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quinta-feira, 14 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26152: As nossas geografias emocionais (34): Alguns dos principais topónimos do território, segundo um mapa de 1951...



Mapa da Guiné (1951) > Quadrante Norte e Noroeste: Principais povoações: sedes de posto administrativo e de circunscrição / concelho (*): Susana, S. Domingos (*), Sedengal, Bigíne (sic), Farim, Calequisse, Cacheu,  Teixeira Pinto (Catchungo) (*), Bula, Binar, Bissorã, Mansoa (*), Mansabá


Mapa da Guiné (1951) > Quadrante Oeste e Sudoeste: Principais povoações: sedes de posto administrativo e de circunscrição / concelho (*) e capital (**): Caió, Quinhamel,  Prabis, Safim, Tite, Nhacra, Bissau (**), Enxalé, Fulacunda (*), Bolama (*),  Bubaque (*), S. João, Empada, Bedanda, Catió (*)


Mapa da Guiné (1951) > Quadrante Norte, Nordeste e Leste;  Principais povoações: sedes de posto administrativo e de circunscrição / concelho) (*): Bambadinca, Bafatá (*), Contuboel, Sonaco, Nova Lamego (Gabu) (*), Pirada, Piche

Mapa da Guiné (c. 1951 > Quadrante Sul, Leste e  Sudeste;  Principais povoações: sedes de posto administrativo e de circunscrição (concelho) (*): Xitole, Buba, Cacine 

Mapa da Guiné >  Autor: Junta de Investigações Colonais (1951)

Fonte: "Diário Popular", 20 de outubro de 1951, suplemento dedicado ao Ultramar Português  (Cortesia de Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa,  é uma raridade bibliográfica, disponível  aqui em formato digital. )


1. É interessante comparar a Guiné de 1951 com aquela que iremos cohecer 15/20 anos depois, num contexto de guerra... Este é um mapa administrativo, assinalando apenas as sedes de circunscrição / concelho e de postos administrativos, mas dá para perceber  que havia uma clara litoralização do território, sendo o interior (o Nordeste e o Sudeste) muito menos povoado, revelador da fraca penetração da colonização portuguesa...


Quando ainda o Senegal e a Guiné-Conacri estavam longe de se tornar independentes, a já "província" portuguesa da Guiné, em 1951, parecia ser um "enclave rodeado pelo Oceano Atlântico e a África Ocidental Portguesa...

Quem diria que teríamos ainda que decorar estes topónimos, ligados às nossas "geografias emocionais": São Domingos, Teixeira Pinto, Mansoa, Bafatá, Nova Lamego (Gabu), Fulacunda, Catió, etc. ?

Em 1951, ainda muitos de nós usávamos cueiros (ou estávamos a deixar de os usar)...


2. A divisão administrativa da Guiné passou por muitas alterações, desde a Monarquia ao Estado Novo, passando pela  República... Por exemplo,  a de 1938 (Decreto nº  29257, de 13 de dezembro de 1938) criava dois concelhos e sete circunscrições civis... 

Comparando com o mapa geral da província, de 1961 (Escala 1/500 mil), verifica-se que houve povoações que subiram de estatatuto (passando a de circunscrição) como São Domingos, Farim, Bissorã, Fulacunda, Bubaque... E houve outras terras  que perderam importância (como Geba, Cacheu, Buba, Mampatá, Enxalé, Madina, Canhabaque, etc.).

__________

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26122: As nossas geografias emocionais (30): A "toponímia" da colónia ou a "Babel linguística": Bafatá devia ter sido grafada como "Báfata" e Gabú como "Cabo" (do mandinga "caabu")...







Governador Manuel Sarmento Rodrigues (1945-1949) 
[ foto: cortesia da Revista Militar]. 
Também era carinhosamente conhecido com o "Mamadu" Rodrigues
e havia uma tabanca conhecida como Sinchã Sarmento.  


1. "Em bom português nos entendemos" ? ... Nem ontem nem hoje...

Foi em 1948, quando era governador da Guiné (então colónia  portuguesa, parte do Império Colonial Português, e sem complexos, de natureza semântica e conceptual, e muito menos político-ideológica!),  o  capitão de fragata Sarmento Rodrigues,     que se  fez um primeiro esforço sério para grafar os topónimos (nomes geográficos) guineenses, através da Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948...


Ainda hoje, há um pequena "Babel linguística" no nosso blogue  (e demais redes sociais), quando escrevemos alguns nomes de terras por onde passámos e que nos são familiares (dolorosamente familiares, em muitos casos)

Por exemplo, deve escrever-se:
  • Guileje e não Guilege ou Guiledje;
  • Guidaje e não Guidage;
  • Jabicunda e não Djabicunda:
  • Bajocunda e não Badjucunda (e muit0 menos Bajicunda);
  • Iracunda e náo Ira Cunda;
  • Áfia e não Afiá;
  • Piche e não Pitche;
  • Xime e não Chime;
  • Xitole e não Chitoli;
  • Contuboel e não Contubo El;
  • Pecixe e não Peciche;
  • Porto Gole e não Portogole;
  • Gandembel e não Gã Dembel;
  • Camamadu e não Cã Mamadu;
  • Copelão e não Cupelom ou Cupilão ou Pilão (para os "tugas");
  • Poindom e não Poidon ou Poidão;
  • Sinchã e não Sintchã;
  • Sare e não Saré;
  • Tombalí e não Tombali ou Tombáli;
  • Quitáfine (e não Quitafine) (palavra exdrúxula, mas o "e" final é aberto: Quitáfinè);
  • Ilha de Jeta e nãoo Jata ou Jete...
O caso de Pigiguiti então é divertido...Temos visto as mais diversas grafias: Pijiguiti, Pidjiguiti, Pidgiguiti, Pindgiguiti... 

Bambadinca também já tenho visto como Babadinca e até Bambarinca  e Bambadinga (num anúncio comercial, erro tipográfico comum na nossa imprensa da época colonial). E deve dizer-se Bambadincazinho e não Bambadincazinha... tal como de resto vem na carta de Bambainca (1955), escala de 1/50 mil.

Nalguns casos, ficaram consagradas pelo uso  grafias erradas como;
  • Bafatá (que deveria ser Báfata, como pronunciam os fulas);
  • Gabú em vez de Cabo;
  • Sinchã Jobel em vez de Sinchã Jaubel...
Gabú (do mandinga, "caabu") era o nome de uma circunscrição, Gabú-Sara era uma povoação (p. 37, da Portaria, abaixo citada) e Nova Lamego uma vila tal como Nova Sintra (p. 52).

As cartas geográficas seguiram esta orientação de "aportuguesamento" dos nomes geográficos da Guiné, de acordo com  as regras fixadas na Portaria nº 74, de 7 de julho de 1948 e a ortografia então em vigor.

No nosso blogue (que é escrito, em geral, em Português europeu...) devemos seguir esta "normalização"  dos nomes geográficos da Guiné que conhecemos..., sob pena de cairmos na babelização linguística...

A crioulização do português da Guiné.Bissau é outro problema  (complexo e delicado...) sobre o qual não nos vamos debruçar agora... Na dúvida, perguntamos ao Ciberdúvida da Língua Portuguesa...

Até 1948, as tropelias linguísticas nesta matéria (grafia dos nomes geográficos da Guiné) era confrangedora, agravada pelas frequentes gralhas tipográficas (vd. por exemplo anúncios comerciais da imprensa da época). 

Leia-se, também,  um folheto como o "Resumo do que era a Guiné Portuguesa há vinte anos e o que é hoje", da autoria do 2.º Sargento António dos Anjos (Bragança, Tipografia Académica, 1937, c. 97 pp.) que  publicámos no nosso blogue. Cite-se alguns nomes, mal grafados: 

  • Gábu
  • Xôroenque,
  • Sáfim, 
  • Gêba
  • Gade-Mael
  • Xôro
  • Bacerél
  •  Sozana, etc.

Armando Tavares da Silva (1933-2023)


Obrigado ao nosso saudoso amigo e grão-tabanqueiro Armando Tavares da Silva (1933-2023), especialista da história político-militar da Guiné (1878-1926) que nos fez chegar cópia desta portaria e de alguns dos seus anexos. 


2. Voltamos a reproduzir aqui a mensagem do prof Armando Tavares da Silva, com data de 3/10/2017 (*)

Luís,

Enviei por WeTransfer 14 páginas da "Primeira Relação de Nomes Geográficos da Guiné Portuguesa" elaborada em 1948 nos tempos do Governador Sarmento Rodrigues.

Por ela se pode ver que havia 2 povoações Canchungo, uma na área de S. Domingos e outra na área de Cacheu. Teixeira Pinto existia e era uma Vila.

Quanto a Portugal, havia uma povoação na área de Bolama e uma fulacunda. A do régulo Bacar Dikel deve ser esta.

Gabú era uma circunscrição e Nova Lamego uma Vila.

Quanto a Aldeia Formosa esta aparece como uma fulacunda, e Quebo outra fulacunda, aparecendo também como povoação na região de Catió (páginas não enviadas).

Curioso é ler o preâmbulo da Portaria de Sarmento Rodrigues e as normas adoptadas para a escrita dos nomes geográficos.

Sinchã foi introduzida para designar uma nova povoação fula. Entre elas notei a existência de uma Sinchã Comandante, outra Sinchâ Sarmento e (entre muitas outras) uma Sinchã Marío (com acento agudo!?).

Espero que isto anime a discussão...

Abraço, 
Armando






Excerto da Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948 (publicada no Boletim Oficial, suplemento nº 10, de 7 de julho de 1948, Império Colonial Portuguêrs, Colónia da Guiné)
 

3. Veja-ser também o Anexo à Portaria nº 71, de 7 de julho de 1948, do Governo da Colónia da Guiné, de que publicámos, por ser muito extenso, apenas alguns excertos (pp. 7, 23, 37, 52, 57, 68, 67, 69, 72) (*).


Por essa lista (onde parece haver gralhas tipográficas da sempre rigorosa Imprensa Nacional - Casa da Moeda) se pode ver, por exemplo, que havia duas povoações Canchungo, uma na área de S. Domingos e outra na área de Cacheu (p. 23). O Canchungo, nome gentílico, de povoação,  coexistia com a nova vila, Teixeira Pinto (p. 72).

Quanto à tabanca Portugal, havia dois lugares com este nome: (i) povoação na área de Bolama; e e uma outra na região de Fulacunda, sendo nesta que morava, em 1947, o régulo Bacar Dikel (p. 57).

Gabú era uma circunscrição (e região), Gabú-Sara era uma povoação (p. 37) e Nova Lamego uma vila tal como Nova Sintra (p. 52). 

Também existia uma Nova Cuba (p. 52) (que só podia sere a Cuba do Alentejo e não a Cuba do...mar de Caribe).

Quanto a Aldeia Formosa (p. 7) esta aparece como uma povoação de Fulacunda, a par de Quebo (p. 57).

Como se lê no preâmbulo da Portaria de Sarmento Rodrigues, houve uma expressa vontade de normalização da escrita dos nomes geográficos da Guiné. Alguns nomes são novos, ou aparecem pela primeira vez: 

  • Teixeira Pinto, 
  • Nova Lamego, 
  • Aldeia Formosa, 
  • Nova Sintra, 
  • Nova Có,
  • Nova Cuba (...do Alentejo ?)...

Lembre-se, por fim, que Sinchã foi introduzida para designar uma nova povoação fula, acompanhando a "expansão" do chão fula... Entre elas (e são mais de centena e meia) notámos a a existência de uma Sinchã Comandante (p. 67) e outra Sinchã Sarmento (p. 68)... E, já agora, uma Áfia do Governador (p.7).

Por sua vez, Sare que dizer povoação fula não recente...

Também, para além de Aldeia Formosa, há mais 3 Aldeias (p. 7). 

Também havia muitas Pontas (pp. 56 e 57) (não temos a pág. 56 do Anexo):

  • desde a Ponta Brandão à Ponta Varela, 
  • de Ponta do Inglês a Ponta de Janadá, 
  • de Ponta Augusto Barros à Ponta Luís Dias.

 (Ponta era sinónimo de horta, pomar, terra agrícola, em geral junto a um curso de água ou bolanha.)

Há ainda, topónimos pouco vulgares ou pitorescos como:

  • Algodão, 
  • Acampamento,
  • Achada do Burro (p. 7),
  • Olho Grande, 
  • Olhozinho (p. 52),
  • Porcoa, 
  • Preço Leve
  • Quartel (p. 57)
  • Sinchã Fodê (p. 67)...

Pode ser que o Valdemar Queiroz ou Ramiro Jesus, que são os nossos campeões dos passatempos "Vê se és bom observador" e "As gralhas da nossa embirração"..., sejam capazes de descobrir se alguns destes topónimos, aportuguesados, sobreviveram à guerra e à independência...

No nosso blogue há, por exemplo, há várias referências a lugares começados por Sinchã... Destaque para Sinchã Jobel (ou Jaubel, mais correto) e foi uma base do PAIGC ou "barraca" no regulado de Mansomine (carta de 1/50 mil. Bambadinca).

Sinchã Abdulai (1)
Sinchã Bambe (1)
Sinchã Dumane (1)
Sinchã Jobel (16)
Sinchã Madiu (1)
Sinchã Molele (1)
Sinchã Queuto (2)
Sinchã Sambel (1)

Tirando um ou outro nome português, do nosso roteiro poético-sentimental (Nova Sintra, Nova Lamego, Nova Cuba, Aldeia Formosa, Teixeira Pinto...), o essencial dos nomes geográficos (ou topónimos) da Guiné não nos diziam nada, nem tinham que dizer, eram exóticos, pitorescos, gentílicos... mas não suscitavam curiosidade por aí além... Muito menos, emoção... nem faziam sorrir como alguns topónimos portugueses, com conotações erótico-burlescas (Coito, Pito, Picha, Rata, Rabo, Cabrão, Coina, Cu,  etc.)

Eu, que não sabia mandinga, só muito mais tarde é que vim a saber, por este bliogue,  que Bambadinca, por exemplo, queria dizer "a cova do lagarto"...

De facto, quem é que se lembraria de ir fazer umas "férias", em 1948, a Contuboel, a Gadamael a Pejungunto, ou a Buruntuma ou a Catió... ? Eram nomes completamente estranhos aos militares portugueses que foram aportando a Bissau, a partir de 1961... 

Mas muitos desses topónimos hoje fazem parte das  nossas "geografias emocionais" (**), de Madina do Boé a Guidaje, de Gadamel a Guileje, de Canquelifá a Mansoa, de Fajonquito ao Xime, de Piche a Contabane, de Buruntuma a Cumbijã, de Buba a Bambadinca, de Olossato a Farim...

sábado, 4 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25478: (De) Caras (207): Homenagem póstuma da sua terra natal, Mealhada, ao ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Nat 58, José da Cruz Mamede (1949-1970), morto na emboscada de Infandre, em 12/10/1970


O José da Cruz Mamede, de Casal Comba, Mealhada, morto em 12 de outubro de 1970:  foto de álbum da família. Cortesia de Lucília da Cruz Mamede (2007)  e do nosso camarada Afonso Sousa (*).


1. Por pesquisa na Net, ficámos a saber que a Câmara Municipal da Mealhada, em reunião ordinária de 26 de junho de 2021, aprovou por unanimidade "a alteração toponímica, na localidade de Casal Comba, da atual 'Rua de Trás das Eiras' para 'Rua José da Cruz Mamede'. Por ser esta a rua onde nasceu e viveu o homenageado antes da sua mobilização para a Guerra Colonial e onde viveu a sua família." (**)


Adicionalmente, registe-se aqui o número de mortos, na guerra do Ultramar / guerra colonial, naturais do concelho da  Mealhada:  foram 17 no total (dos quais 4 no TO da Guiné) (Fonte: Portal UTW - Dos Veterenos da Guerra do Ultramar).





2. Artigo de opinião, publicado no "Jornal da Mealhada", em 19 de dezezembro de 2018, em que Fausto Cruz já então defendia a atribuição de honras toponímicas ao seu amigo e vizinho de infância José da Cruz Mamede. 


Ser sexagenário adensa as vivências passadas e leva-nos a sentir com mais emoção as ocorrências a que nos sujeitamos no tempo. Razão que leva a trazer para aqueles que tenham a coragem de ler este texto, um tema que há muito se afigura de elevada justeza.

Quem nasce num meio rural e pobre, nunca consegue avaliar as perdas e ganhos comparativos a outros que beneficiaram de potenciais mordomias.

A verdade é que a infância, em qualquer quadro que se tenha vivido, deixa-nos marcas que jamais conseguimos apagar. Delas fazem ou fizeram parte um alargado universo de pessoas, onde se evidência as crianças com quem partilhamos bons e maus momentos.

Fui companheiro, quase inseparável, desde o início da idade escolar. Vivia, na altura, próximo do largo da aldeia e eu, mais distante, na rua que se designava por Outeiro. Apesar de percorrermos caminhos diferentes, era difícil entrar na sala de aulas um sem o outro. Chegávamos muitas vezes mal calçados, a tinir de frio, com a nossa sacola de cotim às costas e, só depois de nos saudarmos, seguíamos para as carteiras que o mestre Prof. Joaquim Andrade vigiava. Os intervalos serviam para rever os temas mais variáveis, como para programar o "assalto" ao local onde existisse fruta.

Crescemos em sã convivência. Os nossos pais aceitavam a nossa amizade, o que nos permitia ser mútuos convidados para o "sarrabulho" e "ceia da matança" do porco. Aprendi, com esse meu amigo, a conhecer o perfeito estado de maturação dos diospiros, depois de uma amarga experiência com o fruto, desviado do quintal do Dr. Elias, que se apresentava bonito, mas nos deixou com a boca áspera.

Os anos passaram sem que existisse corte ou desvio da nossa amizade. Já rapazolas, disputávamos a chegada à Praia de Mira, nas “pasteleiras” que dispúnhamos. Para meu desgosto era quase sempre ele o vencedor, pois usufruía de grande aptidão para pedalar a bicicleta.

A adolescência passou e os anos mais marcantes da juventude, o que nos forçou a algum afastamento. A imposição do serviço militar exigiu caminhos totalmente opostos.

Alguma sorte em meu benefício permitiu cumprir, essa forçosa obrigatoriedade, bem próximo da minha residência no continente. O mesmo não aconteceu ao meu bom amigo. Vestiu a farda bem mais longe e foi incorporado numa "companhia " mobilizada para a Guiné.

Eu constituí família e tenho o privilégio de, há quase cinquenta anos, usufruir do bom e menos bom que a vida nos proporciona.

Esse meu velho companheiro não teve a mesma sorte. A 12 de Outubro de 1970, numa operação militar, em confronto com o inimigo da época, não resistiu aos destroços provocados por uma bala que trespassou o seu crânio, roubando-lhe a vida de vinte e um anos.

Perdeu-se o conterrâneo, o amigo, o irmão, o familiar e o filho.

Pobres pais que carregaram o peso do desgosto com tanta amargura, até ao final de vida.

Pobre mãe que nunca mais conseguiu forças para superar tamanha dor. A vivência em permanente angústia, desencadeou tão complexas patologias que a empurraram para um fim de vida precoce.

Está a aproximar-se a data que marca os cinquenta anos após esse fatídico acontecimento. Era oportuno marcar essa data com algo visível que avivasse a memória dos vivos e transportasse à geração presente e futuras os horrores da perda de um ente querido em tão trágicas circunstâncias. É imperioso que os jovens de hoje e do amanhã, tenham presente o terror que, os também jovens naquele tempo, sentiam com a permanente ameaça de serem obrigados a viajar para continentes desconhecidos, para combater numa guerra que só interessava a alguns.

É forçoso não deixar esquecer esse período trágico que originou a morte de 8831 jovens (leiam bem, oito mil, oitocentos e trinta e um!...) e manchou de luto todo o nosso país.

É, pois, chegada a hora de perpetuar o nome de José da Cruz Mamede, atribuindo o seu nome, em placa toponímica, a uma rua, um largo ou praça na terra que o viu nascer.

Medida que será justo estender a mais dois combatentes da nossa freguesia, que morreram pela mesma causa:

Alípio de Jesus Delfim, natural da Silvã, morto em combate em Angola, a 5 de Setembro de 1965; e Osvaldo Simões Godinho, natural da Vimieira, morto em combate em Moçambique, a 11 de Agosto de 1973.

Foi destes jovens que a nossa freguesia ficou órfã nesse conflito que designaram como "Guerra Colonial".

É à nossa freguesia que assenta o dever de colocar, aos olhos dos vivos, os nomes daqueles que, em nome do País, lhes ofereceram a morte.

Verdadeiros "Heróis da Terra"

Casal Comba - Mealhada

(Reproduzido com a devida vénia)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de maio de  2024 > Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)

(**) Último poste da série > 24 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25436: (De) Caras (206): Arsénio Puim, ex-alf graduado capelão, CCS/BART 2917 (Bambadinca, mai 70- mai 71), vai fazer 88 anos em 8/5/2024... Associemo-nos à homenagem (e a surpresa) que lhe quer fazer a Tertúlia Açoriana.

Guiné 61/74 - P25476: 20.º aniversário do nosso blogue (14): Alguns dos melhores postes de sempre (X): O fatídico dia 12 de outubro de 1970: a emboscada de Infandre, Zona Oeste, Setor 04 (Mansoa) (Afonso Sousa, ex-fur mil trms, CART 2412, 1968/70)


O José da Cruz Mamede, de Casal Comba, Mealhada, morto em 12 de outubro de 1970:  foto de álbum da família. Cortesia de Lucília da Cruz Mamede (2007). A legenda é do Afonso Sousa.

Entretanto, por pesquisa na Net, ficámos a saber que a Câmara Municipal da Mealhada, em reunião ordinária de 26 de junho de 2021, aprovou por unanimidade "a alteração toponímica, na localidade de Casal Comba, da atual 'Rua de Traz das Eiras' para 'Rua José da Cruz Mamede'. Por ser esta a rua onde nasceu e viveu o homenageado antes da sua mobilização para a Guerra Colonial e onde viveu a sua família." 


1. A pedido da irmã, Lucília Cruz Mamede (Casal Comba, Mealhada) do nosso infortunado camarada, o ex-1.º cabo, de rendição individual, José da Cruz Mamede, do Pel Caç Nat 58, morto na emboscada de Infandre, em 12 de outubro de 1970, o nosso camarada Afonso Sousa, depois de dois anos de pesquisa (desde setembro de  2005) (*), organizou este dossiê (**), que merece honras de antologia e de ser republicado por ocasião dos 20 anos de existência do nosso blogue. (***)

O Afonso Sousa é um histórico do nosso blogue, é um dos primeiros de nós a  integrar a nossa tertúlia (logo em junho de 2005): tem 63 referências, foi fur mil trms, CART 2412 (Bigene, Binta, Guidage e Barro, 1968/70), vive em Maceda, Ovar (a 70 km a noroeste da Mealhada, ambos os concelhos pertencendo ao distrito de Aveiro).


O fatídico dia 12 de Outubro de 1970: 
a emboscada de Infandre

por Afonso Sousa

“Recordar é manter a memória colectiva 
ao transmitir os factos do passado às novas gerações”.

 
I. Sete horas da manhã. Militares do Pel Caç Nat 58 e da CCAÇ 2589, acantonados em Infandre (cerca de 10 km a NW de Mansoa), partem deste aquartelamento em direcção a Mansoa, em 2 viaturas Unimog, a fim de efectuarem mais um reabastecimento da Unidade.

Para a deteção de minas, um grupo de militares segue à frente das viaturas, fazendo a habitual picagem da estrada (de terra batida). Duas horas depois a coluna chega a Mansoa.

As viaturas são colocadas nas posições de reabastecimento. Alguns dos militares, como sempre o fazem (sempre que se deslocam à vila), procuram de imediato o único estabelecimento de comidas onde poderão refrear todo o seu justificado apetite pelo esforço destas 2 horas de marcha.

II. Encaminham-se, como sempre, para a Casa Simões, ali mesmo ao lado da Igreja de Mansoa. 

O Simões havia também cumprido o seu serviço militar na PM (Polícia MIlitar). em Bissau, e resolveu continuar na Guiné, abrindo em Mansoa um pequeno restaurante, sobretudo para apoio à comunidade militar desta zona. Por aqui, ele estava na boca de quase todos. Os que vinham da periferia não hesitavam em fazer uma visita ao restaurante. Assim aconteceu com estes militares do aquartelamento de Infandre. Era como que reviver, por instantes, sabores e momentos da saudosa Metrópole.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Igreja > Aqui estiveram as urnas dos militares mortos na emboscada de 12 de outubro de1970 , para as devidas honras e formalidades


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Casa Simões > Na esplanada do restaurante almoçam os fur mil César Dias e Caetano


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  O fur mil César Dias (à direita) e o 1º cabo Brogueira


IV. Reconfortados, estes militares lá voltaram ao espaço do reabastecimento. A operação de carga conclui-se. 

Eram cerca de 11 e meia. Ia começar a viagem de regresso a Infandre. Alguns civis, como de costume, acomodam-se nas viaturas, com as suas compras. A velocidade ronda os 50 - 60 km/h. 

Por volta das 11,45h a coluna está à vista do aquartelamento de Braia. Resolvem parar para um cumprimento rápido aos seus vizinhos e camaradas amigos e tomarem uma bebida. Deixam as viaturas sobre a direita da picada e vão até ao interior do fortim. A visita é rápida, não mais que 10 minutos.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia > O fortim do destacamento


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia  > Efectivos do destacamemto > Parte do 3.º Pelotão da CCAÇ 2589 ("Os Peras") mais quatro elementos do Pel Caç Nat 58 (um deles é o fur A Silva Gomes). Os restantes elementos destes dois Pelotões, juntamente com um Grupo de Milícia, constituiam o efectivo.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia > 
Interior do aquartelamento (Messe). O fur mil António Silva Gomes, de perfil, a ler um jornal ou revista.


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >  Braia  > Em posição de continência,  o fur A Silva Gomes,  do Pel Caç Nat 58


V. É agora quase meio-dia. Vão retomar o caminho rumo a Infandre. Faltam apenas pouco mais que 4 Km.

Decorrem cerca de 5 minutos, após a partida. Os militares de Braia ouvem um intenso tiroteio para o lado do caminho que a coluna de Infandre seguia. Pressentiram, de imediato, que estava a ser atacada. A sua reacção foi instantânea. As duas viaturas do fortim, puseram-se estrada fora, a toda a velocidade. 

A estrada descreve uma curva à direita. Há um fardo de palha (talvez colmo) na estrada. Contornam-no. Cerca de trezentos metros depois da curva avistam-se as duas viaturas do aquartelamento de Infandre. Estão paradas na estrada. Em cima delas, nativos de armas apontadas ripostam à progressão dos homens de Braia. 

Estes saltam das viaturas e começam a progressão de forma mais cautelosa, pelas bermas da picada, junto ao capim. O furriel António Silva Gomes refere que teve necessidade de reposicionar-se para não ser atingido. Alguém lhe estava a chamar a atenção para isso. A nossa reacção foi determinada e eficaz. Os elementos do PAIGC começam a evadir-se no mato. 

Os militares socorristas aproximam-se. Junto às duas viaturas o ambiente é desolador, dramático... Militares mortos e feridos, no chão, em redor das duas viaturas. Os feridos em estado desesperado. Começam a ouvir-se o estrondo das granadas dos obuses de Mansoa que caíam para o lado da fuga do inimigo. Alguém já tinha dado o alerta. Procura-se o socorro possível aos feridos e estabelece-se a comunicação para as necessárias evacuações. 

O cenário é dantesco e de profunda emoção e tristeza. Um pelotão inteiro está ali, naquele pequeno espaço, completamente abatido. Os olhos humedecidos são de tristeza e de raiva. O inimigo tinha atingido os seus desígnios de forma cruel e bárbara. Diz o furriel António Silva Gomes: 

− Deparámos depois que a cerca de 50 metros, para o lado contrário da emboscada, junto a um bagabaga, aí se haviam escondido cinco dos nossos militares, sobreviventes sem ferimentos, que de forma instantânea e algo feliz conseguiram evadir-se através do alto capim, para o outro lado da picada.

Entretanto chegavam também, em socorro, militares de Infandre. Estes demoraram mais porque tiveram que fazer a deslocação a pé (as duas únicas viaturas existentes eram as que tinham sido emboscadas).

VI. Introduzo aqui um parêntesis para referir que tive, entretanto, conhecimento que o 1.º cabo enfermeiro António Oliveira, do Hospital Militar 241 de Bissau, chegou exactamente ao local da emboscada, por volta das 12,30h. 

Ele era um dos elementos que integrava a equipa do helicóptero que procedeu à evacuação dos feridos de maior gravidade.

Por ironia do destino, o Oliveira também é da Mealhada e morava a pouco mais de 2 km do José da Cruz Mamede. Este tinha estado a gozar férias em Bissau onde, conforme combinação prévia, deveria ter visitado o António Oliveira, no Hospital Militar. Por qualquer circunstância,  o José não esteve com ele e voltou a Infandre uns dias antes da fatídica emboscada.

O António Oliveira reconheceu, no capim, o seu amigo.  Estava do lado esquerdo (conforme a orientação das viaturas), a cerca de 10/15 metros da berma da estrada. Já estava sem vida. À minha observação para a distância a que se situava em relação ao local exacto da emboscada, disse-me que, provavelmente, ainda se terá arrastado naquele espaço, enquanto as forças lho permitiram.

Quanto ao Serifo Djaló, que morreu em Bissau, cinco dias depois, e o Natcha que morreu em 20 de novembro, confirma que se tratavam de elementos apanhados nesta emboscada e que haviam sido evacuados para Bissau.

Dada a quantidade de feridos, deram instruções imediatas para que de Bissau, partissem 2 ambulâncias, por estrada. Os 3 ou 4 feridos de maior gravidade, foram, de imediato, evacuados de helicóptero.

Refere que, antes de procederem à descida, no local, um T6 procedeu a bombardeamentos no enfiamento de Morés e Canquebo.

O António Oliveira não põe de lado a hipótese da coluna ter parado entre o fortim de Braia e a zona da emboscada, para dar boleia a alguém da população. Continua, por isso, a haver alguma dúvida se terão parado, para esse efeito. 

A paragem poderia ser tácita com os elementos do PAIGC. Por ora, é ainda uma questão difícil de investigar ou concluir. Sobre esta questão, o ex-furriel António Silva Gomes (um dos socorristas de Braia) afirma de forma quase peremptória que não houve qualquer paragem, dado que entre a saída de Braia e o momento da emboscada, apenas decorreu um intervalo de cinco minutos.

Quem sabe se algum daqueles 5 militares que estavam ilesos, atrás de um bagabaga, poderiam ajudar a esclarecer o assunto.

O problema é que ainda não se descobriu os seus nomes. Supõe-se que um deles terá sido o 1.º cabo Costa (Laureano Augusto Costa ?) que esteve emigrado em França e que acaba de regressar à sua terra, em Mirandela. O seu depoimento seria de grande interesse, mas não foi ainda possível contactá-lo.

VII. Segundo o António Oliveira, quem esteve também no local, nesse momento ou no dia seguinte, foi o Marcelino da Mata. 

O seu testemunho também poderia ajudar na pormenorização de uma ou outra questão sobre as quais pareça subsistir ainda alguma dúvida ou menor clarificação, como, por exemplo, esta: o ex-furriel César Dias diz que só no dia seguinte (13 de outubro) foram evacuados, de Mansoa, 6 elementos do Pel Caç Nat 58. 

O cabo enf António Oliveira diz que, de imediato (12 de outubro), foram chamadas ambulâncias, de Bissau, para procederem à evacuação de todos os feridos que o transporte de helicóptero não pôde contemplar.

Falta saber, quanto ao atado de palha, deixado na estrada (logo após a curva, pouco mais de 1 km à frente de Braia), se foi ou não aí colocado pelo IN e, em caso afirmativo, se o terá feito antes ou depois da passagem da coluna emboscada.

Os taipais das viaturas encontravam-se muito esburacados por força das rajadas, feitas quase à queima-roupa, já que a emboscada foi executada por elementos do PAIGC, camuflados no alto capim (lado N), a escassos 2 metros da borda da picada. Os nossos militares estimaram que seriam cerca de 100 guerrilheiros, com um relevante potencial de armamento.

O furriel Dinis César de Castro foi capturado, tendo-lhe sido exigido que tirasse a farda. Recusou-se, com grande determinação e enorme sentido de patriotismo. Foi cruelmente rasgado, de lado a lado, com rajada de metralhadora. 

Este incomensurável gesto de patriotismo haveria de ser reconhecido pelo Estado português, quando, na cerimónia do 10 de Junho de 1971, Dinis César de Castro foi condecorado, a título póstumo, com a Cruz de Guerra.

VIII. Introduzo aqui um testemunho, recente, de alguém que, na altura, seguiu e viveu este acontecimento:


"12-10-1970 é uma data que recordo com tristeza. Como muitas outras, era mais uma coluna a passar naquele itinerário, (Braia-Infandre), mas daquela vez havia à volta duma centena de guerrilheiros emboscados com morteiros, lança-granadas-foguete e armas automáticas. Chegaram mesmo a lutar corpo a corpo. 

"Sofremos 10 mortos (entre os quais, do Pel Caç Nat 58, o 1.º cabo José Mamede, o 1.º cabo Joaquim Baná e os soldados Cumba, Seidi, Mundi, e Baldée da CCAÇ 2589 o meu amigo Furriel Mil de Op Esp Dinis Castro, e os soldados Joaquim M Silva, Joaquim J Silva, Duarte Gualdino, a quem presto sentida homenagem), 9 feridos graves, 8 feridos ligeiros e um soldado capturado. 

"Recorri aos documentos que guardo com muito carinho, e mais uma vez fiquei emocionado" (Furriel mil César Dias – CCS / BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)


IX. Em 20 de Novembro de 1970, o furriel Carlos Fortunato, da CCAÇ 13, que se dirigia para Bissau para participar na Operação Mar Verde, passou no local da emboscada e viu, espetada num tronco, uma granada de RPG-7, que não tinha explodido. Estimava em cerca de 3 Km a distância até Braia. E, de facto, esse cálculo não estava muito longe da realidade.

Mais duas informações, entretanto recolhidas:

- Às 18,35h do próprio dia 12 de outubro de 1970, o IN flagelou Mansoa, com canhão sem recuo, a partir de Cussanja (junto ao Rio Geba) - 4,4 Km a SE de Mansoa, no entroncamento da estrada Mansoa-Cussaná-Cussanja com a estrada de Jugudul-Porto Gole. Cussanja, pela sua situação, junto à margem do Rio Geba, o IN tinha-a como um ponto privilegiado para flagelações de Mansoa. 

Tudo indica que esta flagelação terá surgido como retaliação aos bombardeamentos aéreos feitos pelas nossas tropas, logo a seguir à emboscada e teriam como objectivo surpreender os efectivos de Mansoa que estavam preocupados com a recolha dos mortos e feridos e com todas as acções inerentes ao desfecho da emboscada. Cussanja ficava precisamente do lado oposto de Braia/Infandre, a NW de Mansoa.

As pesquisas levam-nos, por vezes, a resultados surpreendentes, como é este caso que me acaba de ser relatado pelo 1.º Cabo Luís Camões, à altura, em Mansoa: 

O condutor de uma das duas viaturas emboscadas, quase dado como desaparecido, surgiu, à noite, em Mansoa (com a sua G3), depois de ter percorrido, pela mata, cerca de 9 km, previsivelmente em puro sofrimento (*). Falta averiguar o seu nome e se ainda permanece entre nós para, neste caso, procurar obter o seu testemunho e o porquê deste seu arriscado procedimento. (Pertencia à CCaç 2589 e estava adstrito ao Pel Caç Nat 58, em Infandre.)

X. O trajeto e os momentos do fatídico dia 12 de outubro de 1970

Momentos:
  • 7:00  >  Saída de Infandre
  • 9:00 >  Chegada a Mansoa
  • 9:30 - 10:00 >  Alguns dos elementos da coluna fazem a habitual visita à Casa Simões 
  • 10:00 - 11:30 >  Carregamento do reabastecimento
  • 11:50 >  Chegada a Braia
  • 11: 45 - 11:55 > Paragem em Braia
  • 12:00 >  Emboscada
  • 12: 04 >  Ajuda de Braia (chegada a 300 m do local da emboscada)
  • 12: 10 > Termo dos confrontos – evasão dos guerrilheiros do PAIGC

Distâncias:
  • Braia ao local da emboscada: 2,26 Km (0,8 Km na parte recta)
  • Braia a Infandre: 4,69 Km
  • Local da emboscada a Infandre: 2,43 Km
  • Infandre – Mansoa: 9,56 Km
  • Infandre – Namedão: 8 Km

Guiné > Região do Oio > Mansoa (1954) > Carta de 1/50 mil >  Trajeto Infandre - Braia - Mansoa, em 12 de outubro de 1970


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Estrada Mansoa - Braia -Infandre > 
Reta de 800 metros, entre a estrada da emboscada e a entrada do aquartelamento de Infandre


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > 
Local: a cerca de 500 metros do cruzamento para Infandre. Deslocação de uma das viaturas de Infandre, para apanhar lenha precisamente junto à estrada, a cerca de 1500 metros, onde, mais tarde, havia de acontecer a emboscada


Guiné-Bissau > Região do Oio > Mansoa > s/d > Estrada Mansoa-Bissorã, algures, após o antigo fortim de Braia


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) > Uma 
 coluna da CCAÇ 13 acaba de atravessar a bolanha e o rio Braia e aproxima-se do aquartelamento de Braia


Guiné > Região do Oio > Mansoa > BCAÇ 2885 (1969/71) >
Uma coluna da CCAÇ 13 após atravessar a bolanha, junto ao Rio Braia


XI. Mortos e feridos

A trágica ocorrência redundou em 10 mortos, 9 feridos, 8 feridos ligeiros e um soldado capturado. (6 mortos e 6 feridos eram do Pel Caç Nat 58 e os restantes da CCAÇ 2589 e população) . 

Dois dos feridos do Pel Caç Nat 58  vieram depois a falecer em Bissau, o que elevou o número de mortos, do Pel Caç Nat 58, para oito.

Listagem de mortos do Pel Caç Nat 58 e da CCAÇ 2589

As listas dos combatentes falecidos no Ultramar, que podem ser consultas no site da APAV, ou da Liga dos Combatentes, nem sempre são rigorosas, neste caso omitiram o falecimento do sold Joaquim Manuel da Silva da CCAÇ 2589 (12/10/1970).

Lista dos mortos do Pel Caç Nat 58
  • Bomboro Joaquim - 21-08-1969
  • Joaquim da Silva Magalhães, 1.º Cabo - 30-08-1969
  • José da Cruz Mamede, 1.º Cabo - 12-10-1970
  • Joaquim Banam, 1.º Cabo - 12-10-1970
  • Idrissa Seidi, Sold - 12-10-1970
  • Tangina Mute, Sold - 12-10-1970
  • Betaquete Cumbá, Sold - 12-10-1970
  • Gilberto Mamadú Baldé, Sold - 12-10-1970
  • Serifo Djaló, Sold - 17-10-1970
  • Natcha Quefique, Sold - 20-11-1970

Lista dos mortos da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885
  • José Luciano Veríssimo Franco - 29-05-1969
  • António José Penhasco da Costa - 09-11-1969
  • Joaquim Moreira Marques - 09-11-1969
  • Dinis César de Castro, fur mil - 12-10-1970
  • Duarte Ribeiro Gualdino, sold - 12-10-1970
  • Joaquim João da Silva, sold - 12-10-1970
Em 20-11-1970, o fur mil Henrique Martins de Brito, do Pel Caç Nat 58, foi evacuado para a Metrópole.

Feridos do Pel Caç Nat 58 evacuados de Mansoa, para o HM241 de Bissau, no dia seguinte ao da emboscada:
  • Augusto Ali Jaló – 2.º sarg mil
  • Jamba Seidi – 1.º cabo
  • Malam Dabó – Sold
  • Serifo Djaló – Sold (viria a falecer 4 dias depois – 17-10-1970)
  • Jorge Cantibar – Sold
  • Samba Canté – Sold

XII. Notas e esclarecimentos adicionais:

(i) Justificação do espaço de 5 minutos entre a saída da coluna de Braia e o momento da emboscada:
  • Saída do fortim, chegada às viaturas e pô-las em movimento: 2 minutos;
  • Percurso de 2,26 Km (à velocidade provável de 50 km/h): 2,71 minutos (total: +/- 5 minutos).
Tem este cálculo o objectivo de comprovar (e confirmar testemunhos) de que neste espaço de 2,26 km a coluna não fez qualquer paragem e que o molho de palha encontrado na estrada, pelos militares de Braia, terá, eventual e estrategicamente, ali sido colocado por algum dos guerrilheiros do PAIGC, logo após a passagem da coluna, talvez com o objectivo de confundir ou surpreender os homens de Braia ou moderar a passagem das suas viaturas.

(ii) O José da Cruz Mamede (n.º 17762169), desembarcou em Bissau em 21/11/69. Veio, em rendição individual, para substituir o 1.º cabo Joaquim da Silva Magalhães (n.º 01779368), falecido em combate (Pel Caç Nat  58) em 30/8/69. O Manuel João Mimoso Belo (Sacavém) foi posteriormente para Infandre, para substituir o José da Cruz Mamede.

(iii) O Pel Caç Nat 58 chegou a Infandre a 16/11/69, para substituir o Pel Caç Nat 62, que foi extinto.

Durante a permanência em Infandre, o Pel Caç Nat 58 sofreu 16 confrontos, entre flagelações e emboscadas.

Era comandante do Pel Caç Nat 58 o alferes Eduardo Ribeiro Manuel Cardoso Guerra que não esteve envolvido neste acontecimento, visto não ter feito parte da coluna de reabastecimento. Consta-se que, posteriormente, foi evacuado para a Metrópole, não se sabe se por doença ou por ferimentos em combate.

(iv) À data da emboscada, era esta a distribuição dos efectivos militares, nestes 2 destacamentos:
  • Infandre: 2 Sec do Pel Caç Nat 58 + 1 Sec de um 1 Gr Comb da CCAÇ 2589 + Grupo de Milícia;
  • Braia: 2 Sec de um Pel da CCAÇ 2589 + 1 Sec do Pel Caç Nat 58.
(v) O Henrique Martins de Brito, furriel, mais tarde (20/11/70), viria a ser evacuado para a Metrópole, não se sabe se em consequência de ferimentos, nesta emboscada.

(vi) Em Mansoa estava sediado o BCAÇ 2885 (RI 15 – Tomar – Maio de 1969 a Fevereiro de 1971). Rendição do BCAÇ 2885 pelo BCAÇ 3832 (RI 2 – Abrantes - Janeiro de 1971 a Janeiro de 1973.
 
(vii) Testemunho que  obtive, em 2007,  de um dos feridos na emboscada :

O Augusto Ali Jaló,  então 2.º sargento, era o comandante desta coluna de reabastecimento. Localizei-o na zona de Lisboa. Tive com ele uma agradável conversação, no sentido de tentar obter a clarificação de algumas destas questões. Nesta coluna, o Augusto seguia na viatura da frente, a mesma onde também seguia o José Mamede. Ao eclodir da emboscada, saltou da viatura. Não foi atingido mas sofreu um severo trautamatismo craneano e uma grave contusão no joelho esquerdo. O helicóptero que se apresentou no local, 20 minutos depois da emboscada, levou o Jaló para Bissau, juntamente com outros 3 dos feridos mais graves. Esteve 3 meses, com gesso, no Hospital de Bissau.

Quanto à sua condecoração, confirma-se. Na cerimónia do 10 de junho de 1970, em Bissau, foi condecorado com a medalha de cobre de Serviços Distintos com Palma. Em Agosto, seguinte, foi promovido a 2.º Sargento.

Outras clarificações:

O furriel Henrique Martins de Brito, evacuado para a Metrópole 8 dias depois da emboscada, não participou nesta coluna de reabastecimento. A sua evacuação terá derivado de doença.

O molho de palha (molho de "fundo", segundo o Jaló) que estava na estrada, após a curva, foi deixado por algum elemento da população, logo após ouvir a 1.ª detonação da emboscada. Não se tratou, por isso, de qualquer estratagema do PAIGC. Quando a coluna passou não estava lá.

Confirma o Augusto Jaló que não pararam para dar qualquer boleia o que, de todo, dissipa algumas dúvidas que ainda existiam sobre esta questão.

E revela ainda: na zona da emboscada, os guerrilheiros haviam colocado uma mina antcarro mas, à vista da coluna e à sua aproximação ao sítio da mina, os guerrilheiros anteciparam-se com uma roquetada. O condutor da 1.ª viatura (onde ia o Jaló), desviou-se ligeiramente para a direita e, por felicidade, contornou a mina, não a accionando. De contrário a tragédia teria sido ainda maior. 

O José Mamede ia do lado direito dessa 1.ª viatura (lado da emboscada e lado do Morés). Foi atingido e ainda encetou um movimento de refúgio para o lado esquerdo. Morreu a cerca de 15 metros da estrada. Foi aí que o seu conterrâneo e amigo António Oliveira (1.º cabo enf do HM241 de Bissau) o encontrou, após a descida do helicóptero que veio proceder à evacuação dos feridos de maior gravidade, entre eles o Jaló.

Confirma também o Augusto que uma secção do Pel Caç Nat  58 fez a picagem entre Infandre e Mansoa e que alguns dos elementos da coluna estiveram a comer na Casa do Simões e na Tasca da Emília de Sá. (Em 2007, o Simões era o gerente e proprietário de “O Painel – Restaurante Simões, Lda”, próximo da Curia.)

O Jaló, como responsável da coluna, não pôde deslocar-se a estes estabelecimentos, de visita costumada, por estar envolvido na orientação do reabastecimento.

Sobre os 5 militares que se protegeram atrás de um bagabaga, não sabe dizer quem eram, dado que estava muito ferido e foi, de seguida, evacuado para Bissau. O mesmo e pelas mesmas circunstâncias, quanto ao condutor que, à noite, apareceu em Mansoa, apenas acompanhado da sua G3.

Os militares mortos foram levados para Mansoa, onde estiveram na igreja local, para as habituais formalidades.

Outros testemunhos poderão, ainda, vir a ser obtidos, no sentido de chegar a um registo factual, tão exaustivo quanto possível, sobre este trágico acontecimento.


XIII. Agradecimentos

A todos os que, de alguma forma, contribuíram com as suas informações ou testemunhos, para que se pudesse encontrar a clarificação possível sobre esta trágica ocorrência.

Entre esses, permito-me destacar:
  • César Dias (fur mil sapador, CCS BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71):procedeu a um armadilhamento na zona Braia-Infandre (por estas alturas);
  • António Silva Gomes (fur mil, Pel Caç Nat 58,  Braia, 1970);
  • “Kimbas do Olossato” (onde coloquei esta 1.ª mensagem, em setembro de 2005, questionando se alguém poderia informar onde estaria sediado o Pel Caç Nat 58, em Outubro de 1970); página descontimuada: capturada pelo Arquivo.pt:  https://arquivo.pt/wayback/20140926210228/http://kimbas.no.sapo.pt/ ;
  • Benjamim Durães (fur mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72); foi crucial para o seguimento da pesquisa; foi ele que, após ter visto a minha mensagem (de 2005) no sítio Kimbas do Olossato, se me dirigiu, em 18/3/2007, para me fornecer o guião do Pel Caç Nat 58;
  • Manuel João Mimoso Belo (1.º Cabo, Pel Caç Nat 58, Infandre, 1970);
  • Dinis Pinto Silva (1.º cabo, Pel Caç Nat 58, Infandre, 1970; depois da comissão: professor em Infandre);
  • Manuel Simões (Restaurante Simões dos Leitões – Tamengos (junto à Curia, Anadia), telefone 231202031);
  • Carlos Fortunato (Fur mil, CCAÇ 13, Bissorã, 1969/71); criador do sítio  da CCAÇ 13: https://arquivo.pt/wayback/20140926233410/http://leoesnegros.com.sapo.pt/ ). Na página da CCAÇ 13, Leões Negros, existe uma subpágina dedicada a este tema, com o título Pel Caç Nat 58;
  •  Luís Graça (editor do maior Blog sobre a Guerra na Guiné: Luís Graça & Camaradas da Guiné;
  • Paulo Raposo (alf mil, CCAÇ 2405/BCAÇ 2852, Mansoa e Dulombi, 1968/70);
  • Joaquim Mexia Alves (alf mil, CART 3492,  Pel Caç Nat 52 e  CCAÇ 15, 1971/73);
  • Jorge Cabral;
  • Augusto Ali Jaló;
  • Eduardo Ribeiro (fur mil op esp / ranger, CCS/BCAÇ 4612; mais conhecido por Pira de Mansoa);
  • Artur Conceição;
  • Paulo Reis (Inglaterra) pcv_reis@yahoo.co.uk – jornalista em missão de pesquisa nos arquivos do CTIG);
  • Aniceto Henrique Afonso (na altura, ten cor, Director do Arquivo Histórico Militar (Exército), ahm@exercito.pt ;
  • António Oliveira (1.º Cabo Enfermeiro,  HM241 de Bissau); fez parte da equipa heli-transportada que procedeu à evacuação de alguns dos feridos, a partir do local da emboscada;
  • Lucília da Cruz Mamede (irmã do falecido José da Cruz Mamede), Mealhada.
Nenhuma pesquisa deste género poderá dar-se por finalizada enquanto subsistirem dúvidas, omissões, imprecisões ou desencontro de informações.

Pese embora toda a boa vontade, interesse e persuasão, como esforço investigativo, a exactidão, pela exaustão e cruzamento dos relatos, o fundamento dos conceitos ou a isenção, são factores determinantes que conduzem à autêntica realidade. Enquanto não se atingir esse patamar, teremos sempre e apenas relatos próximos ou tendentes a essa certeza, por onde, eventualmente, perpassam ainda algumas interrogações.

Vem a propósito referir que o Carlos Fortunato contava voltar a Infandre (provavelmente ainda no ano de 2007) e propunha-se encontrar alguém que tivesse estado envolvido nesta sinistra emboscada, que vitimou, praticamente, um pelotão. Não sabemos se o conseguiu fazer  esse papel de repórter, quase quarenta anos depois de haver calcado aquelas paragens, envergando a farda do exército português. Era sua intenção ir à procura de outros eventuais pormenores, testemunhos e justificações e trazer mais algumas imagens da realidade presente destas terras de Mansoa.

Fotos cedidas por gentileza de:
  • António Silva Gomes (Lisboa), ex-fur mil Pel Caç Nat 58;
  • Joaquim Carlos Fortunato (Lisboa), ex-fur mil, CCAÇ 13;
  • César V. Dias (Santiago do Cacém), ex-fur mil, CSS/BCAÇ 2885 (Mansoa);
  • Lucília Cruz Mamede  (Casal Comba – Mealhada), irmã do falecido José da Cruz Mamede
Com o meu especial agradecimento.

Fotos (e legendas) : © António S. Gomes, J.Carlos Fortunato, César Dias e Lucília Cruz Mamede, Afonso Sousa (2007). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 

(Revisão / fxação de texto, reedição das fotos: CV/LG)
______________

Notas de CV / LG:

(*) Vd. postes de 3 de Abril de 2007:


(**) Vd. poste de 7 de outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2162: O fatídico dia 12 de Outubro de 1970 - Emboscada no itinerário Braia/Infandre (Afonso M. F. Sousa)

Vd. também poste de 3 de maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2807: Estórias de Jorge Picado (1): A emboscada do Infandre vivida pelo CMDT da CCAÇ 2589 (Jorge Picado)