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sexta-feira, 14 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24221: S(C)em Comentários (9): Atravessando uma bolanha em... Angola: artigo publicado "Jornal de Angola", de 2/4/2023, ilustrado com foto (pirateada...) do Humberto Reis, tirada no subsetor do Xitole, na margem direita do rio Corubal, no decurso da Op Navalha Polida (2-3 de janeiro de 1970)



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1  (Bambadinca) > Subsector do Xitole > 2/3 janeiro de 1970 > Forças da CCAÇ 12 (na foto, o 2.º Grupo de Combate, dos furriéis milicianos Humberto Reis e Tony Levezinho). O Humberto vem atrás dos homens da bazuca e do lança-rockets (igual à dos páras). E, mais atrás, os 1.ºs cabos (metropolitanos) Alves e Branco. 

Não apareço na foto mas participei na Op Navalha Polida, em 2 e 3 de janeiro de 1970,  integrado desta vez no 4.º Gr Combate. Como me dizia amavelmente o meu capitão Brito - era um gentleman! - , eu era o peão das nicas, o tapa-buracas, o suplente, o que substituía os camaradas furriéis doentes, convalescentes, desenfiados ou em férias... Não sei por que carga de água é que os psicotécnicos me disseram que eu era bom para apontador de armas pesadas de infantaria. Como a CCAÇ 12 era uma companhia de intervenção, não tendo armas pesadas, eu tornei-me um polivalente, um pau para toda a obra... (LG)

Foto da autoria de Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). Tem sido imensa e despudoradamente  "pirateada" por aí, nas redes sociais, em livros, etc., sem referência ao autor e ao nosso blogue.

Foto:  © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Fernando de Sousa Ribeiro (que integra a nossa Tabanca Grande desde 11/11/2018; foi alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880, Angola, 1972 / 74; tem 27 referências no nosso blogue): 

Data - 9 abr 2023 17:45
Assunto - Atravessando uma bolanha em... Angola
 
Boa tarde, Luis

Espero que tenhas tido uma boa Páscoa, apesar da morte recente da tua cunhada, que muito lamento.

Há um blog de um jornalista angolano, que por sinal é bastante tendencioso. O jornalista chama-se Luciano Canhanga, usa o pseudónimo Soberano Kanyanga, e o seu blog chama-se "Mesu Majikuka", que significa "Olhos Abertos" em quimbundo. 

Eu visito ocasionalmente o blog dele e, na última espreitadela que fiz, dei de caras com a fotografia do teu grupo de combate atravessando uma bolanha, como se a fotografia tivesse sido feita no Cuando Cubango no tempo da guerra civil angolana!

Aparentemente, a fotografia foi publicada no Jornal de Angola para ilustrar uma crónica do dito jornalista. A crónica também tem muito que se lhe diga, mas não é isso que agora me ocupa. O que me ocupa é o recorte do jornal, que pode ser visto no seguinte post:

http://mesumajikuka.blogspot.com/2023/04/kwitu-kwanavale-e-o-meu-representante.html




Folha de rosto do blogue Mesu Majikuka, e do poste de sábado, abril 08, 2023 > Kwitu Kwanavale e o meu representante. A foto que aqui se reproduz (e que é por sua vez de um artigo publicado pelo autor no "Jornal de Angola", em 2 de abril de 2023) foi tirada na Guiné, em 2 ou 3 de janeiro de 1970: retrata a atravessia de uma lala ou bolanha, de forças da CCAÇ 12, a caminho da península de Galo Corubal - Satecuta, na margem direita do Rio Corubal (Op Navalha Polida). Os créditos fotográficos são de atribuir a Humberto Reis e ao blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2006).

Aposto que não deste consentimento para a publicação da fotografia num jornal diário em Angola.

A sua publicação em Angola engana facilmente os incautos, pois, por um lado, o Cuando Cubango tem vastíssimas áreas alagadiças e, por outro, os uniformes camuflados usados pelas Forças Armadas Angolanas eram (ainda serão?) iguaizinhos aos que nós próprios usávamos. As FAA devem tê-los encomendado às OGFE em Portugal.

Quanto à fotografia propriamente dita, apetecia-me tecer algumas considerações, pois não gosto de alguns aspetos que vejo nela, mas isso agora não vem ao caso. Limito-me a dizer-te que me parece que ela documenta o que não se devia fazer numa situação como aquela.

Desculpa a minha sinceridade e aceita os meus votos de continuação de Boa Páscoa

Fernando de Sousa Ribeiro

2. Comentário de LG:

Obrigado, Fernando, pelo teu cuidado. Já regressei ao Sul, depois de quatro semanas no Norte a que uma parte de mim também pertence. (Aliás, basta ver o blogue A Nossa Quinta de Candoz, de que sou um dos editores.)

Quanto ao uso (e abuso) da tal foto pelo "Jornal de Angola"... Devo começar por esclarecer que: 

(i) a foto não é minha, é do meu amigo, camarada  e vizinho (de Alfragide) Humberto Reis, colaborador permanente do nosso blogue, ex-fur mil op esp, 2.º Gr Comb /  CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71);  

(ii) eu, ex-fur mil arm pes inf, nunca tive pelotão distribuído, mas ao longo da comissáo andei mais com o 4.º Gr Comb e foi com eles que apanhei mais porrada;

(iii) concordo contigo: a malta do 2.º pelotão "fica mal na fotografia", ao atravessar aquela lala ou bolanha, no subsetor do Xitole, no decurso da Op Navalha Polida (2 e 3 de janeiro de 1970): serve para se mostrar o que não se deve fazer, num situação de guerra, uma morteirada em cima da malta e ia tudo ao charco...

Mas adiante: fizeste bem alertar-nos para mais um uso indevido desta foto... Não é o primeiro nem será o último. A foto da autoria de Humberto Reis, tem sido imensa e despudoradamente  "pirateada" por aí, nas redes sociais, em livros, em jornais, etc., sem referência ao autor e ao nosso blogue. 

Pessoalmente, não sei o que fazer mais para além de, mais uma vez, lembrar uma das dez regras básicas do nosso blogue, o respeito pela propriedade intelectual e pelos direitos de autor... É nossa preocupação habitual, na edição dos postes, de fazer a devida atribuição dos créditos fotográficos....

Procuramos cumprir e fazer cumprir o princípio da defesa (e garantia) da propriedade intelectual dos conteúdos aqui inseridos (texto, imagem, vídeo, áudio...). Gostamos de partilhar os nossos conteúdos, mas dentro da mais elementar das regras: qualquer outra utilização desses conteúdos, fora do propósito do blogue (ou da nossa página no Facebook), necessita de autorização prévia dos autores e dos editores (por ex., publicação em livro, jornal ou revista,  programa de televisão),,,

S(c)em (mais) comentários (*)...
___________

sábado, 23 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23190: 18.º aniversário do nosso blogue (1): Entrevista a Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, dada a Verónica Ferreira, doutoranda ("Memórias Virtuais. Representações digitais da guerra colonial", Projeto CROME, Centro de Estudos Sociais, Universidade de Coimbra)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > 
Sector L1  (Bambadicna) > Subsector do Xitole > 2/3 janeiro de 1970 > 

Forças da CCAÇ 12 (na foto, o 2.º Grupo de Combate, dos furriéis milicianos Humberto Reis e Tony Levezinho) atravessando uma bolanha, a caminho da península de Galo Corubal -Satecuta, na margem direita do Rio Corubal. O Humberto vem atrás dos homens da bazuca e do lança-rockets (igual à dos páras). E, mais atrás, os 1ºs cabos (metropolitanos) Alves e Branco. 

Não aparecço na foto mas participei na Op Navalha Polida, em 2 e 3 de janeiro de 1970,  integrado desta vez no 4.º Gr Combate. Como me dizia amavelmente o meu capitão Brito - era um gentleman! - , eu era o peão de nicas, o tapa-buracas, o suplente, o que substituía os camaradas furriéis doentes, convalescentes, desenfiados ou em férias... Não sei por que carga de água é que os psicotécnicos me disseram que eu era bom para apontador de armas pesadas de infantaria. Como a CCAÇ 12 era uma companhia de intervenção, não tendo armas pesadas, eu tornei-me um polivalente, um pau para toda a obra ... (LG)

Foto da autoria de Humberto Reis (ex-fur mil op esp, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71). Tem sido imensa e despudoradamente  "pirateada" por aí, nas redes sociais, em livros, etc. , sem referência ao autor e ao nosso blogue.

Foto:  © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Com a devida autorização do Cherno Baldé (entrevistado) e da doutoranda Verónica Ferreira (entrevistadora), divulgamos hoje, dia em que o nosso blogue faz 18 anos (a maioridade...) as interessantes e extensas respostas dadas pelo nosso colaborador permanente, que vive em Bissau,  às questões que lhe foram colocadas por escrito,  no âmbito do doutoramento da autora (que irá defender a sua tese em meados deste ano, na Universidade deCoimbra

Mensagem de ontem, 22 de abril de 2022, 16:51 :

Boa tarde, Professor Luís Graça,

No seguimento da nossa conversa, venho apenas confirmar a nossa autorização para a utilização da entrevista. Mais uma vez parabéns pelo aniversário do blogue e um abraço para os restantes membros!

Cordialmente,

Verónica Ferreira
PhD student | Junior Researcher

CROME - Crossed Memories, Politics of Silence.
The Colonial-Liberation Wars in Postcolonial Times
(European Research Council - ERC-2016-StG-715593)
Centro de Estudos Sociais - Universidade de Coimbra (CES)


Doutoramento >Verónica Ferreira >
 “Memórias Virtuais. Representações digitais da guerra colonial” 

 
Trabalho de campo. Entrevista a Cherno Baldé, colaborador permanente do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné 
(com a devida vénia...)



Cherno Baldé economista,
Bissau. Tem 260 referências
no blogue.

1. Conte um pouco da sua história pessoal.


R: Esta parte tu podes encontrar no Blogue de forma mais desenvolvida e com todos os detalhes que eu poderei completar caso vier a ser necessario.

Eu nasci em meados de 1959/60, na aldeia de Farimbali, arredores da vila de Fajonquito, no sector de Contuboel, região de Bafatá. 

Comecei a dar os primeiros passos e conhecer o mundo a minha volta na nova aldeia fundada pela familia que recebeu o nome de Luanda (mais tarde descobri que, havia em Bolama, cidade onde ele tinha prestado serviço como policia gentilica ao serviço da administraçao colonial, um bairro com esse nome), mas que todos chamavam de Sintchã Samagaia (Samba Gaia era o nome do patriarca a quem todas as crianças da familia chamavam de pai), porque a nossa comunidade ainda era muito conservadora e não aderira a ideia por ser estranha a nossa língua e aos usos e costumes tradicionais.

Em meados de 1963/64, começou o movimento de deslocação das populações das suas aldeias devido à guerra que se alastrava a partir do Sudoeste, dos regulados vizinhos de Oio, Caresse e Cola que foram completamente abandonados. Assim, a nossa familia foi obrigada a deslocar-se para uma aldeia perto da fronteira do Senegal.

Numa noite escura e de chuva fomos atacados e ouvimos tiros e rebentamentos, fugimos juntamente com a nossa avó materna, primeiro para uma aldeia do Senegal e depois para a vila de Cambaju onde trabalhava o meu pai como empregado comercial da casa Barbosa, um Luso-Caboverdiano.

Em 1967/68 o meu pai foi transferido para uma outra loja do mesmo comerciante em Fajonquito, mais para o interior e com ele veio toda a familia numa coluna militar de soldados metropolitanos.

Em 1970, comecei a frequentar oficialmente a escola portuguesa local e ao mesmo tempo que fazia incursoes frequentes ao aquartelamento dos soldados metropolitanos, onde acabei por fazer amizades e encontrar trabalho como faxina junto dos condutores a partir de 1972 e frequentar com certa assiduidade a oficina mecânica de reparação de viaturas onde alguns dos meus amigos trabalhavam como mecânicos-auto.

Com a independencia em 1974, a situação mudou drasticamente e, para acompanhar estas mudanças, tive que mudar a minha atitude em relação aos estudos, único meio que me permitiria acompanhar a evolução do mundo, encarando-os com atenção redobrada.

Em 1975, com mais ou menos 14/15 anos de idade, terminei a escola primária e com isso transferi-me para a cidade de Bafatá para a continuação dos estudos. No ano lectivo de 1979/80 terminei o curso geral dos Liceus de então e mudei-me para a Capital, Bissau onde funcionava o unico Liceu da época (Liceu Honório Barreto, rebaptizado Kuame N’krumah).

Em 1982 terminei o curso complementar dos Liceus (7º Ano) e depois fui recrutado, como se fazia na época, para dar aulas numa escola da região de Biombo (Quinhamel), onde trabalhei durante 3 anos.

Em 1985 (Setembro), viajei para a URSS na companhia de meia centena de jovens guineenses, para frequentar o curso de economia numa universidade de Kiev (Ucrânia) que terminei em 1990, tendo antes passado um ano na cidade de Kichinev (capital da Moldavia) para preparação e aprendizagem da língua Russa.

Com o regresso, ingressei novamente na função pública guineense, tendo feito algumas incursões em varios projectos e organizações internacionais.


2. Que tipo de contacto teve com os combatentes das Forças Armadas Portuguesas durante a guerra colonial (de libertação)?

R: Os meus primeiros contactos com soldados metropolitanos ocorreu em Cambaju, em meados de 1964/65 e consolidou-se em Fajonquito, tendo acabado por trabalhar como faxina em pequenas tarefas caseiras.

O inicio foi de terror pelo insólito de ver pessoas completamente diferentes, de ver pessoas com caras e olhos semelhantes às criaturas diabólicas que povoavam o nosso imaginário nascidos dos contos tradicionais africanos da época, onde os Irãs ou seres satánicos ( chamados em fula de Djinnés, do árabe Jinn) eram de cor branca e cabelos compridos.

Depois pouco a pouco, fomo-nos habituando e entrando dentro dos aquartelamentos onde viviam, para satisfazer as nossas curiosidades crescentes à medida que os conheciíamos e descobríamos o seu mundo e os seus hábitos alimentares, muito diferentes dos nossos, na época.


3.  Qual foi o motivo que o fez interessar-se e aderir à Tabanca Grande? E em que data pediu a adesão?


R: Devo ter entrado em meados de 2008/9 (as datas estão no Blogue), logo depois de descobrir o Blogue por acaso.

Num dia em que, talvez, não tinha muito que fazer, deu-me vontade de saber o que é que o Google sabia sobre Fajonquito, a minha aldeia. Foi um assombro, pois a pesquisa conduziu-me para um trabalho do José Marcelino Martins (um dos colaboradores permanentes do Blogue), sobre uma lista resumo das companhias que tinham passado por Fajonquito de 1964 a 1974 com datas, nomes dos comandantes entre outras informações.

De repente foi como o rebobinar de uma fita magnética com milhares de imagens, de acontecimentos e de momentos que se encontravam adormecidos na minha cabeça. Não conseguia dormir com tanta excitação e então resolvi escrever aos editores o meu percurso de infância e a experiência que tivera com as tropas metropolitanas entre os quais tinha feito amizades, mesmo que passageiras, e que ainda não tinha esquecido. Os Editores, todos ex-combatentes, acho que ficaram sensibilizados e me receberam de braços abertos, passando de simples e curioso seguidor para colaborador permanente, passados alguns anos.


4. Existem outros guineenses a contribuir para a Tabanca Grande?

R: Sim, conheço 2 ou 3 casos, o que é muito pouco pela importância que o Blogue pode ter para o nosso país do ponto vista histórico e da (re)construção dos laços de amizade e fraternidade entre os três paises (Guiné-Bissau, Cabo-Verde e Portugal).


5. Como é que o blog Luís Graça & Camaradas da Guiné evoluiu ao longo dos últimos anos e como se organiza, atualmente?

R: Questão que remeto para os Editores, especialmente para o Editor Chefe, Luis Graça.


6. Que tipo de contribuições faz para o blogue?

R: Eu encaro a minha contribuição como uma forma pedagógica de tentar corrigir as interpretações que muitas vezes os ex-combatentes fazem sobre a Guiné e suas gentes e que parecem-me enviesadas ou deturpadas por lembranças que já perderam objectividade e/ou realidades mal compreendidas na época.

Também, por incentivo, dos Editores tenho enviado alguns trabalhos sobre história da antiga provincia portuguesa da Guiné, pequenas narrativas sobre personalidades históricas e localidades antigas, a cultura dos diferentes grupos étnicos que conheço e diferentes temas de natureza etno-linguística.


7. Revê-se nas histórias e na forma como os ex-combatentes portugueses descrevem a Guiné e os Guineenses?

R: Nem sempre, dai a importância que eu atribuo à minha colaboração no Blogue, com a finalidade de atenuar os impactos negativos das interpretações erróneas que algumas pessoas trazem ao universo do Blogue e que, muitas vezes, não correspondem à realidade dos factos ou são deliberadamente deturpadas para gozar e divertir a malta, como costumam dizer.

Todavia, tenho evoluido positivamente e aprendido muito com os ensinamentos, relatos e experiências muito ricas dos antigos combatentes em geral e que não podia deixar de aferir e valorizar. No Blogue interessa-me tudo, até os aspectos banais que poderiam passar despercebidos e outros claramente menos positivos e que tendem para o menosprezo e a caricatura dos africanos em geral e guineenses em particular, tudo serve para apreender e compreender o outro, uma ferramenta que já trazia comigo desde os tempos em que frequentava os aquartelamentos onde já tinha cruzado com o comportamento excessivamente etnocêntrico dos soldados portugueses diante das nossas populações e culturas, provavelmente resultante da imposição e cultura colonial da época.


8. Existiram ou existem tensões e conflitos de opinião? Se sim, em que assuntos?

R: De uma forma geral, os intervenientes do Blogue sao ex-combatentes, muito maduros e diametralmente opostos aos jovens irrequietos e irreverentes (para não dizer insolentes) que eram quando pisaram solo guineense como soldados e por isso, temos tido discussões e troca de ideias de forma serena e amistosa, mas às vezes aparece um ou outro com ideias muito fixas e com atitudes e palavrões menos dignos e respeitosos quando os seus discursos são colocados ao crivo da crítica e do contraditório. E quando isso acontece, os Editores ou colaboradores, qual bombeiros diante do fogo posto, intervêm para acalmar os ânimos e tudo volta ao normal.


9. Qual a sua opinião sobre a guerra?

R: Eu nao fiz a guerra, fui vitima da mesma e, hoje, os ex-combatentes são unânimes em considerar que a guerra foi injusta e nunca poderia ser resolvida por via das armas, logo não deveria acontecer, mas aconteceu, sobretudo, devido a irreductividade das posições da parte a parte e, penso eu, porque o regime de Lisboa, por razões históricas e geo-estratégicas de interesses nacionais, quiça imperiais, não conseguia vislumbrar uma saída que não fosse a guerra para acabar com a insurreição armada, da mesma forma que já acontecera no passado, sem ter em devida conta os ventos da história e as mudanças de paradigma ocidental em relação à colonização à escala mundial.

Se dependesse da opinião dos chefes tradicionais fulas, não haveria guerra contra os portugueses nos anos 60/70 como pretendiam os nacionalistas originários das elites urbanas, e aqueles, com ou sem razão, eram de opinião de que a presença dos portugueses era necessária para consolidar os alicerces do território e seus fundamentos.

Constituido colónia apenas em finais do sec. XIX, ocupado e pacificado de facto no séc. XX, coexistiam, no território da Guiné, mais de 30 grupos étnicos de diferentes credos e modos de vida que muitas vezes não se entendiam entre si.


10. Essa opinião mudou ao longo dos anos? Se sim, de que forma? O blogue contribuiu para essa mudança?

R: Claro, na vida tudo muda no dia a dia, e cada vez estou mais convencido que a guerra só podia acabar com a desistência de uma das partes, como veio a acontecer com o 25 de Abril. As duas partes tinham objectivos irreconciliáveis, logo não podiam haver negociações a bom termo.

Com a desistência de Portugal, tudo ficou resolvido a contento dos nacionalistas que queriam ocupar o lugar dos colonizadores e usufruir das benesses daí inerentes em detrimento das populações em geral como já acontecia noutros paises africanos independentes.

O Blogue foi fundamental para poder fazer uma leitura mais abrangente do contexto, dos objectivos e meios postos á disposiçao na contenda e descartar algumas núvens e fumos artificiais que existiam na minha cabeça, fruto das diversas campanhas de propaganda de parte a parte e responder a algumas questões de que até à data desconhecia as motivações de fundo. O Blogue foi mais que uma enciclopedia para mim, nos últimos anos.


11. Como é que avalia a contribuição do blogue para a preservação da memória da guerra?

R: Positivamente, pois acho que, inclusive, o governo português já devia patrocinar ou ajudar a patrocinar a produção do Blogue de forma a valorizar e projectar o seu conteúdo de forma a que possa atingir patamares mais elevados e ganhar mais visibilidade no mundo em geral e na sociedade portuguesa em particular.

Os ex-combatentes, pelo que dizem, mostram ter uma consciência clara de que, se não fizerem nada para a preservação da memoóia da guerra, onde foram obrigados a combater, serão os bodes expiadores de todos os horrores que aconteceram e as suas histórias serão simplesmente colocadas debaixo do tapete, por outras palavras, do lixo da história como a pátria sempre fez para com as suas vitimas ao longo da sua existência como nação.

Em relação à Guiné não posso dizer nada porque ela ainda não está livre e, em consequência, não acordou para poder falar sem amarras da sua verdadeira história, talvez um dia.


12. Considera que a memória da guerra que os combatentes das Forças Armadas portuguesas constroem no blogue é incompatível com a memória dos combatentes da liberdade da pátria? Quais são as suas críticas aos textos do blogue?

R: Trata-se de visões diferentes sobre o mesmo objecto histórico. Há muita poeira ao ar e muitas coisas escondidas dos dois lados e que, talvez, nunca viremos a saber, seja por constituirem actos menos abonatórios e dignos do ponto de vista humanitário, seja porque os seus autores simplesmente não conseguem dar a voz, como faz o Blogue da Tabanca Grande, e transmitir às gerações vindouras os feitos e proezas que protagonizaram na sua juventude em condições das mais imprevisiveis e impensáveis.

Apesar dos estímulos e desafios lançados, não tem havido muita vontade de falar da guerra por parte dos combatentes do partido “libertador”. Mas, por outro lado, considero que as reacções menos favoráveis e mesmo agressivas dos ex-combatentes portugueses inibem a participação dos combatentes e guineenses em geral da narrativa da guerra no Blogue, pois existem irreductíveis que não querem ouvir o outro lado da barricada e preferem acantonar-se nas suas trincheiras num terreno e numa lingua que é mais dele que dos outros.


13. Quais são os seus elogios aos textos do blogue?

R: Tenho lido, no Blogue, textos maravilhosos e que me ajudaram a ser melhor e mais humano e sobretudo a compreender as razões porque combateram, alguns por convicção patriótica, outros por obrigação e ainda aqueles que, não o afirmando abertamente, mas que era uma forma de progredirem na vida, saindo das suas aldeias onde não acontecia nada, para as cidades, à procura de uma vida melhor.


14. Gostaria de acrescentar alguma história, informação ou reflexão?

R: Por agora não, mas existem diversos textos já produzidos no Blogue que, caso sejam de interesse para o vosso trabalho, sempre poderão ter à vossa disposição e utilizar dentro das regras impostas pela comunidade e Editores da TG.

[ Cópia do guião da entrevista  com as respostas escritas, disponibilizada pelo Cherno Baldé. Revisão / fixação de texto / negritos,  para efeitos de publicação  no blogue: LG]
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quarta-feira, 2 de março de 2011

Guiné 63/74 - P7888: A minha CCAÇ 12 (13): Janeiro de 1970 (1): assalto ao acampamento IN de Seco Braima e captura de Jomel Nanquitande (Luís Graça)


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca)  > Carta do Xime (1961) (1/50000) > Excerto: A posião relativa de parte dos subsectores de Mansambo e Xime, com destaque para a península de Galo Corubal - Satecuta - Seco Braima (ou Darsalame), na margem direita do Rio Corubal,  à direita da estrada Mansambo - Ponte do Rio Jagarajá - Ponte dos Fulas - Xitole... Da ponte do Rio Jagarajá até Satecuta, junto ao Rio Corubal não são mais do que 8 quiómetros em linha recta... Nesta operação, partiriam às 9h00 da amanhã, com um intervalo às 12h00 para descanso e pernoitando às 17h00 num trilho que conduzia a Galo Corubal, para prosseguirem às 3h30 da manhã para Satecuta e, por fim, Seco Braima, acampamento que foi assaltado, já de manhã, cerca das 7h00... A toque de caixa, no regresso, chegariam ao ponto de partida por volta das 13h00... com gente esgotada e desidratada, mais um prisioneiro, combatente (que dali a uma semana levaria a CCAÇ 12 a embrulhar de novo, explorando informações obtidas do seu interrogatório em Bambadinca: Op Borboleta Destemida). Em geral, ia-se uma vez por ano a esta península, na época seca, e com efectivos entre 200 a 250 homens (3 destacamentos), além de apoio da FAP e da artilharia (Mansambo)... (LG)





Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mansambo > CCAÇ 2404 (1969/70) > Aspectos do aquartelamento construído, de raíz, pela CART 2339 (1968/69). Diversas operações em que esteve envolvida a CCAÇ 12 (1969/71)  começavam aqui... Foi o caso da Op Navalha Polida, de assalto à base do PAIGC de Satecuta, na margem


Fotos: © Arlindo Teixeira  (2010) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados




A. Continuação da série A Minha CCAÇ 12 (*), por Luís Graça



(7) Janeiro de 1970: 3 assaltos a objectivos IN

Durante o período de Janeiro a Abril de 1970, coincidindo com a época seca, a CCAÇ 12 desenvolveria uma intensa actividade operacional ofensiva, realizando:



(i) 7 operações a nível de Batalhão (das quais 6 com contacto): por exemplo, Op Navalha Polida, Op Borboleta Destemida e Op Safira Única, só em Janeiro de 1970.


(ii) 3 operações a nível de Companhia (uma com contacto e as outras com vestígios do IN);


(iii)  e ainda 10 acções, além da actividade de rotina (Missão do Sono, Mato Cão, Ponte do Rio Udunduma, tabancas em auto-defesa, colunas logísticas...).


(7.1) Op Navalha Polida: assalto imediato ao destacamento IN de Seco Braima, junto ao Rio Corubal, no subsector do Xitole





Em 2 de Janeiro de 1970, às 5h00, dava-se início à Op Navalha Polida para uma batida à região de Galo Corubal-Satecuta-Seco Braima, e em que participaram mais de 200 homens:  3 Gr Comb da CCAÇ 12 (Dest A), além de forças da CCÇ 2404, a 2 Gr Comb   (Dest B) e CART 2413, a 2 Gr Comb  (+) (Dest C),  estas duas últimas sediadas, respectivamente, em Mansambo e Xitole.

Sabia-se, em consequência da Op Lança Afiada (**), que o IN ocupava a península de Galo Corubal-Satecuta cujas bolanhas eram cultivadas por uma numerosa população de balantas e beafadas.

Mais recentemente um RVIS efectuado pela Força Aérea e uma emboscada que 1 Gr Comb da CART 2413 (Xitole) sofreu entre o Xitole e a Ponte dos Fulas, viriam confirmar a existência de 1 bigrupo naquela área.

A missão das NT era bater a península de Galo Corubal-Satecuta-Seco Braima, procurando aniquilar os elementos IN armados, aprisionar a população e destruir todos os meios de vida.

Desenrolar da acção:
Os 3 Destacamentos encontraram-se por volta das 9h00 perto da ponte sobre o Rio Jagarajá, na estrada Mansambo-Xitole, tendo iniciado imediatamente a progressão a corta-mato em direcção ao objectivo. Por volta das 12h00, fizeram um descanso em (Xime 4B5-5C)



Pelas 17h00 atingiram o local de pernoita (Xime 4A8-48), tendo-se emboscado junto a um antigo trilho que conduzia a Galo Corubal. A instalação foi feita de forma a conseguir-se apoio mútuo entre os três Destacamentos e a neutralizar uma eventual acção de surpresa do IN.

No dia seguinte, às 3h30, os Dest B e C iniciaram, de maneira vagorosa e cautelosa (devido às dificuldades do terreno (capim alto, vegetação densa) o movimento em direcção a Satecuta. E uma hora mais tarde o Dest A (CCAÇ 12) começou a deslocar-se para a região de Seco Braima, tendo ouvido por volta das 7h00 ruídos do pilão e vozes humanas.

Dirigindo-se imediatamente nessa direcção, o Dest A [CCAÇ 12] teve de cambar um curso de água, utilizando uma ponte submersível feita de troncos de cibe, deixando então de ouvir as vozes por se encontrar numa baixa.

Entretanto, o 4º Gr Comb ficava emboscado junto ao ponto de cambança. Continuada a progressão ao longo da margem, ouviram-se de novo vozes. Feita a aproximação de maneira cautelosa, verificou-se que havia ali um destacamento avançado do IN que deveria constituir o dispositivo de segurança próxima da tabanca de Seco Braima.

Como era impossível qualquer manobra de envolvimento sem ser detectado, devido ao capim e à vegetação arbustiva, o Comandante do Dest A deu ordem para que os homens da frente fizessem um assalto imediato. O acampamento foi atacado à granada de mão, tendo-se ouvido gritos lancinantes de dor.

Apesar de surpreendido, o IN reagiu rapidamente com armas automáticas, ao mesmo tempo que retirava, levando dois corpos de arrasto (no terreno havia sinais de arrastamento de 2 corpos através do capim e vestígios de sangue).

Concentrando o fogo na direcção da retirada do IN, os 2 Gr Comb (1º e 2º ) do Dest A tomaram o acampamento que era constituído por 5 casas de mato. Feita a batida a zona, encontrou-se o seguinte material:

5 granadas de RPG-2,
1 carregador de Metralhadora Ligeira Degtyarev,
2 lâminas de carregadores com 18 cartuchos,
além de vários utensílios e um balaio cheio de arroz.

Entretanto, já os Dest B e C tinham atingido o acampamento de Satecuta, de resto abandonado (há uma semana atrás, com vestígios de muitos trilhos recentes). Porém, devido aos rebentamentos que se ouviam da direcção de Seco Braima, alguns elementos IN, de passagem em Satecuta, foram alertados e na fuga seriam interceptados pelo Dest C [CART 2413] que abriu fogo sobre eles.



O  IN reagiu da vários pontos da mata. Na perseguição as NT fizeram um prisioneiro,  de nome Jomel Nanquitande, ferido, deixado para trás pelos seus companheiros, que no entanto recuperaram a sua arma. O seu ferimento não era grave, aos olhos de um tuga. Após uma semana de recuperação e de interrogatórios, o Jomel seria obrigado pelas NT a participar como guia para um assalto de mão ao acampamento IN de Ponta Varela que conhecia bem [, a sudoeste do Xime, na direcção de Madina Colhido]: Op Borboleta Destemida (CCAÇ 12, a 4 GR Comb + CART 2520, a 2 Gr Comb, operação realizada a 13 de Janeiro de 1970, e que descreveremos no próximo poste desta série).


Quase simultaneamente os 2 Gr Comb do Dest A em Seco Braima começariam a ser flagelados com canhão s/r e mort 82, instalados na margem esquerda do Rio Corubal, em frente de Ponta Jai. Foi entretanto pedido apoio aéreo e dada ordem de retirada pelo PCV. Enquanto os bombardeiros T 6 martelavam as posições do IN, as NT retiraram  ordenadamente.

Os 3 Dest encontraram-se na estrada Mansambo-Xitole, por volta das 13h00 do dia 3, tendo o Dest C seguido para o Xitole e os Dest B e A para Mansambo em coluna apeada (até à Ponte dos Fulas e ponte do Rio Bissari, respectivamente). Devido ao elevado cansado de alguns militares dos Dest A e B, foram recolhidos em viaturas no Rio Bissari.

Em resultado da acção das NT, o IN teve 2 mortos prováveis e vários feridos confirmados, além dum capturado.

Durante o mês de Janeiro o IN manifestar-se ainda nos subsectores de Xitole e Mansambo:

(i) a 19, montando 2 minas A/P, na estrada, das quais uma foi accionada por uma viatura, com rebentamento de pneu, e a outra detectada e levantada, verificando-se pela sua análise que estava completamente nova;

(ii) a 20, fazendo um pequeno grupo vindo do sul queimadas na região de Moricanhe  (antigo destacamento de milícias abandonado em meados de 1969, depois do ataque a Bambadinca em 28 de Maio desse ano);



(iii) a 21, flagelando (um grupo não estimado), de SW,  durante 30 minutos, o aquartelamento de Mansambo, com utilização de Mort 82, LGfog e armas automáticas, mas sem consequências para as NT; 


(iv) a 27, às 20h20, flagelando (um grupo não estimado), de NW e SW, durante 2 horas, o destacamento de Taibatá (Pel Mil 242), utilizando 2 Canhões s/r, 2 Mort 60 e LGFog, sem consequências.


No resto do Sector L1, houve ainda as seguintes acções IN durante o mês de Janeiro de 1970:


(v) Um grupo estimado em 15/20 elementos flagelou, de Norte e Oeste, em 5 de Janeiro, às 17h00, durante 20 minutos, o aquartelamento de Missirá (Pel Caç Nat 54 e Pel Mil 201), durante 20 minutos, com recurso a Mort 82, Mort 60, LGFog e armas automáticas, sem consequências;


(vi) Assalto a Nhabijão Bedinca (um das tabancas do aglomerado populacional de Nhabijões), em 7 de Janeiro, por volta das 20h30: um grupo não estimado, vindo do Cuor (a norte), raptou uma bajuda e uma mulher grande;


(vii) Um grupo não estimado emboscou as NT em Xime 3XC7-27, com Mort 82, causando 4 feridos ligeiros, em 14 de Janeiro, no decurso da Op Borboleta Destemida;


(viii) Flagelação, de oeste, durante 15 minutos, do destacamento de Finete (Pel Mil 202), no dia 17, às 18h15, com utilização de Mort 82, LGFog e armas automáticas, sem consequências;


(ix) A 19, uma viatura nossa accionou uma mina A/P, causando rebentamento de um pneu, em Xime 7C-3.


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Fontes consultadas:


História da Companhia de Caçadores 12 (CCAÇ 2590): Guiné 1969/71. Bambadinca: CCAÇ 12. 1971. Cap. II. 21-22.

História do BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70)

Diário de um Tuga 



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 Notas de L.G.



(*) vd. poste de 24 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7852: A minha CCAÇ 12 (12): Dezembro de 1969, tiritando de frio, à noite, na zona de Biro/Galoiel, subsector de Mansambo (Luís Graça / Humberto Reis)


(**) Vd. postes da I Série do nosso blogue:


15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII:Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli


9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas


9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli


14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal