Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta Rio Corubal. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Rio Corubal. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 14 de abril de 2025

Guiné 61/74 - P26686: Notas de leitura (1789): "Quebo, Nos confins da Guiné", de Rui Alexandrino Ferreira; Palimage, 2014 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Há algo de emocionante nos depoimentos de um punhado de convocados para falar de Rui Alexandrino Ferreira, da vida no Quebo, daquelas emboscadas duríssimas no chamado corredor de Guileje e suas variantes, nos patrulhamentos ininterruptos junto da fronteira; trata-se de gente de dois batalhões, de companhias de intervenção que conviveram com a CCAÇ 18, que jamais esqueceram que para além dos riscos de toda aquela operacionalidade chamada contrapenetração havia a vida na tabanca militar, alugaram-se junto da população civil habitações onde houve introduzir algum conforto, desviou-se cimento, tirou-se uma baixada de eletricidade, ninguém esqueceu o quarto do então capitão Rui Alexandrino que tinha um ambiente de casa de diversão noturna, não faltavam fotografias da Playboy, três ventoinhas, um gira-discos, uma pequena geleira, encontrou-se algum mobiliário de quarto, fez-se uma zona de balneário, instalou-se uma sanita, todos recordam aquele quarto como ponto turístico da Aldeia Formosa, uma vulgar e mísera palhota tornou-se um lugar de refúgio para muitos, ninguém esqueceu este ousado capitão que, como escreveu Pezarat Correia, aliava ao seu entusiasmo contagiante uma notável dose de bom-senso.

Um abraço do
Mário



Memórias do Quebo, da CCAÇ 18, o testemunho de amigos (2)

Mário Beja Santos

"Quebo, Nos confins da Guiné", Palimage (palimage@palimage.pt), 2014, é o segundo livro de Rui Alexandrino Ferreira (1943-2022) que fez duas comissões na Guiné. 

A primeira deu origem a uma obra de consulta obrigatória para quem estuda a literatura da guerra colonial, "Rumo a Fulacunda", Palimage, 2000; a segunda é "Quebo" que nos leva à sua segunda comissão, é já capitão e comanda uma companhia de tropa guineense, a CCAÇ 18. Começa por justificar as razões que o levaram, já na disponibilidade, em dezembro de 1967, e tendo regressado a Sá da Bandeira, onde pensa que iria encontrar readaptação, veio a descobrir que não era numa repartição de fazenda pública que sonhava viver, e decidiu então regressar à vida militar. 

Na primeira comissão recebera a condecoração da Cruz de Guerra de 1.ª Classe, descobrira o sentido da liderança e a vocação para comandar homens.

Arribou à Guiné, andou no Pelundo, recebeu ordem de ir formar uma companhia de caçadores africanos, a 18. E partiu para Aldeia Formosa, conviveu com dois batalhões, resolveu passar ao papel as recordações da segunda comissão, o relato tem singularidade de convocar amigos e camaradas desta segunda comissão, é o caso do capitão Horácio Malheiro, comandante da CCAÇ 3399, estacionada no Quebo entre agosto de 1971 e agosto de 1973, por curiosidade já tinham ambos feito comissão em 1967 e casualmente percorreram as mesmas estradas e trilhos. Lembra que os oficiais não tinham residência dentro do aquartelamento, alugavam na tabanca casas dos indígenas, punham algum conforto como telhados de chapa de zinco, portas e janelas, a luz vinha do gerador do quartel, fizeram-se latrinas e balneário. 

Não esqueceu os acontecimentos da noite de 24 de dezembro de 1971, houve tiroteio entre tropa metropolitana e guineense, tudo nasceu de um desacato, os guineenses puxaram pelas armas, houve um morto e feridos, Spínola apareceu prontamente, arengou, quis conhecer os autores do desacato, houve expressões azedas entre Spínola e Rui Alexandrino, Spínola deu umas bofetadas e mandou conduzir sob prisão para o avião um conjunto de militares, aplicando uma pesada pena ao comandante do batalhão, foi automaticamente removido do cargo.

Recorda as atividades da CCAÇ 18 e os seus sucessos nas emboscadas; dá especial ênfase à Operação Muralha Quimérica, previa-se a entrada na Guiné de elementos da ONU que vinham verificar a existência de zonas libertadas, a CCAÇ 3399 e a CCAÇ 18, bem como os paraquedistas, os comandos africanos e o grupo especial do Marcelino da Mata percorreram a região do Cantanhez, foi uma operação que durou 12 dias, não houve encontro com as forças do PAIGC e os visitantes. 

Refere Horácio Malheiro que comandou a companhia operacional que esteve mais tempo em intervenção em toda a guerra da Guiné, com missões no corredor de Guileje, em múltiplos patrulhamentos na fronteira, oito meses de proteção à abertura de uma estrada alcatroada dirigida a uma das principais bases do PAIGC no Sul, Unal-Salancaur e colunas de reabastecimento entre Aldeia Formosa e Buba. A guerra tinha evoluído, abrira-se uma nova frente de atividades com a construção de uma nova estrada, Mampatá-Colibuia-Cumbijã-Nhacobá, e de três novos quartéis em Colibuia, Cumbijã e Nhacobá, foi um período de atividade muito intensa e desgastante. Diz-se que o quartel de Nhacobá foi ocupado em 21 de maio de 1973 e abandonado a 25 de maio, por não oferecer condições de segurança mínimas e ter ataques contínuos com duração de horas.

O autor recorda a morte de Virgolino Ribeiro Spencer na já referida noite de 24 de dezembro de 1971 e dá a palavra a um conjunto de intervenções de amigos e camaradas, como Alexandre Valente, Aristóteles Tomé Pires Nunes, Carlos Naia, Carlos Santos, Eduardo Roseiro, Hélder Vaz Pereira, João Manuel Marcelino e Joaquim dos Reis Martins, há neste acervo observações muito curiosas, dão para perceber como ia evoluindo a guerra, Aldeia Formosa passou a ser flagelada, conta-se a história do sargento Hélder Vaz Pereira que foi graduado em alferes dada as suas qualidades de combatente e chefe, traz-nos um belo depoimento, dizendo a dada altura: 

“Com a partida do capitão Rui, em setembro de 1972, a tabanca da 18 perdeu todo o encanto que tinha e foi desativada.” 

E despede-se com agradecimentos: 

“Aos que comigo se alegraram nos bons momentos e aos que me ajudaram a suportar e superar as dores dos maus momentos, as angústias, os temores, as incertezas, os medos, os pesadelos e as desilusões que muito me ensinaram, a todos manifesto o meu mais profundo reconhecimento, do capitão Rui Ferreira ao último dos soldados, a todos, fico devedor para toda a vida.”

Rui Alexandrino despede-se rememorando histórias rocambolescas da guerra que escaparam ao seu primeiro livro "Rumo a Fulacunda", recorda a sua participação na Operação Muralha Quimérica, guarda muitas perguntas sem resposta, tais como: 

  • Estaria a Guiné em condições de se tornar independente? 
  • Quem mandou matar Amílcar Cabral? 
  • Foi apurada a responsabilidade de alguém sobre a tragédia do Corubal onde morreram 47 militares portugueses? 
  • Por que não se realizou, relativamente ao abandono de Guileje, o julgamento de Coutinho e Lima? 
  • Por que não prosseguiu o julgamento todo o caminho que lhe faltava?

 Pedro Pezarat Correia tece um grande elogio ao autor no seu depoimento:

“Há uma característica da liderança que considero o tempero decisivo capaz de se conferir virtude a determinados atributos de comando que, sem ela, podem tornar-se excessivos e transformar-se em defeitos perversos. Refiro-me ao bom-senso, o equilíbrio moderador que impede que a coragem resvale para temeridade gratuita empurrando os seus homens para riscos desnecessários, que evita o culto da disciplina pelo lugar ao autoritarismo desumano, que a tolerância resvale para o laxismo, que o gosto pela decisão rápida caia na precipitação, que o excesso de ponderação conduza à hesitação. O bom-senso confere sangue-frio a situações de pressão emocional, presença de espírito quando à volta se instala a ansiedade. É uma virtude que, normalmente, se adquire com a idade, com a experiência, com a dimensão da responsabilidade. Apesar da sua juventude, o capitão Rui Alexandrino Ferreira aliava ao seu entusiasmo contagiante uma notável dose de bom-senso, o que lhe permitiu aplicar a usa coragem, o seu sentido de disciplina, o seu gosto pela decisão, na medida e no sentido convenientes.”

Que fique a boa memória do coronel Rui Alexandrino Ferreira.

Aldeia Formosa, 1973, fotografia de José Mota Veiga já publicada no nosso blogue
_____________

Nota do editor

Último post da série de 11 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26678: Notas de leitura (1788): "Quebo, Nos confins da Guiné", de Rui Alexandrino Ferreira; Palimage, 2014 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26515: S(C)em Comentários (59): Ainda a Op Trampolim Mágico, desembarque anfíbio na margem direita do rio Corubal (Luís Dias, ex-alf mil, CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74



Luís Dias

1. Comentário do poste P26513 (*):

A primeira grande operação em que me vi envolvido, quando comandava o 2º Gr Comb da CCAÇ 3491, integrado, juntamente com o 3º Gr Comb  também da minha companhia, no agrupamento "Castanho". 

Recordo que estivemos estacionados dentro de uma LDG, no meio do rio Geba, durante grande parte do dia, na véspera da Operação, que fomos atracar a Porto Gole, para pernoitar (onde penso ter bebido as cervejas mais frescas da minha vida, tal a sede). 

Que no dia seguinte, dentro da LDG lançada 
a toda a força,  fomos desembarcar na Ponta Luís Dias (engraçado ter o meu nome, mas, é claro, não tem a ver comigo), apoiados pelo fogo de artilharia da LDG e o bombardeamento dos aviões da FAP, estando a assistir ao desembarque o General Spínola. 

A operação foi decorrendo e devido a termos ficados parados, expostos ao sol (escaparam a este sacrifício os 2 Gr Comb  da nossa companhia, que eram os últimos do agrupamento e que, depois de ter perguntado ao Capitão que dirigia o agrupamento, o que se estava a passar - parados à espera de ordens (?)- decidi colocar os homens em locais junto de árvores que os protegessem do intenso calor. 

Interessa lembrar que a operação estava a ser levada a cabo, essencialmente, por forças do BART 3873 e BCAÇ 3872, que estavam na Guiné há pouco tempo e ainda não habituados a excessivo calor. 

A operação poderia ter corrido muito mal face à falta de água que se fez sentir, a diversas evacuações de pessoal desidratado e outros acontecimentos que não vou lembrar, porque a falta de água transtorna o cérebro de uma pessoa. 

O IN apercebeu-se da quantidade de homens e material empregue na operação e foi fugindo da zona deixando para trás velhos, mulheres e crianças, que foram levados pelas nossas forças. 

Não tivemos qualquer contacto e o IN apenas durante a noite lançou, à toa, morteiradas, com o intuito de conseguir saber onde estávamos instalados para dormir, mas sem, felizmente, qualquer sucesso e as tropas também decidiram não responder, para que eles não nos conseguissem localizar. 

A operação para o nosso agrupamento terminou em Mansambo, sendo recebidos pelo pessoal desse aquartelamento com jerricãs cheios de água, recebidos como um grande petisco, por todos nós.

Luís Dias, ex-alf mil,  CCAÇ 3491/BCAÇ3872 (Dulombi/Galomaro/Piche/Bambadinca/Nova Lamego/Pirada/Dulombi/Cumeré) | 
Guiné 24dez1971/28mar1974.


(Seleção. revisão / fixação de texto: LG)



Guiné > Carta de Fulacunda (1955) (Escala 1/50 mil) > Posições relativas das NT (a negro): Fulacunda, Ganjauará, Porto Gole e sector L1  (Bambadinca, Xime, Mansambo e Xitole) e do PAIGC (a vcrmelho): Ponta do Inglês, Ponta Luís Dias, Mangai, Mina / Fiofioli....

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1  (Bambadinca) > 1969/71 > Croqui do Sector L1 > Vd. as posições do PAIGC ao longo da margem direita do rio Corubal: Poindom / Ponta do Inglês (1 bigrupo); Ponta Luís Dias (1 bigrupo); Mangai (artilharia e bazucas): Mina / Fiofioli (base principal, 2 bigrupos); Galo Corubal / Satecuta (1 bigrupo)... As NT tinham unidades de quadrícula em Bambadinca (+ 1 CCAÇ 12, em intervenção), Xime, Mansambo e Xitole (BCAÇ 2852 e depois BART 2917).

Fonte: História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971

Infografia: © Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné Luís Graça (2005). Todos os direitos reservados
__________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 20 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26513: Imagens das nossas vidas: CART 3494 (1971/74) (Jorge Araújo / Luciano Jesus) - Parte III: A CART 3494 no Xime para render a CART 2715

(**) Último poste da série > 9 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26477: S(C)em Comentários (58): A "Primavera Marcelista" ?...é um mito: eu estava em Coimbra e e apanhei em pleno a crise académica de 1969 (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74)

domingo, 29 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26324: Tabanca da Diáspora Lusófona (26): o luso-canadiano, de origem madeirense, João E. Abreu, ex-sold cond auto, CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) - Parte I

 


Foto nº 1A e 1 > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > s/d > Ponte Caium > "Um banho na piscina da Ponte Caium, os piores 2 meses passados da comissáo. Ainda reconheço o alferes Pinheiro, ja falecido,  o Furriel Viola,  o Enfermeiro Gouveia e também o 1º cabo Silva que durante umas férias se esqueceu de voltar à Guiné".


Foto nº 2 > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > 1967 > Nova Lamego, quartel de baixo: no braço, o crachá dos "Panteras".



Foto nº 3A e 3 > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > 1968 >  Camajabá > O João E. Abreu com o Vítor Tavares


Foto nº 4 > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > s/l  >  s/d >   O João E. Abreu com um crocodilo juvenil, talvez nas imediações do rio Corubal, no Boé.


Foto nº 5A e 5 > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > 1968 >  Natal de 68 em Buruntuma.





Foto nº 6 e 6A> Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > 1967  > "Jangada a atravessar o rio Corubal a caminho de Madina de Boé, fins de 1967."

Fotos (e legendas): © João E. Abreu  (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O João E. Abreu é um luso-canadiano que eu gostaria de ver integrar a Tabanca da Diáspora Lusófona (*) e, claro, a Tabanca Grande. Fica desde já convidado. 

É sempre com alegria que descobrimos mais um  camarada da Guiné espalhado pelas sete partidas do mundo. Nesta caso,  de origem madeirense, como de resto sugere o seu próprio apelido. Fez parte da CART 1742.

Deixou no passado dia 27, às 21:10, o seguinte comentário, na nossa página do Facebook

"Ponte Caium:  aqui passei os piores dias da minha comissão, ainda hoje passados 55 anos do meu regresso ainda sonho com os ruídos que vinham do mato durante a noite, Soldado Condutor Auto. CART 1742, 1967/69."

É amigo da página do Facebook da Tabanca Grande. Temos três amigos em comum,  incluindo o nosso grão-tabanqueiro Abel Santos, (ex-sold at art, CART 1742, "Os Panteras", Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69).



O Abel Santos, que está connosco desde 14/7/2012 (e te 95 referências no blogue),  e é viznho do Carlos Vinhal, já trouxe consigo mais quatro "Panteras" (*):

(i) José Rosa da Silva Neto, ex-1.º cabo radiotelegrafista;

(ii) José Horácio da Cunha Dantas, ex-1.º cabo at art, apontador de bazuca, natural de Lama, concelho de Barcelos;

(iii) Jaime da Silva Mendes, ex-sold at inf,

(iv) e o António Joaquim de Castro Oliveira, ex-1.º cabo quarteleiro.

Espero que ele nos ajude a trazer, para o blogue da Luís Graça & Camaradas da Guiné, o João E. Abreu dem que só sabemos o seguinte:

 (i) vive em Mississauga, Ontário, Canadá;

(ii) natural de São Martinho, Madeira, Portugal;

(iii) faz anos a 22 de outubro;

(iv) é casado desde 31 de agosto de 1970.

2. Com a devida vénia, selecionámos e editámos algumas das fotos do seu álbum. 

Ficamos a saber, por esta amostra (I Parte),  e para já, que o sold cond auto João E. Abreu esteve em (ou passou por) Nova Lamego, Ponte Caium, Camabajá,  Buruntuma e Madina do Boé, o que não é pouco. 

Há uma resumo da história da CART 1742 (**)

(Seleção e reedição das fotos: LG)
______________


(**) Vd. postes de:

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25959: Verão de 2024: Nós por cá todos bem (13): no rio Corubal, na travessia para o Cheche (e Madina do Boé), que agora tem jangada nova... (Cherno Baldé / Valdemar Queiroz "Embaló")





Guiné > Região de Gabu >  Rio Corubal >  15 de setembro de 2024 >  Travessia  para o Cheche, na margem esquerda > A jangada (que não havia em 1969)

Foto (e legenda): © Chern0 Baldé (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Valdemar Queiroz "Embalõ" , ex-fur mil art, CART 2479 / CART 11 (Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (o "Embaló" é um #"nickname", uma alcunha carinhosa, que o Cherno Baldé lhe pôs em tempos, pela tua forte ligação aos fulas)


Cherno Baldé, o "nosso correspondente" em Bissau
 (tem 303 referências no nosso blogue)


Data - quarta, 18/09/2024, 21:55 
Assunto - Guiné, travessia para Che-Che


Luís, nova jangada a sério,  da travessia do Rio Corubal para o Cheche.

Por que razão  a nossa Engenharia não "produziu" uma jangada como esta ?  Não teria havido aquele desastre com dezenas de mortos na evacuação de Madina do Boé, Beli e Che-Che.

Esta foto foi-me enviada pelo Cherno Baldé numa viagem que fez a Madina.

Valdemar



Guiné-Bissau > Região de Gabu > Rio Corubal > Rampa de acesso ao outro lado do rio, Cheche  > 21 de abril de 2021 > Acidente com a jangada: queda de um camião ao rio, ao entrar na jangada, do lado de Béli.  Trânsito interrompido dos dois lados.


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 > Rampa de acesso, do lado do Gabu, na margem direita



Guiné-Bissau > Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 >  Rampa de acesso, na margem direita; lavadeiras-


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Gabu > Carta de Jábia (1961) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Ché Ché, na margem esquerda do Rio Corubal. 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


2. Comentário do editor LG:

Valdemar e Cherno, obrigado pela foto. Nunca lá estive, e apesar das inúmeras fotos que temos publicadas no blogue, sobre este lugar que nos traz trágicas memórias, às vezes também eu faço confusão:   a rampa, mostrada nas fotos acima,  fica na margem  direita do rio Corubal; Cheche, onde até à retirada de Madina doo Boé, em 6 de fevereiro de 1969, havia um destacamento militar, ficava na margem esquerda, como de resto bem documena a carta de Jábia (1961).

Portanto, está correta a tua legenda:  a jangada que faz a travessia do Rio Corubal para o Cheche, ou seja de norte para sul, da margem direita para a margem esquerda.

Obrigado, Cherno, pela tua lembrança. Pode não ser verão aí  (é ainda tempo das chuvas), mas não se está mal por essas bandas, no rio Corubal, para mais com uma "jangada nova" que não vai ao fundo...

____________

Nota do editor

Último poste da série > 13 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25939: Verão de 2024: Nõs por cã todos bem (12): ...menos as andorinhas, vítimas dos "ocupas", as abelhas asiáticas e os javalis, predadores! (Luís Graça, Tabanca de Candoz)

terça-feira, 25 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25681: 20º aniversário do nosso blogue (16): Alguns dos melhores postes de sempre (XI): na noite de 22 de junho de 1968, há 56 anos, Contabane transformou-se no inferno - Parte I: a versão de Manuel Traquina (ex-fur mil mec auto, CCAÇ 2382, Buba, 1968/70)




Guiné > Região de Tombali > Contabane > CCAÇ 2382 (1968/70) > Malta da CCAÇ 2382 instalada nma monumental bagabaga (candidato ao concurso O Melhor Bagabaga da Guiné...), nas proximidades de Contabane, uma tabanca e destacamento destruídos na sequência do ataque, de três horas, levado a cabo pelo PAIGC em 22 de junho de 1968.

Contabane foi então abandonado pelas NT e pela população. Mais tarde será feito um reordenamento, mesmo frente ao Saltinho. Por lá passou o nosso camarada Paulo Santiago, quando foi comandante Pel Caç Nat 53 (1970/72). A povoação hoje chama-se Sinchã Sambel.

Foto (e legenda): © Manuel Traquina (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar): Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Guião da CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70), "Por picadas nunca estradas, por estradas nunca picadas"... Um trocadilho bem achado..., ó Zé do Olho Vivo!




1. O Manuel Batista Traquina,
  "ribatejano, escritor e fadista", com vivências ang0lanas, ex-fur mil mec auto, da CCAÇ 2382, Buba, 1968/70) vive em Abrantes, onde nasceu em 1945.  [foto de 2008 à equerda].   

Podia ter sido apanhado à unha. Ou até ter sido morto. Teve sorte: esteve lá nesse pavoroso ataque a Contabane, em 22 de junho de 1968, e relatou-nos o essencial do que viu e viveu, no seu livro "Os Tempos de Guerra: de Abrantes à Guiné"   (Abrantes, editora Palha de Abrantes, 2009. ISBN 978-972-98796-6-1,228 pp.). A CECA (Comissão para o Estudo das Companhas de África) não faz qualquer referência a este ataque, que reduziu a cinzas Contabane que era até então um importante tampão fula (eixo Contabane - Aldeia Formosa), contra a fúria do PAIGC na região do Forreá.

Beja Santos
e Hermínio Marques

Este episódio de guerra foi recentemente evocado aqui pelo Beja Santos que, no passado dia 17, foi abordado pelo Hermínio Marques, antigo sold cond da CCAÇ 2382, o qual lhe contou como perdeu tod0s os seus haveres há 56 anos, em Contabane.

Ambos estava de passagem pela ilha de Santa Maria. O Hermínio Marques, que vive na América, casado com uma açoriana, reconheceu, no Hotel, o Beja Santos, sendo visita assídua do nosso blogue! (*).


Vamos convidar o Hermínio, que já nos escreveu, a juntar-se a esta tertúlia que é a Tabanca Grande, e onde já cá estão alguns bravos da CCAÇ 2382, a companhia do Zé do Olho Vivo, como o Manuel Traquina, o Carlos Nery, o José Manuel Cancela, o Alberto Ferreira, 
o padeiro, também conhecido por "Geada").



O Ataque a Contabane (**)

por Manuel Traquina

Era o dia 22 de Junho daquele ano de 1968, a Companhia estava na Guiné havia pouco mais de um mês e, ao ser deslocada para a região de Aldeia Formosa, (Quebo) dois pelotões fixaram-se em Mampatá, os restantes bem como o Comando foram deslocados para a aldeia de Contabane. 

Ali parecia respirar-se a paz, a população era numerosa e bastante acolhedora, e como habitual faziam-se alguns patrulhamentos na região, que ficava a poucos quilómetros da fronteira com a Guiné-Conákri.

Naquela aldeia os militares acomodavam-se nas próprias moranças cedidas pelo chefe da Tabanca. À volta da aldeia tinham sido abertos no terreno algumas valas e abrigos, além de duas fiadas de arame farpado. 

Tudo parecia correr dentro da normalidade, naquela tarde eu próprio com mais quatro militares saímos no Unimog a buscar água do poço que se localizava a curta distância.

Porém, já próximo do anoitecer, um dos elementos nativos que connosco efetuavam um patrulhamento, pisou um engenho explosivo, que lhe deixou um pé seriamente afectado. Este foi o primeiro sinal de que toda aquela paz não era real, o grupo recolheu à aldeia/aquartelamento, era a hora de jantar e na improvisada enfermaria o furriel enfermeiro Chambel com grande dificuldade, tentava encontrar uma veia onde pudesse administrar algum soro ao militar milícia, que com um pé decepado tinha perdido muito sangue.

Entretanto o sargento João Boiça, apercebendo-se da situação, corria de uma ponta à outra da aldeia, não parava de alertar todos para que de imediato se deslocassem para os abrigos, talvez ao tomar esta medida tenha evitado algumas mortes.

Tinha anoitecido e, de repente,  algumas explosões deram inicio a um ataque que se ia prolongar por cerca de três horas, as balas incendiarias atravessavam a palha que servia de cobertura à morança onde o ferido começava a receber o soro. Disse ao Chambel e ao Coelho que tínhamos que sair daqui imediatamente com o ferido, porém ele, já mais endurecido pela guerra, reunindo as suas débeis forças arrastou-se até á porta e, no escuro,  sem que nos apercebesse-mos desapareceu rastejando, só na manhã seguinte o voltámos a ver, quando da chegada do helicóptero que o evacuou bem como a outros feridos.

Foram cerca de três horas de bombardeamentos em que a aldeia reduzida a cinzas mais parecia um inferno. Mo final foi uma forte trovoada que, transformou a cinza em lama, onde quase não havia onde nos abrigar. 

Não tenho dúvidas de que nós,  os militares,  que naquela tarde fomos à água, pasámos muito perto do local onde o inimigo preparava o ataque e só não fomos feitos prisioneiros porque o objetivo era o ataque. 

Apesar do grande aparato e grande potencial de fogo, sofremos apenas três feridos,  dois dos quais de maior gravidade. Porém, quase todo o património da companhia ali ficou reduzido a cinza, os rádios, os géneros alimentícios, o equipamento de enfermagem, tudo ali ficou carbonizado, grande parte dos militares ficaram apenas com a roupa que tinham vestida. 

Na manhã seguinte um helicóptero evacuou os feridos, alguns militares apressaram-se a escrever um ou outro aerograma meio queimado e enlameado que foi entregue ao piloto do helicóptero, era a parte psicológica a funcionar, pretendiam partilhar aquele momento de desânimo com alguém do coração.

Contabane foi totalmente evacuada de população e militares, saímos dali moralmente destroçados, alguns apenas de calções, sapatilhas e a sua G3, mas vivos para suportar muitos outros ataques e emboscadas durante os vinte e dois meses que se seguiram. 

Já no termo da comissão viemos encontrar na cidade de Bissau o milícia que, ao pisar a armadilha,  foi amputado de um pé, e que naquela cidade tentava sobrevier como engraxador de sapatos.

Neste agora passado dia 22 de junho de 2008, ao completarem-se quarenta anos sobre este ataque, quero homenagear os dois camaradas mortos,  não neste ataque, mas noutros que se seguiram, furriel Ramiro de Sousa Duarte e o soldado Elidio Fidalgo Rodrigues, pertencentes a esta Companhia.

 Quero também saudar todos os militares da CCAÇ 2382, estou convencido que todos os que viveram este acontecimento o recordam e jamais esquecerão aquelas horas difíceis ali vividas. (***)

Manuel Batista Traquina
Ex-Fur Mil, CCAÇ 2382 (Buba, 1968/70)


Guiné > Região de Tombali > Carta de Contabane (1959 > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Contabane, a sul de Saltinho e do rio Corubal, a caminho da fronteira... A nordeste, Quirafo, também de trágica memória para as NT (abril de 1972).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  22 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25674: (De) Caras (209): Hermínio Marques, ex-Soldado Condutor da CCAÇ 2382: "Vou contar-lhe como perdi as minhas coisas em Contabane" (Mário Beja Santos)



Vd.poste anterior: 4 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25589: Notas de leitura (1696): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1856) (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Seguramente que devemos ao Governador Geral António Arrobas e ao governador da Guiné Honório Pereira Barreto as vastas referências à Guiné neste período de 1855 e 1856, Arrobas foi à Guiné, confrontado com a situação comercial confirmou em Barreto a capacidade de ele ser juiz árbitro em diferentes contendas com comerciantes; a questão do sal também deu brado, o comerciante Nicolau Macedo criou exclusivo, houve sublevação da povoação de Geba, e ficamos a saber que o posto fiscal e o destacamento de S. Belchior foram retirados nesse ano de 1855; Nicolau Monteiro de Macedo também queria o exclusivo do comércio do Corubal, a herdeira de Caetano José Nozolini, D. Leopoldina Demay, reagiu, o exclusivo foi retirado. Isto significa que a atividade económica ganhava relevo. Bem interessante é o conjunto de instruções sobre o tratamento da cólera-morbo, as suas diferentes fases, tudo explicado à luz dos conhecimentos da época, onde não faltam esfregações, sinapismos, clisteres, chás, e se o doente não vai desta para melhor e reage, também há tratamento a ter em conta...

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1856) (5)


Mário Beja Santos

Alertei ao leitor para o facto de que a Costa da Guiné ou Senegâmbia Portuguesa ou Possessões da Guiné estar a sair do limbo do Governo Geral de Cabo Verde, a estatura da figura de Honório Pereira Barreto e as suas constantes interpelações para a vila da Praia, por exemplo, implicaram informações que podem ser hoje muito úteis para um investigador quanto à presença portuguesa na Guiné na segunda metade do século XIX. É o caso de uma portaria sobre o imposto do sal que veio publicada num Boletim Official em junho de 1855, refere-se que em 26 de março de 1847 fora estabelecido o imposto de 10% sobre o sal de Balanta que se importava de Bissau, com o fim de aumentar os rendimentos da Guiné e pagar as despesas da guerra que então existia entre os povos de Geba e Fá, que haviam fechado o rio ao comércio português. O imposto, verificou-se mais tarde, rendeu pouco, e obrigou o Estado a despender todos os anos com o posto fiscal de S. Belchior uma boa soma de dinheiro para pagar pessoal, transportes e obras. Ou seja, o imposto trouxe uma despesa quase tripla da receita e reduziu à mingua o povo de Geba, como escreveu Honório Pereira Barreto e o Governado Geral presenciou na sua visita a Geba.

O texto da portaria é bastante interessante:
“Os habitantes de Geba, para quem este sal é um objeto de primeira necessidade, porque a troco dele se abastecem dos géneros alimentícios, descem o rio em canoas até S. Belchior, onde têm de fundear, e depois descem atá ao chão dos Balantas que ocupam a margem direita do rio, desde a ilha de Bissau até umas vinte milhas; ajustam o sal, e são depois obrigados a seguir até à Praça de Bissau, onde tiram o despacho pelo sal que se põe obter, e voltam a tomá-lo no chão dos Balantas, levando-o até o ponto de S. Belchior, onde o respetivo regulamento os obriga a descarregá-lo para ser verificado, reembarcando-o depois para ser levado para Geba, e dando-se as circunstâncias de que em vez de sete dias de viagem são obrigados a gastar quinze e mais para satisfazerem absurdas exigências, e que muita canoas se perdem por causa dos maus fundeadouros de S. Belchior e de Bissau…”

O Governador Geral, considerando que este imposto ofende os princípios económicos e é contrário ao art.º 145.º da Carta Constitucional, aboliu-o, adiantando que o posto fiscal de S. Belchior será imediatamente retirado, bem como o respetivo destacamento.

Neste mesmo Boletim Official vem outra Portaria, com o número 50 que nos parece digno da maior atenção. Refere concretamente que negociantes nacionais e estrangeiros da Guiné Portuguesa, aproveitando a visita que o Governador Geral ali fizera, a ele se queixaram que o comércio está em risco de acabar, por falta de crédito e falta de numerário, reclamaram providências que levassem à ruína comercial. Mais se adianta que há ilimitada confiança que os negociantes ingleses, belgas e franceses que têm ali casa comerciais, e vendem a crédito e por largos prazos, depositando no Governador Honório Pereira Barreto tal confiança, a ponto de os escolherem para único juiz em todas as questões que possam resultar das suas negociações. Atendendo a todos estes fatores, o Governador Geral António Maria Barreiros Arrobas decidiu um conjunto de medidas de justiça arbitral, o juiz ordinário será Honório Pereira Barreto, e define-se o que resulta das decisões proferidas pelos árbitros ou pelo governador e outras medidas de caráter judicial.

Pois bem, no mesmo Boletim surge a informação de que Nicolau Macedo, negociante da Praça de Bissau propôs ao Governo Geral dois privilégios exclusivos de comércio e navegação na Guiné, isto em abril de 1852. Foram efetivamente criados os referidos privilégios, um de navegação e comércio e do rio Corubal, e outro da venda do sal que fosse importado em Bissau de navios nacionais. O dito Nicolau Macedo não assinou o contrato, propondo novas condições e fazendo exigências extraordinárias, tendo cometido a imprudência de vir a assinar um contrato que não estava em circunstâncias de sustentar. Seguiu-se depois a revolta do povo de Geba contra o exclusivo do comércio de sal, o contrato ficou sem efeito, só em vigor o da navegação e do comércio do Corubal. O régulo Mamadu Sanhá, senhor do Corubal, fez cessão daquele ponto a Caetano José Nozolini, que cedeu à Coroa Portuguesa a margem esquerda do rio, reservando para si e seus herdeiros a margem direita. Este negociante conservou sempre ali casas, lavoura e negócio, exclusivo da navegação e comércio daquele rio, administrava D. Leopoldina Demay, filha de Caetano José Nozolini, todos os bens que ali tinha possuído, como sua herdeira.

Além desta feitoria havia no Corubal outra de João Monteiro de Macedo, e um estabelecimento de João Canuto. D. Leopoldina, não aceitou o exclusivo dado a Nicolau Macedo, alegando violação da Carta Constitucional. Nicolau Macedo não se achava em condições de poder fazer face às despesas necessárias para montar um sistema de administração e fiscalização dos dois exclusivos solicitados. A assinatura de Nicolau Macedo no contrato mereceu opinião contrária do fiscal e Governador da Guiné, o contrato fez-se sem garantias para a Fazenda Pública.

A portaria anuncia todo este embrolho e Governador Geral rescindiu o contrato de privilégios no rio Corubal a Nicolau Monteiro Macedo.

Em 1856, o Boletim Official n.º 198, de 16 de outubro, traz instruções sobre o tratamento da cólera-morbo, publicada pela Junta de Saúde Pública da Província de Cabo Verde. Refere os sintomas (grande abatimento, peso de cabeça, opressão de peito, repugnância para a comida, amargores de boca, diarreia…). Propõe-se tratamento com banho aos pés muito quente com água e mostarda ou deitar o doente numa cama aquecida previamente, cobrindo-o com bons cobertores e também fricções ou esfregações secas ao longo da espinha e membros. Mas há mais, o doente deve beber chá de macela ou erva-cidreira, tomar uma colher de remédio com chá de tília, éter sulfúrico, álcool e xarope de diacódio; havendo fortes dores no ventre, o tratamento é outro; podem-se aplicar cataplasmas de linhaça ou clisteres com água, goma diluída e láudano.

A cólera-morbo começa quando a diarreia se apresenta como água de arroz mais ou menos espessa, mas também se manifesta por fraqueza, cãibras, suspensão de urina, sede, etc. Os tratamentos recomendados já anteriormente podem ser acompanhados de sinapismos, administração pela boca de remédios como óleo essencial de hortelã-pimenta, entre outros.

Havendo agravamento, isto é, quando a cólera avança para um termo fatal, quando desaparece o pulso do doente, ele tem os olhos encovados, quando o doente parece então um cadáver falante, as instruções passam por sinapismos, vários tipos de fricções, ponche, essência de hortelã e pimenta. Havendo reação positiva, ela manifesta-se por passar o frio, a diarreia e as cãibras, mas se houver delírio, dão-se instruções em bebidas, em ventosas, panos molhados em água e vinagre, clisteres de cozimento de linhaça e dieta.

Deixa-se um último apontamento retirado do Boletim Official de 6 de agosto de 1855:
“A Guiné Portuguesa, tão importante nas suas riquezas e comércio, que sob um regime regular pode por si só tornar-se uma das mais importantes Províncias Ultramarinas, apenas hoje figura como um, pouco seguro, entreposto de comércio, onde reina a mais completa desorganização, faltando todas as garantias sociais de uma administração regular".

Imagem que terá sido tirada cerca de 1925
Edição em língua portuguesa da editora norte-americana Legare Street Press, 2023
Postal ilustrado antigo do rio Geba, não se conhece editora
Imagem do que resta da antiga Ponte Marechal Carmona no rio Corubal

(continua)
_____________

Notas do editor:

Post anterior de 24 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25558: Notas de leitura (1694): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1853 a 1854) (4) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 27 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25570: Notas de leitura (1695): "Quando os Cravos Vermelhos Cruzaram o Geba", por Tony Tcheka (nome literário de António Soares Lopes Júnior); Editorial Novembro, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 9 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25360: Blogues da nossa blogosfera (191): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte IV: foto da semana, 2 de janeiro de 2011: a ilha-refúgio de Alfa Iaia, rio Corubal


Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > Título da foto: A ilha refúgio de Alfa Iaia | Data de Publicação: 2 de Janeiro de 2011 | Data da foto: 6 de Novembro de 2010 | Palavras-chave: ecoturismo

Legenda:

No século XIX,  

Alfa Iaia, rei de Labé, c. 1900
Fonte: Wikimedia Commons 
(com a devida vénia...)
Alfa Iaia era rei de Labé no Futa Jalon, tendo sido coroado em 1892 e sendo hoje uma figura reverenciada na Guiné-Conacri e adorada como um herói nacional deste país.

Embora controversa pelas alianças que fez com o colonizador francês, acabou por ser um grande combatente que afrontou os colonialistas em numerosas batalhas a cavalo. 

Foi nesta ilha no meio do rio Corubal que por vezes se refugiava quando acossado pelos franceses que assim lhe perdiam a pista.

Acaba por morrer na Mauritânia em 1912, depois de ter sido para lá deportado pelos franceses, na sequência de uma anterior deportação para o Dahomé (atual Benin).

(com a devida vénia...)
___________________

Nota do editor:

Último poste da série > 8 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25356: Blogues da nossa blogosfera (190): Recuperando parte dos conteúdos do antigo  sítio da AD Bissau - Parte III: Foto da semana, 19 de dezembro de 2010, o canhão do fortim de Bolol (ou Bolor), memória silenciosa do desastre de 1870

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25106: Historiografia da presença portuguesa em África (406): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Confesso que me rendo a este espantoso espírito de observação do Tenente Costa Oliveira, certo e seguro ele faria diários dos itinerários, dos acidentes, das emoções que a natureza lhe provocava; não se existe um outro testemunho ao vivo de tal valia como o dele quanto à guerra do Forreá, veremos adiante que ele estava bem informado sobre todas estas vicissitudes; é igualmente um diário histórico, não encontrei até agora ninguém que tenha descrito a demarcação de fronteiras, com especial ênfase no sul, como ele; e mostra-se profundamente crítico pela incúria em que deixámos a Senegâmbia portuguesa, tecerá comentários ácidos à decisão de termos ofertado em bandeja o Casamansa à França, se havia ponto, depois de Cacheu e Bissau, onde a nossa presença tinha algum relevo era em Ziguinchor. É um observador contumaz: a natureza das tabancas, a importância do Corubal e do Geba, não esconde o seu entusiasmo com as belezas guineenses e não deixa de lastimar como a colónia está num prático abandono. E que o leitor se prepare, o tenente Costa Oliveira ainda tem muito por contar.

Um abraço do
Mário



Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (3)

Mário Beja Santos

O Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 8.ª série, números 11 e 12, 1888-1889, acolhem um documento de grande valor histórico intitulado “Viagem à Guiné Portugueza”, o seu autor é E. J. da Costa Oliveira, Oficial da Armada Real, comissário do governo para a delimitação das possessões franco-portuguesas da costa ocidental de África. Fez-se a viagem de Bolama até ao Sul, o Tenente Costa Oliveira não esconde o seu deslumbramento com tanta beleza natural e vai perseguir com as suas ricas observações que permitem ao leitor de hoje perceber o que era a vida no Sul não só da Guiné portuguesa como da Guiné francesa.

Estamos no início de março de 1888, a comissão luso-francesa tem permissão de marcar as fronteiras, visitou o rio Cogon, depois disso levantou-se o acampamento e abalaram para Kumataly, uma povoação importante e fortificada. Observa o tenente da Armada Real:

“As fortificações do gentio na Guiné são extremamente curiosas. As habitações ou cubatas são dispostas circularmente. Em torno delas constroem uma espécie de muralhas com altos e grossos troncos de árvores das espécies mais resistentes, pau-carvão, pau-ferro, sibes, etc. e a dois metros pouco mais ou menos de distância pela parte de fora uma segunda estacaria de troncos mais delgados e menos humildes, mas coberta de ramos de plantas espinhosas. Grossos portões de madeira fecham estas tabancas, e os caminhos que dão serventia ao interior da praça são tão complicados e cheios de óbices que se um estranho atrevido ousar entrar por algum deles, sem perfeito conhecimento daqueles labirintos, jamais sairá do espaço compreendido entre as duas paliçadas, por mais esforços que faça.”

Relata a passagem por uma povoação destruída e incendiada pelos Biafadas. É o momento propício para o autor tecer observações sobre gente importante da região:

“Já que falámos dos Biafadas ou Biafares, vem talvez a propósito dizer o que sabemos acerca de Mahmad-Jolá, o chefe de uma tribo que tanto concorreu para o abandono das feitorias do rio Grande. Conta-se que em certa ocasião, Mudi-Yaiá, fazendo guerra aos Biafadas, aprisionara bastante gente, e entre elas uma criança dos seus nove aos dez anos, viva, inteligente, simpática.
Mudi-Yaiá afeiçoou-se a esta criança, e levou-a para a sua companhia, dando-lhe mais tarde um lugar importante nos seus exércitos. Anos depois, esta criança, já um homem feito, quando entrava em qualquer conflito gentílico, tinha sempre o ensejo de se distinguir, já pelo seu valor pessoal, já pela perícia com que dirigia as suas hostes; e Mudi-Yaiá, satisfeitíssimo com o seu pupilo, enchia-o de presentes e até de mimos.

"Um dia os Biafadas atacaram os Fulas. Fizeram-se grandes combates, arrasaram-se muitas tabancas e fizeram numerosos prisioneiros de parte a parte. A sorte desta vez foi favorável aos fulas, e Mahmad-Jolá havia-se distinguido nos recontes em que entrara. Mudi-Yaiá, exultante de alegria, elogia-o publicamente, e conta-se que nessa ocasião solene lhe dissera:
- Bateste-te como um valente, é pena que sejas um Biafada!

"Mahmad-Jolá ouviu a sua triste história e a dos seus, silencioso e com as lágrimas a marejar-lhe os olhos, foi, dizem, nessa ocasião, que concebeu o arrojado plano de fujir e apresentar-se ao régulo dos Biafadas, seu legítimo rei e senhor!

"Apresentou-se ao chefe dos Biafadas e ofereceu-lhe a sua perícia na arte da guerra, jurando morrer ou exterminar a maldita raça Fula!”


O que importa saber é que Mahmad-Jolá passou a partir de então a atacar feitorias do rio Grande, com o fim exclusivo de roubar e até matar.

Costa Oliveira vai agora descrever o itinerário para Damdum, e dirá adiante que nesta povoação ainda lá estava a comissão francesa, emprestou-se dinheiro Monsieur Brosselard para contratar alguns carregadores para a sua viagem de regresso a Buba. E de novo este espantoso espírito observador do oficial da Armada vem ao de cima:

“De Chequeúel para Mahmed-Djimi o aspeto do país começa a modificar-se. Já tivemos que subir um monte de 160 metros de altura acima do planalto em que caminhávamos, monte conhecido com o nome de Deballara. Do cume deste monte percebem-se os rios Cogon e Kolibá. Pegadas de elefantes e grandes antílopes abundam nestas paragens. A água é magnífica e a temperatura média menos elevada 21ºC. Nas margens das ribeiras abundam árvores, e nas colinas e planícies o pau-carvão, o pau-ferro, o pau-sangue, o bambu e o algodoeiro-silvestre. Os seus habitantes são todos, ou quase todos, escravos de Mudi-Yaiá, e aproveitam sempre as ocasiões favoráveis para fugirem ao jugo daquele poderoso tirano. No caminho encontrámos depois algumas destas desgraçadas famílias, que se dirigiam também para as bandas de Contabane.”

Abasteceram-se em Damdum de mantimentos a troco de contas de coral, missanga e dinheiro. No dia 15, estiveram a determinar as posições geográficas do Cogon e no dia seguinte o Kolibá. Agora um aspeto curioso que ele escreve:

“Corubal, Kolibá, Kokoli e Koli são diferentes nomes do mesmo rio, dados nas diversas zonas por onde corre. É sempre um grande rio de 200 ou 300 metros de largura. Passa por Kadé, e dizem nascer nas altas montanhas do Futa-Djalon; é fundo, navegável muitas milhas pelo sertão dentro e despenha-se de 4 metros de altura próximo de Consinto (não será Cusselinta?).
De Mahmed-Djimi para o Kolibá, observa o oficial, não há vereda trilhada pelo pé do homem, caminha-se através do mato que, facto notável, pode considerar-se divido em três zonas distintas, atenta a natureza da vegetação que nelas predomina, sendo a primeira de gramíneas, a segunda de bambus e a terceira uma floresta virgem cheia de plantas espinhosas, nas quais rasgámos as carnes e deixámos pedaços de fato!”


Não menos interessante é a observação que ele faz sobre o rio Geba:

“Para mim é ponto de fé que o futuro da Senegâmbia portuguesa está ligado a este rio. Geba e Damdum são pontos estratégicos e importantes do Sertão e, se fossem convenientemente guarnecidos e defendidos, assim como Sambel-Nhantá, S. Belchior e mais alguns no Corubal, o comércio, à sombra desta proteção havia de desenvolver-se rapidamente e Bissau poderia ser, num futuro não muito remoto, o empório daquela rica e extensa região.”

Julga importante dar-nos uma outra informação: Mamadu Paté, irmão de Bacari Guidali, mandado assassinar em 1886 por Mudi-Yaiá, domina todo o território ente Geba e Damdum e não consente que os Fulas de Yaiá, seu inimigo, viagem neste seu território. E aproveita para tecer outra consideração:

“Se nós tivéssemos a habilidade de promover a paz entre aqueles dois potentados, e conseguíssemos estabelecer um posto militar em Damdum, o comércio que por ali passa não poderia derivar-se para Geba, principalmente no tempo seco?”

E volta a tecer considerações sobre a presença portuguesa, propõe pontos a fortificar: Farim, Geba, Buba, Damdum, Bolor, Bissau e a colónia do rio Grande de Bolola, e pontos intermédios tais como S. Belchior, Sambel-Nhatá, no rio Geba, e Gampará, no Cacheu. Às duas horas da tarde do dia 18 abalava a comissão portuguesa de Damdum. 

“Na vanguarda da extrema linha de carregadores, levada por um cabo de caçadores, tremulava a bandeira nacional, respeitada por todos e testemunha insuspeita de que nunca se praticara um ato indigno!”

Carta da Guiné Portuguesa, século XIX, Arquivo Histórico-Ultramarino
Carta da província da Guiné, 1912
Carta da colónia da Guiné, 1933
Antiga Sede do Banco Nacional Ultramarino em Bolama, posterior Hotel do Turismo, hoje completamente desaparecido
Atual edifício do Centro de Formação Pesqueira de Bolama. Imagem retirada do blogue Alma do Viajante, com a devida vénia
Imagem do antigo quartel de Bolama, retirada do blogue Alma do Viajante, com a devida vénia

(continua)
____________

Notas do editor:

Post anterior de 17 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25080: Historiografia da presença portuguesa em África (404): Um documento assombroso: "Viagem à Guiné Portugueza", por Costa Oliveira (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 22 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25098: Historiografia da presença portuguesa em África (405): voyeurismo, exotismo, sexismo e racismo na exposição colonial do Porto de 1934: uma reportagem do jornalista de "O Comércio do Porto", Hugo Rocha (1907-1993), publicada no "Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro"