"Uma clareira aberta no mato a golpes de catana e de motosserra, guarnecida de arame farpado, artilharia e abrigos-casernas à prova de canhão sem recuo (?), eis Mansambo. Os guerrilheiros chamam-lhe campo fortificado mas como este aquartelamento de mato há muitos – dizem-me – sobretudo no sul, e que são verdadeiros abcessos de fixação.
“Não há pista de aviação. Não há população civil, excepto meia dúzia de guias nativos com as respectivas famílias. Ora o isolamento nestas circunstâncias acarreta toda uma séria de perturbações psicológicas e até mentais. Apanhado pelo clima é a expressão que se utiliza na gíria deste universo concentraccionário em que se transformou a Guiné” (Luís Graça, Setembro de 1969).
Na Foto, um jovem turco tentando, em vão, vender peles de animais à porta de um abrigo-caserna... O tédio ? Usava-se a palavra em tempo de guerra ? Não sei, não me lembro... (LG)
Foto: © Torcato Mendonça (2008). Direitos reservados
1. Mensagem de 2 de Abril de 2008, do nosso amigo e camarada Torcato Mendonça:
Caros Editores:
Breve, muito breve, o suficiente para vos dizer que, o que venho sentindo alguma razão terá e não é mero fruto de alucinação.
Efectivamente ou este espaço caminha, de forma efectiva, para uma desejada pluralidade ou, pelo contrário, algo perturba alguns escritos (ou certas pessoas?)... Pensamos pela positiva, sempre pela positiva… mas!?... Para certos peditórios já dei… não é comigo e nisso não estou de modo algum interessado. Ou não tenho capacidade de entender… Que interessa isso? Nada, pode argumentar-se.
Sinto a memória a fechar-se, o tempo a regredir lentamente, o tédio a instalar-se. Problema meu, pois certamente há, felizmente, alguns ou muitos a pensar de forma diversa. Há ainda os de espírito mais esclarecido. Felizmente para eles, pois assim, melhor alcançarão o Reino dos Céus…
Bem hajam pela leitura e a todos um forte abraço do
Torcato Mendonça
2. Resposta do Carlos Vinhal, co-editor:
Caríssimo camarada e amigo Torcato:
A melhor maneira de combater o tédio é continuar interventivo, usando, como é teu timbre, ironia, sarcasmo e capacidade de crítica, sempre em doses correctamente servidas. Remédio indispensável para manter as massas activas.
Camarada, desistir nunca. Não podemos dar as costas ao inimigo.
Desculpa a brincadeira. É só para te animar, já que parece estamos todos carentes de algum ânimo. Não posso imaginar o Blogue sem determinadas participações. A tua é uma delas. Contamos contigo, não só com as tuas estórias, mas também com as tuas críticas sempre na hora.
Aquele abraço do
Carlos
OBS - Aprendi muito novo que aquilo que hoje parece importante, amanhã é nada, está esquecido. Por outro lado, em todos os lugares e em todas as funções, só faz falta quem está. Não me obrigues a particularizar.
3. Mensagem do Virgínio Briote, enviada ao Torcato, com conhecimento ao resto da equipa editorial, LG e CV.
Caro Camarada e Amigo (espero que não leves a mal por te tratar assim) Torcato:
Não sou do teu tempo, sou mais antigo na tropa e, como te habituaste a ouvir vezes sem conta (se calhar, vezes demais), a antiguidade naqueles tempos era um posto. Não quero com isto dizer que sou eu que tenho razão, já naqueles tempos nem sempre o era (como comprovámos vezes e vezes) quanto mais agora que nos fartamos de ouvir exactamente o contrário. Esta mistura de palavras é, ou quero com elas dizer, que o tédio não te pertence em exclusivo.
Depois de me ver obrigado a antecipar a reforma, por causa do aneurisma que me acompanha há meia dúzia de anos, vi-me pela primeira vez na minha vida sem objectivos. Aquela história que, com a idade que nos pertence, nos acontece.
E agora, que porra!, sem ter para onde olhar, a não ser para esta avenida com mais carros que gente, e agora? Papelada e livros arrumados e limpos dos pós, cinemas de Lisboa vistos, acompanhado do silêncio de uma pessoa só, PC à frente e sem grande vontade de o abrir, cansado por tantos dias e noites de o ver aberto no Excel, com os objectivos, as percentagens e o que faltava para os atingir, a cabeça às voltas, madrugadas, o PC na cama, acordar com ele ainda aberto, em rede com a sede em Lisboa e com a casa mãe em Basileia, nem vontade tinha de o abrir.
Público lido, anúncios classificados de casas para vender, alugar e trespassar, massagens e botões de rosa feitas por garotas sedentas, filmes, tudo lido, naquele dia abri-o mais por hábito e náusea do que por qualquer outra coisa. A olhar para o écrã, se calhar durante minutos (o tédio, o tal), lembrei-me da palavra Guiné.
Nem hoje sei porquê, escrevi-a no Google e, rápido como costuma ser, surgiram-me alguns locais para visitar. Pois que seja, não me lembro de o ter dito, mas deve ter sido assim que vim ter com o blogue do Luís Graça.
Guiné era uma palavra emprateleirada para mim, um caso arrumado há quase quarenta anos. À medida que fui lendo, o interesse foi aumentando, voltei a ver-me naqueles tempos e naquelas terras. Passei a ser um cliente diário, até que, vencida a relutância inicial, resolvi apresentar-me ao serviço outra vez.
Depois, é o que tens visto, continuo fiel à loja, embora nem sempre fique satisfeito com a qualidade do serviço. Estou, calculo como tu, numa fase de algum cansaço e saturação. Muitas vezes digo para mim que a Guiné foi chão que deu uvas, não há mais nada para dizer, toca mas é a fechar a porta e encerrar, o balanço já está feito por qualificados contabilistas. Por outro lado, dou também por mim a pensar que o que aconteceu comigo pode estar a tocar a outros Camaradas e isto tem-me obrigado a resistir e a ficar. E não falo agora do que se fala do blogue, que é comprometido com a esquerda, com a direita e com o centro, com os centros esquerdo e direito, com o rés do chão para já não falar de caves e sótãos. Como tu escreves, já dei para esse peditório.
O que me leva a abrir o blogue todos os dias é rebobinar os tempos que passei naquela terras e reviver a camaradagem que nunca mais a senti como naqueles anos. É isto que me leva a permanecer de sentinela no posto 4 em Cuntima, na companhia do s/r e de uma grade de bazookas, a contar as estrelas enquanto de muito longe, vindos dos lados do Senegal, toques de batuque soam ora muito nítidos ora esfumados.
Desabafei contigo, Caro Torcato, de rajada. Como se estivesse ao teu lado em Mansambo ou naquelas terras enlameadas que ninguém sabia se eram definitivamente do Corubal, como muitos dos que lá vivem hoje também não devem saber.
Um abraço,
vb
4. Novo comentário do Torcato, com data de 3 de Abril:
Citando António Lobo Antunes: Camarada, só quem esteve na guerra compreende inteiramente o sentido: não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas…
Não fui correcto por não ter respondido ao Carlos Vinhal, ontem ou hoje. Escrevi ao Virgínio Briote e não vou reler, nem o meu nem o texto dele. Martela, martela ainda como, há horas atrás, quando o li. Foi um entrar de ideias de coisas de vidas. É bom ler assim ou o de ontem, de forma diferente, mas a sentir porque ambos são sentidos… só nós sabemos porquê…ou por isso;
Vá-se lá saber porquê ou todos sabemos o porquê, a razão deste meu enfado, deste meu tédio, desta dispensável leitura de certos escritos (posts) de redondilha (não de verso mas de rabo na boca) …diz tu, direi eu, mete tu, meto eu…e mais...
Camaradas e Amigos: não posso, com as minhas emoções despoletar algo a que não tenho direito. Menos ainda gerar inquietações. Não. Isso não. Tranquilidade.
Tinha uma reunião que se foi. Ainda bem.
Martela o texto e ainda o vou reler. Ontem dizia o C. Vinhal: O que parece ter muita importância hoje, amanhã não. Referia-se à razão do tédio. Talvez.
Mas parece-me que regressei lá – ou nunca de lá saí? – é no que dá.
O Luis Graça é homem gerador de consensos em saberes sobre mentes perturbadas…a minha, claro. Não é, Camarada?
Boa noite e bom descanso. Fico por aqui. Sossegado, só, não desgosto, até gosto, mas…um período sabático até faz bem... De quanto? Bhá... de... ? Faz bem á bomba que não gosta de muita excitação... mas descansa na escrita e em certas leituras.
Recebam um abraço do,
Torcato Mendonça
5. Mensagem do V.B., respondendo ao L.G., que sugeriu que se publicasse estes nossos pensamentos em voz alta, tanto ao estilo do (ainda felizmente activo e nunca desactivado) blogue Tantas Vidas... [O blogue Guiné, Ir e Voltar, do Gil [Duarte], ou melhor do V.B.]... Um blogue intimista sobre a arte da guerra e do amor em tempo de guerra, da amizade, da camaradagem, da solidariedade, da cumplicidade, da alegria de viver, da recusa da lógica estreita do matar para não morrer, da memória, do retorno, do ir e voltar...
Caro Luís:
Há tipos que se podem ofender. É protagonismo em excesso. Não tenho coragem, tenho vergonha e já não tenho cão. Mas não me oponho a que tu ou o Carlos publiquem. Tirar o botão de rosa, é capaz de ser mais conveniente para não ofender a moral de alguns.
Um abraço,
vb
PS - Tive críticas negativas ao Tantas Vidas, quando o acabei. Da Maria Irene e dos meus filhos. Que nunca pensaram ter em casa um escritor de novelas erótico-pornográficas. Ri-me com eles e nunca mais falámos do assunto.
6. Novo comentário do Torcato Mendonça, de 6 de Abril:
Cheguei a casa e, por esquecimento meu, isto estava aberto. Antes de fechar cliquei no blogue e li…passei ao Outlook e zás, e zás…li em solavancos, entre limpidez e névoas, parando e lendo… parando e pensando, relembrando, cogitando: mas que gaita… a que puta de raça pertencemos nós… E ainda por cima, como diz o Abrunhosa, quem me leva os meus fantasmas, quem me leva os meus fantasmas, quem me faz ir não indo ou voltar…um pouco atrás…
É de facto o tédio, o escrito a puxá-lo… Ontem fartei-me e teclei e o Carlos Vinhal respondeu… e hoje dizes tu em escrita com leitura de solavanco e névoa…. Meus Amigos e Camaradas: eu fico agora brevemente na penumbra, a noite está a descer a mulher certamente a chegar. Cansada, stressada…e eu na penumbra espero... Só teclar no enviar… Abraços
Torcato Mendonça
2 comentários:
Abri e oh...o Narciso, o grego da mitologia,como aqui,se lastimava não sei quem. Sou de facto eu, não um jovem turco, menos narciso mas sim um parolo em Fá,no inicio de comissão,roncos,peles e artefactos junto a abrigo de adorno.O que tenho ao pescoço acompanha-me há 40 anos(agora no saco).Os abrigos de Mansambo era á prova de canhão. Caí da cama mas tudo bem(ver o Mosquiteiro-salvo erro).O Torcato anda triste com a "morte" do José. Mas o SILVA deve chegar amanhã a Fá...já saiu de Bissau. Tudo para dizer:
Isto eram conversas demasiado intimistas e não esperava a publicação.Saiu.Os Editores são soberanos e eu, como facilmente se constata continuo apanhado.AB doTM
caro Torcato
é, como sempre, com imenso interesse q leio os vossos escritos, suponho q parte do meu interesse advém precisamente do tom intimista com q são "confessadas" as vossas memórias... para quem como eu conhece a guerra pelos livros são os vosso testemunhos «intimistas» que humanizam uma realidade que me continua a transcender...
a fotografia está excelente!
de parolo nada, apenas jovem... e com "manga di ronco!" he he he!
mantenha pá bó!
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