Foto (e legenda): © Jorge Félix (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Não sei se esta história é verdadeira ou não. Mas tenho que a tomar como verídica, já que foi contada em primeira mão por um capitão do quadro, comandante da CCAÇ 3399/ BCAÇ 3852 (Aldeia Formosa, 1971/73), o cap inf Horácio José Gomes Teixeira Malheiro, que esteve na "periferia dos acontecimentos" (*).
Temos que admitir que, quando se falava das peripécias do gen Spínola, no CTIG, muitas vezes se mistura(va) ficção e realidade. Daí esta história vir "engrossar" a nossa série "Humor de caserna" e o "anedotário da Spinolândia" (**). A história do heli é perfeitamente verosímil e desta vez o general (e os seus acompanhantes) terá apanhado um valente susto...
A história consta do livro do nosso já saudoso Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022), "Quebo: Nos confins da Guiné" (Coimbra, Palimage, 2014, 364 pp.), cuja capa se reproduz acima.
Vamos reproduzir aqui um excerto do capítulo 10º ("O capitão de Aldeia Formosa, Horácio Malheiro"). É um depoimento do comandante da CCAÇ 3399 sobre a excelente articulação e cooperação, em operações, com o cap inf Rui Ferreira e os seus homens da CCAÇ 18 (pp. 179-196), não obstante os graves incidentes do Natal de 1971, rapidamente ultrapassados e esquecidos (*).
O cap inf Horácio Malheiro (não sabemos que posto tinha em 2014, aquando da publicação do livro, "Quebo"), dá vários exemplos de ações conjuntas que se traduziram em "êxitos para o Batalhão" (pág. 191).
Uma delas, louvada de resto pelo gen Spínola, terá sido na sequência da Op Muralha Quimérica, em abril de 1972. "uma operação que visava evitar a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de Zonas Libertadas onde o Exército Português não entrava e assim seriam reconhecidas internacionalmente como legítimas representantes dos Povos da Guiné" (pág. 192).
Decorreu durante 12 dias e envolveu forças da CCAÇ 3399, CCAÇ 18, paraquedistas, comandos africanos e o Grupo Especial do Marcelino da Mata. A operação teve como comandante, o ten cor paraquedista, Araújo e Sá, do BCP 12.
2. Um situação insólita em que o Com-Chefe se ia lixando...
por Horácio Malheiro
(...) Lembro-me de uma situação insólita que se passou nessa altura. Estava a minha Companhia de reserva em Aldeia Formosa quando recebo ordens urgentes para embarcar nos helis, que estavam estacionados na pista, e seria já no voo que teria conhecimento do destino e missão.
Embarcámos de imediato e quando nos preparávamos para descolar, soube nessa altura que a missão era resgatar o general Spínola que presumivelmente teria sido aprisionado pelo IN quando o seu heli teria aterrado no meio de forças IN na altura confundidas com os Comandos Africanos.
Na altura da descolagem, o meu piloto, comandante da esquadrilha de helis, recebeu, via rádio, uma comunicação do heli do general Spínola informando que já vinha a caminho, pelo que apeámos s e aguardámos a sua chegada.
Quando chegou o heli do general, este saiu todo sujo de fuligem bem como o seu ajudante de campo, capitão Tomás, cujas mãos tremiam descontroladamente ao cumprimentar-me.
O general teve só um comentário ao desembarcar: "Porra, porra, lá iam lixando o Comandante-Chefe", e seguiu para a sede de Batalhão.
Já no bar, em conversa, soube que o general tinha mandado aterrar o heli numa clareira da mata onde vislumbrou militares africanos IN de camuflado que confundiu com os Comandos Africanos por terem adoptado no terreno um dispositivo de segurança à aterragem.
Quando aterrou e apeou, foi recebido a tiro e todos se atiraram ao chão que tinha sido queimado e daí o terem ficado cheios de fuligem. Passado este instante de estupefacção, entraram a correr para o heli que descolou de imediato, debaixo de fogo IN, que mal adivinhava que tinha tido ao seu alcance o maior "ronco" da guerra da Guiné, que seria a captura ou abate do (...) Comandante-Chefe [do Exército Português] " (pp. 192/193).
[Selecção / revisão e fixação de texto / parênteses retos, para efeitos de publicação deste poste: LG]
___________
(*) Vd. poste de 26 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23817: In Memoriam (463): Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022)... Um excerto do livro "Quebo" (2014): Recordando os tristes acontecimentos que ensombraram Aldeia Formosa, na noite de Consoada de 1971, "se não a pior, uma das mais trágicas da minha vida"