Quando os nossos filhos falam
1. Mensagem do Miguel Ritto, filho do então Capitão António Ritto que esteve a comandar a CCaç 555 em Cabedú, Cantanhez, entre 1963 e 1965.
12 de Janeiro de 2008
Caro Luís Graça,
Já há bastantes dias que não visito o seu blogue (caso não se recorde, eu sou o filho do Capitão António Ritto que foi um dos oficiais que escreveu no livro Infantaria - A Geração do Fim um capítulo sobre a sua experiência a comandar a CCaç 555 de 1963 a 1965 na mata do Cantanhez).
Tenho muito pouco tempo livre, e por isso em tempos pedi-lhe para me retirar da sua lista de difusão de e-mails. Solicito que assim continue, pois tenho muita dificuldade em dar vazão a toda a sobrecarga de trabalho que me leva frequentemente a ter que passar umas 3 horas à noite a tratar de assuntos de trabalho... porque as 8 ou 9 horas na empresa não são suficientes.
No final de Dezembro o meu pai foi a Oeiras a uma apresentação do livro Milicianos-Os peões das nicas que espero vir a ler em breve.
Também vi no seu blogue que o Beja Santos vai lançar um livro, e informei o meu pai.
Voltei a olhar para o seu blogue porque o meu pai me pediu para rever um excelente texto que convenceu o Sargento Norberto Gomes da Costa a escrever, contando a sua experiência na CCaç 555 na Guiné entre 1963 e 1965. O texto foi escrito para divulgação no encontro anual dos elementos desta Companhia.
Não sei se posteriormente será proposto para publicação em livro, juntamente com crónicas de outros autores, mas se não for esse o caso, não hesitarei em sugerir que lho apresentem para incluir no blogue, se assim o entender.
Em questões de história, sempre adorei conhecer os relatos de ambos os lados...
Recordo-me de uma vez ter dito a um espanhol que na História apresentada em programas televisivos se constatava que eles foram impiedosos ao chacinarem as populações índias... e ele perguntou-me o que é que os Portugueses foram quando adaptaram os porões dos barcos para transportarem escravos africanos em camadas, acorrentados em viagens de 1 mês ou mais... morrendo uma elevadíssima percentagem, que era deixada nos porões acorrentada aos que sobreviviam...
Realmente temos tendência para afirmar que os Ingleses é que eram racistas, e que nós Portugueses nos demos sempre bem com todos os povos, mas provavelmente estamos iludidos pela desinformação lançada pelo Estado Novo.
Provavelmente o que nós tínhamos era uma percentagem muito maior de analfabetos, e de situações de extrema pobreza, e esses integraram-se bem com as populações indígenas, fosse na Índia, em Macau, ou em África...
Não precisávamos de ter autocarros para brancos e para negros em separado como na África do Sul... Bastava termos comboios com carruagens de 1ª, de 2ª e de 3ª classe.
Vivi em Moçambique de 1967 a 1969 (quando tinha 5 a 7 anos) durante uma comissão do meu pai ainda como capitão (em Marrupa, para os lados de Moeda, e no Fingoé, entre Tete e Cabora Bassa).
Só fomos à civilização (Tete, Nampula, ou Beira) nas poucas férias do meu pai, e depois da longa viagem em coluna militar até Tete, penso que já se apanhava o comboio (ou então ainda tínhamos mais uma jornada de autocarro)... Ainda me lembro que para irmos ao bar no wagon-lit tínhamos que atravessar muitas carruagens de 3ª...
Antes de abrirmos a porta eu enchia os pulmões e tentava correr até à porta do outro lado, sem ter que inspirar, porque o cheiro era terrível entre as galinhas, as pessoas com falta de sabão, e a má ventilação... Tenho a ideia de que haveriam carruagens de 2ª em que se encontravam negros mais abastados, e também brancos. Mas não me recordo de ver negros em 1ª classe (embora a memória me possa atraiçoar, pois já lá vão 40 anos e eu só tinha 6 anos).
É verdade que a média dos africanos continua a viver em más condições (ou piores) e agora, em vez de o rendimento ser canalizado para os cofres do país colonizador, passou em muitos casos a ir para o bolso dos governantes locais...
Mas também é um exagero dizer-se que os portugueses tratavam muito bem os africanos, porque qualquer família de classe média branca tinha lá em casa 3 ou 5 africanos a tratarem da lida da casa... Também há muitos que acham que não éramos racistas porque até tinham um negro lá em casa a servir à mesa... mas esquecem-se de dizer que usava luvas brancas e uma farda branca...
Voltando à importância de ver a Guerra dos 2 lados, dei noutro dia com a seguinte publicação que também faz referência a várias outras publicações:
http://links.jstor.org/sici?sici=0899-3718(199807)62%3A3%3C571%3ATLWIGR%3E2.0.CO%3B2-G
Um abraço
Miguel
__________
Nota de vb: fixação e adaptação do texto da responsabilidade do editor.
Artigos relacionados em
21 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2121: Questões politicamente (in)correctas (33): Dulce et decorum est pro patria mori ? (J.A. Lomba Martins)
23 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1624: Bibliografia de uma guerra (17): A geração do fim ou a palavra a 21 oficiais de infantaria, de 1954/57 (Miguel Ritto)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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