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sábado, 25 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8471: Ser solidário (109): Grupo de sapadores ao serviço de uma ONG continuam a picar a terra na Guiné-Bissau em busca de minas e armadilhas (José Teixeira)

José Teixeira e seus filhos Joana e Tiago com o grupo de sapadores que estavam no Cantanhez a levantar minas e armadilhas.

O Dr. Tiago Teixeira com um grupo de crianças da Guiné, para quem a guerra já faz parte da história.



1. Mensagem de José Teixeira* (ex-1.º Cabo Enf.º da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70), com data de 9 de Maio de 2011:

Caríssimos amigos editores
Junto um artigo sobre os perigos das minas e armadilhas semeadas no tempo da guerra que continuam a sua triste façanha de matar vidas.

Abraço fraterno
Zé Teixeira


Conjunto de granadas levantadas durante uma semana no Cantanhez.


MINAS E ARMADILHAS

A morte provocada por minas e armadilhas ainda espreita na Guiné-Bissau.

Nesta visita à Guiné-Bissau, mais propriamente em Iemberém cruzei-me com o Sané. Homem simpático e bem disposto que me chamou a atenção por não ter um braço.

- Fui soldado português na CCaç 6 de Bedanda - disse-me com felicidade estampado no rosto quando se apercebeu que eu era um antigo combatente português.

Uma roquetada fez desaparecer o seu braço direito. Esteve oito meses em Lisboa e depois... voltou para a guerra.
Com orgulho apresenta-nos o seu filho mais novo, um garotito de 8/9anos, que nos vem cumprimentar delicadamente e fica ali a ouvir o pai a falar da sua guerra ao lado dos portugueses

A conversa atira-nos para o seu passado na guerra colonial; os seus amigos soldados brancos, o Capitão X ou o Alferes Y. Grandes amigos…
A guerra ao lado dos portugueses, sem rancores, bem pelo contrário. As grandes operações em que esteve envolvido. O fim da guerra e as complicações que advieram para os que se bateram por Portugal.
A felicidade por encontrar um português, antigo combatente...

Hoje, integra um grupo de sapadores que com o apoio de uma ONG vocacionada para a desmontagem de minas e armadilhas, dedicam o seu tempo a procurar e desmontar as milhares de minas, armadilhas e bombas que ficaram no terreno, desde o tempo da guerra. A mata do Cantanhez é ainda um terrível ninho dessas fábricas de morte.

Não se pode afirmar haja o perigo de rebentarem, pois com o andar dos tempos, o risco da espoleta estar ativa é quase nulo. Podem tornar-se um perigoso brinquedo nas mãos de uma criança, ou até um adulto que desconhecendo o risco pode provocar o rebentamento. A matéria explosiva estará sempre ativa e… a morte continua a espreitar em qualquer sítio.

Convém lembrar que a idade média de vida na Guiné-Bissau é de 47 anos, o que quer dizer que mais de oitenta por cento das pessoas que viveram a guerra já passaram para o outro lado da vida. Para os mais novos, sobretudo as crianças e jovens, a guerra já faz parte da História. Não é possível sensibilizá-los para os perigos que a mata esconde.

Há cerca de um ano morreram duas mulheres que se serviram de uma granada de morteiro para fazer de martelo e, esta adormecida há quarenta e tantos anos, rebentou, roubando duas vidas.

Os sapadores sabem o risco que correm, mas continuam a sua missão. Ainda há muito trabalho a fazer. Procuram sensibilizar as pessoas para os informarem, se por acaso encontrarem algum explosivo. Tentam saber através de antigos combatentes, os locais onde escondiam o armamento e as munições. Hoje a vegetação descaracterizou o terreno, pelo que a missão é ingrata e difícil. Há mesmo quem sabendo mais ou menos o local onde há munições escondidas se recusa a passar a informação. Quer alvíssaras que ninguém pode pagar.

Segundo me informou o Guia que nos levou a dar os bons dias aos Chimpanzés de Iemberém, nessa visita, atravessamos uma área onde consta que outrora havia um hospital de campanha e mesmo ao lado parece que ainda há um paiol subterrâneo, que não foi possível localizar até à data.

Os guerrilheiros combatentes da Pátria são como nós, antigos combatentes, uma espécie em extinção. O seu desaparecimento está a ser muito mais rápido. Com eles, morre muita informação fundamental para o desarmadilhamento da Guiné.

O Governo local, por inércia e falta de meios, desligou-se do problema, ou não lhe dá a dimensão que merece.
Resta um grupo de corajosos que ao serviço de uma ONG continuam a “picar” a terra em busca das máquinas assassinas.

Zé Teixeira

Um grupo de ex-milícias, camaradas de José Teixeira em Mampatá Forreá.

Tiago Teixeira com dois dos filhos do falecido alferes da milícia e Chefe de Tabanca de Mampatá Alui Baldé.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 18 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8444: In Memoriam (83): CART 6250 - Unidos de Mampatá - Unidos pela vida e pela morte (José Teixeira / José Manuel Lopes)

Vd. último poste da série de 11 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8401: Ser solidário (108): Na Guiné-Bissau, fora do umbigo do mundo (Joana Teixeira)

sábado, 11 de junho de 2011

Guiné 63/74 - P8401: Ser solidário (108): Na Guiné-Bissau, fora do umbigo do mundo (Joana Teixeira)

1. Mensagem, do dia 2 de Junho de 2011, de Joana Teixeira, filha do nosso camarada José Teixeira, que foi professora em S. Tomé e Príncipe durante quatro anos, e que recentemente visitou a Guiné-Bissau com o seu pai e o seu irmão Tiago Teixeira, médico, tanto quanto sabemos, clínico no Hospital Pedro Hispano em Matosinhos:

Exmos Srs.
Sou filha do Zé Teixeira.

Tenho vivido de perto o trabalho que ele tem desenvolvido a favor das populações da Guiné-Bissau e na viagem que fez recentemente à Guiné, eu e meu irmão quisemos acompanhá-lo. Na sequência desta inesquecível viagem escrevi um pequeno texto que envio na esperança de possa ser publicado. É uma opinião pessoal de alguém que há uns anos atrás deixou “o umbigo do mundo“ e foi voluntariamente fazer um trabalho de solidariedade em S. Tomé.

Junto algumas fotografias para colocaram as entenderem

Os meus agradecimentos
Joana Teixeira


O meu pai - homem feliz

Eu e o meu mano

FORA DO UMBIGO DO MUNDO

Joana Teixeira

Não sou caloira em África, posso afirmar, pois já lá vivi quatro fantásticos anos como voluntária e professora. O meu poiso foi um dos seus mais pequenos países, mas nem por isso menos representativo. As saudades desses tempos nas belas ilhas verdes de S. Tomé e Príncipe são mais que muitas, avassaladoras. Posso afirmar também que conheço bem esse minúsculo país e as suas gentes, aromas, sabores e ritmos. Ser turista, numa breve estadia, passeando por onde nos querem levar, esconde quase sempre a realidade, muitas vezes cruel, do país que visitamos. Viver lá, origina um conhecimento completamente diferente, terão de concordar.

Por isso, desde que regressei, compreendo melhor a realidade africana, lá e cá, e também os relatos de outros que também por lá passaram. Como por exemplo, do meu pai, antigo combatente na Guiné, cujas memórias recheadas de ternura pelos seus habitantes e pelos momentos vividos, ainda que num contexto horrível, povoaram a minha infância e me despertaram os sentidos para esse continente imenso, tão diferente, no melhor e no pior dos sentidos. Até que eu própria lá fui parar…

Antes da estadia na ilha do café e do cacau, veio-me parar às mãos um curioso livro com relatos de um jornalista polaco que por África viajara e fizera inúmeras reportagens. “Ébano” de Ryszard Kapuscinski, falecido em 2007. De forma geral, fala de uma África que não conheço: das independências, dos regimes militaristas, dos golpes de estado sucessivos, mas sobretudo, fala das suas gentes, costumes e histórias de vida, numa estranha forma de jornalismo para época (anos 50 a 70) e bastante admirada hoje, pois RK fez algo de inédito: evitou os hotéis, apanhou as doenças, comeu as comidas, viajou pelas estradas, enfim, misturou-se, tanto quanto o consegue fazer um pálido europeu na paisagem morena, como ele mesmo ironiza.

E porque refiro aqui o livro? Porque quis fazer como o autor fez, quando lá vivi, excepto a parte das doenças e porque o reli, avidamente, depois do meu regresso à pátria e a minha leitura foi outra, completamente distinta, confirmando o que este autor da minha preferência escreveu há tantos anos “é um continente demasiado grande para poder ser descrito. É um verdadeiro oceano, um planeta independente, um cosmos variado e rico". Não há uma África, impossível generalizar.

Confirmou também, e é com tristeza que o escrevo, que a África de RK pouco ou nada difere da África de hoje, em termos de qualidade de vida e oportunidades de futuro para os seus habitantes, mas isso fica para outros escritos.

Regresso à minha linha de pensamento…

Esta re-leitura de “Ébano” confirmou uma vaga suspeita minha: que as descrições e interpretações que fazemos de África, feitas daqui de cima, do conforto da Europa são redundantes e profundamente erradas (assim como de qualquer outro continente, atrevo-me a dizer). Porque nos consideramos o umbigo do mundo, tudo o resto é marginal, estranho, esquisito, exótico, “incivilizado”… e porque estamos cansados deste nosso velho continente, África virou moda.

Aos olhos de um europeu, África resume-se: ao anonimato das multidões esfomeadas da Etiópia, ou dos refugiados do Sudão; à crueldade dos confrontos Ruanda-Burundi; às infinitas ajudas humanitárias; à repetição sistemática de golpes de estado; à invasão sucessiva de emigrantes para norte; à corrupção escandalosa dos governantes; à proliferação de ONGs, nem sempre honestas. E mais recentemente, numa perspectiva turística: ao exotismo da paisagem e da vida selvagem; aos ritmos, aromas e sabores únicos…

Mas falta algo mais, algo que descobri em S. Tomé e confirmei agora na Guiné. Algo que as notícias não referem, tão focadas que estão nas calamidades humanitárias e nas intrigas palacianas. Algo que não se descobre como turista, claro!

Em África, cada dia é uma luta, sem saber o amanhã. Uma luta pela alimentação, pela água, pelo manter-se vivo. Tudo é precário, volátil, instável, inseguro e, contudo, a alegria é imensa, contagiante, um verdadeiro hino à vida. Cada dia vale por si mesmo. Aquelas gentes têm algo especial que não se encontra na Europa. Um gosto pela vida, pelo estar vivo, pelo conviver, pelo estar com outros… como alguém disse: por aquelas paragens, ninguém sofre de depressões ou esgotamentos nem solidão, nem mais nem menos que nossas as doenças “in”.

E quando regressamos ao nosso quotidiano (se o nosso coração não é de pedra e os nossos olhos não estiveram fechados), África veio connosco, obrigando-nos a viver cada dia com outra motivação. Essa é a principal aprendizagem que fiz na Guiné, nessa semana fabulosa: cada dia merece ser vivido e aproveitado ao máximo, porque o amanhã é sempre incerto. Ser feliz hoje, com o que tenho agora e com quem está perto de mim e não num futuro qualquer. Na Europa fazemos tantos planos para o futuro que nos esquecemos de viver o presente.

Voltarei a África?!
Não é um plano, é uma certeza… “ca su mai! Ca su mai cap”!!! Como saúdam os Felupes.
Joana Teixeira


 Crianças da Guiné

 O Tiago e as crianças

 Em convívio na Tabanca de Faro Sadjuma

Crianças da Tabanca de Amindara

 Amindara. Fomos recebidos assim

Foto para a família com o velho Régulo de Amindara

Imberem - A surpresa nocturna, ou a festa que nos reservaram

Imberem - Um encontro com os sapadores que andam a levantar as minas que ficaram no terreno em consequência da guerra colonial

Crianças de Imberem

Com o meu pai junto à enfermaria do quartel de Empada, onde ele prestou serviço.

Em Elalab em conversa com a população

A generosidade do povo de Elalab

Encontro com as populações de Alalab.

Mulheres de Ellalab


2. Comentário de CV:

Convidada a fazer parte formalmente da nossa Tabanca Grande, Joana Teixeira mandou-nos a seguinte mensagem:

Caro Sr Carlos Vinhal
Aqui vai a minha respostinha, já tardia!
Pode com certeza colocar o meu texto no vosso blogue.
Quanto à tertúlia, deixo-a para quem sentiu e continua a sentir a Guiné com esse sentimento único de quem lá deixou o coração, no melhor dos sentidos!

(A "minha Guiné" chama-se S. Tomé e Príncipe, onde fui voluntária e muito muito feliz também.)

Aproveito para vos felicitar pelo excelente trabalho de divulgação desses tempos da Guerra Colonial, que todos, sobretudo os que nasceram depois, devemos conhecer, assim como pelo efeito de "Terapia" decorrente em muitos dos ex-combatentes, a começar pelo meu PAI, a quem vejo radiante com as novas/velhas amizades e com todos os projectos/actividades consequentes da renovada ligação à sua saudosa Guiné.

Com amizade
Joana Teixeira

Face a esta resposta só nos resta dizer à nossa amiga Joana que tem na Tabanca uma porta sempre aberta para quando se quiser juntar a nós.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8394: Ser solidário (107): A população de Elalab tem razões para se sentir feliz (José Teixeira)