quarta-feira, 12 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23700: Historiografia da presença portuguesa em África (338): Viagens por alguns títulos do Boletim Geral das Colónias (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
Se dúvidas subsistissem de que há um manancial informativo nas publicações coloniais, sobretudo nas primeiras décadas do Estado Novo, aqui se comprova como se faziam relatos de missões científicas ou brochuras divulgativas sobre figuras dadas como notáveis na ocupação colonial. Recordo que o texto do antigo governador Leite de Magalhães retoma aquele acervo de relatórios que os administradores de circunscrição enviavam aos governadores, exaltando as potencialidades económicas, apelando à existência de melhores infraestruturas e sobretudo tecendo considerações sobre aquela agricultura que vivia da subsistência ou a grande avidez exportadora da CUF, reclamando não só a diversidade como a urgência da industrialização e a extrema prudência na política madeireira, já naquele tempo sujeita a depredações escandalosas.

Um abraço do
Mário



Viagens para alguns títulos do Boletim Geral das Colónias

Mário Beja Santos

Depois de uma brevíssima digressão pela Coleção Pelo Império, da Agência Geral das Colónias, chegou a vez de folhear artigos referentes à Guiné publicados no Boletim Geral das Colónias, logo o nº 85, de julho de 1932, é seu autor o antigo Governador António Leite de Magalhães e o título é A Guiné e os preceitos da associação científica. Após fazer referências de caráter geral à história e a geografia da colónia, Leite de Magalhães questiona as riquezas e cita-as: amendoim, amêndoa e óleo de palma, cera, borracha e couros, sobretudo. Estima que a terra é mal trabalhada e mal aproveitada, a industrialização ainda não lá chegou, como produtos cultivados só aparece o amendoim e sentencia: “As estatísticas enganam-se sobre a diversidade e valor das produções que a Guiné é suscetível de exportar em grande quantidade”. E novamente faz o elenco dos produtos exportáveis: arroz, mandioca, algodão, sumaúma, fibras de piteira, gergelim, rício e madeiras, não deixando de aludir que o café irá pesar no futuro na balança da colónia. E observa que mais importante de tudo seria extrair da palmeira todo o óleo que ela nos pode dar, que, há razão de 9 quilos por cada 5 quilos de coconote subiria a cerca de 5 mil toneladas anuais. Então, o que falta para gerar essa abundância? Apenas organização e tenacidade. Há que criar fábricas onde o arroz e o café se descasquem, se prepare a mandioca e se descaroce a sumaúma, os óleos se espremam e as madeiras se talhem.

As suas considerações histórico-políticas são dignas de atenção. Logo dizendo que a Carta de Alforria da Guiné é o Decreto de 18 de março de 1879 que desafetou a colónia de Cabo Verde, só a partir desta data é que começou a ser cuidada a sua prosperidade. Deplora o que aconteceu no passado em que o indígena era o senhor absoluto do mato, a ocupação limitava-se a ilha de Bolama e à fortaleza de Bissau, às Praças e Presídios de Cacheu, Farim, Geba e Buba; a ocupação missionária, que chegara a estender-se por cinco freguesias estava reduzida a um padre. Em Portugal, nem sequer fazia ideia do valor que o território representava. “E por duas vezes se pensou em dá-lo quase inteiro, como quem quer alivar-se de um fardo, a entidades que se despusessem a recebê-los: foram seus primeiros concessionários os irmãos Condes de Buttler, franceses de origem, em 1891; e, depois, os senhores Mateus Sampaio e o Conde Vale Flor, em 1894”. Recorda que a ocupação continental da colónia só terminou na terceira campanha de Teixeira Pinto. E aludindo à vida recente, não deixando bem claro o que era obra dos seus antecessores ou sua menciona o desenvolvimento de estradas, rede telegráfica e telefónica, estações radiotelegráficas, edificações do Estado, faróis e farolins, parcos, portos marítimos e fluviais. Deixa recados para o futuro: para um melhor aproveitamento do sol impõe-se que o Estado fizesse o estudo das culturas adaptáveis e lembra obra feita: criou-se o Jardim da Aclimação e o Campo Experimental de Culturas, com os seus viveiros de café, cacau, coqueiros, sisal e coleiras. Diz com orgulho que os guineenses passaram a dispor de hortaliças, granjas com os seus viveiros de plantas e pomares de frutas; criaram-se e instalaram-se os serviços meteorológicos; e serviços veterinários foram dotados de uma estação zootécnica. Deixara a colónia com sete padres, mas tinha consciência de que havia muitíssimo para fazer em obra de civilização.

Mexericando em toda esta papelada, vejo uma referência a uma exposição da colónia da Guiné no Museu da Sociedade de Geografia de Lisboa, produziu-se um catálogo muito sóbrio com breves notícias sobre a situação geográfica, superfície, hidrografia e geologia, vias de circulação (veja-se: uma rede de estradas com 2800 quilómetros e uma circulação de 225 automóveis que cortavam o território em todos os sentidos, ligando os centros agrícolas e comerciais, uma rede de 685 quilómetros de linhas telegráficas e telefónicas) e após se fazer referência aos recursos económicos publicava-se o que fora amostra dos produtos: arroz, ervilha do Congo (é o nosso feijão verde), malagueta, café, cola, amendoim, caju, coco, coconote, óleo de palma, farinha de mandioca, algodão, sumaúma, borracha, bissilão (mogno da Guiné), pau de conta, pau ferro, pau rosa, e até panaria, artigos em couro e manipansos (termo depreciativo utilizado para falar da arte escultórica Bijagó e Nalu). Via eu estas diferentes referências a produtos exportáveis quando surgiu a palavra compó, curioso era a explicação dada no catálogo:
“O compó é um individuo que só aparece mascarado, tem também o nome de diabo do mato e vive sempre em palhotas escondidas nos matagais é simultaneamente padre, feiticeiro e bailarino e nenhuma festa pode ter lugar sem a sua comparência. Usa na cabeça, tapando-lhe o rosto, um capacete e máscara feitos de despojos de todos os animais conhecidos, cinto de palha desfiada e enfeites da mesma palha nos punhos e tornozelos. Desempenha sempre um papel preponderante durante a época do fanado. Como os antigos bobos tem o direito de dizer tudo o que entender. É expressamente proibido procurar ver-lhe a cara. Na época do fanado, quando sai da sua palhota ou da sua mata, é acompanhado por todos os rapazes que serão circuncisados. Nesta época anda sempre em altas andas e munido de um chavelho de carneiro metido num grande pau. É ele que no meio de cerimónias diversas e danças procede à circuncisão. É uma entidade que atinge a máxima consideração na região Nalu, mas que se encontra também entre os Mandigas e entre os Grumetes”.

Folhei no Boletim Geral das Colónias, número de agosto/setembro de 1946, o artigo do Professor Major Dinas Lopes de Aguiar intitulado Guiné Portuguesa – Terra de lenda, de martírio, de estranhas gentes, de bravos feitos, de futuro, tratava-se de uma conferência que ele proferia em ambiente escolar-militar, não trazia nada mais do que aquilo que já sabemos. E por fim uma referência a outro Boletim Geral das Colónias, número de outubro de 1946, tem a ver com a missão de uma equipa de Medicina Tropical que foi estudar a doença do sono na Guiné Portuguesa, constituída por Fraga de Azevedo, F. Cambournac e Manuel Pinto. O objetivo era averiguar o estado atual da doença do sono e avaliar o grau de endemicidade da febre amarela. Percorreram mais de 3000 quilómetros e colheram elementos em 43 localidades. É referido que em 1932 a Escola de Medicina Tropical de Lisboa fez realizar uma missão em que participou o Dr. Fontoura de Sequeira, este concluiu que “a hipnose graça na colónia sob a forma de endemia ligeira, ao que parece sem tendência a agravar-se”. Estes especialistas de Medicina Tropical fazem menção aos trabalhos desenvolvidos, dissecaram animais domésticos e selvagens suspeitos de desempenharem o papel de reservatório do agente da doença, como também os insetos transmissores, as glossinas ou moscas tsé-tsé. Dão abundantes explicações sobre as manifestações da doença do sono, caso da hipertrofia ganglionar. Um aspeto curioso do artigo é o seu aspeto didático, por exemplo explicam ao leitor que as moscas tsé-tsé apenas se encontram nas zonas de densa vegetação, não desarborizada, pois carecem de sombra e certo grau de humidade para sobreviverem.

Suspendo aqui a leitura destas publicações, mas reconheço, que com todas as limitações houve um enorme esforço destes serviços coloniais para divulgar as atividades no nosso Império Africano.

Governador António Leite de Magalhães na Inauguração do Monumento a Teixeira Pinto, Bissau, 1930
Carta da Comissão Francesa da delimitação das fronteiras entre a Guiné portuguesa e as possessões francesas, gravura de J. Geisendörfer, sem data, é pena não se poder ver o traçado das fronteiras, a superfície atribuída à Guiné portuguesa veio a ser amputada
Carta da Guiné Portuguesa, Lisboa, 1843, é possível verificar como a presença portuguesa estava circunscrita à orla marítima e a algumas ilhas dos Bijagós
Mapa feito em 1606 por Hondius, é visível no canto superior esquerdo o território de que é hoje a Guiné-Bissau, há meramente referência aos reinos, nem a palavra Senegâmbia é mencionada.
Dança de Compó
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Nota do editor

Último poste da série de 5 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23674: Historiografia da presença portuguesa em África (337): Viagem por alguns títulos da Coleção Pelo Império, da Agência Geral das Colónias (Mário Beja Santos)

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