame, besame mucho
Que tengo miedo a perderte
Perderte después

Quierote verte muy cerca
Mirarme en tus ojos
Verte junto a mi
Piensa que talvez mañana
Yo ya estaré lejo
Muy lejo de aquí

Besame, besame mucho
Como si…

(https://www.youtube.com/watch?v=xyOMyXTI3O0)
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de fevereiro de 2017 > Guiné 61/74 - P17069: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (26): Sonhos em perigo

terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17069: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (26): Sonhos em perigo

Furriéis da CART 1689 na Av. de Bissau, no final da comissão. Silva, Campos, Valente, Carvalho, Lopes, Miranda, Cepa, Borges e Faria.


1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), em mensagem do dia 17 de Fevereiro de 2017 enviou-nos mais uma das suas outras memórias da guerra.


Outras memórias da minha guerra

25 - Sonhos em perigo

Aqueles pesadelos que nos atormentavam as noites, durante os primeiros meses, foram-se diluindo e amenizando à medida que o tempo ia passando. Pelo caminho, ficavam os intermináveis dias de sofrimento, carregados de angústia, de tristeza e de medo. Por melhores que fossem os camaradas e por maiores que fossem as bebedeiras, nada nos fazia esquecer os dias mais marcantes das nossas vidas.

Com a aproximação do fim da comissão acentuavam-se os anseios pela concretização dos nossos principais sonhos. Não havia dia nem hora em que não nos imaginássemos num outro mundo cheiinho de projectos, onde a felicidade é obrigatória. As habituais manifestações de lamento e de revolta deram lugar à vontade de cada um falar dos seus próximos projectos. Tudo coisas bem pensadas e aparentemente de fácil resolução. Paralelamente, íamos antegozando a alegria do regresso, recuperando, desta forma, a alegria de viver que nos fora roubada.

Foi a 3 de Dezembro de 1968 que a nossa CART 1689 iniciou o seu percurso do ansiado regresso. Ficámos em Bambadinca e no dia 5 dali seguiram para Bissau mais de 2/3 dos nossos camaradas. Eu e os restantes, ficámos ali à espera de novo transporte fluvial até ao dia 9.


Militares da CART 1689 na barcaça de transporte de Bambadinca para Bissau.

Embora o ambiente fosse de paz e de relaxamento, nós, os que ficámos em terra, sentimos algum refreamento na alegria que vínhamos vivendo e muita angústia nos dias seguintes. E, tal como acontecera nos dias anteriores a 1 de Maio de 1967, quando outros militares esperavam no cais pela chegada do “seu” barco, lá estávamos nós na situação invertida, olhando de manhã à noite, para o horizonte do Rio Geba, a reclamar, ansiosamente, pela chegada do “nosso”.

Depois do jantar, não apetecia ir para a cama, nem havia sono que chegasse. Eram horas de espera em que a “sede” se acentuava.

Precisamente na véspera (dia 8), fui chamado por um Furriel (de serviço) da tropa local, para ajudar a resolver uma situação anormal, com possibilidade de consequências dramáticas. Sussurrou-se no bar que na casa do Comando, haviam visto uma senhora branca, curiosidade difícil de admitir pelos nossos militares, porque não as viam (mulheres brancas) há cerca de 20 meses.

O Areosa, já com um copito, exteriorizando um exagerado à vontade, não acatou o conselho/ordem/advertência do Furriel e, armado em conquistador, parou por ali e continuava a lançar piropos, à moda do norte e em voz alta. Fiquei preocupado com o seu comportamento, agravado com a desobediência e desrespeito ao Furriel. Puxei o Areosa e empurrei-o para que saísse dali. Claro que me devo ter excedido em linguagem para com o Areosa, mas teria que o libertar de uma provável participação do Furriel. Por outro lado, desta forma, assumi a responsabilidade da condenação de tal comportamento.

O Areosa, possivelmente ferido no seu orgulho, acabou por acelerar o passo e adiantar-se de mim. Ia a praguejar e, de repente, correu na direcção onde os nossos militares estavam acantonados com os seus haveres. Pegou numa G3, veio para o meio da rua, virou-se na minha direcção. Nunca esquecerei aquela imagem, iluminada pelo luar, mais parecendo uma cena de um duelo de “cowboys”, no Texas. Apontou-me a arma, em posição de tiro instintivo e gritou:
- Vou-te matar! Vais com o caralho!

Como não parei, ele repetiu o grito, ao mesmo tempo que puxou o gatilho. Não houve disparo porque não havia bala na câmara. Porém, quando ouvi o estalido, fiquei fora de controlo e avancei sobre ele, a murro e a pontapé. Valeu-lhe a malta que se envolveu a afastar-me.

Foi uma noite muito mal dormida, a última vivida no interior da Guiné. Massacravam-me a cabeça um montão de coisas. Podia ter sido atingido por um soldado do meu próprio grupo. Nós, que tivemos em comum tantas lutas contra o IN. E eu que estava convencido de que o Areosa era um dos militares mais dedicados.

Logo de manhã, apercebi-me da excitação dos militares. A barcaça já se avistava ao longe e ninguém parava naquele alegre frenesim. Apenas o Areosa estava parado. Estava à minha espera e, cabisbaixo, abeirou-se mais de mim:
- Ó Silva, estou aqui sem dormir. Quero pedir-lhe perdão pelo meu comportamento de ontem. Sabe que nunca tive nada contra si. Tem de me perdoar.

Eu não sabia que dizer, nem o que cobrar.
E ele continuou:
- Eu estava “alegre”, comecei a cantar e veio o caralho do Furriel gozar comigo. Fiquei ainda mais fodido quando chamou por si. Pensava que o Silva me ia defender e ainda ajudou à missa. Eu estava tão marado que nem vi que você me estava a safar. Sempre que bebo um copo a mais, faço merda.

Este dia 9 de Dezembro também foi muito marcante. As fortes emoções parecem ter sido abençoadas pela brisa refrescante que nos acariciava, cada vez mais, à medida que nos aproximávamos de Bissau. Até deu para relaxar e descansar na viagem.

Chegados a Bissau, foi o reencontro de toda a família da CART 1689. Parecia que já estávamos salvos. Foi, possivelmente, o dia mais alegre que lá sentimos. E eu fiquei duplamente feliz e grato porque o grupo dos Furriéis estava à minha espera para exteriorizar tanta alegria. Foi uma noite de arromba. Quase não se dormiu naquele quarto do Quartel-General, onde se meteram 8 camas (!), para ficarmos juntos até ao ansiado regresso. Um tanto contra a corrente de alegria, o nosso Primeiro Viscoso, com o seu permanente aspecto trombudo, continuava a procurar ensombrar a alegria dos outros, especialmente a dos Furriéis.

Logo de manhã, fomos convocados para uma reunião com o 2.º Comandante do Quartel-General. Fomos perdoados e compreendidos pelos excessos, mas avisados de que teríamos que respeitar o silêncio a partir da meia-noite. Foi o Viscoso quem fez a queixa. Havia-se aproveitado da ausência do Capitão da nossa CART e, ultrapassando os nossos Alferes, foi-se “armar” junto do Comando do QG.

Entre os serviços e as folgas, o tempo passava-se da melhor forma. Porém, o Primeiro Viscoso continuava atento e pronto para destilar o seu ódio aos milicianos, especialmente aos que não lhe falavam (que era o meu caso).

Faltavam menos de 15 dias para o regresso. Estava eu de serviço no QG e as orientações superiores eram que, numa Companhia de 150 militares, apenas um terço estava autorizada a sair do Quartel. Ordens são ordens, mas nem sempre se levavam à risca, especialmente em quartel de maior acalmia.

Ora, os soldados, mesmo sem dispensa, procuravam “desenfiar-se”. Por norma e lealdade, antes do “desenfianço”, cada um perguntava se podia sair. E eu só lhes dizia: Se acontecer alguma coisa, avisem logo, porque tenho que fazer o relatório das anomalias antes das 8H00 horas (hora do render da guarda). Era arriscado, mas, como estávamos nos últimos dias, sentia-me bem com a satisfação da “malta”.

- Aquele que vai ali não é o Tripeiro? - perguntava o 1.º Sargento ao Sargento que o acompanhava, ambos a passear na avenida do Pilão.
- É mesmo, respondeu-lhe.
- Ouve lá, ó Tripeiro, anda cá - chamou - Como é que andas cá fora, se estás detido, e sem qualquer dispensa?
- Sabe, é o Furriel Silva que está de serviço e com ele não há problema. É um gajo porreiro – confiou o Tripeiro.
- Ah, sim? Então quando é o Furriel Silva, é tudo à balda? – questionava de, fala amolecida, o Viscoso, que, para melhor tirar dele, aproveitou para lhe pagar uma cerveja no Bar Jagudi.

Era caso de admiração, porque o somítico, para não gastar um tostão, só bebia água del cano. Cerveja só se alguém lhe pagasse. E assim, estando no Bar a beber, também se mostrava à nossa tropa, a confraternizar!

- Silva, acorda que estás fodido. O detido, o Tripeiro, foi visto pelo Primeiro perto do Pilão – alertou-me, bastante aflito, o Campos.

Virei-me para o outro lado e, meio a dormir e meio acordado, devo ter-lhe respondido mais ou menos:
- Caga nisso, que eu cago no Primeiro.

Seriam cerca de 8h30 quando entraram no meu quarto o Machado e o Faria, e em tom muito sério, dispararam:
- Olha que o Primeiro esteve à espera para ver se apresentavas faltas até ao render da guarda. Agora está a fazer uma participação contra ti, por o Tripeiro andar a passear em Bissau. Já mandou chamar o Tripeiro para depor. E aquele gajo, que gosta tanto de ti, vai-te foder. Mexe-te rapidamente.

Vi num relance a gravidade da situação. Mas, que hei-de fazer? (questionava-me repetidamente). Tantas vezes debaixo de fogo, estava, afinal, numa outra situação perigosa. Tudo de mau me vinha à cabeça e por momentos fiquei paralisado. Qualquer processo naquela altura iria obrigar-me a ficar na Guiné, como tantos outros condenados, e precisamente no momento mais ansiado e carregado de projectos. Havia de aparecer aquele filho da mãe a lançar, mais uma vez, a peçonha, a sua inveja e a gozar com o sofrimento alheio.

Assaltou-me uma ideia. Dirigi-me rápido à caserna e vi que os soldados pareciam já estar à minha espera, adivinhando o que me ia na mente. Logo ali, à entrada, perguntei em voz alta:
- Atenção malta, Vocês viram ou não viram o Tripeiro, ontem, no recolher obrigatório?

A resposta surgiu unânime e categórica:
- Vimos! - Por acaso ele até estava mesmo à minha beira – respondeu logo em voz alta e firme o Cabo Felgueiras.
- Ok, era só isso. E afastei-me. (Por sinal o Cabo Felgueiras não tinha estado na formatura do recolher.)

Assim, o Viscoso não conseguiu testemunhas para promover o processo. E o próprio Tripeiro, chamado a depor, também negou tudo, incluindo a cerveja que tanto havia custado a esse nosso querido Primeiro-Sargento.
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de agosto de 2016 > Guiné 63/74 - P16374: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): Relatório de Operações do último almoço-convívio da CART 1689

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Guiné 63/74 - P16374: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (25): Relatório de Operações do último almoço-convívio da CART 1689

1. O nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), enviou-nos o Relatório de Operações do último almoço-convívio da sua Unidade para integrar as suas "Outras Memórias da Minha Guerra".


Outras memórias da minha guerra

24 - “O nosso fim está próximo”

(… assim, a modos de “Relatório de Operações” do último almoço-convívio da CART 1689)

Por incrível que pareça, os militares da nossa CART 1689 assinalam, em convívio almoçarado, não a data do seu regresso da guerra, mas o da partida. Mas ninguém sabe porquê ou de quem foi a ideia.

Lá, todos os dias 26 eram motivo de satisfação, de alegria e de bebedeira. Isto justificava-se porque a contagem era implacável e só a sua soma, mês a mês, nos daria o descanso, o regresso e a libertação. Cada mês que passava parecia mais uma senha de uma lotaria que nos ajudaria a obter o prémio final. Era por isso que a importância festiva se acentuava mais e mais à medida que os meses passavam.
Saturados de guerra, deixámos passar uns onze anos sem nos termos reencontrado. Excepcionalmente, os que eram vizinhos, iam-se encontrando mas sem qualquer tipo de manifestação festiva ou com carácter de regularidade. Porém, chegou-se à conclusão que havia muitas saudades daquelas amizades de excepção que se havia criado. Foi o falecido Mariz que juntou, o “núcleo duro” dos graduados, no Restaurante D. Sancho, perto da Curia. A partir dali, procuraram-se contactos, através do “passa a palavra” e de anúncios em jornais (JN e Bola). Então, reunimos em Crestuma 2 ou 3 vezes, mas o número de presenças não evoluía. A malta havia seguido a sua vida, após a chegada da guerra e dispersou-se, inclusive pelo estrangeiro.

Alguns camaradas, chegados da África do Sul, da Alemanha e da França, procuraram os amigos que nunca mais viram. Nessa altura, destacámos o entusiasmo do Sá, do Peixoto e do Netinho que, apoiados pelo Miranda, conseguiram aumentar significativamente o número de participantes nesses encontros anuais. Depois entrou em cena o “Póvoa” (José Ribeiro) que, graças à sua dedicação e capacidade organizativa, atingiu-se um grau de excelência, nesses eventos.

Como a malta da CART 1689 é, quase na sua totalidade, oriunda do norte, não admira que os encontros se tenham feito cá para cima. Todavia, devemos realçar o grupo de “Lisboetas” que tem sido verdadeiramente exemplar. E foi por isso que organizámos um encontro na Cova da Piedade, para onde fomos de autocarro. Por influência do Borges das Transmissões (aquele “técnico” que se propôs recuperar o barco ”Tolan”, virado no Tejo), fomos à sua terra, lá nos arredores de Seia. Também já fomos à Guarda por “exigência” do Saraiva, grande entusiasta destes encontros. Cabe aqui realçar os nomes de Seixas, Mendes, Ferreira, Vilela e Azevedo que têm assegurado a continuidade destes convívios. Estou a lembrar-me de encontros em Amarante, Esmoriz, Maia, Famalicão, Ermesinde, Gaia, Póvoa de Varzim, Felgueiras, Braga,

Assim, pelo menos uma vez por ano, por altura do 26 de Abril, voltamos a ver-nos e… voltamos a afastar-nos. Sim, a afastar-nos. É que o número de participantes vai diminuído, seja por incapacidade física, menos interesse ou por ausência forçada devida a… mobilização definitiva para as bandas do Além.

Na igreja da Falperra. Valente e Miranda em primeiro plano - Foto de Dália Carneiro 

Na concentração deste ano de 2016, beneficiámos de uma óptima organização do Ferreira de Braga. Fomos à missa à Igreja da Falperra, passámos pelo Sameiro e pelo Bom Jesus. Fomos participar num verdadeiro banquete lá para os lados de Póvoa de Lanhoso. O convívio decorreu maravilhosamente(!). Deu para falar com toda a gente, fossem camaradas ou seus familiares. E deu para recordar/estender/repetir/adulterar (involuntariamente, devido à degradação dos neurónios – ou pelo decurso do tempo ou pelo álcool ingerido) as histórias do costume. Tirando uma ou outra discussão provocatória de (pretensos) divisionistas da Pátria (entre Norte e Sul) ou alimentadores da eterna rivalidade futeboleira, tudo funcionou em ambiente cada vez mais tolerante e mais amistoso.

Silva e Miranda juntos da bandeira d”Os Ciganos” - Foto de Dália Carneiro 

Durante esses relatos, notei que muitos já andam muito longe da verdade dos factos guerreiros ocorridos, deturpam-nos (involuntariamente), inventam histórias e outros… não se lembram de nada. É a vida!

Entre outras conversas, ouvi quem afirmasse que num ataque a Cabedu, se disparam umas cento e tal granadas de morteiro 81. (Será que havia assim tantas granadas no quartel?) Outro disse que vira um Furriel a tentar fazer fogo com um outro morteiro, apoiando-o nas costas de outro Furriel. E, como lamento da morte de um Alferes (que morreu devido a ferimentos nesse ataque, atingido dentro do abrigo mais seguro – o das transmissões), lembrou a sua bravura por ter vindo para a parada expondo-se ao fogo IN, apoiando a resposta ao ataque.

Também assisti às dúvidas de um Furriel, afirmando que a viagem do Norte para Lisboa não podia ter sido feita numa só noite, porque o comboio, naquele tempo, andava muito devagar. Portanto, segundo ele, a saída de Viana do Castelo fora no dia 25 de Abril e não na madrugada do próprio dia 26, dia do embarque no Uíge.



Desta vez, nem o Capitão Maia, nem o Alfero Branquinho apareceram. Foi a vez de alguns Furriéis botarem palavra.

Cheguei a ouvir um Furriel afirmar que o seu Alferes não estivera na OP da implantação do novo quartel de Gandembel, quando, afinal, esteve todo o tempo. E que, ele mesmo, em dado momento, chegara a comandar o Batalhão.

Enfim, um exemplo de afirmações que nunca ouvira antes. Não sei se a malta já está afectada por problemas de saúde ou é consequência de… medicação. A verdade é que se nota, cada vez mais, que alguns já acusam muito esquecimento, muita deturpação e muito cansaço cerebral.

De repente, como se estivesse ao espelho, sinto um calafrio e pensei:
- Será que eu também já estou afectado? Não, não pode ser.

A certa altura, abeirei-me do Valente, que eu havia ido buscar a Oliveira de Azeméis e que já não pode conduzir viaturas em virtude de um acidente sofrido numa pescaria na Barragem de Castelo de Bode, e perguntei-lhe:
- Está tudo bem? Porque estás tão calado?
- Olha, Silva, desta vez estou para aqui a observar a malta e verifico que o nosso fim está próximo. Lembras-te de quantos homens tinha a nossa Companhia? 153! - Sabes quantos estão aqui? 19! A maioria são familiares e a gente nem repara. Cada vez vêm mais familiares a acompanhar-nos, e sabes porquê? Porque nos vêm trazer e amparar. Andam a dar-nos as últimas alegrias.

Logo o tentei animar:
- Deixa-te de merdas, a malta está contente, vê se pensas em coisas boas e se tratas do “isco especial”, para voltarmos a pescar.

O Grande Valente, numa “bolanha do vale do Mondego” prepara-se para dar mais uma aula de bem pescar ao colega/amigo/vizinho Silva, companheiros de grandes lutas pela honra e dignidade dos militares da Cart 1689. 

Com o Valente nas pescarias do Douro - Porto Antigo

Durante a sobremesa, o (político) experimentado Cepa, como sempre, manifestou a sua preocupação quanto ao “sacrificado” para a organização do próximo encontro. Para isso, fala-se com o “Póvoa”, para dar o seu habitual apoio e a sua prestimosa opinião. Seguem-se algumas trocas de palavras e “democraticamente” chega-se à conclusão de que o Seixas nos quer de novo em Felgueiras. Ninguém o contraria, nem as razões históricas do meio século da nossa saída de Viana do Castelo, alteraram a decisão. O Cepa acrescentou algumas palavras de afecto aos resultados do escrutínio. Felicitou os camaradas da guerra e, mais uma vez, desejou o melhor para todos os presentes.

De seguida falou o Miranda. Logo um sinal de que já estava “tocado”. (Pudera, sem sua Mulher Maria José a travá-lo e com a Filha Dália a fazer de condutora privativa, estava em roda livre). Quis exteriorizar toda a sua amizade ao grupo mas, sempre polémico e, em tom de brincadeira, claro, acabou lançando as mesmas farpas que tanto ocupavam os velhos tempos de caserna. E já gritava:
- “Abaixo os benfiquistas”, “morte aos mouros”, “o culpado foi Afonso que não tinha nada que ir conquistar Lisboa”…

Para que a coisa não aquecesse mais, tentei que ele mudasse o discurso de impropérios divisionistas e logo me acusou:
- Tu, cala-te que também és meio mouro, porque Crestuma fica do lado de lá do Rio Douro.

O que valeu foi que os incomodados da Cova da Piedade, de Massamá e de Loures atiraram-se a ele e levaram-no para junto do Bar.

Tive então a oportunidade de dizer alguma coisa. As palavras do Valente encaixaram na minha mente e parecia que não fugiam. É que também me vieram à cabeça as dificuldades que passei este inverno, com a deficiência respiratória que me tem atacado e com o AIT que sofri.
Pedi a intervenção e logo me emocionei. Assaltou-me essa ideia pavorosa de que me poderia estar a despedir. E, por outro lado, olhava para todos e pensava: Quem dentre eles poderá não estar cá no próximo ano? 

Dominada a comoção, cuja razão não poderia exprimir, corri com os olhos todos os presentes naquele salão.

“Caros camaradas, 
É com grande prazer que reunimos hoje mais uma vez. Já o fazemos há uns anitos. Convivemos abertamente, sentindo-nos regressados àqueles tempos da nossa juventude. Até parece que voltamos a ter os tais vinte e tal anos. 
Tempos em que fomos espremidos e postos à prova extrema de todas as nossas capacidades. 
Tempos em que cimentámos a nossa solidariedade e a nossa amizade. 
Reparo que continuamos a olhar lá para longe, onde irmanados, vivemos os anos mais importantes das nossas vidas. São essas as sensações que ainda nos unem e que nos levarão até à morte. 
Reparo também que já somos poucos, e que, possivelmente, não nos iremos encontrar muitas mais vezes. 
Por isso, caros amigos, se me permitem um conselho de um dos mais velhos, vamos olhar mais para quem vive ao nosso lado. Olhar mais para quem sempre olhou por nós. Quem sempre nos acompanhou, nos tolerou e nos amou. 
Julgo que ainda poderemos retribuir o amor e a atenção a esses entes mais queridos. 
Eles bem o merecem!” 

Brindámos, comemos o último pedaço de bolo e abraçámo-nos, mais que nunca. Notei que havia lágrimas naqueles sorrisos de alegria. Alguns abeiraram-se de mim e incentivaram:
- Força Silva, para o ano cá estaremos!

Mas houve quem me segredasse:
- Ó Silva, sei bem onde você queria chegar. O nosso fim está próximo.

Pensei, falando comigo mesmo: "Pode ser. Mas, depois, depois, tudo continua… nas cenas dos próximos capítulos".

Silva da Cart 1689
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 Nota do editor

Último poste da série de 23 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16125: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (24): Memórias de guerra ou guerra de memórias?

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Guiné 63/74 - P16125: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (24): Memórias de guerra ou guerra de memórias?

1. Em mensagem do dia 16 de Maio de 2016, o nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), mais uma das suas "Outras Memórias da Minha Guerra".


Outras memórias  da minha guerra

23 - Memórias de guerra ou guerra de memórias?

Não fora o miserável vencimento de Cabo Miliciano, aquele Verão de 1966 teria sido um dos melhores de sempre.
Estava “hospedado” em Espinho, uma das melhores estâncias de veraneio do País, perto de casa e dos amigos, bem servido pelo serviço hoteleiro do GACA 3 e dispondo das excelentes oportunidades de “desenfianço”; estava eu a viver uma tropa “peluda” sem igual. Aquele meio ano de praia contínua, recheado de oportunidades amorosas e de abundantes convívios, afastou-me da ideia que ainda havia muito tempo de tropa por cumprir.

E quando chegou a mensagem de que deveria ir a Lamego prestar provas para os “Rangers”, ainda restou a esperança de que não ficaria lá, em virtude das más provas que iria prestar. Porém, de nada valeram aquelas simulações de fraqueza, pois o destino estava traçado: ficar em Lamego e obter o melhor aproveitamento, porque seria, inevitavelmente, mobilizado.

Decorriam, ainda, os festejos da Sr.ª da Ajuda, naquele final de Setembro, quando entrei para o comboio, precisamente ali diante do picadeiro, onde tantas vezes nos deleitávamos com o desfilar das maiores belezas da nossa juventude. Naquela viagem até Lamego, agora já para frequentar o curso, em que não me relacionei com ninguém, tive tempo para analisar a nova situação e tomar sérias decisões.

Naquele tempo não era nada fácil sair do CIOE de Lamego, durante os fins-de-semana. As poucas “dispensas-surpresa” e a dificuldade de ligação dos transportes até casa, não davam hipóteses do “tal” gozo de fim-de-semana. Este isolamento veio favorecer a decisão de desligar quaisquer relações amorosas que pudessem evoluir ou manter compromissos.

Assim, todas as folgas seguintes foram aproveitadas para o gozo descontraído em convívios, onde se procurava também afastar a guerra do pensamento. É certo que já pensava na necessidade de correspondência amistosa, mas estava decidido a nem sequer vir a ter “madrinha de guerra”.

Porém, num Domingo em que alterámos o circuito das visitas às jovens do interior de St.ª Maria da Feira, muito simpáticas especialmente nos magustos que nos proporcionavam, rodámos em sentido contrário, seguindo de Canedo para Lever, entrando no leste de Vila Nova de Gaia, e assentámos em Crestuma, junto ao Rio Douro, para petiscar sável e lampreia. Ao sairmos do tasco da Mariazinha, bem comidos e bem bebidos, trazíamos maiores motivações para as habituais investidas “piropeiras”. Por sorte, logo ali de frente, no Largo do Torrão, estava um grupo de belas jovens, que até pareciam estar à nossa espera. Ao fim de poucos minutos, já o grupo de pretensos galãs se dividia em conversas directas, entre fortuitos casais. Foi nessa altura que quando dei por mim, já subia pela estrada da Mouratinha, acompanhado pela “mais bela do grupo”.

Poucos dias depois, ao descer pela primeira vez, por Crestuma abaixo, pude admirar melhor as belezas naturais que a tornam uma das mais belas e mais admiradas. Parar no adro da Igreja Matriz, e olhar o Rio Douro e as suas margens, especialmente para junto da foz do seu afluente Rio Uíma, é uma sensação ímpar, inexplicável e muito emotiva. Em Fiães, uns 12 km a montante, conhecia muito bem o Rio Uíma. Foi nele que aprendi a nadar e a pescar umas trutas. Porém, nunca tinha ido a Crestuma, nem imaginava a sua grandeza intrinsecamente ligada ao rio da minha terra.

Ó terra de lenda,
Paninho de renda
Bordado por mãos de fada!
Tão bela e garrida
És a minha vida
Ó minha terra adorada!
Crestuma formosa,
Meu botão de rosa,
No perfume e no feitio,
Talvez sejas pobre
Mas és a mais nobre
Das terras da beira-rio.

Extracto de poema de Eugénio Paiva Freixo, consagrado poeta Crestumense.

Embora, inicialmente, tudo parecesse normal, o certo é que, desta vez, o espectro da guerra trazia efectivamente preocupações acrescidas. Agora, que pouco tempo faltava para ir para a Guiné, sentia que, afinal, a minha determinação de finais de Setembro fora involuntariamente ultrapassada. Já havia sido atraído por belas raparigas, com destaque para loiras, olhos verdes, mamas salientes, boas pernas, tudo do melhor, em corpos fortes e sorridentes. Porém, de repente, parece que esses predicados foram esquecidos, para valorizar outros encantos que só o coração compreende. Era chegado o amor. Enfim, o costume de quem se apaixona.

Cada vez mais preso a esta relação, procurava então que ela não pudesse provocar as indesejáveis mazelas. Assim, embora o amor estivesse bem presente neste relacionamento, procurou-se evitar compromissos de maior responsabilidade. Ficou, todavia, a ligação permanente, até o que a guerra decidisse.


Crestuma é uma pequena povoação ribeirinha, situada na margem esquerda do Rio Douro, junto à foz do Rio Uíma. O seu nome provem da aglutinação das palavras Castelo (Crastrum) e Rio Uíma (Umia) – Crastumia - Crestuma. No dizer de historiadores e arqueólogos que se têm dedicado ao estudo das origens de Crestuma, o morro do Castelo (Parque Botânico) já foi ocupado na idade do ferro (I milénio a.C.). Aí se terá instalado na elevação, um povoado indígena, similar a tantos outros castros da região.

Na sequencia das guerras púnicas, os romanos aproveitaram a estratégia dos cartagineses que os atacaram pelo norte de Itália e, retaliando, entraram pela Península Ibérica. Atacaram Mérida e chegaram a Lisboa em 218 a.C..

Em 137 a.C, já os romanos dominavam as margens do Douro, controlando e desenvolvendo as actividades mineiras. O filão aurífico que já havia sido bem descoberto, estendia-se desde as proximidades de Póvoa de Varzim, seguindo por Valongo, Melres, Lomba, Arouca, até Castro Daire.

Estudos recentes levaram à descoberta de um Cais Romano em Crestuma, de onde partiam valiosas cargas para Roma. Mais recentemente, constata-se que também já havia ali uma certa tradição na arte de fundição.

Também se apontam os inúmeros moinhos, muito antigos, concentrados no Rio Uíma, como prova de que eram utilizados para moerem também pedras, para se apurarem os minerais mais valiosos.

A.C. da Cunha Morais

Independentemente deste longo período de domínio romano, revemos testemunhos de intensa actividade industrial, especialmente nos sectores da Metalurgia e do Têxtil. Para que se compreenda a força industrial de Crestuma, basta referir que foi ali que se fundaram estes respectivos sindicatos nacionais.

Canhões fabricados em Crestuma

Ali se fabricava armamento de guerra. Hoje ainda são visíveis canhões usados na guerra civil, entre D. Miguel e D. Pedro.

Na primeira metade do século XX, esta pequena povoação possuía cerca de 40% de toda a indústria de Vila Nova de Gaia.

Fundição de Arcos de Ferro e Verguinha, fundada em 1793. Mais tarde (e até hoje) Companhia de Fiação de Crestuma.

As empresas, que gozavam de um certo proteccionismo colonial, exportavam os seus produtos com relativa facilidade. Acontecia, até, que havia produtos, cujo monopólio de produção, se cingia a empresas de Crestuma.
Como reflexo desta actividade, vivia-se em Crestuma em franco ambiente de cidade, onde nem o cinema faltava, quase diariamente. As belezas naturais, de onde se destacava a Quinta da Estrela, faziam atrair grupos de visitantes. Por sua vez, os industriais locais, que gozavam de grande prestígio, recebiam as personalidades mais importantes que visitavam o Porto.


Gago Coutinho visita Crestuma quando da sua homenagem no Porto

Já na Guiné, eu enviava fotos para a namorada, onde se realçavam os panos duros que as indígenas usavam, especialmente quando as mães prendiam crianças nas costas ou em outras cargas. Foi nessa altura que fui esclarecido que esses tecidos que chegavam a todos os cantos da Guiné, eram fabricados em Crestuma.

Mais tarde, em 1975, quando já vivia em Crestuma, em casa dos meus sogros, embora trabalhasse na fábrica de fundição, acompanhava, ao de leve, a actividade da fábrica de tecelagem, onde trabalhava a minha mulher.

Com a independência da Guiné, verificaram-se algumas alterações nesse relacionamento comercial, para onde se exportava mais de 80% da produção. Nada ficaria como antes.

Após várias deslocações do meu cunhado Augusto à Guiné, foi acordada uma parceria, ou apoio, para implantação de uma unidade de tecelagem na ilha de Bolama. Desse acordo resultou a vinda de uma equipa de guineenses, para aprenderem a trabalhar com os teares e outras máquinas, enquanto se ia construindo a fábrica em Bolama (1).

Essa equipa era composta por 5 elementos, onde se destacava um idoso, conhecedor de fabrico em tear manual, mas os outros 3 de tecelagem nada sabiam. Vinham acompanhados por uma senhora, ainda jovem, que parecia exercer funções de Comissária Política. Eles estavam instalados numa casa do senhor. Marques, no Largo do Torrão, junto à foz do Rio Uíma e comiam no Restaurante Marujo, de Fioso. A senhora estava instalada em nossa casa. Todavia, parecia sempre ausente, muito ocupada com os seus contactos de interesse, aparentemente, guineense. Telefonava muito e ausentava-se amiúde. Nos intervalos, lia e fazia relatórios. Ela parecia ocupar lugar de grande importância na governação.

Talvez devido a condicionalismos de ordem financeira, ou, talvez, devido à delicadeza da nova situação económica, eu via o meu sogro bastante apreensivo e muito cauteloso com este relacionamento. Parecia estar sempre disponível para ela.

Apesar da distância que ela parecia querer manter, logo que a conversa se proporcionou, naturalmente, falámos da Guiné.

Tudo bem enquanto falei das belezas dos Bijagós, da estadia no Quartel General de Bissau, dos mergulhos na piscina de Bafatá e dos tempos (de descanso) em Canquelifá. Porém, quando referi que a minha Companhia era de Intervenção, que estivera em vários locais, mas que o Batalhão estivera sempre em Catió, ela aproveitou logo para lembrar e enaltecer os seus bravos camaradas que derrotaram e rechaçaram todas as investidas das tropas coloniais.

Quando lhe disse que estivera no Oio, o local onde mais sofrera e que entráramos em Samba Culo (2), ela contrariou de novo, alegando que as tropas coloniais nunca lá tinham conseguido chegar. Seguidamente enumerou vários combates, alguns deles com a minha Companhia (as datas coincidiam), mas, pelo exagero dos seus heróicos relatos, nem parecia tratar-se dos mesmos.

Tentei amenizar o seu entusiasmo, lembrando que as NT utilizavam as notícias como fonte de propaganda e que, também, exageravam ao darem notícias, o que eu considerava normal em tempo de guerra. Ela retorquiu e reafirmou que os seus relatos eram reais e que o PAIGC não tinha serviço de propaganda mas sim serviço de informação.

Lembrei que eu ouvira na Rádio eles referirem que no ataque a Catió (3), haviam destruído 3 das 4 casernas do quartel. Ela quase nem me deixou acabar, para reafirmar que sim, que tinha sido verdade. Acrescentei que as granadas se dispersaram pela bolanha e que só uma caíra dentro do quartel de Catió, onde eu estava, e nem rebentara. E que uma outra rebentara na povoação Fula, tendo um estilhaço sido tirado de uma nádega, a uma mulher. Porém, mesmo assim, a Senhora Comissária continuou a reafirmar que tinha sido verdade.

Perante tanta convicção e estando eu à mesa com os meus sogros, em sua casa, não me restou outra alternativa que calar-me e aguardar que o assunto fosse esquecido.

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Notas do autor:

1 – Porque as vi embaladas, penso que chegaram a ser enviadas algumas das máquinas para Bolama (Torcedores, Dobadoras, Encartadeiras e Teares de Banda). Porém, após algumas visitas de inspecção ao edifício, humidade e clima, o projecto esfumou-se.

2 - Op. Inquietar II. No dia 6 de Julho de 1967, após cerca de 4 horas sob emboscada IN, a CART 1689 entrou em Samba Culo, onde descobriu um depósito de armas e munições. O êxito desta Operação veio a consagrar a esta unidade com a Flâmula de Honra em Ouro, atribuída pelo CTIG. http://blogueforanadaevaotres.blogspot.pt/2011/04/guine-6374-p8078-outras-memorias-da.html

3 – O referido ataque a Catió, foi na noite do dia 6 de Junho de 1968.
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de maio de 2016 Guiné 63/74 - P16054: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (23): Religiosos de primeira e pobres (crentes) de segunda (Recordações de infância)