Mostrar mensagens com a etiqueta império. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta império. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 28 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24263: Notas de leitura (1576): Atitudes e comportamentos raciais no Império Colonial Português (2): "Relações Raciais no Império Colonial Português", por Charles Ralph Boxer, Tempo Brasileiro, 1967 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2020:

Queridos amigos,
Em nova incursão sobre essa área tão sensível que são as conexões entre o Império Português, o ideário imperial e as relações raciais, optaram-se por dois estudiosos com créditos firmados, e a verdade fica dita de que relações raciais sempre as houve, com diferentes cambiantes entre o Oriente, África e o Brasil. E não se pode responder ou iludir uma escrita ao longo de séculos, invocando a inferioridade da raça negra, a indispensabilidade da tutela da raça branca, por um lado, e a tese de superioridade da civilização ocidental, muito utilizada no decorrer da guerra, não só por Salazar, toda a política externa estava para aí virada, com o seu rol de alianças que iam de Israel à África do Sul. Com a distância do fim do Império, há que meditar no legado, e ele é muito válido, temos a língua e a disponibilidade para cooperar sem tentações neo-colonialistas, são argumentos de grande peso.

Um abraço do
Mário



Atitudes e comportamentos raciais no Império Colonial Português (2)

Mário Beja Santos

É nítido o constrangimento que se verifica nos estudos sobre o Império Colonial Português quando se aflora à matéria das relações raciais. É inviável, ninguém o ignora, querer estudar a essência do Império Colonial Português sem abordar pontos sensíveis: a verdadeira ideologia do projeto henriquino, o ideal imperial instituído por D. Manuel I, como era percecionado o tráfico de escravos até na ótica religiosa, como evoluíram as relações raciais em mundos tão distintos como o Oriente, África e o Brasil. Dada a vastidão do questionamento, cingimo-nos a esta escolha de dois autores, Charles Ralph Boxer e Valentim Alexandre, historiadores credenciados. Em "Relações Raciais no Império Colonial Português", por Charles Ralph Boxer, Tempo Brasileiro, 1967, aquele que terá sido o mais influente historiador estrangeiro do Império Marítimo Português abordou as relações raciais num conjunto de conferências que proferiu em Virgínia. O professor Boxer estendeu o seu olhar a três áreas distintas: o início do Império em África e como se desenrolou a sua presença na costa ocidental africana: em Moçambique e na Índia; e no Brasil e Maranhão. Obviamente que nos cingimos à natureza das relações raciais na costa ocidental africana, demonstradamente elas existiram e manifestaram-se em muitíssimos preconceitos, até à independência das colónias.

O trabalho de Valentim Alexandre, "Velho Brasil, Novas Áfricas", Edições Afrontamento, 2000, é um volume onde se coligem textos de estudos sobre a História Colonial Portuguesa dos séculos XIX e XX, desde a desagregação do sistema luso-brasileiro à formação e desenvolvimento do último império em África, que desapareceu em 1975. São estudos do maior interesse que vão desde o nacionalismo vintista, a independência do Brasil, passando pelo Império Colonial do século XX até uma visão geral de Portugal em África entre 1825 e 1974. Atenda-se ao que ele escreve sobre o Estado Novo e o mito do Império e algumas conclusões que extrai no final dos seus trabalhos.

Recorde-se o artigo segundo o Ato Colonial de 1930: “É da essência orgânica da Nação Portuguesa desempenhar a função histórica de possuir e colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as populações indígenas que neles se compreendem”. O conceito não era original, vinha na tradição imperial, a expansão ultramarina era encarada como a sobrevivência da nação. Apetite para apanhar tais territórios coloniais não faltava sobretudo à Alemanha e à Itália, mas o Império sobreviveu, montou-se uma mística, incentivou-se o amor quase incondicional dos domínios coloniais e tentou-se educar as elites para que se pudesse viver indiferentemente na Metrópole e no Ultramar. Momento alto desta mística foi aquele esforço mobilizador que desaguou em 1940 na Exposição do Mundo Português.

Atenda-se ao que Valentim Alexandre escreve mais adiante: “Iniciada logo nos começos da Ditadura Militar, em 1926, e completada depois com o Ato Colonial, a política de centralização traduz-se no cerceamento das autonomias dos territórios coloniais no domínio financeiro (…) A política de reforço do regime de pacto colonial tinha em vista relançar o velho projeto de fazer das colónias um mercado reservado para a produção da metrópole e um fornecedor de matérias-primas para a indústria portuguesa. Como mecanismos de proteção aos artigos nacionais, utilizam-se agora não apenas os diferenciais nas pautas alfandegárias, mas também o controlo de divisas e os contingentamentos. Embora o leque de produtos remetidos para os territórios de África se alargue (incluindo nomeadamente os cimentos), o núcleo fundamental das exportações continua a ser constituído pelos tecidos de algodão e pelo vinho”. E o historiador observa que em meados do século a intensidade das relações entre a metrópole e os territórios da África negra atingiram um nível até então inigualado.

Mas havia muito grão de areia que impedia que o projeto imperial do Estado Novo granjeasse uma força integradora – a própria população africana. E aqui vem uma observação sobre as relações raciais que é importante não descurar:
“Pode dizer-se que durante o regime salazarista coexistem duas correntes principais na forma de ver os ‘nativos’ das colónias de África, ambas com raízes no século XIX. Uma delas tributária das teses do ‘darwinismo social’, parte do postulado da inferioridade da raça negra, a qual, insuscetível de civilização, estaria condenada a viver sob a tutela da raça branca. É esta teoria dominante até meados da década de 40: estava-se na época da afirmação dos valores de raça a impor às etnias bantas; repudiava-se a mestiçagem e falava-se muito de colonização étnica, ou seja, do povoamento das colónias africanas por uma população branca numerosa, de ambos os sexos, de modo a evitar as misturas raciais.
A segunda corrente é mais etnocêntrica do que propriamente racista: proclama-se a superioridade, não da raça branca, mas da civilização ocidental, imbuída de valores cristãos, de validade universal, a que os povos negros podem aceder, quando devidamente educados – cabendo a Portugal essa tarefa missionária. Marginal até ao conflito de 1939-1945, esta doutrina assume depois foros de teoria oficial, em resposta às tendências descolonizadoras no concerto das nações. Mas, para além das justificações ideológicas, a realidade mantinha-se inalterada, no essencial, traduzindo-se pelo que foi referido como ‘assimilação seletiva’. Poucos preenchiam os requisitos exigidos: em 1961 (data da abolição do estatuto dos indígenas), menos de 1% do total da população africana de Angola e Moçambique. Manifestamente, o regime via-se incapaz de formar e captar as novas elites; quanto às tradicionais, procurava minar-lhes o poder, reduzindo-as, na melhor das hipóteses, a meros auxiliares da administração. Nestas condições, é muito estreita a margem de manobra do Estado Português, quando o movimento de descolonização de África se acelera. Prisioneiro dos seus próprios mitos, cego em relação aos nacionalismos africanos, cuja autenticidade nega, resta ao regime a via da resistência militar por tempo indefinido, via que conduz ao colapso de 1974”
.

Em jeito de conclusão, Valentim Alexandre é explícito quanto às relações com as populações africanas, marcadas por um etnocentrismo rígido, quando não por formas mais extremas de racismo. E conclui: “A análise histórica mostra que o modo de estar do português em África varia também com o tempo e o lugar, dependendo sobretudo da específica relação de forças existente entre as duas comunidades: com o aumento da emigração para Angola e Moçambique cresce igualmente o racismo nos dois territórios, em formas mais ou menos abertas”. Resta-nos a confiança de que há uma força histórica, uma parte significativa da população portuguesa passou pelas antigas colónias, conhecem-se gente de todas as cores, como muito próximos, ligados por um património comum, e o desmembramento do Império deixou a comunidade da língua, para Valentim Alexandre temos bem vincadas as bases para o relançamento do ‘africanismo’ em Portugal.

Historiador Valentim Alexandre
____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24248: Notas de leitura (1575): Atitudes e comportamentos raciais no Império Colonial Português (1): "Relações Raciais no Império Colonial Português", por Charles Ralph Boxer, Tempo Brasileiro, 1967 (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23994: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XVIII: Breve história do império do Cabú



A lenda de Alfa Moló - belíssima ilustração do mestre português José Ruy (Amadora, 1930), um dos 
maiores ilustradores e autores de banda desenhada (pág 53)



Capa do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau / J. Carlos M. Fortunato ; il. Augusto Trigo... [et al.]. - 1ª ed. - [S.l.] : Ajuda Amiga : MIL Movimento Internacional Lusófono : DG Edições, 2017. - 102 p. : il. ; 24 cm. - ISBN 978-989-8661-68-5




O autor, Carlos Fortunato, ex-fur mil arm pes inf, MA,
CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71, é o presidente da direcção da ONGD Ajuda Amigaé também o autor do sítio 

1. Transcrição das pp. 89/91 do livro "Lendas e contos da Guiné-Bissau", com a devida autorização do autor (*)


Breve história do Império de Cabú 
(pp. 89-91)



A história de Cabú começa quando o grande general Tiramakan Traore, às ordens do famoso primeiro Imperador do Mali, Sundiata Keita, cria o Reino de Cabú em 1250 (45), com capital em Cansalá.

O Reino de Cabú começou por ser apenas um Reino vassalo do grande Império do Mali, mas com a queda deste no século XVI, tornou-se um Império, o qual abrangia vários reinos, que iam desde a Gâmbia à Guiné-Bissau, passando pelo Senegal.

A grande migração de fulas para a Guiné nos séculos XVIII e XIX, trouxe as sementes da nova etnia dominante ao Império de Cabú.

Os fulas vinham do norte de África, eram na sua maioria pastores, com uma minoria de agricultores. Muitos deles eram devotos seguidores do islamismo e do modelo de civilização a ele associado.

Constituíam uma sociedade onde existia também uma classe instruída, e por isso, consideravam que tinham uma cultura superior à dos ignorantes mandingas.

Os mandingas eram principalmente agricultores, mas eram também guerreiros orgulhosos e valentes, que olhavam com desprezo para os fulas, pois não passavam de famintos e miseráveis criadores de gado, vestidos de trapos e farrapos.

A crença dos mandingas era animista, mas eram tolerantes com as outras crenças, e aceitavam o islamismo, tendo existido reis e imperadores mandingas no antigo Império do Mali, que se converteram ao islamismo e disseminaram a sua fé.

A chegada dos fulas à Guiné no século XVIII foi pacífica, pois foram bem recebidos pelos mandingas, que os deixaram utilizar as suas terras, em troca do pagamento de um tributo (46).

Os terrenos cedidos aos fulas pelos mandingas eram chamados pelos mandingas de fulacundas (47), ou seja lugares dos fulas.

O aumento de tributos,  por parte dos mandingas, levou os fulas a deslocarem-se para outras zonas mandingas e também para as terras dos biafadas, escolhendo os locais onde as exigências de tributos eram menores.

Nesta altura apareceu um marabu (48), Seiku Umarú, que profetizou que os fulas em breve iriam mudar a sua condição de submissão, passando a ser os novos senhores, o que correspondia às suas aspirações, e os levou a começarem a pensar numa revolta.

Os mandingas, ao terem conhecimento de tal prenúncio, ficaram preocupados, além disso a contínua imigração fula fazia aumentar assustadoramente o seu número (49), e a continuar assim em breve seriam mais numerosos do que os mandingas, o que veio a acontecer mais tarde.

Os mandingas decidiram desincentivar a vinda dos fulas, e afastar os que já estavam nas suas terras. Então fizeram um aumento generalizado dos tributos, mas a resposta não foi a que esperavam, pois os fulas não abandonaram as suas terras e revoltaram-se, pedindo ajuda aos fulas do Reino do Futa Djalon.

A criação do Reino do Futa Djalon fez mudar as relações dos fulas com os seus vizinhos, pois a partir dai iniciaram a sua campanha de levar a luz divina aos pagãos, lançando uma guerra santa contra os seus vizinhos animistas (a jihad), e a conquista do Império de Cabú estava
entre os seus planos.

O momento era propício para os fulas, pois o Império de Cabú estava dividido por conflitos internos, e a sua economia estava em decadência.

Os fulas do Futa Djalon olhavam para esta guerra com agrado, pois ela dava resposta aos seus anseios de levarem a mensagem divina do Islão aos reinos animistas e permitia também poderem responder aos pedidos de ajuda dos seus irmãos fulas do Império de Cabú, além disso esta guerra iria assegurar-lhes escravos para trabalharem nos campos, dar-lhes o acesso aos cereais de que necessitavam, e garantir-lhes a segurança das suas caravanas, quando estas passassem por aquelas regiões.

A primeira grande batalha entre fulas e mandingas é denominada batalha de Berekolong (50) (1850-51), e ocorreu em Sancorla.

Os fulas venceram a batalha de Berekolong, e o Reino de Sancorla passou para o domínio fula, mas o exército fula sofreu grandes perdas, não tendo força suficiente para continuar a conquista.

As revoltas fulas sucederam-se por todo o lado, os biafadas e os nalus foram igualmente atacados pelos fulas revoltosos, os quais com a ajuda dos fulas de Labé e Timbo (51) em 1868 tomaram Bolola (52) aos biafadas.

A região conquistada pelos fulas aos biafadas passou a chamar-se Forreá, terra da liberdade em língua fula.

As forças militares portuguesas, apesar de não se envolverem nas lutas, apoiaram os revoltosos, dando guarida aos mesmos nas suas fortificações.

O poder no Império de Cabú desde o início do século XIV que era dividido entre três clãs da nobreza, um Sané e dois Mané (53), os quais consideravam que apenas eles tinham direito ao título de Mansa Bá, que significa Grande Rei ou Imperador, pois apenas eles possuíam a linhagem real, pelo que o lugar de Imperador rodava entre eles.

O sistema de rotação do lugar de imperador funcionou bem até à morte do Mansa Sibo Mané (54), da província de Same, pois neste caso os s
eus descendentes esconderam a sua morte, e não cederem de imediato o lugar de Imperador na capital ao seu sucessor por direito de rotação, Djanqui Uali Sané. Assim, apenas se retiraram de Cansalá um ano depois, gerando um conflito interno entre os clãs Mané e Sané.

O Império de Cabú estava numa situação difícil, com revoltas internas e invasões fulas, era necessário manter a unidade entre os mandingas, mas aconteceu precisamente o contrário. 

Por outro lado a economia do Império de Cabú estava em decadência, as caravanas que passavam por Cabú eram cada vez menos, e o comércio de escravos era reduzido, na verdade agora existiam novas rotas e outros destinos, devido aos comerciantes estrangeiros e às rotas comerciais marítimas (55).

Os fulas, que tinham vindo progressivamente a conquistar territórios ao Império de Cabú, aproveitaram as divisões internas dos mandingas para darem o golpe final, e assim um poderoso exército do Reino do Futa Djalon (56) invadiu Cabú e destruiu Cansalá (1867) (57), passando os fulas a dominar todo o território.

[ Revisão e fixação de texto / Negritos, para efeitos de edição deste poste: LG]
________

Notas de CF:

(44) Tiramakan Traore - o nome também surge nalguns textos com a designação Tirmakhan Traore, Tiramong Traoré e Tiramaghan Traore.

(45) Cabú - pag, 83, “Kaabunké - Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais”, de Carlos Lopes.

(46) “Conflitos interétnicos” – Carlos Cardoso.

(47) Fulakunda - lugar fula, a palavra kunda na língua mandinga significa lugar.

(48) Seiku Umaru - este marabu também conhecido pelo nome El Hadgi Omar, é referido em vários textos como espalhando a mensagem, que no futuro os fulas serão os novos senhores, por exemplo na pag. 78 de “Fulas do Gabú” de José Mendes Moreira, e na pag. 63 da “Grandeza Africana” de Manuel Belchior.

(49) “Fulas do Gabú” - pag. 79, “Fulas do Gabú” de José Mendes Moreira.

(50) Berekolong - em “Resistência Africana ao controlo do território” Carlos Lopes.

(51) Forreá - pag. 160 em “Guiné Portuguesa” – A. Teixeira da Mota.

(52) Bolola - pag 147 em “História da Guiné I” - René Pélissier.

(53) Kaabunké - pag. 179, Espaço, território e poder na Guiné-Bissau, Gâmbia e Casamance pré-coloniais - Carlos Lopes.

(54) Mansa Sibo - em “Resistência Africana ao controlo do território” Carlos Lopes refere, “Quando o Mansa Sibo, da província de Sana morreu, a rotatividade exigia que o Mansa-Bá seguinte fosse Janké Wali, da província de Pakana. Mas os descendentes do primeiro fizeram
“ouvidos de mercador” e mantiveram o poder por mais um ano. Este foi o factor que desencadeou um conflito importante entre os Mané e os Sané de Pakana, numa altura em que as agressões do Futa-Djalon exigiam coesão e não dispersão de forças Kaabunké”.

(55)  Cabú - em “Resistência Africana ao controlo do território” Carlos Lopes.

(56) Exército do Futa-Djalon - a sua dimensão é referida na pag. 28 de “Mandingas da Guiné Portuguesa” de António Carreiras: “ Os Fulas- Pretos, animados pelos bons resultados das operações do Futa, solicitaram novamente o auxílio do Almami de Timbó para tentarem
a batida definitiva dos Soninkés. Reunidos trinta e dois mil homens de guerra dos quais doze mil cavaleiros, aquele régulo de Timbô fez a concentração de tropas em Kitchar (imediações de Kadé)”.

(57) Cansalá - não existe uma data aceite por todos os historiadores sobre a destruição de Cansalá, eis alguns exemplos: Carlos Lopes na “Resistência Africana ao controlo do território”, indica a data de 1867;  Mamadu Mané,  em “O Kaabu”, indica “por volta de 1865”; Carlos Cardoso,  em “Conflitos interétnico”, indica o ano de 1865;  René Pélissier na “História da Guiné I”, pag. 143, refere que “a grande batalha de Kansala (Cam-sala) data de 19 de Maio de 1864, dando como referência o historiador António Carreira; Joel Frederico Silveira em “O Império Africano 1825-1890”, na pag. 216 refere a data de 1867.

__________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 18 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23992: "Lendas e contos da Guiné-Bissau": Um projeto literário, lusófono e solidário (Carlos Fortunato, presidente da ONGD Ajuda Amiga) - Parte XVII: Breve história do império do Mali

(**) Vd. também postes de



quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23650: Historiografia da presença portuguesa em África (336): Imagem do nosso Império Africano num atlas inglês de 1865 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Não sei se os alunos de Relações Internacionais ou os candidatos a cargos diplomáticos costumam, nos tempos que correm, visitar os mapas com mais de 100 anos, são cartas que iniludivelmente nos mostram as mudanças que ocorreram no quadro da geopolítica e da ascensão dos povos às independências, o que se traduziu em novas fronteiras, por vezes novas designações, desapareceram impérios, e não deixa de ter significado olhar-se para o que foi o império Russo e o império Turco-Otomano, nestes mapas estão chaves explicativas de um conjunto de beligerâncias atuais, isto para não falar já do que era a Palestina e de como mudou de face com o aparecimento de Israel, em 1948. Esta África de 1865 deu origem a dezenas e dezenas de Estados, no fim da era imperial. No que toca ao nosso império Africano, veja-se que a Guiné era um ponto diluído na Senegâmbia e a extensão de Angola e Moçambique era muito pequena, representava a débil ocupação da orla marítima, com alguma penetração para o interior, que, décadas depois, se veio acelerar, quando o ideal imperial passou a ser um catalisador da classe política portuguesa.

Um abraço do
Mário



Imagem do nosso Império Africano num atlas inglês de 1865

Mário Beja Santos

Adquiri há uns bons anos num alfarrabista o "Philips’ Atlas for Beginners", edição de 1865 dos editores George Phillip e filho, Londres e Liverpool. O livro terá pertencido a Zulmira Guimarães que à inglesa deixou escrito a tinta: 19th May 1876. Sendo um atlas para principiantes, dá imenso prazer ver uma Europa que mudou radicalmente no Centro Norte e nos Balcãs, aquela Prússia dominante deu origem ao primeiro racho, a Boémia irá ser um dos pilares da República Checoslovaca depois da Primeira Guerra Mundial, o Império Austro-Húngaro desapareceu, como o Império Turco-Otomano se retirou da Grécia, da Bulgária, etc. Nada a dizer das ilhas britânicas, a não ser que ainda não se fala da Irlanda Independente, a Escócia tem honras de uma página de mapa, é impressionante a diversidade de povos que se inseriam no Império Austro-Húngaro e vale a pena ver cuidadosamente o mapa da Rússia com as suas províncias bálticas, a Grande e a Pequena Rússia e as províncias do Cáucaso, assim se entenderá melhor o sonho de Vladimir Putin. Das alterações entre 1865 e a atualidade na Ásia nem se fala, temos uma enorme Arábia e uma vasta faixa que dava pelo nome da Palestina no tempo do nosso Senhor, ia de Beirute até Rafa. Enfim, curiosidades.

Vejamos com atenção o mapa de África. O Magrebe foi reconstituído por Marrocos, Algéria, Tunísia, a Tripolitânia, o Egipto e a Núbia, já no declive do Mar Vermelho. Segue-se o Sará ou o Grande Deserto, mais abaixo temos a Senegâmbia na parte ocidental, entre a foz do rio Senegal e a Serra Leoa (o mapa refere Bissau, Bijagós e Rio Grande, isto para significar que esta Senegâmbia era completamente indiferenciada, embora já estivesse em fase de disputa a Gâmbia Britânica e a colónia do Senegal, na parte central encontramos o Sudão ou Nigritia, alfobre de um grande conjunto de países atuais), descendo encontramos o Daomé, o Benim, a Baía do Biafra, segue-se o rio Zaire ou Congo e temos uma faixa amarelada que vai do Luango até Benguela, faixa essa que representará talvez um terço do território angolano atual. Não deixa de ser curioso o que era África Astral, lá está claramente mostrado o território Macololo, um dos detonadores do ultimato britânico, em baixo temos a colónia do Cabo, subindo temos Moçambique reduzido a uma faixa amarelada onde se lê Sofala, Quelimane e Moçambique, com o canal de Moçambique a separar o continente de Madagáscar. Há o nome Cabo Verde para referenciar a parte continental, não são visíveis as ilhas arquipelágicas e em frente ao rio Gabão temos a referência às ilhas de São Tomé e Príncipe. O atlas Philips destacará depois a África do Sul para relevar a República do Transval, o Orange, o país Zulo, a colónia do Cabo, fora destes domínios refere-se a Bechuanalândia (hoje Botsuana), o deserto do Kalahari, e na continuação do que é hoje o sul de Angola, Namíbia.

A que propósito aqui se evoca o Atlas Philips para principiantes, de 1865? No caso vertente de uma leitura para portugueses, a insignificância ou o indiferenciado do território Imperial Português, já aqui se citou até a exaustão os alarmes que chegavam ao governo de Lisboa sobre aquela Senegâmbia cada vez mais partilhada pela gradual ocupação britânica e francesa. Não esquecer que uma das razões que se escolheu Bolama para capital, em 1879, era a de fazer ponte com os negócios na Serra Leoa, nessa altura ainda com alguma importância. Ocupação das faixas angolana e moçambicana era débil, havia ainda muito território em discussão, e com a formação do reino do Congo do Rei Leopoldo da Bélgica, a extensão das colónias francesas, inglesas e alemãs, beneficiamos do espaço interior no final do século XIX. O atlas Philips não deixa ilusões quanto à retórica utilizada de que tínhamos uma presença africana com cinco séculos. Estes mapas encarregam-se de mostrar a crentes e descrentes o que era o Império Português em África antes da Conferência de Berlim, 1884-1885. Se uma imagem pode valer por mil palavras este atlas Philips desfaz ilusões aos obstinados que fantasiavam a existência do Império Africano com cinco séculos.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 21 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23634: Historiografia da presença portuguesa em África (335): As missões católicas na evolução político-social da Guiné Portuguesa (Mário Beja Santos)

domingo, 8 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20427: Da Suécia com saudade (62)... E agora também dos States, Florida, Key West... A catarse do Império... O lugar do Portugal de hoje, tanto na Europa como no mundo, é que deveria ser assunto de discussões acaloradas (José Belo)


Anúncio dos Cimentos Liz, no jormal "Acção Colonial - Jornal de Informação e Propaganda das Colónias". Número Comemorativo da Exposição Colonial do Porto, 1934. Diretor: Frederico Filipe. Fonte: Cortesia de Hemeroteca Digital, Câmara Municipal de Lisboa.

"A história da marca dos cimentos Liz inicia-se em Portugal, no ano de 1918, quando o empresário português Henrique Araújo de Sommer funda, na localidade de Maceira-Liz, em Portugal, a Empresa de Cimentos de Leiria.

"Nessa época, ter tecnologia para a fabricação do cimento era fundamental, por isso, a empresa investiu no que havia de mais moderno ao instalar os fornos horizontais rotativos. Em 1923, as obras da fábrica da Empresa de Cimentos de Leiria foram concluídas e a produção entrou em pleno funcionamento.

"O sucesso da empresa permitiu que o empresário António de Sommer Champalimaud expandisse, em 1942, a marca do cimentos Liz e instalasse fábricas e empreendimentos em Moçambique e Angola.

"Outro marco na história da marca Liz foi a instalação do maior forno de cimento do mundo, na Companhia de Cimentos Tejo, em Alhanda, em Portugal. Além disso, foram instalados 19 fornos de cimento nas sete fábricas do grupo que eram responsáveis por produzir sete milhões de toneladas de cimento por ano." 

Fonte: Cimentos Liz > Perfil > Nossa Marca.

1. Mensagem de José Belo:

(i) régulo da Tabanca da Lapónia, membro da Tabanca Grande, tem 135 referências no nosso blogue:

(ii) jurista, vive na Suécia há mais de 4 décadas, e onde constituiu família: continua a ter uma pontinha de orgulho nas suas velhas raízes portuguesas: "Com netos sueco-americanos, o sangue Lusitano vai-se diluindo cada vez mais. Mas, como dizem os Lusíadas... 'Se mais mundos houvera, lá chegara'...".

(iii) foi alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, cap inf ref;

(iv) reparte os dias do ano entre a Suécia, o círculo polar ártico,  e Key West, na Flórida, EUA, onde a família tem negócios.



De: Joseph Belo
Enviado: 6 de dezembro de 2019 14:35
Assunto: Catarse

Meu caro  neo-avô Luís:

Aqui segue um texto escrito como comentário mas aparentemente demasiado longo no contexto.
Fica à...opiniäo dos editores.(*)

Quando o "Mítico Império" é referido no blogue em termos menos ortodoxos (**),  surgem de imediato pontos de vista intempestivos. Intempestivos por desnecessários.

Mais näo se trata do que trocas de ideias e opiniöes entre camaradas que procuram analisar os assuntos,  apresentando autores com diferentes leituras dos mesmos.

As nossas geracöes foram educadas desde os primeiros bancos escolares na ideia, criada por iluminados intelectuais e historiadores do governo da ditadura, de um mítico império constituído unicamente por heróis universais, santos missionários, e comerciantes de honestidade virginal.b  O Infante D.Henrique será um bom exemplo da mitologia de entäo.

Esta bonita, mas menos verdadeira, visão do império foi fácil de incutir nos  n espíritos jovens das nossas gerações.

Mais tarde fomos aprendendo que os que se atreviam a outras leituras da História Oficial (!)......acabavam mal.

Este "acabar mal ", mesmo que näo abertamente consciencializado por muitos, acabou por criar a tal unidade "patrioteira" à volta de um assunto incriticável por.... sacro.

Quem se dê ao trabalho de aprofundar o que foi a expansão (e influência) do pequeno povo de Portugal pelo mundo de entäo, sentirá näo só orgulho pela extensão do mesmo como pelas raízes ainda hoje bem vivas em locais dos mais inesperados.

Ao mesmo tempo surge a curiosidade de se compreender como tal foi possível. Os erros cometidos nesta "gesta" do império foram certamente muitos e graves.. Mas näo se deve esquecer que deverão ser analisados com os "olhos" e valores da época,e não com os valores dados actualmente como correctos para situações täo díspares.

E a vinganca póstuma do "saloiísmo-iluminado" do período da ditadura está no facto de muitos de nós não terem até agora conseguido a tal, e täo saudável ,"catarsis" libertadora dos mitos....por definição... näo factuais.

Continua-se a olhar sempre para o que "teremos sido",  sem nunca desejar-se verdadeiramente olhar para o que "somos" hoje.

Um povo que se respeite,  deverá sentir orgulho na sua História,nos seus heróis,nos seus mortos.
A nossa História é de tal modo rica que näo necessita de mitos e falsidades criados por oportunistas patrioteiros para a "valorizar".

Mas, e ao orgulharmo-nos dos mortos,  näo se deverá também sentir orgulho nos vivos? O lugar do Portugal de hoje (!), tanto na Europa como no mundo, é que deveria ser assunto de discussões acaloradas. 

Os antigos? São factos já gravados nas pedras. Foram o que foram. Não serão leituras revisionistas da História que os vão alterar.

Um abraço do J. Belo


2. Significado de catarse (LG)

catarse | s. f.
ca·tar·se |z|
(grego kátharsis, -eós, purificação)

substantivo feminino

1. [Filosofia] Palavra pela qual Aristóteles designa a "purificação" sentida pelos espectadores durante e após uma representação dramática.

2. [Psicanálise] Método psicanalítico que consiste em trazer à consciência recordações recalcadas.

3. [Psicanálise] Libertação de emoção ou sentimento que sofreu repressão.

4. [Medicina] Evacuação dos intestinos.

"catarse", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/catarse [consultado em 08-12-2019].
_______________

Notas do editor:

(*) Último poste da séruie 2 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20408: Da Suécia com saudade (61)... E agora também dos States, Florida, Key West... Carta aberta aos Editores e Camaradas da Tabanca Grande: o que todos (!) temos em comum é termos participado, cada um de seu modo e à sua maneira, na experiência incrível que foi a guerra da Guiné... Por favor, não caiamos na perigosa tentação de nos dividirmos em operacionais... e não operacionais (José Belo)

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20039: Blogoterapia (292): Os Impérios (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)



1. Mensagem do nosso camarada Francisco Baptista (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616/BCAÇ 2892 (Buba, 1970/71) e CART 2732 (Mansabá, 1971/72), autor do livro "Brunhoso, Era o Tempo das Segadas - Na Guiné, o Capim Ardia", com data de 4 de Agosto de 2018:


Os Impérios

Hoje acordei com uma dor de cabeça ligeira mas desagradável. Quando isto me acontece vou andar alguns quilómetros no Parque da Cidade e esse estado de espírito maléfico e doentio tende a desaparecer ou pela influência do ar livre e da natureza, ou talvez por causa do aquecimento, que dá o exercício físico, que obriga o sangue a circular melhor e activa neurónios cerebrais que estavam adormecidos.

Fui fazer essa caminhada matinal e já no regresso aconteceu-me o seguinte percalço:
Numa rua não muito distante de casa vi uma gaivota a voar entre algumas casas e como já a tinha visto em dias anteriores, decidi parar para verificar se haveria alguém que lhe abrisse uma porta ou janela para lhe dar de comer. Não vi nada, continuei o meu caminho mas logo que virei costas ela fez voo rasante sobre a minha cabeça e tocou-me com os dedos das patas nela. Fez mais três voos rasantes mas eu como já estava prevenido, quando a sentia próxima levantava o punho para a atingir, se ela se aproximasse demasiado.
Os antigos romanos rotulavam alguns dias como nefastos, que para eles, eram dias azarentos, nocivos, sombrios, tristes.

Para sublimar outras adversidades que entretanto me aconteceram, falarei da angústia de viver. Li alguns existencialistas, "A Náusea" de Sartre, o mestre dessa escola filosófica, "A Manhã Submersa", entre outros, de Virgílio Ferreira que talvez me tenham dado alguma capacidade para resistir ao pessimismo.
Arthur Shopenhauer o filósofo do pessimismo, dizia: "a vida é trabalho, é dor" e assim se defendia ele dos dias nefastos. "Quem nunca pensou em subir à torre mais alta da terra, para se lançar dela, descobrir a sensação de liberdade desse voo, sem se preocupar com o fim que o pode esperar", não sei se o pensei ou se algum poeta louco o escreveu.

Quando os nossos desgostos são muito prosaicos, mais vale abrigar-nos no guarda-chuva das escolas filosóficas que têm a virtude de integrar os nossos males particulares em pandemias universais . Todos temos uma filosofa de vida que nos orienta, que pode estar dentro de alguma religião ou fora de todas elas. Os antigos romanos, pelo grande império que criaram, estão na base da formação da Europa moderna. Tendo aproveitado grande parte do saber dos egípcios, gregos, fenícios, judeus, e doutras civilizações antigas de povos que habitaram as margens do Mediterrâneo.

Nós europeus retalhados em muitas nações que têm tentado alguma união com muita dificuldade, somos os herdeiros do Império Romano e dessas civilizações. Roma foi um Império imenso, maior do que a Europa do Mercado Comum. Talvez um dia explique porque me fascina.

O Império Português também foi imenso, criado através dos descobrimentos, espalhou-se por terras longínquas de todo o Mundo. Nós fomos os seus últimos soldados, os que o abandonamos, os que o perdemos, os que não o soubemos defender. Quando nos fardaram e armaram, o Império já não tinha defesa possível e o velho ditador, por maldade, quis-nos dar essa responsabilidade.

Este texto desdobra-se em dois mas por todo ele perpassa o tédio, o cansaço, a apatia, o fantasma da derrota.

Estou cansado da guerra, há já cinquenta anos que convivo com ela
____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 de janeiro de 2019 > Guiné 61/74 - P19456: Blogoterapia (291): Graças à vida... e ao nosso blogue (Virgílio Teixeira / Luís Graça)

terça-feira, 15 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2763: Bibliografia de uma guerra (27): A geração do fim e a CCAÇ 555, Cabedu, Cantanhez, 1963/65, do Cap António Ritto (Miguel Ritto)

Quando os nossos filhos falam


1. Mensagem do Miguel Ritto, filho do então Capitão António Ritto que esteve a comandar a CCaç 555 em Cabedú, Cantanhez, entre 1963 e 1965.

12 de Janeiro de 2008

Caro Luís Graça,

Já há bastantes dias que não visito o seu blogue (caso não se recorde, eu sou o filho do Capitão António Ritto que foi um dos oficiais que escreveu no livro Infantaria - A Geração do Fim um capítulo sobre a sua experiência a comandar a CCaç 555 de 1963 a 1965 na mata do Cantanhez).


Tenho muito pouco tempo livre, e por isso em tempos pedi-lhe para me retirar da sua lista de difusão de e-mails. Solicito que assim continue, pois tenho muita dificuldade em dar vazão a toda a sobrecarga de trabalho que me leva frequentemente a ter que passar umas 3 horas à noite a tratar de assuntos de trabalho... porque as 8 ou 9 horas na empresa não são suficientes.

No final de Dezembro o meu pai foi a Oeiras a uma apresentação do livro Milicianos-Os peões das nicas que espero vir a ler em breve.

Também vi no seu blogue que o Beja Santos vai lançar um livro, e informei o meu pai.

Voltei a olhar para o seu blogue porque o meu pai me pediu para rever um excelente texto que convenceu o Sargento Norberto Gomes da Costa a escrever,  contando a sua experiência na CCaç 555 na Guiné entre 1963 e 1965. O texto foi escrito para divulgação no encontro anual dos elementos desta Companhia.


Não sei se posteriormente será proposto para publicação em livro, juntamente com crónicas de outros autores, mas se não for esse o caso, não hesitarei em sugerir que lho apresentem para incluir no blogue, se assim o entender.

Em questões de história, sempre adorei conhecer os relatos de ambos os lados...

Recordo-me de uma vez ter dito a um espanhol que na História apresentada em programas televisivos se constatava que eles foram impiedosos ao chacinarem as populações índias... e ele perguntou-me o que é que os Portugueses foram quando adaptaram os porões dos barcos para transportarem escravos africanos em camadas, acorrentados em viagens de 1 mês ou mais... morrendo uma elevadíssima percentagem, que era deixada nos porões acorrentada aos que sobreviviam...

Realmente temos tendência para afirmar que os Ingleses é que eram racistas, e que nós Portugueses nos demos sempre bem com todos os povos, mas provavelmente estamos iludidos pela desinformação lançada pelo Estado Novo.

Provavelmente o que nós tínhamos era uma percentagem muito maior de analfabetos, e de situações de extrema pobreza, e esses integraram-se bem com as populações indígenas, fosse na Índia, em Macau, ou em África...

Não precisávamos de ter autocarros para brancos e para negros em separado como na África do Sul... Bastava termos comboios com carruagens de 1ª, de 2ª e de 3ª classe.

Vivi em Moçambique de 1967 a 1969 (quando tinha 5 a 7 anos) durante uma comissão do meu pai ainda como capitão (em Marrupa, para os lados de Moeda, e no Fingoé, entre Tete e Cabora Bassa).

Só fomos à civilização (Tete, Nampula, ou Beira) nas poucas férias do meu pai, e depois da longa viagem em coluna militar até Tete, penso que já se apanhava o comboio (ou então ainda tínhamos mais uma jornada de autocarro)... Ainda me lembro que para irmos ao bar no wagon-lit tínhamos que atravessar muitas carruagens de 3ª...


Antes de abrirmos a porta eu enchia os pulmões e tentava correr até à porta do outro lado, sem ter que inspirar, porque o cheiro era terrível entre as galinhas, as pessoas com falta de sabão, e a má ventilação... Tenho a ideia de que haveriam carruagens de 2ª em que se encontravam negros mais abastados, e também brancos. Mas não me recordo de ver negros em 1ª classe (embora a memória me possa atraiçoar, pois já lá vão 40 anos e eu só tinha 6 anos).

É verdade que a média dos africanos continua a viver em más condições (ou piores) e agora, em vez de o rendimento ser canalizado para os cofres do país colonizador, passou em muitos casos a ir para o bolso dos governantes locais...


Mas também é um exagero dizer-se que os portugueses tratavam muito bem os africanos, porque qualquer família de classe média branca tinha lá em casa 3 ou 5 africanos a tratarem da lida da casa... Também há muitos que acham que não éramos racistas porque até tinham um negro lá em casa a servir à mesa... mas esquecem-se de dizer que usava luvas brancas e uma farda branca...

Voltando à importância de ver a Guerra dos 2 lados, dei noutro dia com a seguinte publicação que também faz referência a várias outras publicações:

http://links.jstor.org/sici?sici=0899-3718(199807)62%3A3%3C571%3ATLWIGR%3E2.0.CO%3B2-G

Um abraço

Miguel
__________

Nota de vb: fixação e adaptação do texto da responsabilidade do editor.


Artigos relacionados em

21 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2121: Questões politicamente (in)correctas (33): Dulce et decorum est pro patria mori ? (J.A. Lomba Martins)

23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1624: Bibliografia de uma guerra (17): A geração do fim ou a palavra a 21 oficiais de infantaria, de 1954/57 (Miguel Ritto)