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sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21656: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (13): Faz hoje 50 ans que regressei do CTIG...Abrecelos natalícios para toda a Tabanca Grande (Valdemar Queiroz, ex-fur mil at art, CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Gabu > Sinchã Sajori > CART 11 > 1970 > Vacinação da população local. com o  fur.mil.enf Edmond




Foto nº 2 > Guiné > Região de Gabu > Guiro Iero Bocari  > CART 11 > 1970  > Ninho da metralhador HK21



Foto nº 3 > Guiné > Região de Gabu > Guiro Iero Bocari  > CART 11 > 1970  > Intalações do pessoal



Foto nº 4 > Guiné > Região de Gabu > Guiro Iero Bocari  > CART 11 > 1970  >  O fur mil Valdemar Queiroz aperaltado para o regresso



Foto nº 5 > Guiné > Região de Gabu > Guiro Iero Bocari  > CART 11 > 1970  > Filha de um dos nossos soldados



Foto nº 6 > Guiné > Bissau >  16 de dezembro de 1970 > A última compar do Valdemar Queiroz, na Loja do Taufik Saad, um relógio Longines, no valor de 2950$00 [, a preços de hoje, o equivalente a 868,65 €].



Foto nº 7 > Guiné > Bissau > 16 de dezembro de 1970 > O bilhete de avião, na TAP; no valor de 4340$00 [equivalente, a preços de hoje, a 1.277,95 €]

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem de Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem cerca de 120 referências no nosso blogue, e é um activo e incansável comentador]:

Data - quinta, 10/12, 16:13 
Assunto . Faz agora 50 anos 



É verdade. Faz este mês 50 anos que regressei da guerra na Guiné.

Depois de se ter feito a vacinação contra a cólera nas tabancas de Cadeu, Sibitó e Sinchã Sajori começamos a preparar o regresso à metrópole. Para nós estava próximo chegar a casa. Mas a guerra continuou por mais três anos e uns meses até ao 25 de Abril de 1974, e não acabou para os nossos soldados fulas renitentes em "abraçar" os guerrilheiros do PAIGC. Coitados de muitos deles... é assim a merda da guerra.

Em Guiro Iero Bocari e outras pequenas tabancas da região de Paunca, com a chegada da nossa CART 11, completa, deixou de haver problemas com ataques do IN. Pese embora ser uma região de fronteira, havia um rio como que de fronteira natural com o Senegal e com nossa acção, sempre em operações diurnas e nocturnas,  era mais difícil ao IN deslocar-se,

Nas últimas palavras escritas da HU da Companhia consta:

'O 1º. Grupo embosca na estrada de BOCARI.

Chegam a Paunca parte dos quadros que vêm render os Quadros Metropolitanos que terminarem a sua comissão. 

A partir de hoje, efectuam-se as sobreposições necessárias a fim de integrar os novos elementos no contacto com o pessoal nos diversos cargos e actividades, após o que seguem para Bissau os elementos rendidos individualmente, ficando a aguardar embarque para a Metrópole.'

Eu, o Abílio Duarte, o Manuel Macias e o Pais de Sousa regressamos de avião em 18 de Dezembro de 1970 e ainda passamos o Natal em casa, pagando a diferença para o "custo" da viagem de barco por esta só se verificar 20 dias depois.

As fotografias que junto, são de:

(i) uma acção de vacinação,contra a cólera,  na tabanca de Sinchã Sajori, com o nosso fur mil enf  Edmond (foto nº 1);

(ii) , do ninho da HK21 (foto nº2);

 (iii) instalação da minha posição na tabanca (foto nº 3);

(iv)  eu todo aperaltado para seguir pra Bissau  (foto nº 4);

(v) e a fotografia da filha de um dos nossos soldados fulas que estimo tenha sobrevivido e agora também ter feito 50 anos de vida (foto nº 5).

Desejo a todos os camaradas e suas famílias BOAS FESTAS
Abracelos

Valdemar Queiroz

PS - Anexo Recibo da última compra em Bissau  (foto nº 6) e o Bilhete da TAP do regresso (foto nº 7)

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quarta-feira, 2 de maio de 2018

Guiné 61/74 - P18592: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXX: As minhas estadias por Bissau (ii): setembro, depois de chegar a 21, vindo de avião


Foto nº 9 > Bissau > Setembro de 1967 > O Biafra, a "morança" dos oficiais. Quatel general (QG), em Santa Luzia.


Foto nº 14 >  Bissau > Setembro de 1967 >Vista geral da piscina do Clube de Oficiais do Quartel General, em Santa Luzia




Foto nº  21 > Bissau, setembro de 1967 > Piscina vazia no Clube de Oficiais




Foto nº 15 > Bissau, finais de setembro de 1967 > Na piscina do Clube de Oficiais do QG de Santa Luzia. Deve ter sido o primeiro banho ou duche em terras do CTIG.




F22 –  Bissau > Setembro de 1967 >Na piscina do Clube de Oficiais, com um empregado (trabalhador) local. 




Foto nº 18 >  Bissau > Setembro de 1967 > No Bar do Clube militar de oficiais do QG, em Santa Luzia, com um camarada de ocasião que não conhecia, é um cabo,  talvez trabalhando na messe, conversando sobre qualquer coisa.



Foto nº 16 >   Bissau > Fins de Setembro de 1967 >– Numa rua da Baixa, pobre, suja, velha, a cidade velha, penso ser na zona comercial, onde se localizava a Casa Pintosinho e a Taufik Saad e outras. Penso que estou metido num grupo de amigos, e alguém tirou a foto, acho que estou de camisa branca.



Foto nº 17 > Bissau > Fins de Setembro de 1967 > Numa rua da capital, numa zona menos central, mais para junto da marginal e do porto, ainda ando vestido com a primeira farda que vesti, a farda número dois. 



Foto nº 17 A > Bissau > Fins de Setembro de 1967 >   Rua: detalhe



Foto nº 20 > Bissau > Setembro de 1967 > – Vista interior da Igreja e Catedral de Bissau. Fui lá algumas vezes. [Ou não será antes a capela do Hospital Militar, HM 241 ?]



Foto nº 10 A > Monumento e estátua de Mouzinho de Albuquerque. Ficava localizada no QG da Amura, onde se faziam as reuniões dos Comandos Chefes [QG/CTIG]


Foto nº 10 > Bisssau, setembro de 1967 > Monumento e estátua de Mouzinho de Albuquerque. Ficava localizada no QG da Amura, onde se faziam as reuniões dos Comandos Chefes [QG/CTIG]


Guiné > Bissau > CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69).

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já meia centena de referências no nosso blogue:
Mensagem de 24 de abril último:


Caro Luís,

Conforme te disse ontem, tenho pronta outra reportagem sobre o Tema - As minhas estadias em Bissau - Parte I.

É um ficheiro com 79 fotos, variadas e algumas de algum interesse, mostrar Bissau a muita gente que nunca conheceu.

Eu tenho de ir agrupando por temas, embora muitas fotos estejam noutros temas e são em Bissau também, como é o caso das reportagens de Tomaz e Caetano e outras, como o render da guarda do governador, etc.

Depois como tenho tantas, sem temas específicos, vou juntando num ficheiro, talvez com um numero exagerado, mas só se aproveita as que interessam. Para mim, eu vou fazendo o meu arquivo definitivo, e vou arrumando assim as coisas, senão perco-me.

As fotos estão numeradas, não estão por ordem cronológica, apenas por mês e anos (67, 68, 69). e em cada uma tem o seu número e um resumo de que se trata, a data, quer seja o dia, o mês ou apenas o ano, conforme aquilo que sei.

Depois temos o relatório da Legendagem (...)

  Virgilio Teixeira

24-04-2018

2. Gniné 1967/69 - Álbum de Temas: T031 – Bissau - Parte 1 > (ii) Setembro de 1967 > > Legendagem


F09 – Bissaut, setembro 1967. Este é o pavilhão e dormitório dos oficiais, localizado no clube de oficiais de Santa Luzia no Q.G. Para quem não conheceu esta zona, trata-se de um barracão de madeira, pré-fabricado, com dezenas de camas de ferro e algumas redes mosquiteiro. Era um espaço muito fraco, e servia para alojar todos os oficiais milicianos que chegavam de (ou partiam para)  a metrópole, ou passavam férias em Bissau ou em Consulta Externa e tratamentos no HM 241, ou para tratar de assuntos da sua unidade, que era o meu caso. 

Tinha fracas condições de tudo, por isso lhe chamavam ‘O Biafra’,  com referência à guerra do Biafra (no Katanga – Congo Belga) que se vivia naquela altura de 67. Ficava no melhor local de Bissau, no Clube com o mesmo nome, com bar, sala de refeições, amplos jardins e piscina bem tratados, mas,  apesar disso,  das muitas vezes que frequentei Bissau, não ficava lá sempre, algumas vezes ou ficava no Pilão.  nas tabancas, ou no Grande Hotel, só que este era caro e tinha de pagar. 

O Biafra foi o meu primeiro alojamento no dia em que cheguei à Guiné, em 21 de setembro de 1967. A foto é uns dias depois de já ter adquirido a máquina fotográfica, e depois de ir a Nova Lamego e voltar uns dias depois. 

F10 – Monumento e estátua de Mouzinho de Albuquerque. Ficava localizada no QG da Amura, onde se faziam as reuniões dos Comandos Chefes sobre a situação e operações na Guiné. Depois de deixarmos aquilo após o 25 de Abril de 74 deitaram abaixo a estátua e colocaram lá outra dos chefes dos movimentos do PAIGC.

F14 – Vista geral da piscina no Clube de Oficiais do QG de Santa Luzia. Possivelmente deve ter sido uma das fotos do primeiro rolo da minha máquina fotográfica, que comprei na famosa Casa Pintosinho a prestações, como tantas outras coisas, e comecei logo ainda antes do final de Setembro a iniciar a arte de fotografar, aprendendo, mas longe de pensar a sério na fotografia, pois poderia ter feito muito melhor. 

Após chegar ao CTIG em 21 de setembro de 1967, fui para Nova Lamego passados dois dias. Depois, em finais do mesmo mês,  voltei a Bissau para tratar dos meus assuntos na «CC» - Chefia de Contabilidade, que ficava mesmo perto da piscina do Clube, e por isso muitas vezes ali estive pela proximidade dos locais. Bissau, fins de Setembro de 67.

F15 – Na piscina do Clube de Oficiais do QG de Santa Luzia. Deve ter sido o primeiro banho ou duche em terras do CTIG. Bissau, fins de Set 67.

F16 – Numa rua de Bissau, pobre, suja, velha, a cidade velha, penso ser na zona comercial, onde se localizava a Casa Pintosinho e a Taufik Saad e outras. Penso que estou metido num grupo de amigos, e alguém tirou a foto, acho que estou de camisa branca. Bissau, fins Set 67.

F17 – Numa rua da capital numa zona menos central, mais para junto da marginal e do porto, ainda ando vestido com a primeira farda que vesti, a farda número um. Bissau finais de Set67.

F18 – No Bar do Clube militar de oficiais do QG, em Santa Luzia, com um camarada de ocasião que não conhecia, é um cabo talvez trabalhando na messe, conversando sobre qualquer coisa. Bissau, Set 67.

F20 – Vista interior da Igreja e Catedral de Bissau. Fui lá algumas vezes. Bissau, Set 67.

F21 – Piscina do Clube de oficiais do QG Santa Luzia. Vazia sem água. Bissau, Set67.

F22 – Na piscina do Clube de oficiais, com um empregado (trabalhador) local. Bissau Set67.

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Nota do editor:

terça-feira, 20 de maio de 2014

Guiné 63/74 - P13169: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte XIIV): De regresso a casa, no avião da TAP. e, 18/1271970,. com um relógio Longines no pulso, comprado no Taufik Saad, com os últimos pesos...



Factura de compra de um relógio, da prestigiada marca suiça Longines, na loja libanesa Taufik Saad, Lda, no valor de 2950 escudos guineenses



Bilhete de avião de regresso a Lisboa, em 18 de dezembro de 1970


Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Publicação das últimas imagens de uma seleção do álbum fotográfico do Valdemar Queiroz [, foto atual à esquerda].

Treminada a comissão, o nosso camarada Valdemar Queiroz, que era de rendição individual como todos os outros graduados e praças esepcialistas da CART 11, passou por Bissau, onde gastou os últimos pesos e tomou o avião da TAP de regresso a casa, 18/12/1970, como se pode comprovar no documento acima reproduzido.  Tão quanto sei, nunca mais voltou à Guiné, agora República ds Guiné-Bissau.

PS - Sobre o comércio de Bissau e o que os militares compravam, no regresso a casa, veja-se aqui o marcador Patacão.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12188: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (26): Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros

1. Mensagem do nosso camarada Rui Silva (ex-Fur Mil da CCAÇ 816, Bissorã, Olossato, Mansoa, 1965/67), com data de 14 de Outubro de 2013:

Olá amigos Luís e Vinhal!
Vai tudo bem no reino do Blogue?
Bem me parece que sim!
Para além de vocês Luís e Vinhal, aproveito também para saudar o meu amigo (nosso) Magalhães Ribeiro.

Em anexo aí vai mais um “salpico”.
Rui Silva


Como sempre as minhas primeiras palavras são de saudação para todos os camaradas ex-Combatentes da Guiné, mais ainda para aqueles que de algum modo ainda sofrem de sequelas daquela maldita guerra.


Do meu livro de memórias “Páginas Negras com Salpicos cor-de-rosa”

26 - Como se faz acabar o vício de cravar cigarros aos outros e aproveita-se até para lhe dar a alcunha duma marca de cigarros muito em voga na Guiné, na altura, e que veio mesmo a calhar: “CRAVEN A”

Na Guiné, mais propriamente em Bissau, fomos encontrar coisas boas no comércio. Uma surpresa! Logo ali na rua paralela à marginal, na Casa Pintosinho, haviam as últimas novidades eletrónicas. Os melhores rádios, transistors, pick-ups, aparelhagens de som, máquinas de barbear e todo o mais. Akai e Pioneer era do mais reclamado e moderno. Estavam na moda.
Um rádio para pôr na mesinha de cabeceira era o que se pretendia mais. No mato, já a ventoinha, a 5 dedos da cara, ganhava bem aos rádios. Alguns compraram autênticos rádios de sala e andavam com eles debaixo do braço, como que a dizer que o meu é maior do que o teu, e os donos da música fossem eles; outros ficavam pelos mais pequenos (vulgo transístor) que se levava no bolso e para qualquer lado.

Um camarada comprou um rádio que se transformava em pick-up após uma ligeira articulação. Foi de abrir a boca. Na Casa Pintosinho comprei ali mais tarde um “Mitsubishi”. Este transístor andava em propaganda radiofónica local e assim andou durante bastante tempo. Seduzido por tanta propaganda fui lá buscar um mais tarde, quando passei por Bissau em trânsito para férias na metrópole. Boa compra, durou muitos anos e tocava dentro do carro como se fosse um auto-rádio. Uma relíquia, mesmo depois de deixar de tocar (os tombos foram muitos), posta fora inadvertidamente, para desespero meu.
A Casa Pintosinho era uma casa atualizada e a tropa era lá muito bem recebida e atendida.
Pudera! Sargentos e Oficiais tinham manga de patacão.

Na mesma rua e mais para o lado da Amura, na loja Taufik Saad comprava-se, principalmente, entre outras, louças decorativas, vulgo bibelots, louças de servir à mesa, faianças e porcelanas, louça fina, entre esta bonitos Serviços de chá e café que vinham da China. Louça “casca d’ovo “, louça de fina espessura para não fugir aquele nome, onde no fundo se podia ver recortada na própria louça o rosto de uma linda chinesa. Ainda hoje guardo um serviço destes. Era uma casa requintada ao nível das melhores de Lisboa.



Vendo uma das montras do Taufik Saad. Muita cabeçada ali no vidro. As grades, no lado de dentro do vidro enganavam e a curiosidade levava a bater com a cabeça no vidro. Foram muitos os cabeçudos, daí a curiosidade de incluir isto no texto. Ah(!), o rapazinho a ver a montra sou eu! Turista? Se calhar ao outro dia já estava a atirar-me para o chão, lá bem para dentro do Oio. Engraçado (!) ali vivia-se as duas faces da moeda.

Mais à frente e já virada para a Avenida principal, o Café Bento. Mesas cá fora, em jeito de esplanada e sob árvores bem frondosas. O ponto de encontro da malta da tropa, com boas bebidas e para todos os paladares e com boa vista para a avenida principal.

Em Bissau vendiam-se também Whiskies das melhores marcas, algumas nunca vistas na metrópole, quando muito só faladas: Vat 69, Black and White, o Johnnie o preto e o vermelho, Dimple, o Ballantines, etc, etc. Bons Scotches, bons Licores. O Licor Drambuie que era muito procurado pela malta.

Marcas que nunca tinha ouvido, e eu que não tinha chegado propriamente de um colégio de freiras. Brandies, tabacos, tudo da melhor marca. Terra pobre, muito pobre, mas onde as bebidas espirituosas os apetrechos eletrónicos, os melhores tabacos, os melhores chocolates belgas e holandeses, se viam em algumas casas comerciais. Camisas muito bonitas e adequadas para aquele clima. Dizia-se que vinham da China (ou Taiwan?). Muito contrabando se calhar….
Deu para ver com algum espanto que a Guiné tinha mesmo do melhor para a malta dos vinte anos. Se calhar foi esta que fez trazer as coisas. Sobretudo boas bebidas, do melhor tabaco, e outras coisas, outras coisas.

E na Avenida, também passavam bajudas bonitas e formosas. Mais as cabo-verdianas, de olhos grandes claros e expressivos, mas havia nativas que não ficavam atrás, pelo menos nas três medidas standard para a harmonia feminina. Os bifes na casa de uma senhora mulata que me esqueci do nome, o frango assado no Tropical, etc, etc.

Se lhe juntarmos o bom e diversificado marisco, isto já produto do domínio e captura doméstica, não era preciso mais nada. A guerra, essa podia esperar… Na altura era preciso sair 20 ou 30 Km. de Bissau para entrarmos em contenda. No meu tempo e para o norte, esta só andava para lá de Mansoa. No Sul não seria preciso andar tanto depois de atravessar o Geba. Para Este e Oeste havia já alguns arrufos e não muito longe.

Bom, eu estou a dizer isto do bom de Bissau mas, cuidado, estávamos em trânsito para o mato. Ali em Bissau, melhor, em Brá, estivemos apenas 13 dias. O nosso destino estava traçado: Alancar para o OIO, pois a Ópera era para esses lados. Houve quem fizesse a comissão inteira em Bissau e que nunca tenha ouvido um tiro, mas convém dizer que não faziam nem mais nem menos do que cumprir ali a sua missão porque fora essa a destinada. Sortes!!...

Ainda me lembro e pegando na moda de uma cantiga na altura, que, e quando chegamos ao mato (Bissorã), cantávamos : “beijinhos com beijinhos pra cá… bazocadas e granadas pra lá”. Deixem que digam (!), que pensem(!), que falem (!)… deixa lá”…

Ainda em Bissau começava-se pelas ostras e acabava-se, se é que percebo, isso mesmo, em perceves (!) passando por outros mariscos de nomeada. Nisto de marisco a barriga desligou-se de misérias. O Tropical ali tão perto. E isto a pensar que marisco, na metrópole, só um camarão escanzelado ali pr’as Portas de Santo Antão em Lisboa. Salvo a Solmar, mas aí era preciso mais dinheiro. Aí,“cá tem”.


Na esplanada (passeio na rua) do Tropical. No verso desta foto descobri agora que a tinha enviado na altura aos meus pais em correio. Curioso como escrevio ano (MIL 966)

No café Bento pedi uma cerveja, um pão partido ao meio e o chocolate tal.

O empregado pensou que estava a gozar com ele. Perante a cara dele perguntei-lhe se podia ser ou não e ele meio desconfiado foi para dentro e apareceu-me pouco depois com o que lhe pedi. Vá lá… Sabia bem uma sandes de chocolate a puxar pela cerveja. Essa mania trouxe-a do bar do Niassa. Seria pancada? Julgo que não…

Neste bar também se adquiriam coisas curiosas. Comprei ali uma máquina de barbear “Philips” que trabalhava com pilhas. Ainda hoje a tenho.

Falando dos bons tabacos. Os Três Vintes,  o CT, o Português Suave, etc. tinham ficado na viagem. Os últimos foram queimados no Niassa.

Ali na Guiné a fumaça era feita através de tabacos mais finos e requintados, entre eles o “Craven A” (novidade) que é afinal o protagonista desta história e que eu passo a contar:

À mesa no Olossato, ao serão, jogava-se às cartas e começava-se com a sueca (jogo). Lá por o andar da noite passava-se então à lerpa e acabava-se inevitavelmente no abafa e onde de vez em quando saía um ou outro bem (des)abafado.

A história que eu quero contar era ainda à mesa da sueca. Parceiros habituais na minha mesa, eu, o Carneiro, o Piedade e outro que é o centro do episódio e que passo a chamar-lhe o “nosso amigo” (por razões óbvias omito o nome real).
Portanto parceiros certos ali e acolá nas mesas.

Depois (só) de alguns dias é que nos apercebemos que um dos jogadores da minha mesa fumava os nossos - dos outros - cigarros e à vez:
- Dá-me um cigarro se faz favor.

Ao outro:
- Posso?
- Posso fumar um destes? - ao terceiro.

Dava a volta, pelo menos havia o bom senso (e o cuidado) de não cravar o mesmo duas vezes seguidas. Também a tática era logo ali detetada mais facilmente.

Bem, isto não podia ser assim alvitramos nós os três após a constatação, o que ainda levou tempo.

Sentávamo-nos à mesa e cada um punha à sua frente o seu maço e o isqueiro em cima. Primeiro os isqueiros que tinham vindo connosco da metrópole, mais tarde já usávamos os que as senhoras do Movimento Nacional Feminino, que por ali passaram fugazmente, nos ofereceram.
Isqueiros de pedra a fazer faísca e mecha embebida em benzina impregnada numa espécie de algodão e em depósito para o efeito.

Então teríamos de fazer alguma coisa para que os cigarros não fossem assim tão mal repartidos. O tabaco predominante ali era então o “Craven A”.

Pegamos numa embalagem de cigarros vazia e colamos num rótulo que se podia ver, logo mal abríssemos a caixa, com o dizer. "Vai cravar o car(v)alho". Ver, tal e qual, a figura seguinte.



Tinha no meu pelotão um soldado que se chamava Carvalho (que se calhar até nem fumava), mas não era esse o que queríamos apontar. Era o outro, o mais popular, o do léxico portuga, o que até ficou bem explicado na caixa, claro.

O maço ficou dissimulado em cima da mesa e à frente como era habitual de um dos contendores.
- Posso tirar um? - agora já apontando para o maço armadilhado.
- Podes…

Quando calhou de cravar no maço dito cujo, então o nosso amigo abriu, leu, e discretamente fechou. Como nada tivesse acontecido. Também não havia cigarros. Não sei se o maço tivesse cigarros o rótulo passava ao lado.

Bom, acabou ali o cravanço do nosso amigo e começou a risota, dissimulada, ao mesmo tempo que o nosso ilustre camarada logo “ganhou”, (perdeu nos cigarros) dali para a frente, a alcunha do “Craven A”, visto isso, e para memória futura.

Rui Silva
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Nota do editor

Último poste da série de 31 DE MAIO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11658: Páginas Negras com Salpicos Cor-de-Rosa (Rui Silva) (25): Os três Hospitais Militares que conheci

domingo, 11 de setembro de 2011

Guiné 63/74 - P8764: Cem pesos, manga de patacão, pessoal ! (3): o que se podia comprar em Bissau: Os produtos e as marcas que não havia em Lisboa... ou eram "proibitivos" - Parte I (Helder Sousa / Augusto Silva Santos)

1.  Comentários ao poste P8762 (*), podemdo dar início a uma nova série para a qual se esperam muitos contributos...

(i) Luís Graça:

Isqueiros Ronson, óculos de sol Ray Ban, uísque Old Parr... Que outros produtos e outras marcas estavam então na moda, em Bissau, nas lojas onde a gente ia gastar o patacão... o Taufik Saad, a Gouveia. etc. ?

(ii) Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72),


Quanto a coisas que se compravam, que estavam na moda... bem, relativamente a uísque, para além do Old Parr, estavam na moda, no 'meu tempo', a Monks, White & MacKay, President, Martin's, e outras de uísque velho e/ou de malte e também havia os novos Passaport, J. Walker de 'labels' de várias cores, etc.

Haviam os rádios e gravadores: Sony, Aiwa, Grundig. As máquinas fotográficas 'reflex': Pentax como o expoente máximo, mas também as Canon, Casio e outras marcas japonesas.


De roupas não me lembro. Sei que comprei tecido e levei a fazer calças a profissionais no Cupilão.

 (iii)  Augusto Silva Santos ( E
x-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73)


 A propósito de marcas... Para além do que já foi citado pelos anteriores camaradas, no meu tempo de Guiné estava também muito em moda adquirir-se o seguinte:

  • Máquinas fotográficas Olympus
  • Relógios Cauny
  • Whisky Antiquary
  • Polos da Lacoste e Fred Perry
 
Quando o pessoal vinha de férias ou acabava a comissão . . . É que aqui naquele tempo, muitas das coisas ainda não existiam.
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 Nota do editor:
  

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Guiné 63/74 - P8138: Memória dos lugares (152): A cidade de Bissau em 1968/70: um roteiro (Carlos Pinheiro)

1. Mensagem de Carlos Manuel Rodrigues Pinheiro* (ex-1.º Cabo TRMS Op MSG, Centro de Mensagens do STM/QG/CTIG, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2011:


Camarigo Carlos Vinhal
Aqui vai mais um texto para o nosso blogue se entenderes que o mesmo merece ser publicado.

Um abraço
Carlos Pinheiro


A Cidade de Bissau em 68/70

A esta distância no tempo, recordar a cidade de Bissau onde passei mais de 25 meses da minha vida, obrigatoriamente e sem alternativa de escolha, mesmo assim é bom recordar Bissau, para que a memória não esqueça e para que outros possam também recordar e testemunhar.

Bissau era uma cidade simpática onde havia um pouco de tudo e acima de tudo muita tropa, muitos militares em movimento, a chegar, a partir e a estar. Não era uma grande metrópole mas tinha infra-estruturas que uma cidade de província, na Metrópole de então, não tinha, não podia ter e nem tinha que ter. Tinha por exemplo um Aeroporto, na Bissalanca, que é certo se confundia de algum modo com a BA 12, já que as pistas eram as mesmas e, aliás, o Boeing da TAP só lá ia uma ou duas vezes por semana, levar de regresso combatentes que tinham vindo de férias, buscar outros em sentido contrário e acima de tudo levar e trazer correio tão indispensável para o apoio moral das tropas e especialmente dos seus familiares cá na santa terrinha. 

Na maior parte do tempo eram os FIAT G91, os T6 e os DO27, para além de outros meios aéreos, os únicos a utilizar as pistas quando eram lançadas Operações onde o apoio aéreo tinha uma preponderância mais que evidente. E, claro, também era dali que saíam os helicópteros, os Alouette III, para as Operações, mas acima de tudo para fazer as evacuações dos doentes e dos feridos.


Tinha também um porto de mar, que por acaso era no rio Geba onde, por vezes, os barcos maiores, o UIGE ou o NIASSA, não atracavam.

Mas barcos como o Rita Maria, o Ana Mafalda, o Alfredo da Silva, o Manuel Alfredo, todos da Sociedade Geral, da CUF, esses porque eram mais pequenos, atracavam. Também o Carvalho Araújo, penso que dos Carregadores Açorianos, nos seus últimos tempos de vida, também ali atracava. Mas era um porto com poucas condições. Este último barco, porque tinha pouca autonomia, tinha que ir, na viagem de ida, a S. Vicente, Cabo Verde, meter água e nafta e no regresso, era no Funchal que atestava.
Tinha ainda outro porto, este mais de pesca, o Pidjiguiti, tristemente célebre pelos massacres que precederam a guerra da independência.


Mas tinha o Palácio do Governador, tinha a Associação Comercial, tinha algumas casas apalaçadas de arquitectura tipicamente colonial, tinha um cinema, a UDIB (1), tinha dois campos de futebol, o campo da UDIB e o “estádio dos cajueiros” à Ajuda, tinha um comércio florescente, especialmente dominado pelos libaneses, onde tudo se vendia desde o alfinete ao camião, tudo importado, principalmente do Japão, mas também dos States, da Inglaterra, da Escócia, da Itália, da Holanda, da Checoslováquia, da França, etc., e naturalmente da Metrópole.

E Bissau tinha algumas casas que toda a malta conhecia pois era lá que convivia, que matava saudades e acima de tudo matava a fome e a sede. Logo à saída do QG havia o Santos, a que simplesmente, mas com muito carinho, chamávamos o “farta brutos”, onde se comia, talvez a maior febra de Bissau. Parecia que tinha as orelhas de fora do prato, tal era a sua dimensão. Mas as batatas fritas a acompanhar também mereciam respeito. Quanto à cerveja, ela era igual em todo o lado, desde que estivesse bem fresca e isso às vezes conseguia-se e muita até era da Manutenção Militar.

Mas lá em baixo, na cidade, tínhamos outras casas emblemáticas. Tínhamos a Solmar, que não tinha nada a ver com a outra de Lisboa, mas que já era um bom restaurante que também vendia muita cerveja para acompanhar as ostras e o camarão.  

Tínhamos o Solar do 10, casa mais pequena mas mais requintada, onde por vezes à noite se cantava o fado depois de uma jantarada ou ceia.

Tínhamos o Zé da Amura onde se comiam uns chispes que iam para lá enlatados não sei de onde, mas que, à falta de melhor, eram apreciados.

Tínhamos, na Praça Honório Barreto, o Internacional, o Portugal e o Chave de Ouro, tudo cafés/cervejarias mas também onde se comiam umas febras ou uns bifes, quando havia.
Mas na Avenida principal, do porto ao Palácio do Governo, também havia o “Bento”, café e esplanada característica da cidade a que vulgarmente nós, os militares, chamávamos de “5ª Rep.” já que o Quartel-general só tinha 4 Rep’s, 4 Repartições.


Para a malta, ali era portanto a 5ª repartição onde quem chegava do mato se encontrava com os residentes, onde se trocavam informações e onde, se dizia, que essas informações vadiavam ali dum lado para o outro do conflito. Ao lado do “Bento” mais para o interior, era a Bolola, onde esteve o Serviço de Material, depois transferido para Brá, e onde era o Cemitério que ainda guarda os restos mortais de muitos camaradas nossos.

Nessa avenida estavam talvez as maiores casas comerciais. Por exemplo a “Casa Gouveia”, da CUF, que vendia ali de tudo e que tudo comprava o que os naturais produziam, principalmente a mancarra (2), o Banco Nacional Ultramarino, o banco emissor da Província, o Cinema UDIB e ao lado uma boa gelataria, mais acima a Pastelaria, Padaria e Gelataria Império, assim baptizada por estar já na Praça do Império onde se situava o Palácio do Governo e Associação Comercial.

Também era nessa Avenida que estava a Sé Catedral, templo de linhas tão simples quanto austeras.



A caminho de Brá e da “SACOR”, havia um local chamado “Benfica” onde havia um café com o mesmo nome e onde se apanhavam os transportes para os vários quartéis daquela zona como eram o Hospital Militar 241, o Batalhão de Engenharia 447, os Comandos, os Adidos e mais à frente a BA 12 e o BCP 12.

Mas havia outros estabelecimentos dignos de recordação. A casa de fados “Nazareno”, mais tarde rebaptizada de “Chez Toi, a “Meta” com as suas pistas de automóveis eléctricos, e como novidade também apareceu naquela altura “O Pelicano”, café-restaurante construído pelo Governo e explorado por privados, com uma belíssima vista sobre o Geba e avenida marginal.


Na Avenida Arnaldo Shulz, que ligava a Estrada de Santa Luzia à tal SACOR, a caminho de Brá, sempre ao lado do Cupelão [ou Pilão], estava o Comando Chefe das Forças Armadas à esquerda de quem subia, um pouco mais abaixo, os Bombeiros Voluntários de Bissau num grande quartel nessa altura muito bem equipado, a Cruz Vermelha, estes do lado direito e até a Sede local da PIDE, que nessa altura já se chamava DGS, também do lado direito mas já junto ao Largo do Colégio Militar.

Era uma avenida nova, como se fosse uma circular urbana onde as boas vivendas também começaram a aparecer.

No princípio da Avenida que ia para Santa Luzia, antes de se chegar ao Hospital Civil, estava o Grande Hotel, nome pomposo do melhor estabelecimento hoteleiro da cidade. O resto era pensões, algumas de quinta escolha.

Mas o comércio de Bissau não era constituído só por cafés, restaurantes e tascas. Havia de tudo. E há nomes que não se esquecem. Para além da Casa Gouveia, o maior empório daquele então Província Ultramarina, como então se dizia, a Casa Pintosinho, a Taufik Saad, a Costa Pinheiro, e muitas outras vendiam de tudo, são nomes que ficaram para sempre na memória. 

Havia, claro, várias casas de fotografia, como por exemplo a AGFA perto da Amura, que ganhavam muito dinheiro na medida em que era raro o militar que não tivesse comprado a sua FUJICA, PENTAX, NICON, etc., a que davam muito uso. Muitas casas vendiam roupa barata, nessa altura já confeccionada em Macau, especialmente aquelas camisas de meia manga, calças de ganga e sapatos leves.
Era assim Bissau naquela época.


(1) UDIB - União Desportiva e Internacional de Bissau
(2) Mancarra - Amendoim

Carlos Pinheiro
16.04.11

Texto e fotos de Carlos Pinheiro
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 14 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8099: Convívios (226): Reencontro ao fim de 41 anos (Carlos Pinheiro)

Vd. último poste da série de 4 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8045: Memória dos lugares (151): Bedanda 1972/73 - O Seis do Cantanhez (António Teixeira)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3021: Os nossos regressos (6): Regressei a olhar para trás... (Santos Oliveira)

Tenho alguma dificuldade em dar um contributo que tenha algum interesse de divulgação. Foram momentos estendidos pelo tempo, que se amalgamam em contraditórias alegrias e profundas desilusões.
Não entendo que possuam estatuto de serem publicados. Entretanto assim se passou.



O meu regresso não foi interessante nem romântico


Fui mobilizado no regime de rendição individual, com destino ao Pel de Morteiros 912.

Oito dias no N/M Manuel Alfredo, a magicar sobre a Guerra que ainda não conhecia e levando sob Comando noventa praças que foram distribuídas por Cabo Verde e a maioria para Bissau.


Não fui abrangido no tempo de regresso conjunto, por um escasso mês (o Pelotão regressou aos 22meses), pelo que fiquei órfão dos meus Camaradas.

O Cmdt do BCaç. 1860, Ten.Cor. Costa Almeida, tudo fez para que continuasse sob as suas Ordens no Bat. que Comandava em Tite. Porém o CEM entendia que já tinha decorrido demasiado tempo de permanência pela Ilha do Como, por Cufar e Tite (Zonas de intervenção activas), pelo que havia que me dar descanso.
Sinceramente, era-me penalizante ter tempo para pensar no Passado, Presente e desconhecer o Futuro.
Fiquei em Bissau, a aguardar e a "construir" o tempo de embarque. Uma verdadeira "seca". A ansiedade matava-me lentamente. Sem acção militar e sem mais nada para fazer, Bissau foi um tormento, ou um pesadelo…

Como as Rendições individuais normalmente se prolongavam no tempo em mais 4 a 6 meses (aos 28 a 30 meses), requeri o meu regresso na data do final de Comissão (24 meses) sendo a viagem paga a minhas expensas. Deste modo, obtive a aprovação e fui "corrido" do alojamento por conta do Estado.
Regressei, extremamente ansioso e, recordo-me, sempre a olhar para trás. Não se me afigurava a minha partida como real.


Com o Sr. Taufic Saad no avião para Lisboa

No mesmo avião um velho conhecido, o Senhor Taufik Saad, que tentou, insistentemente (sem sucesso), que aceitasse o seu convite que me formulara tempos antes, para reconstituir e dirigir a sua equipa de Segurança Pessoal que tinha no Líbano. Apenas queria o meu "método de organização", que nem sequer precisava de me expor, etc, etc. O vencimento era mesmo tentador, mas não pude e nem queria aceitar porque, alegava, estava cheio da Guerra, não tinha aceite as condições do Exército, mesmo com as benesses que oferecia (eram também do seu conhecimento) e a minha Família me aguardava para constituir um Lar.
Lá se ficou no Aeroporto de Lisboa com a oportunidade de emprego. Nunca mais soube dele e tenho imensa pena.

Promovido no DGA

Apresentado no DGA, fui conduzido ao Oficial de Dia, um Tenente, que, com a minha Guia de Marcha na mão e para meu espanto me interpelou deste modo:

- O nosso Sargento não acha que tem as divisas ao contrário?. Mesmo em sentido (que já não fazia sentido nenhum) não resisti a olhar para os ombros. Que não, as Divisas (de Furriel) estavam correctamente colocadas, disse. Ele, muito sério, ordenou que o seguisse. Atravessámos a parada na diagonal, ele abriu uma porta, entrou (era tudo escuro, muito escuro) e mandou que eu também entrasse e…fez-se luz conjuntamente com um grande grito de Parabéns, colectivo, de camaradas, Oficiais e Sargentos.

Chorei como um velho, mas tive uma festa única, em todo o tempo de tropa, também por não ter que pagar nada. Impuseram-me uma nova Boina Preta já com o Emblema Ranger (a que usava tinha o de Artª) e umas divisas igualmente novas correspondentes ao meu fardamento (fundo preto).

Recordo-me que recebi esta honra das mãos dum Sarg Ajudante, por ser o mais velho na idade, segundo os oficiais presentes. Ali mesmo fui informado da minha promoção no CTIG, um mês antes (que desconhecia por completo), mas que os papéis e a OS (Ordem de Serviço) não estavam de acordo. Fiquei perplexo.
Só que, por isso, teria de ficar pelo DGA até à resolução do problema.
Uns dias depois, nada resolvido, fui chamado ao Cmdt e informado do pagamento de 8 dias de Sargento acrescidos do diferencial de um mês do que deveria ter auferido no CTIG.
…Dinheirito saboroso!...

Fiquei expectante e a minha preocupação aumentou com a informação de que para não se criarem outros problemas, a Guia de Marcha do CTIG (que indicava Furriel Miliciano) seria a que apresentaria na GNR cá da Terra.
O que queria era vir embora e assim se fez.

O meu regresso não foi interessante nem romântico… mas a Vida continua até aqui e agora.

A todos, o abraço, do

Santos Oliveira
__________

Adaptação e substítulos: vb

(1) Fernando Santos Oliveira, 2.º Sarg Mil Armas Pesadas Inf.ª, Como, Cufar e Tite, 1964/66

(2) Artigos relacionados de:





sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Guiné 63/74 - P2299: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (10): O meu amigo açoriano de Bissau



Açores > Ilha de S. Miguel > Arrifes > 1967 > Ao fundo, o quartel. Em primeiro plano, criabças da povoação. A pobreza era extrema nas ilhas, naquele tempo. Não surpreendia, pois, que as crianças viessem todos os dias pedir as sobras do rancho. Fiz estima com estes garotos, que eram meus convidados quando estava de oficial de dia. Foi uma grande alegria tê-los na festa de Natal de 1967, que organizámos com a devoção dos meus amigos de Ponta Delgada, sobretudo a Maria Teves Lemos e a Cremilde Tapia, recolhendo frituras, doçaria, pastéis de bacalhau e o mais que se sabe.

O Natal de 1968 foi mais tocante, certamente, estávamos dentro da guerra, mas esta recordação de 1967 têm-me acompanhado sempre, é estímulo para o que se deve continuar a fazer.

Açores > Ilha de São Miguel > Quartel de Arrifes > 1967 > Tirei esta fotografia com os soldados e as crianças que vinham às sobras do rancho. Os soldados adoravam a tropa porque tinham carne e peixe a todas as refeições. Achavam graça ter de fazer a barba todos os dias e cortar o cabelo regularmente. Gostavam igualmente dos hábitos de higiene, confessando-me mesmo que a vida é outra coisa com o banhinho diário. As crianças , como se pode ver, andavam descalças. A freguesia dos Arrifes já era nesse tempo enorme e as famílias eram numerosas. O açoriano é muito disciplinado e muito religioso. Quando estava de oficial de dia e percorria as camaratas depois do toque de recolher, muitas vezes ouvio-os rezar o terço, e acompanhei-os no exterior, para não os melindrar.

Açores > Ilha de São Miguel > 1967 A família Teves Lemos acolheu-me maravilhosamente. Ele era despachante, ela doméstica, de uma bonomia insuperável. Foi através deles que conheci a Cremilde Tapia, madrinha da minha filha mais nova. Na fotografia aparece o meu soldado mariense José Braga Chaves, ele tinha um dedo torto que o Dr. Furtado Lima, conceituado cirugião local, operou. Estivémos sempre em contacto durante a guerra, visitei-o depois, estava ele já a trabalhar no aeroporto da Nordela.

Fotos e legendas: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


Mensagem do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2007:

Luís, aqui vai o episódio n.º 10. Já aí tens a capa do livro da Agatha Christie, o livro do Jacques Martin segue pelo correio. Penso que terá interesse mandar-te duas fotografias referentes ao meu período açoriano. Seguirão segunda feira. Estou nas lonas, vou passar três dias em Casal dos Matos a arrancar ervas e a preparar novos episódios desta Operação que está em Outubro de 1969 e irá até Agosto de 1970. Um abraço do Mário.


Operação Macaréu à vista - Parte II (10) > O MEU AMIGO AÇORIANO EM BISSAU
por Beja Santos
(1)

(i) O acidente de Canturé


Parto um dia mais tarde para Bissau, dado que a 17 de Outubro, ao princípio da tarde, registou-se um lamentável acidente em Canturé, à volta do 404 completamente destruído. Tivemos notícias dos acontecimentos em Missirá porque ouvimos rajadas de espingarda, era um fogo todo igual, parecia um festejo de gente eufórica, a que se seguiu um silêncio sepulcral.

Ainda incapaz de me mexer, com o tímpano do ouvido direito a zunir e a resistir a todos os analgésicos, peço ao furriel Pina para ir ver o que se passa. Ele chega ao anoitecer com a notícia de que Bacari Soncó e dois milícias de Finete, a arder de curiosidade, aproximaram-se da viatura armadilhada pelo Reis e os seus sapadores, durante a manhã, e ficaram estilhaçados, se bem que sem gravidade, desatando a fazer fogo, convencidos que estavam a ser emboscados.

Com o Pires arrumo os últimos papéis, sempre com a preocupação de que o Pel Caç Nat 54 possa chegar a qualquer momento e nós queremos que encontrem toda a contabilidade e todos os registos em dia. Escrevo no meu eterno caderninho de viagem, para negociar com o comando em Bambadinca:

- Pedir uma ajuda extraordinária para as idas a Mato de Cão, de preferência tentar conciliar uma ou duas secções de um grupo de combate da CCaç12 com uma ou duas secções de Missirá e Finete;
- Autorizar um avanço dos vencimentos dos milícias de Finete, não há sacos de arroz, o espectro da fome espreita, só nos faltava agora o descontentamento dos estômagos;
- Analisar a dispensa de uma bazuca a Finete e aprovar as obras de dois abrigos;
- Pedir ao David Payne que passe um dia em Missirá, tal o número de incapacitados, militares e civis, que precisam urgentemente de tratamento.

Antes do jantar, Ussumane Baldé vem ajudar-me a fazer a mala e a ver o estado da farda n.º 2. Não posso andar de calções, o joelho direito inchou, os coágulos de sangue têm ligaduras, é puro exibicionismo andar a mostrar estas feridas. Depois do jantar escrevo os últimos aerogramas, as dores são tantas que peço ao Adão maqueiro um comprimido para dormir.

Em Finete, na manhã seguinte, combino com Bubacar Baldé, o substituto de Bacari, a necessidade de improvisar um esquema de apoio às forças que vão a Mato de Cão. É necessário igualmente negociar as patrulhas de vigilância até Gã Gémeos com o furriel Pires, nos dias em que o Sintex for a Bambadinca. Chegado ao batalhão, converso com o major Cunha Ribeiro que anui no plano das idas a Mato de Cão, a título provisório. O Payne promete ir a Missirá nos próximos dias e descansa-me quanto ao estado de Bacari e os dois milícias que estão na enfermaria, onde os vou visitar. Bacari tem um olhar entristecido e envergonhado, como quem cometeu uma galgada na pior altura.

E lá parto para Bafatá com a trouxa e alguns livros. Desconfio que o mais grave poderá ser o tímpano, seja como for o olho direito não me deixa ver bem, sinto uma profunda irritação, quero igualmente ir a uma consulta de estomatologia, há por ali dois dentes cariados que me provocam um profundo mal estar.

O voo está atrasado uma hora, aproveito para ir à cidade ver os discos e os livros no estabelecimento do Eduardo Teixeira. Como o dinheiro é muito pouco e a duração da estadia é uma incógnita, limito-me a comprar Um crime no Expresso do Oriente, de Agatha Christie, e um livro de novelas de Somerset Maugham. São obras que li no passado, não as esqueci, vou prontamente relê-las.

Enquanto espero a vinda do Dakota, sem nenhum interesse em falar da guerra com quem me rodeia, a um canto enfronho-me na excitante viagem do Expresso do Oriente a partir de Istambul, via Belgrado, até Calais e Londres. Hercule Poirot vem da Síria até Istambul, vai contactando com uma curiosa fauna internacional, há um norte-americano que pretende contratar os seus serviços, Poirot recusa, nessa mesma noite o norte-americano será apunhalado e quando for descoberto o seu corpo exibirá doze feridas bem desiguais. Vai começar o inquérito a cargo do excêntrico detective belga.

Entro exactamente no avião quando começa esta incursão, onde a admirável Agatha Christie revela o seu talento pelos registos psicológicos. A maior parte das respostas, depois de nós sabermos que o assassinado fora um dos sequestradores que mais emocionara a America, gira à volta do nome Armstrong que, saberemos no final, tem um peso capital no móbil do crime. Enquanto o Dakota desce para Bissau, enleio-me num dos mais fabulosos grandes finais de desfecho imprevisível: afinal, todos os passageiros vieram fazer parte do júri. E é com estas boas lembranças que chego a Bissalanca o no aeroporto de Bissau peço uma boleia até ao HM241.

Capa de um clássico, Um Crime no Expresso do Oriente, de Agatha Christie. Lisboa: Livros do Brasil (Colecção Vampiro). Quando eu tinha 20 anos, a ópera era Fidélio, de Bethoven, o teatro era As três irmãs, de Tchekhov e o livro policial era Um crime no Expresso do Oriente, por Agatha Christie. Comprei-o em Bafatá na manhã de 18 de Outubro, já o tinha lido uma vez, o assombro nunca se desfez.

Hercule Poirot vem da Síria e apanha em Istambul o Expresso do Oriente, via Belgrado, até Londres. Fatalmente que houve um grande crime no combóio mítico: um criminoso lendário, o assassino da menina Amstrong, aparece mortalmente apunhalado com doze ferídas. Poirot dirige o inquérito e as conclusões podiam ser duas: um assassino que veio roubar e se escapuliu na neve ou doze passageiros que vieram fazer justiça, desde uma princesa russa até a maior actriz dramática norte-americana. O livro é de 1933, a tradução desta edição portuguesa é de Gentil Marques e a capa é do magistral Cândido da Costa Pinto. Deu filme, que permitiu Ingrid Bergman ter mais um Óscar.

Foto e legenda : © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


(ii) O oftalmologista que veio de Ponta Delgada

Marquei três consultas para ver se trato tudo quanto me dói no corpinho abalado: os olhos, o ouvido e os dentes. Vou começar pelo oftalmologista, logo no dia seguinte. A tarde vou passar na vadiagem, sobretudo a vasculhar livros no Taufik Saad, e depois vou à Catedral de Bissau.

A espera é longa, dizem-me que o médico está no bloco operatório desde o amanhecer, parece que chegaram helicópteros com vários feridos, tão graves que vários médicos não têm mãos a medir. Sempre com o nariz metido nos livros, acabei o assombroso policial desse mítico Expresso do Oriente paralisado na Jugoslávia, e onde Poirot tem duas versões para o crime: um homicídio por razões de furto em que o criminosos se escapuliu na neve ou um júri de doze pessoas que vieram sentenciar um canalha que assassinara uma criança. É claro que o leitor intervém e aprova a solução optada pelo detective.

A desoras, sou recebido no consultório por um gigante de cerca de quarenta anos, expressivo de mãos, voz bem timbrada, transparece estar exausto mas é atencioso. Preenche a minha ficha, detecto-lhe imediatamente o acento açoriano. Examina-me os olhos e alivia a conversa ao fim de alguns minuto:
-Não é nada de grave, devem ter sido uns ácidos dessa tal mina, há aqui restos de poeiras e por isso o olho está tão inflamado. Vamos agora ver a sua graduação, dentro de dias vai ver novamente bem. Que todas as situações que aqui me aparecem fossem como a sua.

Entretanto, e como era inevitável, falámos de S. Miguel, preciso de falar de um mundo fora da guerra, ele também. Conto-lhe a minha história, como cheguei a Ponta Delgada, em Outubro de 1967, as recrutas que dei nos Arrifes, o quarto alugado na rua de Lisboa, os jantares no café Nacional, os serões no Gil, o conhecimento e a amizade da Maria e do Marino Lemos, a Cremilde Tapia, o Dr. José Maria de Medeiros, o Melo Bento e outros mais.

Ele também me conta a sua história, deixou a família com muito sofrimento e ali está como o único oftalmologista para militares e civis. Fala-me preocupado dos tracomas e outros sofrimentos, que vê diariamente, fico a saber que um tracoma precocemente diagnosticado salva a vista do doente, mas, pressionado pelos muitos mais que aguardam consulta, despede-se propondo que jantemos juntos essa noite. Aceitei prontamente, tenho uma grande vontade de falar sobre a minha vida açoriana, encontrar uma mesma frequência modulada, sobre as ilhas atlânticas.

Lá fomos jantar ao Solar do Dez, começámos com a sopa de ostras com muito limão, comemos marisco e uma boa papaia, tudo regado com vinho branco. Tínhamos tanto para dizer que fomos os últimos a sair, já cheios de sono. Eu sentia que estava a cimentar uma amizade com o José Luís Bettencourt Botelho de Melo, todos aqueles relatos expressivos me fascinavam, o encanto e o sabor das descrições e dos registos humanos tocavam-me no coração. Os comentários tinham sempre um final bem humorado, não faltando mesmo a pilhéria. Quando nos despedimos, ele mostrou-me a Mariazinha, um revólver que trazia no bolso traseiro das calças. Combinámos, a cambalear de sono, que eu não regressaria a Missirá sem novo encontro, desse por onde desse.

No dia seguinte, fui mostrar o tímpano ao otorrinolaringologista. Havia tratamento a fazer e assombrei-me com as porcarias que vi na minha lavagem aos ouvidos. Tinha dois dias de espera antes de ir ao dentista, ganhei coragem fui telefonar à Cristina, não lhe escrevia praticamente depois dos acontecimentos da noite de 16 de Outubro. Foi uma conversa contida, desdramatizando o sucedido. E escrevi-lhe no café Avenida:

Sei que dificilmente me perdoarás o que se tem passado, o meu silêncio dos últimos dias, estou em crer que a conversa que acabámos de ter ao telefone te deixou muito assustada. Arrependo-me de ter escrito à tua mãe, devido à crueza com que lhe falei da emboscada e da mina anticarro.

Estou mais aliviado com o estado dos meus olhos, tenho uma receita para ir ao oculista, a irritação parece estar a passar, o médico descansou-me, não haverá consequências. Tenho, no entanto, um tímpano dormente, oiço com ressonâncias, há aqui um grande desconforto. Mas o médico também me tranquilizou, não vou perder acuidade auditiva, não podes imaginar as excrescências que me saíram dos ouvidos.

Ainda não te falei que o Bacari Soncó, no dia seguinte à emboscada e à explosão da mina, cedeu à curiosidade, aproximou-se da viatura armadilhada e ficou ferido, mais dois soldados. Felizmente que não há nada de grave.

Sinto-me um náufrago em Bissau, não tenho vontade nenhuma de andar a contar esta história e a arrastar a minha perna, que ainda me dói. Estou a tomar um medicamento para absorver os coágulos de sangue no meu joelho, ao saltar da viatura, depois da explosão, dei uma pancada brutal no tablier, o Payne assegura que é um hematoma, dentro de dias estarei muito melhor.

Está prometido que amanhã te telefono. Agora vou visitar o Cruz Filipe, para saber do Casanova, que quero ver esta tarde. Logo que trate dos dentes regresso a Bambadinca. Desculpa não falar das cartas que me tens enviado, tu não sabes o suplício do correio que recebo da minha família, sinto a tristeza dos teus avisos, o som atordoador das tuas súplicas. Nada posso fazer, temos os dois que saber resistir. Há mais de um ano que contemos as nossas lágrimas e que suportamos a nossa saudade. Não desfaleças.



(iii) Uma visita ao Casanova, o primeiro mergulho na história da Guiné e um ecnontro inesperado com o o Alferes Comando Saiegh



Encontro o Cruz Filipe que já visitou o Casanova e me diz sem equívocos:
-Vai demorar a restabelecer-se. Está profundamente doente. Você não tem nada que se culpabilizar, não é obrigado a saber tudo sobre manifestações da doença mental, todos vocês vivem sobre pressão, o cansaço, a tensão permanente excedem por vezes os sinais que a convivência permanente não deixa perceber. Vá ver o seu amigo. Amanhã contamos consigo para jantar.

Faço todo o possível por me apresentar sorridente frente ao Casanova. Está rígido, ao princípio o seu olhar avivou-se quando me viu, depois reduziu-se ao silêncio com a expressão parada, fixou-se num ponto, olhando a janela, hirto. Não lhe falo de Missirá, digo que estou aqui exclusivamente para me tratar e para lhe fazer companhia. Falo pausadamente, invento um mundo onde não existe o Cuor e muito menos a guerra. A distância a que ele se encontra acaba por me fazer vergar, a emoção dos últimos dias, acaba por fazer ruir as minhas defesas veio a recordação dos gritos dos meus feridos naquela tarde de 16 de Outubro que tanto me apavoram, levanto-me, abraço-o e prometo voltar amanhã, mesmo sentindo a sua indiferença total.

Aproveito uma boleia, vou até ao museu de Bissau, mas antes procuro saber se no Centro de Estudos da Guiné Portuguesa é possível comprar um livro de história da Guiné. Sou recebido por um senhor que me mostra uma biblioteca e me convida a ver os títulos. Terá sido o comandante Teixeira da Mota a galvanizar este projecto cultural, este manancial de documentos, relatórios e livros onde a vida administrativa, a colonização, o tráfego de escravos, as guerras e as campanhas militares, as descrições geográficas, está tudo primorosamente catalogado.

Ainda tenho um pouco mais de uma hora à minha frente, remexo e começo a tomar notas. Chamou-me à atenção um livro sobre a guerra do Geba, de Basso Marques onde se escreve “No território de Geba, com o fim da demonstração do poderio e força do Governo, haviam-se já efectuado já algumas campanhas - a última no período decorrido de Agosto a Setembro de 1869 - todas infrutíferas porém... Alguns comerciantes indignos vendiam pólvora e munições aos mandingas de Bambadinca que em canoas de poilão as levariam depois aos rebeldes...”.

Ponho de parte para ler amanhã o conjunto de documentos sobre a campanha contra Abdul Injai, a referência a um artigo sobre o islamismo, os jornais que falam sobre o desastre de 19 de Abril de 1891, um período de rebeliões em que houve um massacre em Bissau, e retenho um título do General Ferreira Martins sobre as guerras de conquista, entre 1883 e 1885, onde ele observa: “São tão diferentes as origens, os caracteres, as religiões e as qualidades ou costumes bélicos dos variados povos que habitam a Guiné Portuguesa, povos que desde remotos tempos sustentaram uns contra os outros, encarniçadas lutas, que nunca foi nem será de recear uma aliança formal entre todos eles”.

Capa do livro de banmda desenhada, de Jacques Martin, La Tiare d'Oribal. Paris: Casterman, 1966. (Colection Alix, par Jacques Martins)... "Luís, nãos ei se acreditas ,as foi comprado na Guiné. Tudo era possível mcom aquela guerra, era tempo em que o francês se falava quase como o português".

Fotos e legendas: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.


Escureceu completamente, prometi voltar amanhã de manhã. Desço a avenida, como se fosse para a Catedral ou à casa Gouveia ou ao cais. É junto ao cinema que encontro o Saiegh que me dá a notícia que é alferes da 1ª Companhia de Comandos Africana e que vai para Fá, dentro de dias. Combinámos um encontro para depois de amanhã e, curioso, ele pergunta-me o que é que eu levo na mão, quer saber porque é que eu me interesso por histórias aos quadradinhos que ele nunca me vira ler. Comprara na casa Tofik Saad um álbum intitulado La Tiare D’Oribal, de Jacques Martin. O desenho parecera-me muito bom, se bem que ingénuo, um traço como o de Hergé ou o de Edgar Jacobs. O herói chama-se Alix, é um gaulês que vive em Roma em 50 antes de Cristo, no tempo do triunvirato de César, Pompeu e Crasso. A tiara de Oribal é a coroa de um poderosíssimo rei que vive algures na Mesopotâmia, um jovem pretendente confronta-se com um usurpador sem escrúpulos, inevitavelmente Alix vai ter um papel fulcral no desfecho do regresso e entronização do jovem rei Oribal. Ainda não sei, mas vou-me tornar um fã desta banda desenhada.

Volto ao Quartel General, numa das sala de estar procuro ficar só, escrevo um aerograma à minha Mãe e outro ao Ruy Cinatti. Depois leio umas páginas de Somerset Maugham e vou procurar dormir sobre a acção dos medicamentos. Estou excitado com a história da Guiné que comecei a ler. Vou continuar amanhã as leituras, cheio de entusiasmo. Lembro-me do Casanova e do Saiegh. Sei que antes de adormecer me encomendei a Deus e rezei por estes dois companheiros de Missirá, a quem tanto devo.
___________

Nota de L.G.:

(1) 16 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2270: Operação Macaréu à Vista - Parte II (Beja Santos) (9): E de súbito uma explosão, uma emboscada, um caos...