Mostrar mensagens com a etiqueta Ulysses S. Grant. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Ulysses S. Grant. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Guiné 61/74 - P26036: Notas de leitura (1734): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1879 a 1880) (24) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Não escondo a deceção de resultados, agora que cheguei ao final das referências do distrito da Guiné, no Boletim Official de Cabo Verde. A Guiné era um mundo à parte, financiava-se pelas alfândegas, não há qualquer menção a obras de desenvolvimento, tem juiz de comarca tardiamente, as menções mais ou menos periódicas são alusivas ao estado sanitário, a varíola e a febre amarela são os grandes problemas, estranhamente a doença do sono é pouco ou nada mencionada. Regista-se uma omissão total ao cerco francês e britânico; em 1880, a Guiné é província autónoma, tem capital em Bolama mas fica-se a saber que ainda está ligada organicamente a Cabo Verde; o mais estranho de tudo é estar a desenvolver-se um certo comércio até à escala internacional, vêm barcos buscar amendoim, borracha, couros, não há uma só alusão à criação de empresas. Na busca de uma certa chave explicativa, consultaram-se as histórias de Portugal, a de Veríssimo Serrão e a coordenada por Joel Serrão e Oliveira Marques, não trazem luz ou mais compreensão aos factos que fomos registando nestas peças, paciência, vamos continuar a investigar.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1879 a 1880) (24)


Mário Beja Santos

Concluímos hoje a incursão ao Boletim Official do Governo Geral da Província de Cabo Verde e Costa da Guiné, não escondo o meu desapontamento com o tratamento menor que o Governo da Praia, ao longo de décadas, dava ao distrito da Guiné, ficamos a saber muito pouco, e mesmo esse muito pouco exige um tratamento “em grelha” com outros dados históricos e outras fontes. Vejamos as últimas referências que o Boletim dá da Guiné.
O Boletim n.º 12, de 22 de março de 1879, informa sobre o estado sanitário da Guiné: “Em Carabane não existe febre amarela; o último caso desta moléstia observado naquele território ocorreu a 13 de novembro do ano passado. Em Cacheu há alguns casos de febre maremáticas. As moléstias dos órgãos respiratórios que haviam avultado no mês antecedente decresceram em número. Em Geba apareceram alguns casos de varíola; o mesmo se diz ter acontecido em Selho. Em Bissau predominam as pirexias palustres e as úlceras fagedénicas.” Assina Custódio José Duarte, chefe do serviço de saúde.
Como se publicou no número anterior, este mesmo Boletim publica a notícia da morte do major Lobato de Faria.
O Boletim n.º 23, de 7 de junho, faz referência a uma carta enviada por E. Bertrand Bocandé ao ministro da Instrução Pública, propondo uma exposição permanente de etnografia africana no museu.

E chegamos a 1880, vamos ter uma grande surpresa, a Guiné é já uma província autónoma, mas continua ligada a Cabo Verde, como vamos ver.
No Boletim n.º 9, de 28 de fevereiro, o chefe do serviço de saúde em Bolama, António Vincula de Marciano Belles, comunica para a Praia que o resultado sanitário da ilha continua a ser regular e que em toda a província não consta ter aparecido moléstia alguma de caráter epidémico ou contagioso.
De igual teor é o que consta no Boletim n.º 21, de 22 de maio, o estado sanitário da ilha de Bolama continua a ser regular e nada de epidémico ou contagioso apareceu em toda a província.
Com o mesmo teor e palavrório diferente é o que é mencionado no Boletim n.º 43, de 23 de outubro, quem assina é o chefe do serviço de saúde, António Augusto Pereira Leite de Amorim, é regular o estado sanitário da ilha de Bolama e em ponto algum da província há que recear qualquer alteração de salubridade pública.
Um aspeto curioso é o que se insere no Boletim n.º 48, de 27 de novembro, assina o visconde S. Januário, vem tudo a propósito de que o Batalhão de Caçadores n.º 1 do Exército de África passasse a ter o seu quartel em Bolama transferindo-se as forças do regimento de infantaria do Ultramar para Cabo Verde. Ora nunca se chegara a mandar para Cabo Verde as forças do regimento de infantaria do Ultramar. Impunha-se a criação de uma força pública que em Cabo Verde coadjuvasse as ordens das autoridades. Delinearam-se duas companhias de polícia com mancebos do arquipélago de Cabo Verde. E apresentava-se a estrutura destas companhias de polícia.
Temos agora o Boletim n.º 52, com data de 25 de dezembro, o assunto é como nos casos anteriores o estado sanitário da ilha de Bolama, mas junta-se mais informação, o cônsul português em Goreia participara que em S. Luís tinham ocorrido casos de febre amarela nas praças da guarnição, achando-se interrompidas as comunicações entre S. Luís e Goreia. O mesmo cônsul dava conhecimento que o estado sanitário de S. Luís estava a melhorar e que a junta de saúde na Guiné estava a empregar medidas convenientes para impedir a propagação da febre amarela. Assina Leite de Amorim.

Dada a exiguidade de informações de valor socioeconómico e cultural e político, achei por bem consultar duas histórias de Portugal. Na da responsabilidade de Joaquim Veríssimo de Serrão, no seu volume IX (1851-1890), com o título O Terceiro Liberalismo, Editorial Verbo, parece-me útil reter o seguinte: “Uma das medidas da Regeneração, no tocante à Guiné, foi a de criar um lugar de governador para todas as parcelas da mesma região, o qual ficaria sujeito ao Governador Geral de Cabo Verde. Aquele funcionário teria residência em Bissau, cabendo-lhe também visitar as praças de Cacheu duas vezes por ano. Por sentença arbitral de Ulysses Grant, Presidente dos EUA, Bolama foi restituída à soberania portuguesa, e depois passou a gozar de condições especiais para o seu comércio o que levou o Governo a rever as pautas alfandegárias da Guiné, concluíra-se que o regime exageradamente fiscal e protetor de Bolama conduziria à estagnação do comércio nos outros portos.

A situação geográfica e o surto económico permitiam considerar Bolama como a verdadeira capital da Guiné. O território passou a constituir em 1879 uma província ultramarina, independente de Cabo Verde e em igualdade de “considerações e atribuições” do Governo da Província de S. Tomé e Príncipe.

Mudando de obra, faz-se agora referência a Nova História da Expansão Portuguesa, direção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, o título é “Império Africano, 1825-1840”, coordenação de Valentim Alexandre e Gill Dias, Editorial Estampa. O autor do capítulo sobre a Guiné é Joel Frederico Silveira que nos dá extenso e interessante súmula dos factos numa análise histórica da presença portuguesa durante o século XIX, começando pelos tratados de 1810 e 1815 entre Portugal e a Grã-Bretanha, com a interdição do tráfico de escravos e a tentativa de reconversão económica, daí decorrendo um processo de se querer edificar um espaço colonial e afirmar a soberania portuguesa, todo o século XIX é acompanhado do desafio da constituição de uma aparelho de Estado colonial. Nesta obra disserta-se sobre a região geográfica, as etnias, a longa história da presença portuguesa nas praças e presídios, menciona-se a incapacidade de a Fazenda Nacional satisfazer os encargos com os elementos do parco funcionalismo e guarnição militar e daí a opção pelo arrendamento das alfândegas da Guiné; menciona-se a escravatura, a determinante ação de Honório Pereira Barreto, como se foi manifestando a nova economia pós-esclavagismo, como se deu a intervenção das marinhas da França e da Grã-Bretanha, o capítulo termina dando conta do problema da delimitação das fronteiras na sequência da Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886.

Por curiosidade, fui consultar o Boletim Oficial do Governo de Cabo Verde em 1881, verifiquei que não há qualquer menção à Guiné, vou agora voltar-me para o Boletim Oficial da Guiné Portuguesa a partir de 1880.
Para se entender melhor o que ganhámos e perdemos com a assinatura da Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886


sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25847: Notas de leitura (1718): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1870 a 1872) (16) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Às vezes, dentro do formalismo burocrático do que se escreve no Boletim Official afloram informações que nos esclarecem de que no distrito da Guiné há muito mais informações do que legislação, tarifas aduaneiras, nomeações e até acordos de paz. As informações sanitárias são cada vez mais pertinentes e detalhadas; temos agora o ato da posse de Bolama, a chamada Questão de Bolama chegou ao seu termo; o efeito da guerra europeia em 1870 (guerra franco-prussiana) teve inevitavelmente impact negativo no comércio guineense; sublinha-se que na zona do Churo o respetivo povo não deseja a paz, haverá também consequências com nova sublevação; e há representantes diplomáticos que revelam solidariedade pelas autoridades portuguesas, é o caso do agente consular francês Ovídio Urbain.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1870 a 1872) (16)


Mário Beja Santos

A preocupação dominante das autoridades a partir da cidade da Praia é a fiscalização e o controlo da saúde pública, e assim vamos recebendo informações sobre o estado sanitário da Guiné como ocorre no Boletim Oficial nº42, de 15 de outubro de 1870:
“As moléstias reinantes neste distrito têm sido as endémicas na estação das águas, tanto nas colónias francesas como nas inglesas vizinhas deste distrito, não me consta que reine padecimento algum epidémico contagioso.
Choveu diariamente no mês de agosto findo, mais nas primeiras duas décadas e menos na última: geralmente as chuvas caíram mais de noite do que de dia. O vento não foi constante, soprou de todos os quadrantes, e todos deram chuvas, os dos quadrantes do sueste e sudoeste começavam por aguaceiros pesados precedidos de vento rijo. A atmosfera conservou-se mais húmida; o termómetro centígrado subiu por vezes até 31ºC. As chuvas têm abatido algumas casas a paredes de adobe e de taipa. O tecto do hospital acha-se especado (?) por terem estalado algumas peças do seu madeiramento com o peso da água das chuvas, de igual sorte têm partilhado algumas casas nesta vila. Os pântanos que se formaram no chão do gentio em roda desta vila lá estão; porém, o fosso que circunda a fortaleza já não conserva água estagnada. Febres intermitentes de todos os tipos, reumatismo, sífilis, alguns catarros pulmonares e quatro casos de cólicas secas, foram as doenças de que mais casos se deram.”
Assina o Chefe do Serviço de Saúde, José Fernandes da Silva Leão.

O Boletim Official n.º 43, de 22 de outubro, insere o auto de posse de Bolama na Guiné Portuguesa, procede-se à leitura da sentença arbitral do presidente Ulysses Grant, já aqui se reproduziram elementos essenciais do texto, mas vale a pena adicionar que o árbitro releva que nenhuma das partes deseja reclamar qualquer documento, na posse exclusiva da outra parte e nenhuma delas deseja ter advogado ou agente com relação a qualquer dos assuntos submetidos a arbitragem: “E tendo sido nomeado por árbitro uma pessoa expressamente designada para tal fim nos termos do sobredito protocolo, a qual cuidadosamente examinou cada uma das referidas exposições, manuscritas ou impressas, apresentadas ao árbitro e os documentos aduzidos a favor das mesmas…”

O Boletim Official n.º 44, de 29 de outubro, noticia que é prorrogado até ao fim do ano de 1871 o prazo marcado para serem declarados portos francos para o comércio de todas as nações os portos de Bissau e Cacheu na Guiné Portuguesa. E finda o ano com o Boletim n.º 52, de 24 de dezembro, com notícias da Guiné: “Em 7 de dezembro era pouco lisonjeiro o estado sanitário, e ótimo o alimentício; e o comércio achava-se quase paralisado, não só por causa das circunstâncias da atual quadra do ano mas também em consequência dos acontecimentos bélicos na Europa (presume-se que o autor se refere à guerra franco-prussiana), que bastante têm influído no movimento comercial deste distrito. Conserva-se sem alteração a ordem pública, achando-se ainda, contudo, a praça de Cacheu em estado de assédio, não obstante o gentio haver já pedido a paz que ainda está dependente da ida do Governador da Guiné àquele ponto, o que até então não havia podido realizar-se.”

Importa informar o leitor que há grandes lacunas nos volumes que estou a consultar na Biblioteca da Sociedade de Geografia, é o caso do ano de 1871, praticamente em falta, encontra-se uma referência no Boletim n.º 50, de 16 de dezembro, a nomeação do governador do distrito da Guiné-Portuguesa, trata-se do Capitão do Exército da África Ocidental António José Cabral Vieira, tendo sido exonerado o Capitão Joaquim Alberto Marques, que exercia interinamente a função.

Estamos agora no ano de 1872, no Boletim n.º 3, de 20 de janeiro, consta a portaria n.º 154, que reza o seguinte: “O Governador Geral de Cabo Verde dá conta da pacificação das tribos vizinhas de Cacheu e remete cópia da convenção feita no dia 15 de setembro último com os gentios da Matta, Bucau, Berny, Bassarel, Bianga, Cacanda, Bijapé, Capou e Caboiana, ficando abolidas as baixas contribuições que os navios mercantes pagavam a alguns régulos daquelas tribos e espera-se que brevemente haja inteira harmonia da tribo do Churo.”

No Boletim n.º 6, de 10 de fevereiro, temos um extrato de notícias da Guiné Portuguesa:
“Informa o novo Governador, o Capitão António José Cabral Vieira, que é bom o estado sanitário em todo o distrito, e que é abundante o alimentício em Bissau e Bolama. Que, segundo as últimas notícias, a tribo de Churo ficara de ir à Praça de Cacheu para fazer a paz e que o ex-governador, por ocasião da sua retirada para Bissau, deixara ali uma comissão encarregada de tratar daquele negócio. O rendimento da Alfândega de Cacheu no trimestre findo em dezembro havia sido de réis 622$189; o da de Bissau, nos meses de novembro e dezembro, de réis 5:585$244; e o de Alfândega de Bolama no mês de dezembro de 2:456$086 réis. Neste mesmo número vem inserido o Boletim Sanitário do mês de dezembro de 1871, refere o movimento da população na freguesia de Nossa Senhora da Candelária de Bissau dizendo que houve 12 batismos, quatro masculinos e oito femininos e 12 óbitos, sendo dez de indivíduos do sexo masculino".

No Boletim n.º 7, de 17 de fevereiro, consta a Portaria n.º 35, cujo texto é bem curioso:
“Tendo chegado ao conhecimento deste Governo Geral os valiosos serviços prestados ao Governo da Guiné Portuguesa por Ovídio Urbain, agente consular de França em Bissau, já pondo à disposição daquele Governo, gratuitamente, as suas embarcações para transporte de pessoas e coisas para os diversos pontos do distrito, já oferecendo-se a emprestar quaisquer quantias de que o Governo da Guiné precisasse para as suas despesas extraordinárias: o Governador Geral há por conveniente louvar e agradecer ao referido Ovídio Urbain a continuação dos seus bons serviços prestados ao Governo daquele distrito.”
Acontecimento histórico que se relata neste Boletim Official n.º 43, de 22 de outubro de 1870, a posse de Bolama por Portugal, estão presentes o Governador Geral, Caetano de Almeida e Albuquerque, representante britânico, J. Craig Loggie, secretariou o auto da posse o Segundo-Tenente da Armada Guilherme Augusto de Brito Capelo
Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796

(continua)

_____________

Notas do editor

Post anterior de 9 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25824: Notas de leitura (1716): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1870) (15) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 12 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25834: Notas de leitura (1717): Crioulo guineense, qual a tua origem? (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25824: Notas de leitura (1716): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1870) (15) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Não se pode dizer que 1870 não tenha sido um ano prolífico em acontecimentos guineenses, e dir-se-á mesmo que a colónia recebeu impactos da legislação geral atinente a organização ou reorganização de serviços; o caráter noticioso incide sobre a problemática da saúde; as forças militares na colónia e um conjunto de serviços como o das obras públicas, pelo menos no plano formal, conheceu alterações; deu-se destaque a uma crónica da semana, alguém teve o sonho ilusório de criar purgueira e a fazer da Guiné uma terra prometida; e, igualmente, deu-se destaque à sentença arbitral do presidente norte-americano Ulysses Grant, publicado em abril desse ano; e dir-se-á que o relatório de saúde que se publica é um dos documentos mais interessantes até hoje publicados no Boletim Official, no que tange a saúde, nestes anos tão profundamente abalada pela cólera, na Guiné.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1870) (15)


Mário Beja Santos

1870 é o ano da Questão de Bolama, a sentença arbitral de Ulysses Grant foi aceite pela parte em litígio, a Grã-Bretanha desistira das suas pretensões não só de Bolama como da região do Rio Grande de Bolola. No Boletim Official n.º 4, de 22 de janeiro, no extrato das notícias da Guiné Portuguesa dão-se as seguintes informações:
“Na vila de Bissau haviam falecido os súbditos franceses Adolphe Demay e Pierre Adolphe Beaudoin, o primeiro no dia 21 e o segundo no dia 29 de dezembro findo. A bandeira nacional tinha sido de novo arvorada em Jafunco, facto que o governador do distrito atribui aos esforços e influência do súbdito português José Gomes Pereira, proprietário estabelecido naquela localidade.
O rendimento de Alfândega de Bissau, nos meses de outubro e novembro, haviam sido de 3.083$202 réis, e o de Cacheu, no mês de outubro, de 621$802 réis. A segurança pública continuava inalterável em todo o distrito.”


No Boletim n.º 5, de 29 de janeiro, insere-se o Plano de Organização nas forças militares das províncias ultramarinas, declarando-se expressamente no artigo 2.º que as tropas do Exército da África Ocidental são destinadas para o serviço militar das províncias de Cabo Verde e Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola. Ia-se gradualmente modelando a presença portuguesa através da inserção de serviços pela malha do território, isto graças a legislação que contemplava todas as províncias ultramarinas. No Boletim n.º 8, de 19 de fevereiro, publica-se a Organização do Serviço de Saúde nas Províncias Ultramarinas, no n.º 11, de 12 de março, temos a Organização Geral do Serviço de Obras Públicas nas Províncias Ultramarinas, no n.º 12, de 19 de março, a moldura das colónias penais no Ultramar.

Aparece no n.º 24, de 11 de junho, um texto intitulado Crónica da Semana, merece ser altamente referido:
“Receberam-se notícias da Guiné. Anunciara-se ali a estação das chuvas com uma estrepitosa trovoada, como é de uso. Haviam-se concluído alguns tratados de paz com os chefes mais famosos das tribos vizinhas dos nossos domínios. O estado sanitário do distrito era satisfatório. Acha-se concluída a plantação da purgueira em toda a Várzea da Companhia. Semearam-se para cima de 80 mil pés de purga, e oito dias de trabalho ativo e incessante bastaram para se levar a bom termo essa tarefa. Diz-se que, por todas aquelas colinas que bordam a Várzea que plantará semente do mesmo arbusto, que se entremeará a sementeira com pés de espinheiro e acácia.
Consta que o chefe da colónia espera ver como funcionam no tempo próprio as valas que cortam aquele campo, com o findo de lhes aplicar o remédio que carecem para se tornarem úteis e explicáveis. É na propagação desta sementeira que consiste, em grande parte, o problema económico-agrícola da província. Produzindo café, algodão, sal e purga em abundância, e dada as atuais condições económicas da Europa, fica assegurado um futuro de prosperidade e riqueza para a colónia.”


No Boletim n.º 25, de 18 de junho, transcreve-se a sentença arbitral proferida pelo Presidente dos Estados Unidos da América sobre a Questão de Bolama, vejamos os últimos parágrafos da sentença:
“E parecendo que a dita ilha de Bolama, e território fronteiro na terra firme, foi descoberto por um navegador português em 1446; que muito antes do ano de 1792 se estabeleceu uma Feitoria Portuguesa em Bissau, no rio Geba, a qual Feitoria desde então se conservou sob a soberania portuguesa; que no ano de 1669, pouco mais ou menos, se fundou um estabelecimento em 1669 no Rio Grande, o qual no ano de 1778 era uma grande vila, habitada somente por portugueses, que ali tinham residido dos pais a filhos por um longo período; que a linha de Bissau a Guinala, atravessando pelo rio Geba, inclui toda a costa na terra firme defronte da ilha de Bolama; que a ilha de Bolama ficasse adjacente à terra firme, e tão perto dela que os animais passam de uma para outra quando as águas estão baixas; que em 1752 Portugal tomou posse formal da ilha de Bolama, a qual posse sempre sustentou; que a ilha não habitada antes de 1792, e ficou desocupada, à exceção de alguns acres de terreno na extremidade ocidental, de que se serviam uma tribo indígena para a cultura de vegetais; que os títulos aduzidos pela Grã-Bretanha se derivam de uma alegada cessão feita pelos régulos indígenas em 1792, tempo em que a soberania de Portugal se tinha estabelecido na terra firme e na ilha de Bolama; que o Governo português nunca abandonou o seu direito, e ocupa presentemente a ilha com um estabelecimento de perto de 700 pessoas; que a Grã-Bretanha de 1792 tem feito tentativas para fortalecer a sua pretensão por meio de outras cessões análogas da parte dos régulos indígenas: E que nenhum dos atos praticados para fortalecer as pretensões da Grã-Bretanha foi jamais reconhecido por parte de Portugal; e não sendo exigida nenhuma outra elucidação acerca de qualquer dos pontos contínuos na exposição apresentada árbitro: Por todas as razões expostas, eu, Ulysses J. Grant, presidente dos Estados Unidos, dou a presente sentença, e decido que se acham provados e reconhecidos os direitos do Governo de Sua Majestade Fidelíssima El-Rei de Portugal sobre a ilha de Bolama, na costa ocidental de África, e sobre uma porção de território fronteiro à dita ilha, na terra firme.”

No Boletim n.º 39, de 24 de setembro, extrai-se um curioso parágrafo do relatório da repartição de saúde quanto à Guiné:
"Durante o mês de junho, com exclusão de um ou outro dia, em todos os demais majestosas trovoadas formadas a E. e E.S.E., precedida de fortíssimo vento, acompanhadas e seguidas de muita chuva que passaram por esta vila; a temperatura durante as noites foi de 28 graus e das 10h00 até às 16h00 o termómetro centígrado à sombra oscilou entre os 30 a 31ºC, nos intervalos da trovoada houve calma podre e a atmosfera esteve em geral toldada por nuvens grossas, soltas e esbranquiças.
Em muitos pontos das proximidades desta vila já se acham águas estagnadas; brevemente começaram a absorver as suas emanações ou eflúvios. Febres paludosas de todos os tipos, avultando mais as do quotidiano, acidentes sifilíticos e reumatismos foram as doenças mais reinantes.
Entre as febres paludosas do tipo diário apresentou-se um caso com sintomas congestivos cerebrais, que terminou pela morte na invasão do segundo acesso. Pelas últimas participações recebidas, consta ter sido normal o estado sanitário de Cacheu e o das margens do rio Geba e do Rio Grande.”


E, mais adiante:
“Chuvas torrenciais, atmosfera sobrecarregada de humidade, temperatura de 28 a 30ºC, ventos variáveis, mais fixos os dos quadrantes de SE e SO, estes começando por pesados aguaceiros de pouca duração, tornando-se gradualmente bonançosos e calmos; algumas trovoadas leves, e desfazendo-se logo foram os fenómenos meteóricos observados diariamente, com exclusão das trovoadas, em Bissau no mês de julho findo.
A vila de Bissau está rodeada por pântanos, além destes formou-se um dentro da vila no fosso que circula a fortaleza, este fosso, por meio de trabalhos de esgoto, que eu mesmo tenho dirigido, já se acha extinto. As febres intermitentes foram as pirexias que mais avultaram na clínica nosocomial; na da vila, além destes, apareceram já dois casos de febres biliosas dos climas quentes, e muitos de reumatismo. No Rio Grande, em Geba, em Cacheu, continua a ser normal o estado sanitário.”


Assina o chefe do serviço de saúde,
José Fernandes da Silva Leão.

A parte não oficial do Boletim Official do Governo Geral insere, por vezes, as mais imprevistas notícias, desde casais desavindos a amarguras necrológicas. No Boletim Official n.º 14, de 2 de abril, temos uma consternação pela partida de um jovem oficial numa redação que não ilude o tempo do romantismo. Diz o seguinte:
“No dia 12 do corrente mês de março faleceu na ilha de S. Vicente o facultativo de 1.ª classe do quadro de saúde desta província, Alfredo Duarte Lobo. A morte deste jovem médico apenas entrado na carreira pública ou largar os anfiteatros das aulas de medicina, foi profundamente sentida por quantos o conheciam. Moço simpático, dotado de insinuantes dotes físicos e de atrativas prendas, era afável e comunicativo, lhano em alto grau, corajoso e cheio de abnegação. A sua inteligência culta e a nobre profissão que ele honrava pelas suas luzes e desinteresse, o distinguiam entre os seus confrades, que a par de profunda dor pela perda de um colega estimado conservam gratas recordações de sua excelente camaradagem. Sofreu o quadro sanitário da província uma grave perda pelo falecimento de um dos seus mais distintos membros. Tendo sido nomeado para ir a Bissau assistir aos doentes atacados de cólera mórbus epidémico que assolava aquela mortífera paragem, Alfredo Duarte Lobo pôs-se logo a caminho com tal hombridade e bizarria, que se dissera que ia para função festival! Ninguém o viu pálido. Contava ir salvar centenares de doentes e o conseguiu, mas há custa da própria vida. Debelada a epidemia, retirou-se glorioso mas ferido mortalmente o general que dirigira a campanha o inimigo formidável. O cólera respeitou o médico mas o envenenamento palustre penetrara todas as fibras daquela organização fina. De Bissau se recolhera o nosso colega em estado de profunda anemia, que os acessos febris biliosos iam tornando cada vez mais grave. Exaustas as forças do corpo, o espírito volveu à morada eterna.”

Assina na cidade da Praia de Santiago, em 23 de março de 1870,
J. S. Vera-Cruz

Rua da Alfândega, Bissau
Ponte-cais de Bissau, construída pelo governador Carlos Pereira na década de 1910
Ponte-cais Correia e Leça, Bissau, cerca de 1890
Ilustração de Augusto Trigo representando um aldeamento em manual colonial português

(continua)

_____________

Notas do editor:

Post anterior de 2 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25803: Notas de leitura (1714): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (14) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 5 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25810: Notas de leitura (1715): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 29 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25580: Historiografia da presença portuguesa em África (425): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Pareceu-me útil fazer uma rápida recapitulação dos conteúdos do livro deste médico goês que depois de 12 anos na Guiné se atirou ao estudo para escrever a primeira e até agora única história do território. Não ilude a presença portuguesa como ténue, destaca a crescente competição de franceses, ingleses e holandeses para se apoderarem das nossas posições na Costa Ocidental africana, e como tiveram sucesso, a tal Senegâmbia que ia teoricamente do Cabo Verde à Serra Leoa ficou confinada a um enclave que depois da Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886 nos empurrou para a ocupação e fixação administrativa, até então os nossos presídios e feitorias situavam-se primordialmente em zonas litorâneas, até Geba. João Barreto esmera-se por explicar a evolução do território entre os séculos XVII até ao século XIX, deixou no livro uma preciosa relação dos capitães e governadores entre o século XV e o século XIX e vamos agora entrar na história do governo autónomo da Guiné, ele levará este estudo até 1918.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (4)

Mário Beja Santos

Data de 1938 a História da Guiné, 1418-1918, com prefácio do Coronel Leite Magalhães, antigo Governador da Guiné. Barreto foi médico do quadro e durante 12 anos fez serviço na Guiné, fizeram dele cidadão honorário bolamense. Médico, com interesses na Antropologia e obras publicadas sobre doenças tropicais, como adiante se falará.

João Barreto terá redigido esta singularíssima obra (é a primeira e única história da Guiné) em Lisboa, depois de 12 anos como facultativo sediado em Bolama, consultou muito livro e investigou, soube organizar a sequência cronológica dos acontecimento desde o reconhecimento da Costa Ocidental Africana, a sucessivas expedições, realça as viagens de Cadamosto e de Diogo Gomes, o arrendamento da Costa da Guiné a Fernando Gomes; como se processou a presença portuguesa, as relações comerciais e a vida das feitorias; a perda de influência portuguesa na Senegâmbia designadamente durante o período filipino; como se tentou reagir depois da Restauração com a fundação da feitoria de Cacheu e com as feitorias do rio de Buba, o peso da concorrência inglesa, francesa e holandesa, que pesou até ao princípio do século XX; descreve detalhadamente a história das três fortalezas de Bissau, a s tentativas francesas para tomar posse de Bissau, como foi tumultuosa a presença portuguesa em Cacheu e Farim, desde finais do século XVII e ao longo de todo o século XVIII; e chegados à terceira fortaleza de Bissau, dissolvida a Companhia do Grão-Pará, criada a terceira Companhia de Cabo Verde e Guiné, vai-se abandonando a nossa presença ao sul do Cacine; é nisto que os ingleses desembarcam em Bolama, é o início de um contencioso que culminará com a sentença arbitral de um presidente dos Estados Unidos.

Estamos agora no início do século XIX, a soberania portuguesa assenta entre os rios de Casamansa e de Bolola, com duas capitanias: em Cacheu e Bissau. São intermináveis as insurreições e submissões na Capitania de Bissau, um capitão foi obrigado a fugir para Geba, outro foi vítima de envenenamento. Para pôr cobro ao estado de coisas, o Governo da metrópole convidou Manuel Pinto de Gouvêa a tomar conta da Capitania de Bissau, parte em fevereiro de 1805 de Lisboa acompanhado de 150 condenados do Limoeiro, na vila da Praia juntaram-se mais 80 criminosos de Cabo Verde, assim se organizou a guarnição militar de Bissau. Não obstante, vão suceder-se as revoltas em Bissau e Cacheu, não se pagavam os vencimentos ou chegavam atrasados. Em 1815, ocorre um novo fator que irá influir na administração política e financeira da Guiné: as primeiras determinações para a abolição do tráfico de escravos. Como observa Barreto, se bem que no território guineense o tráfico de escravos tivesse decrescido consideravelmente, não podiam deixar de se fazer sentir os efeitos desta determinação, diminuiu a atividade comercial e alfandegária, houve exaspero entre os indígenas, habituados a ter na permuta de escravos um meio fácil de adquirir os artigos necessários para a vida.

Como já não bastasse a falta de recursos financeiros, chegam primeiros os reflexos do absolutismo e depois a luta entre D. Pedro e D. Miguel. Estabelece-se um posto militar em Bolama e o proprietário Joaquim António de Matos negoceia a cedência da ilha das Galinhas. Finda a guerra civil, há mudanças na Guiné, o Distrito foi convertido em Comarca, reconheceu-se a necessidade de acabar com a autonomia das duas Capitanias de Cacheu e Bissau, colocou-se a sede da comarca em Bissau. É um novo período turbulento, com lutas políticas violentas, na ascensão do liberalismo. É neste contexto que Honório Pereira Barreto entra no Governo da Guiné, esta personalidade ímpar cursou no Colégio dos Nobres em Lisboa, é contemporâneo da invasão dos franceses no Casamansa, começou por firmar a nossa soberania em diversos pontos da colónia, apresenta-se nos Bijagós, faz acordos na ilha de Bissau, informa sistematicamente as autoridades de quem depende de tudo o quanto se está a passar na região do rio Casamansa, protesta constantemente junto das autoridades francesas.

Começam a ser inquietantes as revoltas dos Papéis, cresce a intranquilidade em Cacheu, Honório Pereira Barreto não desfalece e adquire territórios para a Coroa. Noutros pontos da colónia há sublevações, os Biafadas sublevaram-se no rio Geba, tentaram impedir a navegação pelo rio; em meados do século, unificou-se a administração da província da Guiné, acabou-se com os dois distritos autónomos de Bissau e Cacheu, subordinaram-se as duas praças a um Governo único da Costa da Guiné, em setembro de 1851 é nomeado interinamente como governador o tenente-coronel Alois da Rôlla Dziezaski; novas insubordinações da guarnição de Bissau, uma força francesa domina os soldados revoltosos. Honório Barreto volta aos Bijagós em janeiro de 1856, vem com o intuito de obter a boa amizade dos habitantes da ilha e para combater a influência que os franceses e ingleses iam adquirindo, celebra um tratado de paz com o rei de Orango; no ano seguinte, fez-se uma tentativa para a colonização do Rio Grande de Bolola, com imigrantes cabo-verdianos. Honório Barreto pede exoneração do cargo, grupos de influentes de Bissau pedem-lhe a continuação da sua residência ali, o governador-geral de Cabo Verde nomeia Barreto Governador Interino, irá falecer em abril de 1859 na fortaleza de Bissau.

Prosseguem as insurreições e é neste clima que irá ocorrer o desastre de Bolor, em 30 de dezembro de 1878 foi massacrada na margem direita do rio Bolor uma força militar que para ali tinha ido com o fim de castigar os Felupes de Jufunco. Este massacre deixou em estado de choque a opinião pública metropolitana, pensou-se desde logo em dar autonomia administrativa à Guiné e dotá-la com meios suficientes para completar a ocupação militar. É promulgado o decreto de 8 de março de 1879 e nomeia-se o Coronel Agostinho Pereira como Governador da nova Província. Começava então a história moderna da colónia.

Vindo um pouco atrás, há que juntar mais elementos sobre a questão de Bolama, que se reacendeu em 1834, anos depois os ingleses exercem violências contra os moradores de Bolama e há conflitos com as autoridades de Bissau; em 1860, o Governo britânico proclama a incorporação de Bolama na colónia da Serra Leoa, instala-se um posto inglês na ilha. A diplomacia portuguesa entra em campo e propõe arbitragem internacional, depois de muitas delongas, Inglaterra aceita. O presidente Ulysses Grant profere sentença favorável a Portugal.

Em capítulo separado, João Barreto elenca uma relação nominal dos capitães e governadores que administraram a província, é um quadro exaustivo que começa no século XV e vai até à constituição do Governo autónomo da Guiné (1879), de grande utilidade para estudantes e investigadores. O autor irá agora dar-nos uma síntese sobre o tráfico de escravos na Guiné e os factos predominantes dos primeiros tempos do Governo autónomo da Guiné.


S. Domingos - Tipos de mulheres Felupes
S. Domingos - Tipos de Felupes
Cacine - Tipos de Nalus
Guiné - Tipos de Mancanhas
Cacine - Feiticeiro Nalu

Cinco imagens retiradas do Boletim da Agência Geral das Colónias, fevereiro de 1929, ano 5.º, n.º 44, dedicado à Guiné
Planta da Praça de S. José de Bissau em 1796
Imagem da fortaleza de Cacheu, 2005
Estátua do presidente Ulysses Grant em Bolama, por Manuel Pereira da Silva
Edifício do BNU, depois Hotel do Turismo, hoje uma ruína, Bolama

(continua)
_____________

Nota do editor

Último post da série de 22 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25551: Historiografia da presença portuguesa em África (424): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23719: Historiografia da presença portuguesa em África (339): Três artigos sobre a Guiné nos Anais do Clube Militar Naval (1946 e 1947) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Procurei nos Anais do Clube Militar Naval, no âmbito das comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, artigos assinados por oficiais da Marinha. Encontrei um texto sobre a definição das fronteiras, a importante comunicação de Teixeira da Mota, logo em janeiro de 1946 dado como certo e seguro que Nuno Tristão fora frechado por Mandingas, mas na região do rio Gâmbia, aquela expedição não chegara a terras da Guiné; e por último uma apreciação muito desgostosa do Contra-Almirante Aprá que participara nas operações na península de Bissau em 1894 e que ficara consternado com a falta de preparativos do Governador, segundo Aprá perdera-se a oportunidade de ficar a dominar os povos residentes na península de Bissau.

Um abraço do
Mário



Três artigos sobre a Guiné nos Anais do Clube Militar Naval (1946 e 1947)

Mário Beja Santos

Compulsando números antigos da prestigiada publicação "Anais do Clube Militar Naval", detive-me nos 76 e 77 anos da publicação, 1946 e 1947, respetivamente. Logo com o artigo intitulado "As Fronteiras", escrito pelo Capitão de Mar-e-Guerra Tancredo de Morais. O oficial começa por referir os limites que André Alvares de Almada, no seu Tratado Breve, tratado de 1594 propõe para a região da Senegâmbia, teoricamente território ocupado pelos portugueses: do rio Senegal à Serra Leoa. Ao tempo, esta Senegâmbia era uma espécie de morgadio de Cabo Verde. Os portugueses reconheciam a soberania dos régulos que lhes vendiam os escravos. A questão dos limites vai complicar-se com a chegada dos holandeses, que não encontraram qualquer resistência, que se estabeleceram em Arguim e depois na Goreia, ilha que ninguém defendia – aqui ficaram até 1677, data em que uma esquadra francesa os expulsou. Os ingleses estabeleceram-se na Serra Leoa, não houve qualquer reivindicação portuguesa. Os nossos diferendos diplomáticos serão com a Grã-Bretanha por causa da questão de Bolama e com a França quando esta procedeu a uma ocupação insidiosa do Casamansa. O autor dá-nos um resumo do envio de protestos para Paris e para o Senegal, a diplomacia francesa chegou ao descaro de informar que tinham sido os primeiros a chegar… Honório Pereira Barreto, sempre franco e leal, não deixou de descrever o que era a presença portuguesa em Ziguinchor: “Ziguinchor tinha 7 soldados, era defendida por uma paliçada e uma artilharia desmontada. Devia a sua conservação à família Carvalho Alvarenga. O seu comércio, que era importante, achava-se nas mãos dos franceses, depois que se havia estabelecido em Selho”.

O autor não deixa de chamar a atenção que a reação diplomática à ocupação britânica foi tíbia e insegura. Em vez de se apresentarem factos da ocupação desde o século XV, o mais que se pôde obter foram documentos que datavam do reinado de D. José. E menciona a sentença arbitral do presidente dos EUA, Ulysses Grant. As fronteiras definitivas vão surgir na Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, mas os franceses ainda irão exigir, no processo de sucessivas retificações, mais algumas porções de terra.

Ainda em 1946, no número de março a abril, merece o devido relevo a referência à conferência que Teixeira da Mota proferiu em Bissau em 6 de janeiro desse ano, na abertura do V Centenário da Descoberta da Guiné. Com subtileza, o autor traça em longo preâmbulo considerações sobre a verdade em História, e a obrigação de ir desmantelando tabus e mitos. Era na época dado como assente que o primeiro descobridor que chegara a Guiné fora Nuno Tristão, aparece agora um oficial da Marinha, um jovem historiador, ainda por cima ajudante do Governador, a dizer que nada se passou assim. Descreve a descida progressiva da costa ocidental africana, a passagem do Cabo Bojador em 1434, no ano seguinte o mesmo Gil Eanes e Gonçalves Baldaia iniciaram a exploração da Mauritânia e chegaram a Angra dos Ruivos; e no ano seguinte o mesmo Baldaia foi ao Rio de Ouro e à Pedra da Galé. Seguem-se expedições em 1441 em que aparece pela primeira vez o nome de Nuno Tristão; em 1443 são descobertas as ilhas de Arguim e das Garças , foi um dado fundamental para o projeto henriquino, ergue-se em Arguim uma feitoria, tudo por causa do negócio do ouro; no ano seguinte, o cavaleiro-navegador Lançarote descobre mais ilhas, chegava-se à costa da Mauritânia, era a Terra dos Negros; em 1444, Diniz Dias avançava ao longo da costa dos Jalofos e descobria o Cabo Verde – os portugueses aproximavam-se das fontes do ouro. No Senegal e no Cabo Verde souberam pelos Jalofos que perto, para o sul, corria um largo rio, o rio Gâmbia, onde também abundava o ouro. Em 1446 larga do Algarve uma caravela capitaneada por Nuno Tristão, leva a bordo 30 homens. Chega ao Cabo dos Mastros, Nuno Tristão e os 30 homens embarcam em dois batéis, são cercados por canoas de indígenas e atingidos por flechas envenenadas, Nuno Tristão é uma das vítimas mortais. E Teixeira da Mota conclui: “Nuno Tristão não passou na realidade do Estuário Salum-Jumbas, que é propriamente um conjunto de braços de mar que se estende por algumas dezenas de milhas um pouco ao norte da foz do Gâmbia. Os indígenas que mataram Nuno Tristão eram Mandingas. Nuno Tristão não esteve, portanto, em 1446 em território atualmente português, mas traçou o destino que fosse ele o primeiro português a encontrar gentio de uma das etnias que pululam a Guiné Portuguesa. Quis o destino que esse contacto se manifestasse da forma brutal que o caracteriza. Os poderosos imperadores do Mali, que lá muito para o Oriente, das margens do Níger, em Niani, sua capital, dirigiam os vastos domínios, ignoravam talvez a existência daquele chefe mandinga. Enquanto a grandeza mandinga entrava no ocaso levantava-se a portuguesa”.

Temos por último o artigo intitulado "A Companhia de Guerra da Marinha na Campanha da Guiné de 1944", aparece no 77.º ano, número de janeiro e fevereiro de 1947, assina A. Aprá, Contra-Almirante. Ele refere-se à companhia de guerra da Marinha que embarcou em Lisboa no transporte África, isto em fins de março de 1894, passou o mês de abril em Bissau apetrechar-se, havia que comprar chapéus de palha em Cabo Verde, fizeram-se a bordo polainas, bornais de lona e manteve-se a atividade física e os preparativos militares com exercícios diários no ilhéu do Rei. A Guiné era um distrito militar autónomo, quem iria conduzir as operações era o governador, o Coronel de Artilharia Vasconcelos e Sá. A coluna saiu de Bissau a 10 de maio, foram considerados importantes aspetos logísticos como o recrutamento de carregadores para transportar água e munições. O efetivo da companhia era 259 homens; tinha uma seção de metralhadoras com 25 praças e 1 oficial, 1 médico com 3 enfermeiros e 6 maqueiros, participava ainda uma seção de administração naval. E relata que tudo começou numa confusão na distribuição de cargas pelos carregadores, só se pôde partir às 8 da manhã, avançaram sobre Antim, fazendo fogo sobre o objetivo, só perto dele é que se verificou resistência, quando se chegou a Antim a povoação estava completamente vazia. Começou a falta de água, os rebeldes só apareciam dando tiros isolados. Depois das 2 da tarde chegou a ordem de retirar com as devidas precauções, esta companhia de guerra da Marinha veio acompanhada por uma companhia de Angola. Verificou-se uma enorme agitação porque os carregadores procederam a saque, isto quando havia punhetes para transportar, e o contingente militar acusava fadiga, e temia-se que os rebeldes atacassem a qualquer momento. Regressou-se ao acampamento de Antim depois de 7 horas de marcha, não havia a menor provisão de água e a refeição preparada era um autêntico desastre só no dia seguinte é que apareceu água e um rancho decente.

Aguardavam-se ordens para que esta companhia de Marinha saísse do Alto de Antim e avançasse sobre Antula. Houve troca de impressões sobre a ordem de marcha, à tarde veio ordem do governador dizendo que era tarde para começar a marcha sobre Antula e no dia seguinte chegava a notícia de que o mesmo governador considerava ser suficiente o castigo dado ao gentio; mais tarde regressou-se à praça de Bissau onde se embarcou no navio África. E o contra-almirante Aprá termina com uma apreciação altamente crítica:
“Assim terminou a campanha de 1894, mandada acabar por quem direito. Foi incompleto o serviço? Sim. Mas foi a primeira vez que uma força europeia de uma certa importância entrou em operações de guerra na Guiné. Nada estava preparado, não havia planos, organização, nem se pensou em abastecimentos.
Se tivesse havido um verdadeiro Estado-Maior, e serviços administrativos regulares, se tivesse havido um modesto serviço de transportes e não estivessem na mão de carregadores gentios que só marcham com as forças para matar, roubar e incendiar, enchendo-se de despojos e abandonando as nossas cargas, tenho o pressentimento que a companhia de Marinha que, no dia 10 de maio, tinha ganho um verdadeira ascendente sobre o gentio fugia apavorado com o nosso avanço, essa companhia sozinha tinha feito ocupação da ilha de Bissau. Do exposto se concluí que a coluna organizada em 1894 não foi encarregada da ocupação militar da ilha de Bissau, foi como diz o Governador e o Governo Central concordou, um castigo dado ao indígena pelos altos de selvajaria anteriormente praticados. É a este ponto que quero chegar, não pode considerar-se um desastre que em campanha me parece ser sinónimo de derrota”
.

E assim termina a colaboração alusiva ao V Centenário da Descoberta da Guiné nos Anais do Clube Militar Naval.


Uma bela fotografia de Andrea Wurzenberger captada na Guiné, com a devida vénia
Um comboio de embarcações comerciais no rio Geba
____________

Nota do editor

Último poste da série de 12 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23700: Historiografia da presença portuguesa em África (338): Viagens por alguns títulos do Boletim Geral das Colónias (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 23 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23102: Historiografia da presença portuguesa em África (309): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (13) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Há que reconhecer o incontestável mérito desta investigação, Senna Barcelos, à luz dos conhecimentos do seu tempo, procurou fazer um levantamento da história de dois territórios desde a chegada da presença portuguesa, é hoje muito fácil dizer que já se investigou muito e que se esclareceu pontos que o autor deixou na obscuridade. O dado relevante é a pesquisa nos arquivos a que ele procedeu de forma meticulosa de modo que podemos dizer sem hesitação que é a primeira vez que se possui um quadro histórico dessa presença na Guiné até ao momento em que esta foi desanexada de Cabo Verde, em 1879. Há lacunas, caso da presença missionária, que está hoje felizmente coberta no trabalho incontornável de Henrique Pinto Rema. Senna Barcelos dá-nos um retrato ímpar dessa presença, envolve-a numa atmosfera de permanentes conflitos com os gentílicos, vivem entre eles em pé de guerra, sempre numa atitude de conquista, e só muito gradualmente vão aceitando a presença portuguesa que ganhará alguma efetividade depois da campanha de Teixeira Pinto na ilha de Bissau. E são elementos que não constam do trabalho de Senna Barcelos, para o tempo ele deixou-nos um quadro valioso do que foi acontecendo no Casamansa e de como a diplomacia portuguesa ao submeter a questão de Bolama e territórios adjacentes à postura arbitral do presidente dos EUA Ulysses Grant garantiu a dimensão sul do território da Guiné-Bissau. Para que conste.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (13)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

Hoje se conclui este punhado de recensões a uma obra incontornável, Senna Barcelos irá despedir-se do leitor no exato momento em que a Guiné, ainda sem fronteiras definidas, se autonomiza de Cabo Verde, um desastre militar ocorrido em chão Felupe desencadeou tal decisão política tomada por Lisboa. Em 26 de abril de 1859 faleceu na Praça de Bissau Honório Pereira Barreto e o Governador-geral pronto declarou: “A morte do honrado, inteligente e patriota desinteressado, Honório Pereira Barreto, Governador da Guiné, que muito temos a lastimar, não foi efeito de causas extraordinárias. A falta do único homem que conhecia profundamente a Guiné, que estendia a sua influência para o interior e na costa a uma grande distância, instruído e sempre pronto ao serviço do seu país é uma perda irreparável”.
E o autor traça um extenso currículo dessa figura determinante da primeira metade do século XIX na Guiné. Em fevereiro do ano seguinte, o Governador-geral deu ao novo Governador da Guiné, António Cândido Zagalo, instruções sobre as diferentes obras de utilidade para o distrito, a saber, no caso de Bissau: obter uma área em volta da praça de São José de Bissau que deverá ser limitada e defendida, reparar as muralhas da Praça e desentulhar os fossos, cuidar do reparo do quartel, construir uma alfândega e um cais em frente da vila, cuidando também do estabelecimento de uma povoação em frente da vila de Bissau, no Ilhéu do Rei. Quanto a Cacheu, impunha-se alargar a área da povoação da vila, reparar os quartéis e alojamentos, construir um cais em frente da povoação tal como em Bissau. E tanto em Bissau como em Cacheu o novo Governador devia ter em vista a abertura de poços, próximos às povoações, que forneçam água aos habitantes para usos domésticos.

Mas recuemos a 1858, a questão de Bolama marca hostilidades permanentes. Em 4 de junho aportara a Bolama um vapor de guerra inglês carregado de arroz para distribuir aos escravos, ali refugiados, dos seus donos, de Bissau, Rio Grande e Ilha das Galinhas. Fazia esta distribuição o preto David Lawrence, encarregado daquela ilha pelo governo inglês. Depois daquela data nenhum outro navio inglês visitou Bolama, acabou-se o arroz e os escravos voltaram à casa dos seus donos. Os ingleses, à falta de argumentos para provarem os seus, quanto à legitimidade da posse de Bolama e áreas circunvizinhas, continuavam a provocar conflitos com os portugueses, pretendiam promover uma colonização inglesa com escravos portugueses, a troco de umas libras de arroz. Mais adiante, esteve iminente um grande conflito provocado por este David James Lawrence, senhor da Ponta Lawrence em Bissássema contra o negociante português Martinho da Silva Cardoso, senhor da Ponta Martinho, o Governador Zagalo teve de intervir. Senna Barcelos refere que o governador recebera uma carta de um súbdito britânico, Thomas W. Cowan, mestre-escola em Bolama, condenando o procedimento de David Lawrence. Zagalo procurou apurar a verdade dos factos e pediu o apoio das autoridades gentílicas, o conflito ficou temporariamente sanado. Mas, entretanto, o Governador da Serra Leoa escreveu ao Governador da Guiné declarando que tinha em posse tratados que comprovavam que Bolama, o Rio Grande de Bolola e Buba pertenciam à Grã-Bretanha. Zagalo respondeu-lhe polidamente, deixando para as autoridades de Lisboa a resposta. E escreve para o Governador-geral: “Não posso deixar de duvidar da legalidade dos documentos apresentados, porque os reis designados no termo da cessão da ilha de Bolama jamais foram senhores daquela ilha, nem das outras do Arquipélago dos Bijagós, a quem pertencem, e não aos Beafadas do citado rio, cuja margem esquerda até Bolola também pertence aos reis de Orango e Canhabaque que à força conquistaram aos Beafadas em época muito anterior à data do referido termo de cessão”. E no mesmo documento o Governador clarifica a falta de direitos históricos dos franceses no Casamansa.

A diplomacia portuguesa procura uma arbitragem para a questão de Bolama, é o que faz o Conde do Lavradio junto de Lord John Russell. As reivindicações britânicas a Bolama não param, do lado português envolvem o Duque de Loulé e o Conde d’Ávila. A questão que Portugal propõe que se submeta a arbitragem é o exame do fundamento com que as duas nações, Portugal e Inglaterra, reclamam a posse e a soberania da ilha de Bolama, e também o facto de a Inglaterra clamar ainda mais alguns territórios no continente africano.

Senna Barcelos não esquece de registar outros conflitos, caso do que se passa na região do Geba em 1865, envolvendo Futa-Fulas contra Mandingas. O território do Geba pertencia ao rei de Ganadú, este resistiu ao ataque dos Fulas e estes pediram a paz. Também nesse ano o Governador-geral deu conhecimento de um contrato feito pelo Governador de Cacheu com os régulos das regiões limítrofes de Ziguinchor. À volta do presídio de Geba, os Fulas revelavam-se hostis, a questão só será apaziguada mais tarde. Prosseguem as hostilidades britânicas, a bandeira portuguesa é sistematicamente arreada em Bolama, e enquanto isto se passa reacendem-se os conflitos no Rio Grande entre Fulas e Beafadas.

Em 26 de outubro de 1868, solicitou o ministro Carlos Bento ao nosso diplomata em Washington, Miguel Martins d’Antas, a sua intervenção junto de Mr. Seward para este diligenciar se o presidente dos EUA se prestava a arbitragem, a resposta favorável chega a 20 de novembro. O Conde d’Ávila dirige a redação da exposição histórica e jurídica dos factos, acompanhada das provas aduzidas em apoio da mesma, a qual foi enviada para Washington. A sentença favorável a Portugal foi proferida a 21 de abril de 1870 e em 1 de outubro desse ano a bandeira inglesa foi arreada em Bolama. Em maio do ano seguinte determinou-se que o território da Ilha de Bolama e do Rio Grande fosse considerado um concelho do distrito da Guiné.

Dá-se a insubmissão da região do Churo a Cacheu. No final do ano de 1876 criou-se na Guiné uma comarca judicial, com sede em Bissau. E chegamos ao desastre de Bolor. Em 30 de dezembro de 1878 foi massacrada na margem direita do rio Bolor uma força militar que para ali fora com o governador do distrito. O impacto do desastre chega a Lisboa e o Governo decretou em 18 de março de 1879 a desanexação do distrito da Guiné da província de Cabo Verde, a Guiné passava a ser uma província independente e o seu primeiro Governador foi Agostinho Coelho.

Há que fazer o comentário de que estes últimos anos do acompanhamento dos factos históricos da Guiné por Senna Barcelos decorrer a um ritmo muito apressado e apresentado de forma muito sincopada. Ele termina o seu trabalho dizendo: “Ao fim de darmos as nossas investigações que datam de 1460 podemos dizer que os maiores benefícios que a província experimentou começaram em 1859”.

E aqui também damos por finda a extensa recensão daquela investigação que bem merece se encarada, em período contemporâneo, como o primeiro arremedo historiográfico que foi conferido à Guiné.


Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
Imagem retirada do blogue ePortuguêse, com a devida vénia
Destroço da estátua de Honório Pereira Barreto no interior da fortaleza de Cacheu
____________

Nota do editor

Último poste da série de 16 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23085: Historiografia da presença portuguesa em África (308): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (12) (Mário Beja Santos)

sábado, 2 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22589: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (16): Mais algumas fotos dos meus passeios: Bolama, junho de 2021


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > A estátua de Ulysses Grant, "ao luar"...



Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > A estátua de Ulysses Grant, vista de dia...


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 >  Guarita de um antigo quartel militar português, em ruinas  (possivelmente o do CIM - Centro de Instrução Militar)



Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Outra  guarita de um antigo quartel militar portuguê, em ruínas  (possivelmente o do CIM - Centro de Instrução Militar)



Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Antigo edifício da Câmara Municipal. Em completa ruina.


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Outra vista do antigo edifício da Câmara Municipal. Em completa ruína.



Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 >  Antigo quartel, agora refeitório,  pertencente à escola da Formação de Pescadores do Ministério das Pescas.



Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Escola Superior de Educação (ESE), Unidade de Ensino Amílcar Cabral 



Foto nº 8A> > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > 
Escola Superior de Educação (ESE), Unidade de Ensino Amílcar Cabral. Aqui formam-se professores.



Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Depósito de água



Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 >  Porto de Bolama.


Foto nº  11 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Cais do porto de Bolama, cheio de sacos de caju.
 

Foto nº  12 > Guiné-Bissau > Bolama > Junho de 2021 > Praia de Bolama de Baixo.


Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Patrício Ribeiro (português, natural de Águeda, da colheita de 1947, criado e casado em Nova Lisboa, hoje Huambo, Angola, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. XX, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda; membro da nossa Tabanca Grande, com 107 referências no blogue):


Data - quinta, 30/09, 18:31

Assunto - Fotos de Bolama, junho 2021

Luís, envio mais algumas fotos, dos meus passeios.


Bolama, junho de 2021

Numa noite, no final de junho 21, em que a lua estava muito ativa, era a maior lua do ano, tirei esta foto ao Presidente Ulisses. (Foto nº 1).

A estátua tinha voltado para cima do pedestal “e com a sua cabeça” (Foto nº 2). Fiquei surpreendido… 

O busto esteve deitado durante décadas no quintal da casa do governador (perto da estátua
dos aviadores Italianos) e de lá desapareceu a cabeça. O seu desaparecimento, originou diversos problemas a algumas pessoas.

Esta questão foi muito comentada em Bolama e Bissau, no meio da comunidade portuguesa (Na última foto que tinha eu enviado de Bolama para o blog, não havia estátua, só o pedestal).


A estátua em 1964. Cortesia do blogue
Bolama Minha Terra  e do ACTD - Arquivo
Científico Tropical Digiatl
Seguem fotos da porta de armas e guaritas, de alguns antigos quarteis portugueses (Fotos nºs 3, 4 e 7).  Construídos provavelmente depois da Reunião na Presidência do Concelho em Maio de 1969, onde se passou a dar formação militar. Aqui se deu instrução ao DFZ 21 e 22 (Operação Mar Verde, António Luís Marinho)

Junto mais algumas fotos, do que era a Bela Bolama. Por onde alguns, os últimos os amantes do Império se passearam, criando emprego aos antigos subordinados, até ao fim das sua vidas. Eram os “doidos do império” (Angoche, Carlos Vaz Marques)

Como podem ver nas fotos do Palácio (Camara Municipal), já só restam as colunas, os morcegos, perderam a casa grande. Junto foto (Fotos nº 5 e 6).

A escola de formação de professores, Escola Superior da Educação, Unidade de Ensino Amílcar Cabral.  (Fotos nº 8 e 8A), continua a funcionar em pleno, mesmo com as greves de diversos meses dos funcionários públicos. Também é uma agradável surpresa, que os professores e alunos estejam tão intTeressados. A escola tem o apoio da ONG Portuguesa FEC (Fundação Fé e Cooperação). Tem aulas diurnas e noturnas.

Junto ainda fotos do depósito de água (Foto nº 9). bem como do porto de Bolama de Baixo, por onde desta vez desembarcamos em Bolama (Fotos nºs 10 e 11).

Saímos de Bissau de bote para Bolama de Baixo, foram 3,5 h de viagem, mesmo com os fatos para a chuva, tomamos banho de água salgada, chegamos à bonita praia que também é o porto (Foto nº 12). Depois seguimos de viatura até à cidade, pelo meio dos cajueiros.

A Ilha de Bolama transformou-se num grande produtor de caju. Teve influência a instalação da fábrica de descasque de caju, que o Comandante Alpoim Galvão instalou na ilha, a partir da qual exportava para todo o mundo o caju já descascado e biológico, em vácuo. Era transportado em canoas, até Bissau.

Fotos do porto de Bolama, por onde saíram milhares de toneladas de caju, que era transportado em canoas para Bissau. Este ano a Guiné, já exportou 200.000 toneladas.

Atualmente não há barco de carreira para Bolama, só para Enchudé, depois há que apanhar um camião e muito pó, até S. João,  e dali a travessia é feita de bote de madeira, para Bolama.

No regresso a Bissau, mais uma vez na canoa de transporte, 2,5h, pelo canal da Coroa de Bolama, que fica seco, com a maré baixa.

Fotos para recordar, a quem por aqui andou há 50 Anos.

Abraço,

Patrício Ribeiro
impar_bissau@hotmail.com

___________

Notas do editor: