Angola > Luanda > 1961 > Desfile de tropas > O António Rosinha, beirão, vivia já em Angola há uns anos (foi para lá adolescente e fez lá a tropa)... Vemo-lo aqui a desfilar com o seu pelotão, que parece ser composto apenas por militares do recrutamento local (ele nunca nos disse a que unidade ou subunidade pertenceu, e por onde andou, em concreto; sabemos que teve uma "guerra" relativamente tranquila, apesar dos acontecimentos de 1961...). Era furriel miliciano aparece aqui em primeiro plano, depois do alferes, cmdt do pelotão, na segunda fila, a dos comandantes de secção: é o primeiro a contar da direita para a esquerda, está de óculos escuros e empunha, durante o desfile, pistola-metralhadora FBP, tal como os restantes graduados; as praças usavam, evidentemente, a velha espingarda Mauser 7,9 mm m/937 ... A farda, em 1961, era o do "caqui amarelo"... E, em plenos trópicos, os combatentes da época usavam capacete de aço.
1. O António Rosinha não queria entrar para a nossa Tabanca Grande (em 2006, chamava-se apenas "tertúlia"), não obstante a estima que lhe logo lhe manifestaram alguns dos nossos camaradas como o Amílcar Mendes, o Vítor Junqueira e eu próprio, que fiz questão de o "apadrinhar". E ainda bem que ele acabou por aceitar sentar-se à sombra do nosso poilão em 29/11/2006 (nessa altura ainda não havia poilão nem tabanca, tratávamo-nos uns aos outros como "tertulianos", membros da "Tertúlia dos Amigos & Camaradas da Guiné").
E em boa hora ele começou a colaborar connosco, desfiando as suas memórias do império: além de Angola (onde diz que foi "colón até 1974"), fez a diáspora dos "retornados", passou pelo Brasil e pela Guiné-Bissau, onde depois da independência, de 1979 a 1993, trabalhou como "cooperante", exercendo a sua profissão, como topógrafo, na empresa de construção e obras públicas TECNIL (que fez muitas das infraestruturas daquele país, antes e depois da independência; foi herdada do "colonialismo" tanto por Luís Cabral como pelo seu carrasco, 'Nino' Vieira, o mesmo aconteceu com o comandante Pombo, que ficou a pilotar o avião a jato privado Falcon da presidência).
O Rosinha é autor de uma notável série, a que demos o nome de "Cadernos de Notas de Um Mais Velho", em geral alimentada com pequenas notas e comentários que ele vai deixando no blogue. Já se publicaram uma meia centena de postes. Além disso, é um caso notável de longevidade, vida ativa saudável, proatividade... A brincar, a brincar, ele deve chegar aos 90 para o ano se as minhas contas não falham! (Tinha 77 anos em 2012)... É, pois, um grande exemplo para todos nós!... (Não tenho ideia de ter alguém , com a sua idade, ainda tão ativo como ele, no nosso blogue, neste momento!)Pelo seu bom senso, sensibilidade, perspicácia, inteligência emocional, história de vida, cultura e memória de "africanista", o Rosinha, um dos nossos veteranos, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, mesmo quando as nossas opiniões podem divergir.
A ele poderá aplicar-se inteiramente o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo".
Esse provérbio veio mesmo a propósito desta pequena história "pícara", que não é "nenhum segredo de Estado", mas queremos "repescar" e preservar, agora na série "O segredo de...". (**).
É uma história com piada, com chiste, com humor, típico dos velhos africanistas, e é também uma lição sob o "sic transit gloria mundi", a vaidade e a transitoriedade do poder e da glória...
Que fique claro: não é intenção do Rosinha (nem dos editores do blogue) achincalhar ninguém nem muito menos bater nos mortos ou ajustar contas. Simplesmente o picaresco, o burlesco, a ironia, o riso, o humor, etc., fazem parte da nossa "caserna" de velhos combatentes. Uma boa piada, uma boa história sobre os "nossos homens grandes", seja o Spínola ou seja o Amílcar Cabral, são a prova de que aqui somos plurais e defendemos a todo o custo a liberdade de expressão, pedra basilar da democracia que recuperámos há 50 anos.
Guiné > Bissau > s/d [meados dos anos 60] > Aspecto parcial do centro histórico, Câmara Municipal à direita, Palácio do Governador ao fundo à esquerda, Praça do Império, monumento "Ao Esforço da Raça", telhados de outros edifícios públicos, etc... Bilhete postal, nº 133, Edição "Foto Serra" (Colecção Guiné Portuguesa")...
O António Rosinha pede-nos para "enriquecer o poste com esta lindíssima foto onde se vê a casa que o Luís Cabral queria que a Tecnil lhe adaptasse, antes de ser deposto em 1980 (...). Essa foto (tirada de helicóptero, penso eu) é das mais bonitas sobre Bissau (...): uma lindíssima residência, r/c e 1º andar com um Jeep Willys da nossa tropa junto à entrada de casa (...). Foi essa casa que o Luís Cabral queria adaptar para sua residência, e que o Ramiro Sobral, o patrão da Tecnil (***), lhe agoirou o destino."
Colecção: Agostinho Gaspar / Digitalizações e edição: Bogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)
O segredo de... (41): António Rosinha (ex-fur ml, Angola, 1961/62; topógrafo da TECNIL, Bissau, 1987/1993):
Luís Cabral pretendia reformular uma residência bastante moderna que foi propriedade de um antigo 'colón', que eu não conheci, para sua residência, penso eu. Essa residência ficava atrás do gabinete do primeiro ministro, e tinha uma portaria que era preciso adaptar, na cabeça de Luís Cabral, para receber o Volvo presidencial, bem junto à porta da casa.
E, agora, vou falar em nomes de gente muito simpática e não quero de maneira nenhuma fazer «politiquice» nem com as pessoas nem com a atitude das mesmas nem do momento. O ministro das Obras Públicas era 'Tino' Lima Gomes que era arquitecto e ainda chegou a dar uma vista de olhos na portaria mas sem adiantar qualquer solução.
A esposa dele, a camarada Milanka, de nacionalidade jugoslava, arquitecta nas Obras Públicas, é que foi encarregue de descalçar a bota, e eu no campo [como topógrafo] para executar o impossível.
E o velho, de 75 anos, e muitos anos de África, habituado a resolver casos bicudos, analisou e solucionou:
– Senhora Dona Milanka (toda a gente dizia "camarada Milanka"), sabe porque ando nesta vida com esta saúde aos 75 anos? Porque a porta da minha casa em Viseu tem 3 degraus. E subir e descer esses 3 degraus dão-me imensa saúde. Convença o senhor presidente que com 3 degraus resolve o problema e dá-lhe imensa saúde para daqui a muitos anos continuar com o meu dinamismo.
Passados uns instantes, já só comigo no automóvel, Ramiro Sobral, como que a falar para os próprios botões, previa:
– Com degraus ou sem degraus, não vais envelhecer aqui, não.
Talvez uns 15 dias depois, dá-se o golpe a 14 de Novembro de 1980 que derruba Luís Cabral.
Tinha o seguinte currículo popularmente conhecido na sociedade de Bissau:
(i) era furriel da Força Aérea, guineense, da minha idade, portanto foi para a Força aérea antes da Guerra do Ultramar;
(ii) era guineense de uma família antiga, "colonialista", que se foi "amestiçando";
(iii) como era menino bonito e inteligente, era um desperdício ir lutar para o mato como os indígenas. (Isto o povo pensava em crioulo, mas eu traduzo.)
Foi de armas e bagagens estudar com bolsa para a Jugoslávia e regressou com bagagem pesada, canudo de engenheiro/arquitecto, após a independência.
O PAIGC, reconhecido, atribui-lhe mais que uma pasta governamental, e também agradecido o governo português concedeu-lhe bolsas de estudo para os filhos nos Pupilos do Exército em Lisboa.
Já faleceu. em acidente com arma de caça.
Chamava-se 'Tino', Alberto 'Tino' Lima Gomes, foi ministro das obras públicas de Luís Cabral. Era um português como milhares de transmontanos, açorianos, angolanos, etc., nunca foi indígena, nasceu «assimilado». (*)
Guiné-Bissau > Arquipélagos dos Bijagós > Ilha de Bubaque > 2013 > A antiga casa de Luís Cabral, projeto dos arquitetos de origem jugoslava (1976/1978) Milanka Lima Gomes e Nicola Arsenic. Foto do nosso camarada José Martins Rodrigues (ex-1.º Cabo Aux Enf.º da CART 2716/BART 2917, Xitole, 1970/72) (****)
REHNMAN, Lucas. ‘Seemingly built, suddenly ruined: decolonisation and dis.connectivity in post.colonial Guinea-Bissau 1973-1983'. Global Dis-Connect Blog, 21 february 2023.
Tabanca Graca Luís, Graça. ‘Caderno de Notas de Um Mais Velho’. Blog. Luís Graça & Camaradas Da Guiné (blog), 9 November 2016. https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2016/11/guine-6374-p16700-caderno-de-notas-de.html.
(...) Seguramente mais ambiciosa e formalmente inventiva é a antiga residência presidencial, que se situa na ilha de Bubaque, no arquipélago dos Bijagós, e que está agora em ruínas (...) . Apesar da sua aparência enganadoramente brutalista, a estrutura de betão foi originalmente pintada de branco e coberta por placas betuminosas. Este corpo de trabalho arquitectónico aqui apresentado pode ser visto como uma ingestão criativa e digestão de arquitectura estrangeira, o que significa que não apenas ocorreu um mero empréstimo de formas e soluções modernistas brancas, mas que também se deu uma apropriação, interpretação e transformação local do vocabulário modernista. constituindo por isso uma arquitetura original e híbrida que vale a pena documentar e preservar." (...) (tr. livre, Google / LG)
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 9 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16701: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (49): quatro apontamenmtos: (i) Angola, as boas famílias e os seus desertores; (ii) o nosso presidente em Havana; (iii) o desertor guineense da Força Aérea; e (iv) o ministro das obras públicas de Luís Cabral, Tino Lima Gomes, a camarada Milanka e o meu velho patrão Ramiro Sobral, que não precisava de subir ao alto do poilão para ver ao longe...
(**) Último poste da série > 8 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25048: O segredo de...(40): Patrício Ribeiro, 76 anos: Angola, Quifangondo, 1975: uma das "minhas guerras" a que assisti ao vivo
(***) Sobre a TECNIL, vd. postes de;
3 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9555: Caderno de notas de um Mais Velho (19): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte I)
5 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9561: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (20): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte II)
25 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9655: Caderno de notas de um Mais Velho (Antº Rosinha) (21): TECNIL, importante empresa de obras públicas, que desaparece do mapa (Parte III)